Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | TERESA SOARES | ||
Descritores: | MARCAS NOVIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/07/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
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Sumário: | I - Para excluir a novidade de uma marca exige-se que os sinais em confronto sejam idênticos ou por tal forma semelhantes que possam induzir em erro o consumidor médio. Na aferição da novidade a comparação que define a semelhança verifica-se entre um sinal e a memória que o consumidor possa ter do outro. II - A apreciação da semelhança fonética entre marcas é alcançada pela equivalência quantitativa das sílabas que as compõem, pela identidade da sílaba tónica e pela ordem das vogais. III – Ocorre risco sério de confusão entre as marcas MONSARAZ e MONSARROS pois que, para além da semelhança gráfica se mostrar de forte impacto, a dissemelhança fonética decorrente da diferente tonicidade mostra-se insuficiente para efeitos de afastar a semelhança globalmente considerada. (G.A.) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa “C, CRL.” pessoa colectiva veio interpor recurso do despacho do Director da Direcção de Marcas do Instituto da Propriedade Industrial que concedeu o registo da marca nacional “MONSARROS”, no processo em que é requerente M, Lda, por considerar que a marca registanda constitui imitação das marcas , de cujo registo é titular: CASTELO DE MONSARAZ PORTA DE MONSARAZ TERRAS DE MONSARAZ
Julgado improcedente o recurso, apelou para este Tribunal.
Atento o teor das conclusões das alegações da apelante a única questão a decidir consiste em saber se “Monsarros” constitui imitação da marca “Monsaraz”.
Nas contra alegações, pugna-se pela manutenção da decisão recorrida.
Nada obsta ao conhecimento do recurso, não existindo questões prévias de que cumpra conhecer.
Está provado que: 1 - Por despacho de 31 de Dezembro de 2003, publicado no Boletim da Propriedade Industrial nº 3/2004 de 31 de Março, o Sr. Director de Marcas do I.N.P.I., por sub-delegação de competências, concedeu protecção ao registo da marca nacional nº 364.154 - “MONSARROS”.--- 2 - Tal registo foi pedido a 20 de Maio de 2002 e destina-se a assinalar na classe 33ª: “Vinhos". 4 - A recorrente é titular do registo das seguintes marcas nacionais: -- a) 329.598 "MONSARAZ" fig., pedido em 2 de Abril de 1998 e concedido por despacho de 1 de Agosto de 2001; b) 346.639 "CASTELO DE MONSARAZ", pedido em 18 de Maio de 2000 e concedido por despacho de 10 de Outubro de 2000; c) 363.562 "PORTA DE MONSARAZ", pedido em 24 de Abril de 2002 e concedido por despacho de 3 de Julho de 2003; d) 363.564 "TERRAS DE MONSARAZ", pedido em 24 de Abril de 2002 e concedido por despacho de 4 de Julho de 2003; 5 - Todas as marcas referidas em 4) assinalam, na classe 33ª, “vinhos”.
Apreciando: A matéria em apreço insere-se no âmbito da Propriedade Industrial dispondo-se no art.º 1 do respectivo código (provado pelo DL 36/2003 de 5/3): “A propriedade industrial desempenha a função de garantir a lealdade de concorrência pela atribuição de direitos privativos sobre os diversos processos técnicos de produção e desenvolvimento da riqueza”.
Este diploma dá-nos a noção de “concorrência desleal” no art.º 317.º enumerando algumas das situações mais correntes, donde destacaremos a al.a), pela sua pertinência para os autos: “Constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, nomeadamente: a) Os actos susceptíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços concorrentes, qualquer que seja o meio empregue;…”
A protecção jurídica dada à “MARCA” constitui assim um dos meios de obstar à criação de situações de deslealdade entre os que concorrem no campo comercial e industrial. NOÇÃO DE MARCA Citando Carlos Olavo in “Propriedade Industrial”, vol.I, 2.ª ed. p. 71: “A marca é o sinal que serve para diferenciar a origem empresarial do produto ou serviço proposto ao consumidor, e por isso se integram os sinais distintivos do comércio, Constitui, aliás, o primeiro e mais importante dos sinais distintivos do comércio, pois já nos tempos romanos se dá notícia da marca “Liquorem Optimum M. Volusi” aposta por um locandeiro Lucius Volusus Faustus nas ânforas de bebida que vendia. Marca pode assim ser definida, em termos gerais como o sinal adequado a distinguir os produtos e serviços de um dado empresário em face dos produtos e serviços dos demais. Ou, por outras palavras, o sinal destinado a individualizar produtos ou mercadorias, ou serviços, e a permitir a sua diferenciação de outros da mesma espécie.”
Esta noção está legalmente consagrada no art. 222.º, n.º 1, do CPI: “a marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto, ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
Na composição da marca vigora o princípio da liberdade, com limites de duas ordens: a)limites intrínsecos, respeitantes aos sinais em si mesmo considerados e à susceptibilidade de constituirem marca- art.º 222.º 1; b)limites extrínsecos, respeitantes aos sinais confrontados com situações anteriores.
Atinente aos limites extrínsecos da marca destacam-se as normas constantes das als. f), g), h) e m) do art.º 239.º. Em aproximação ao caso dos autos, verificamos que é fundamento de recusa do registo da marca: “al. m) Reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada.”
Com ligação directa a este dispositivo temos o art.º 245.º que nos fornece a noção de “imitação / usurpação”: “A marca registada considera-se imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando cumulativamente: A marca registada tiver prioridade; Sejam ambas destinadas a assinalar produtos idênticos ou afins; Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.”
No caso dos autos estão verificados os dois primeiros requisitos, como aliás consta da sentença recorrida, nenhuma questão se suscitando a tal propósito. Quanto à verificação ou não do terceiro requisito, que é o cerne da discussão, escreveu-se na sentença recorrida: “Analisando as marcas "MONSARAZ" verifica-se que nelas a sílaba tónica é a última que se lê "rás". Por sua vez na marca recorrida a sílaba tónica é a segunda que se lê "sá". Daqui resulta que em termos fonéticos, e não obstante a primeira sílaba de cada palavra ter o mesmo som "mon", as diferenças são mais significativas que as semelhanças "sá-rros" e "sa-rás" . Foneticamente não há, pois, semelhança entre as marcas. --- Também ideograficamente a semelhança inexiste sendo certo que a recorrente alega tal semelhança mas escusa-se a concretizar o porquê de tal conclusão. --- Por outro lado não se pode concluir, como pretende a recorrente, que o consumidor vai associar as marcas e julgar tratar-se de uma variante das marcas da recorrente. É que todas as suas marcas são caracterizadas por conter a palavra "MONSARAZ". Nenhuma das marcas da recorrente tem como núcleo central uma qualquer "variante" desta palavra, pelo contrário, todas elas giram à sua volta. Logo, não se percebe como é que se pode afirmar que o consumidor pode ver a marca recorrida como uma variante das marcas da recorrente. Inexiste, pois, a semelhança exigida pelo legislador para que se verifique a imitação. É que, não obstante a idêntica grafia da primeira parte da parte, o consumidor médio facilmente distingue as marcas sem necessidade de confronto entre ambas ou de exame prévio. Analisadas no seu conjunto as marcas são facilmente distinguíveis aos olhos do consumidor médio do tipo de produtos em causa. Significa isto que não se pode considerar haver uma semelhança entre as marcas que permita afirmar ser a marca recorrida imitação da marca da recorrente. ---“
Critica a recorrente a sentença em recurso alegando que, a Sra. Juiz, usou métodos de análise que vão ao arrepio da jurisprudência e doutrina dominantes, pois “procedeu ao exame comparativo das marcas em confronto por via da dissecação analítica, em detrimento da do critério da intuição sintética à imagem resultante dos conjuntos MONSARROS/MONSARAZ.” Vejamos se assim é.
O Prof. Ferrer Correia, in Lições de Direito Comercial, 329, diz-nos que: “a imitação de uma marca por outra existirá quando, postas em confronto, elas se confundam. Mas existirá ainda quando, tendo em vista a marca a constituir, se deva concluir que é susceptível de ser tomada por outra de que se tenha conhecimento.”
Consignam-se assim os denominados princípios da novidade e especialidade da marca, isto é, para excluir a novidade da marca exige-se que os sinais em confronto sejam idênticos ou por tal forma semelhantes que possam induzir em erro ou confusão o consumidor médio, mas também que se reportem aos mesmos (ou a semelhantes) produtos ou serviços.
Na aferição da novidade, importa não esquecer que a comparação que define a semelhança se verifica entre um sinal e a memória que o consumidor possa ter de outro.
A matéria em análise tem vindo a ser objecto de largo estudo, quer a nível doutrinal quer jurisprudencial. Assim, permitimo-nos seguir de perto o Ac. do STJ de 200-10-03, www.stj.pt, processo 03B2236, relatado pelo Exmo. Conselheiro Fernando Girão, quer pela resenha doutrinal que aí se faz, quer por nos merecer concordância a posição tomada em situação com alguma afinidade com a dos autos. Passamos assim a transcrever: “A lei não enumera - nem nunca poderia enumerar, sob pena de estrangulamento da actividade económica - os casos de semelhança entre marcas. Também no caso dos autos se nos afigura que o julgador efectuou o percurso contrário ao unanimemente aceite como correcto: devem procurar-se mais as semelhanças que as diferenças. “O consumidor quando compra determinado produto marcado com um sinal semelhante a outro, que já conhecia, não tem à vista (em regra) as duas marcas, para fazer delas um exame comparativo. Compra o produto por se ter convencido, pela marca que o assinala, que é aquele que retinha na memória”. Ferrer Correia in Lições…, p 329. Sendo a comparação dos sinais feita de forma sucessiva é a memória do primeiro que existe na mente do consumidor, quando é confrontado com o segundo sinal, pelo que apenas as semelhanças ressaltam. No dizer de Carlos Olavo, in ob.cit.p.102 “…tem especial relevância a capacidade dos elementos que compõem o primeiro sinal para perdurar na memória do público. Os elementos fonéticos são mais idóneos para perdurar na memória do público que os elementos gráficos ou figurativos. Daí que, quanto às marcas nominativas, o aspecto a considerar em primeiro lugar seja o da semelhança fonética.” Para apreciar a semelhança fonética têm sido avançados, pela nossa jurisprudência, alguns critérios que têm interesse para o caso. São eles os seguintes: a) a equivalência quantitativa das sílabas que as compõem; b) a identidade da sílaba tónica; c) a ordem das vogais.
No caso, as sílabas equivalem-se, quantitativamente: Mon-sa-raz/Mon-sar-ros. Foneticamente, na sentença, houve que atender à tonicidade para se apontar a diferença – têm como sílabas tónicas “RAZ” e “SAR”. A tonicidade é assim, substancialmente diferente. A semelhança é inequívoca quanto às duas primeiras sílabas – MONSA. A ordem das vogais também é a mesma, quanto às duas primeiras. Só diferem, pois, nas sílabas tónicas. Graficamente, temos identidade das 6 primeiras letras, diferindo as restantes – 2 para Monsaraz (AZ) e 3 para Monsarros (ROS). Concluímos assim que, em termos gráficos, a semelhança é de forte impacto, impacto esse que será minorado para dissemelhança fonética, decorrente da diferente tonicidade, mas que ainda assim não deixa de ser impressiva a semelhança globalmente considerada –fonética e gráfica -. Por isso, no caso, entendemos haver sério risco de confusão. O que importa atender é à impressão global junto do público consumidor que, em regra, desvaloriza os pormenores e se concentra nos elementos fundamentais, dotados de maior eficácia distintiva. - ver Luís Couto Gonçalves in “Direito das Marcas”, 133.
A marca “Monsaraz” tem uma implantação no mercado dos vinhos muito marcada, facto notório e público. É uma marca presente na generalidade das superfícies comerciais, quer sejam grandes, médias ou pequenas. Uma parte muito significativa dos restaurantes portugueses, quer sejam da gama alta, media ou baixa, tem na sua carta de vinhos esta marca. É um dos vinhos alentejanos da gama baixa/média com maior notoriedade, o que quer dizer que o consumidor comum, quer nas lojas quer nos restaurantes, está deveras familiarizado com esta marca, sendo sempre conotada com “vinho alentejano”, a par doutros como Borba e Monte Velho sem esquecer que tem exactamente o nome de duas localidades alentejanas bem conhecidas”Reguengos de Monsaraz” e “Monsaraz”. Por sua vez, “Monsarros” terá a sua raiz na localidade “Vila Nova de Monsarros”, freguesia pertencente ao Concelho de Anadia, distrito de Aveiro, Região da Beira Litoral, conforme ver se pode no site http://mapadeportugal.net. Esta localidade insere-se, na área vinícola, na “Região Demarcada da Bairrada” – pesquisa no site “Google” www.bairradaindustrial.com. Contudo, trata-se de uma localidade sem visibilidade que se compare a Monsaraz. Portanto, o facto de ambas as marcas se reportarem a localidades, não pode servir para afastar as apontadas semelhanças, dado que Monsarros não é uma localidade que, actualmente, se possa dizer ser da generalidade do conhecimento do homem médio português (embora, durante este estudo, tenhamos ficado a saber que é uma localidade que festejou, em 2006, um milénio de existência e que faz parte do percurso da generalidade dos passeios e comemorações integradas em festejos e em Feiras ligados ao “vinho”e à Região Demarca da Bairrada.)
Numa visão objectiva e de conjunto dos seus elementos integrantes, afigura-se-nos que a semelhança existente, maxime no plano gráfico, entre a marca registanda [MONSARROS] e a marca anteriormente registada pela apelante [MONSARAZ] comporta, em termos relevantes, o risco de o consumidor médio, procedendo à sua associação, incorrer em erro ou confusão, ou seja, de tomar uma pela outra (Cfr. Ferrer Correia, ob.cit, p. 347), sobretudo se atentarmos que os produtos que se destinam a assinalar são, em ambos os casos, “vinhos”. “Nos caso de dupla identidade, ou seja, identidade entre os sinais e identidade entre produtos ou serviços a que estes se destinam, a protecção conferida pela marca regista é absoluta, prescindindo de qualquer outro requisito, por força do art.º 5.º, n.º1, al. a) da Directiva de Harmonização de Marcas.” Carlos Olavo, in ob.cit. p. 104.
Aqui chegados, nada mais nos resta senão concluir que estão preenchidos os requisitos legais da “imitação da marca”, pelo que o registo da marca “MONSARROS” tem que ser recusado, não só por força do disposto no artigo 239º, al. m) do CPI, mas também por força do disposto no artigo 24º, nº. 1, al. d) do mesmo diploma com referência ao artigo 317º, al. a) ou seja, por concorrência desleal. É que também são fundamento de recusa de registo o reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou que esta é possível, independentemente da sua intenção, considerando-se actos de concorrência desleal, entre outros, os susceptíveis de criar confusão com os produtos.
Em face do exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revoga-se a sentença recorrida, e em consequência o despacho do INPI de 2003/12/31, devendo ser indeferido o pedido de registo da marca nº. 364 154 – MONSARROS.
Custas pela apelada. Lisboa, 7/10/07 Teresa Soares Carlos Valverde Granja da Fonseca |