Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4264/12.9TTLSB.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: SANÇÃO DISCIPLINAR CONSERVATÓRIA
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
DECISÃO
PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I – Há dois tipos de procedimentos disciplinares: o que se destina à aplicação de despedimento, a que se aplica o disposto nos art.º 351 e ss. do Código do Trabalho, e aquele que visa a aplicação de sanções conservatórias do vinculo, não sujeito àquelas regras, mais simples e menos garantístico.
II -  Os prazos de 30 dias para a prolação da decisão do despedimento (art.º 357/1, do Código do Trabalho) e de 3 meses para aplicação da sanção (art.º 330/2), ambos qualificados pela lei de caducidade, situam-se em planos diferentes, regendo o primeiro para a prolação da decisão disciplinar e o segundo para a aplicação da pena já determinada.
III – As razões que subjazem à fixação do prazo de 30 dias pelo art.º 357/1 também se verificam no caso de sanções conservatórias, pelo que é de concluir que o empregador tem 30 dias para se resolver, disso dando oportuno conhecimento ao trabalhador, sob pena de ver caducado o direito de proferir decisão condenatória naquele procedimento disciplinar.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
Autora (adiante, por comodidade, designada abreviadamente por A.): AA.
Réu (adiante designadas por R.): BB.
A A. demandou o R. alegando, no essencial, que foi sancionada com a perda de 5 dias úteis de férias, com o agravamento da divulgação no local de trabalho, com fundamento em factos que não se verificaram. Formulou o pedido do seguinte modo:

Deve a acção ser julgada procedente, por provada e, por via dela:
a) Ser o procedimento disciplinar aplicado à A. declarado nulo por caducidade do eventual direito da R. de aplicar a sanção;
Ou caso assim não se entenda transigindo sem jamais consentir,
b) Ser a decisão disciplinar declarada ilícita por não verificados os factos sob que a mesma assentou, tudo conforme articulado supra e, consequentemente,
c) Ser a R. condenada ao pagamento dos valores a título de remuneração no montante global de € 691,95;
d) Ser a R. condenada ao pagamento dos valores a título de danos morais no montante de € 20.000,00;
e) Ser a R. condenada ao pagamento de juros até efectivo e integral pagamento da dívida.
f) Ser a R. condenada a publicitar a declaração de ilicitude da sanção disciplinar na sua sede, em caso de procedência da presente acção.
A ação foi contestada, mantendo a R. a verificação dos factos e a aplicação oportuna da sanção e pedindo a absolvição do pedido.
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Efetuado o julgamento, foi proferida sentença que julgou
a) improcedente a excepção de caducidade do direito a aplicar a sanção disciplinar.
b) improcedente o pedido de revogação da sanção disciplinar e, em consequência, improcedente, também, o pedido de indemnização por danos morais.
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Inconformada, a A. interpôs recurso, concluindo:
(…)
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Contra-alegou o R., pedindo a confirmação da sentença e concluindo:
(…)
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A DM do MºPº teve vista e proferiu parecer ratificando na íntegra a posição expressa nas contra-alegações, inclusivamente quanto à inadmissibilidade do recurso.
A A. não se pronunciou quanto ao parecer, sendo certo que já respondera à questão da sua admissibilidade.
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Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
As questões suscitadas, considerando que o objecto dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 684/3, 660/2 e 713, todos do Código de Processo Civil, consiste em saber se caducou o direito de aplicar a sanção disciplinar e, em caso negativo, se a mesma é proporcional.
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Mas não deixará de se notar, a despeito do despacho que admitiu o recurso, tanto mais que o parecer do MºPº secundou a posição do R. da inadmissibilidade do recurso:
a) está em causa a aplicação de uma sanção disciplinar de perda de 5 dias de férias, com publicação no local de trabalho;
b) o R. não descontou a correspondente retribuição de férias e de subsidio de férias (a A. alegou na pi ter perdido a retribuição de € 691,95);
c) alegou ainda que a publicação da sanção lhe causou grande humilhação pública, agravando o seu estado depressivo/ansioso, com maiores perturbações de sono e de descanso, pressão e nervosismo, pelo que pediu uma indemnização de € 20.000,00;
d) a sentença julgou a ação improcedente, o que significa que a A. sucumbiu no valor da mesma, de € 20.691,95;
de onde se conclui que, atento o valor da ação e da sucumbência e o disposto no art.º 79 (corpo) do CPT e 629/1 NCPC (678/1 do CPC), o recurso é admissível.
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Factos provados (devidamente retificada, nomeadamente com expurgação de matéria conclusiva, lapsos e irrelevâncias):
1. A R. tem por actividade o ministrar cursos de formação profissional vocacionados para o sector alimentar.
2. No exercício da sua actividade a R. admitiu, como sua trabalhadora a A. em 1 de Novembro de 1975, por meio de contrato de trabalho sem termo.
3. Para sob a autoridade, direcção e fiscalização exercer actualmente as funções de técnica administrativa principal.
4. E ainda actualmente se encontra ao serviço da R.
5. Até à data da instauração do presente processo disciplinar a A., com mais de 36 anos de serviço na R., não tinha antecedentes disciplinares
6. A A. tem um horário de trabalho de segunda a sexta - feira das 9H às 17:30H com uma hora e meia para almoço, sendo o Sábado e Domingo dias de descanso obrigatório e semanal.
7. A A. aufere actualmente a quantia ilíquida de base mensal de € 1.384,00 acrescido de € 5,30 a título de subsídio de alimentação pagos pelo R..
8. O local de trabalho da A. é nas instalações da R. identificadas no intróito da petição inicial.
9. A R. no dia 12 de Março de 2012 instaurou processo disciplinar contra a A..
10. A A. apresentou a resposta à nota de culpa em 12 de Abril de 2012, recepcionada pela R. no mesmo dia.
11. Tendo no dia 10 de Maio de 2012, recebida pela A. em 17 de Maio de 2012, a R. decidido aplicar à A. a sanção disciplinar de perda de 5 dias úteis férias com agravamento de divulgação da sanção aplicada, no local de trabalho da A..
12. A A. cumpriu-a de 16 a 20 de Julho de 2012, tendo deixado de usufruir 5 dias de férias dos 30 dias de férias que no ano de 2012 tinha direito a gozar.
14. No dia 5 de Março de 2012, por volta das 15h40, a Autora dirigiu-se ao vigilante da empresa CC, SA, Sr. AMBM.
15. O referido Sr. AMBM estava de serviço na Portaria do Edifico do Réu (Edifício 32-B).
16. Encontrava-se também presente na Portaria o vigilante JCMS.
17. A Autora perguntou então ao Senhor AMBM porque é que os sumários, bem como outros documentos vindos do Lote 22, ainda estavam na portaria.
18, 19. O Sr. JCMS informou a Autora que alguns dos documentos já estavam na portaria desde o dia 2 de Março de 2012.
20. Tendo esta informação sido também confirmada pelo Senhor AMBM.
21. Face a esta resposta, a Autora começou a gritar com o Sr. AMBM.
22. O Sr. AMBM, face ao despropósito do comportamento da Autora, que se lhe dirigia aos gritos, olhou para o seu colega, mas sem dizer qualquer palavra.
23. Ao que a Autora disse, continuando em voz alta, “Olhe para mim! Tá a olhar para o Sr. C porquê? Ele é o seu chefe? Olhe para mim!”.
24, 25. Estes factos ocorreram na portaria das instalações do Réu, numa zona que é de acesso ao público, tendo sido presenciado por prestadores de serviços do Réu (os dois vigilantes supra mencionados), por trabalhadores do Réu (os Senhores OP, LC e JC) e por utentes seus, que estavam nesse local à espera de ser atendidos.
26. Na sequência deste episódio o Sr. AMBM apresentou a 6 de Março de 2012 uma queixa ao Réu, mais propriamente o Relatório de Ocorrências que consta como documento n.º 2, que se dá por reproduzido.
27, 28. Do referido relatório, junto ao processo disciplinar, fls. 1, manuscrito pelo próprio Sr. AMBM, pode ler-se: “Acabando a discussão, comecei a sentir-me mal, com dores no peito e com falta de respiração, com bastante suores frios. Agradeço que esta situação não se repita…. de ser maltratado,… também exijo respeito pela minha pessoa…”.
29. Abriu o Réu um processo disciplinar contra a A. para apuramento dos factos que lhe eram imputados
30, 31. Quanto à publicidade o Réu apenas emitiu o seguinte comunicado com carácter meramente informativo:
“Comunicado – 1/2012 Para: Trabalhadores, Formadores e Formando do BB.
Conforme decisão tomada no âmbito do procedimento disciplinar instaurado pelo BB contra a trabalhadora, Sr.ª. AA, venho por este meio ao abrigo do disposto no n.º 5 do art.º 328.º do Código do Trabalho divulgar o teor da mesma: perda de 5 dias úteis de férias ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 3 do art.º 328.º agravada pelo disposto no n.º 5, do mesmo art.º do Código do Trabalho”.
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De Direito
Da caducidade do direito de aplicação de sanção disciplinar
São estes os factos pertinentes:
Face aos termos como se dirigiu ao vigilante AMBM em 5 de março de 2012 (n.º 14 dos factos provados) o R. instaurou-lhe um procedimento disciplinar em 12 de março de 2012 (9), tendo a A. apresentado resposta à nota de culpa em 12 de Abril, recepcionada pelo R. no mesmo dia (10). No dia 10 de Maio de 2012, recebida pela A. em 17 de Maio de 2012, a R. decidido aplicar à A. a sanção disciplinar de perda de 5 dias úteis férias com agravamento de divulgação da sanção aplicada, no local de trabalho da A. (11). A A. cumpriu-a de 16 a 20 de Julho de 2012, tendo deixado de usufruir 5 dias de férias dos 30 dias de férias que no ano de 2012 tinha direito a gozar (12).
Quanto ao direito, a decisão recorrida entendeu que se aplicava o disposto no art.º 330, n.º 2 do Código do Trabalho, que estipula que “a aplicação da sanção deve ter lugar nos três meses subsequentes à decisão, sob pena de caducidade”, e não o disposto no art.º 357.º, n.º 1, sob a epígrafe “Decisão de despedimento por facto imputável ao trabalhador”, que dispõe que “recebidos os pareceres referidos no n.º 5 do artigo anterior ou decorrido o prazo para o efeito, o empregador dispõe de 30 dias para proferir a decisão de despedimento, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção”, como pretende a A..
Importa fixar alguns traços essenciais do regime aplicável.
Existem, na verdade, não um mas dois tipos de procedimentos disciplinares: o que se destina à aplicação de despedimento, a que se aplica o disposto nos art.º 351 e ss. do Código do Trabalho, e aquele que visa a aplicação de sanções conservatórias do vínculo, não sujeito àquelas regras, mais simples e menos garantístico (é claro que em caso de duvida quanto à sanção aplicável, deverá lançar-se mão do primeiro, sob pena de não se poder aplicar validamente o despedimento).
Importa por isso verificar se as normas são aplicáveis ao tipo de procedimento em causa.
Interessa-nos em especial ver as regras que disciplinam os prazos.
Há desde logo um prazo de prescrição da ação disciplinar, isto é, um lapso para o empregador, após ter conhecimento dos factos, dar, impreterivelmente, inicio ao procedimento 329/2: 60 dias.
Há também um prazo de prescrição da infração, independentemente do conhecimento do empregador: um ano a contar da sua ocorrência, podendo, porém, ser maior se o facto constituir crime: art.º 329/1.
Estes dois prazos são cumulativos, o que significa que não poderá proceder-se contra o trabalhador logo que o primeiro finde.
Mas há mais. Desde logo há um prazo de prescrição de um ano do procedimento disciplinar após a sua instauração (art.º 329/3), como a forma de “evitar que, por delongas procedimentais, se mantenha por mais de um ano a situação de impasse relativamente ao trabalhador” (Romano Martinez e outros, Código do Trabalho Anotado, 8ª ed., 881).
O art.º 357/1, acima transcrito, prevê o prazo de 30 dia para a prolação da sanção do despedimento.
E há que trazer ainda à colação o disposto no art.º 330/2, também transcrito, que prevê o prazo de 3 meses para aplicação da sanção.
A lei qualifica estes dois prazos como de caducidade.
Importa distinguir, ao interpretar o ultimo preceito, a diferença entre a prolação e a aplicação da sanção.
A primeira prende-se com a emissão da decisão, e equivale, no processo judicial, à sentença, à declaração do direito.
A segunda está já no âmbito da sua execução, quer dizer, no da realização efetiva da mesma: a sanção é aplicada quando o arguido é sujeito a ela.
Neste sentido, escreve, por todos, Nuno Abranches Pinto, in Instituto Disciplinar Laboral, Coimbra Ed., 121, referindo-se ao art.º 330/2, que “está em causa o tempo decorrido entre a decisão de aplicação da sanção e a concretização dos efeitos da mesma na esfera do trabalhador”.
Daqui resulta que a R. tem laborado em erro ao defender o argumento de que o prazo previsto no art.º 330/2 para a prolação da decisão: é que este prazo não se aplica aqui mas à sua execução. De outro modo: quando a lei fala em aplicar a execução supõe claramente que já foi houve decisão no procedimento disciplinar, e por isso refere “três meses subsequentes à decisão”; não quer dizer que o empregador tem três meses para proferir a decisão.
E como este argumento foi acolhido na sentença, obviamente não a podemos acompanhar.
O que devia ter sido perguntado é se este prazo, previsto para a forma mais pesada, pormenorizada e garantística do procedimento disciplinar, deve ser aplicado à forma mais simples, que rege as sanções conservatórias do vínculo laboral, como a aqui aplicada.
Com efeito, não prevendo a lei especificamente um prazo para esta decisão, há que saber se esta norma se aplica por analogia (art.º 10º do Código Civil).
Há analogia quando para o caso omisso valem as mesmas razões justificativas da regulamentação prevista na lei.
O período de 30 dias foi considerado razoável pela lei, em casos muito graves – ou seja naqueles em que não é exigível a manutenção da situação laboral, aplicando-se, pois, a mais grave das sanções, o despedimento fundado em justa causa subjetiva, art.º 330/1/f – para o empregador refletir e decidir. Acentua-se que não é uma decisão ligeira, que se tome levianamente, sem pesar devidamente todos os prós e contras: mexe profundamente com a vida do trabalhador e de alguma sorte também com o empregador, ao menos no seio das pequenas organizações, sendo certo que a ação injustificada poderá levá-lo a ter de indemnizar os danos de aí resultantes.
Ora, se 30 dias chegam para tomar uma decisão que se quer refletida e que obedece a critérios materiais e formais pesados, por maioria chega para decidir num procedimento mais ligeiro, como é o que aqui acontece. Ou seja, as razões são as mesmas aqui e ali, justificando-se exatamente o mesmo prazo de 30 dias (poderia discutir-se, sim, a eventual aplicação de um lapso de tempo inferior; mas não cremos que se possa, sem artificialidade nem arbítrio, proclamar prazo diferente, vg, 20 dias ou outro).
A R. teve conhecimento da resposta da A. em 12 de abril e levou ao conhecimento da A. a sua decisão mais de 30 dias depois (ainda que haja decidido em 10 de maio, tal só chegou ao conhecimento da trabalhadora no dia 17). Trata-se de uma declaração receticia, que produz efeitos quando chega ao destinatário, art.º  224 Código Civil (como decidiu esta Relação de Lisboa, no acórdão de 28-11-2007 (relator Ramalho Pinto) “I- O prazo de caducidade do direito de aplicar a sanção, previsto no artº 415º, nº 1, do CT, começa a contar-se a partir da data da realização da última diligência probatória requerida na resposta à nota de culpa, e não da última a que a entidade empregadora proceda, por sua iniciativa, posteriormente àquela. II- O que releva, para efeitos da citada disposição legal, não é a data da decisão disciplinar, mas sim o do conhecimento, pelo trabalhador, da mesma”).
Sendo assim, já tinha efetivamente caducado o prazo para a prolação da sanção.
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Do exposto resulta que a R. não podia sancionar a A., não por materialmente inexistir qualquer ilicitude mas por razões processuais.
Procede assim o recurso, em suma, pela verificação da caducidade, devendo ser reposta a situação da A. no estado em que estaria se não tivesse sido aplicada a decisão referida.
Fica prejudicada a questão relativa à desproporcionalidade da sanção.
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DECISÃO
Pelo exposto, o Tribunal julga procedente o recurso e declara nulo o direito da R. de decidir aplicar a sanção em causa à A., face ao decurso do prazo de caducidade.
Custas do recurso e da ação pela R. recorrida.

Lisboa, 21 de maio de 2014
Sérgio Almeida
Jerónimo Freitas
Francisca Mendes
Decisão Texto Integral: