Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8230/2007-1
Relator: RUI VOUGA
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
DELIBERAÇÃO
ASSOCIAÇÃO DE MORADORES
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/06/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I - Nos termos do artigo 9°, n° 1, da Lei 91/95, os proprietários ou comproprietários que têm assento na assembleia são determinados com base nas inscrições prediais. Assim sendo, a certidão predial relativa aos prédios compreendidos nas AUGIs é documento suficiente para, em conjugação com a acta das assembleias, determinar a identidade dos proprietários ou comproprietárias obrigados à comparticipação nas despesas comuns.
II – O dever de comparticipação decorre do direito de propriedade do Apelante sobre tal prédio e não da qualidade de sócio ou não da Apelada. Irreleva, portanto, que o proprietário nunca tenha sido convidado pela Associação para ser seu associado.
FG
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa:
J, inconformado com o Saneador/Sentença que julgou improcedentes os Embargos de Executado por ele deduzidos contra a Execução para pagamento de quantia certa contra ele instaurada pela ASSOCIAÇÃO DE PROPRIETÁRIOS E MORADORES e, consequentemente, determinou o prosseguimento da execução para pagamento das quantias peticionadas,  apelou do referido saneador/sentença, tendo rematado as concernentes alegações com as seguintes conclusões:
“1. A Embargada constituiu-se com a denominação de “Associação de Proprietários Moradores”, por escritura pública de 1992-01-16 (fls. 1 da certidão da escritura);
2. O art.º 3.º dos Estatutos (fls. 6 da certidão) dispõe que “Podem ser associados os proprietários das Q…”;
3.  A al. c) do art.º 22.º dos Estautos (fls. 8 da certidão) dispõe que “À direcção compete admitir associados e propor a sua suspensão ou exclusão”;
4. Os Estatutos da Embargada determinam no seu art.º 3.º as condições necessárias para que se possa ser seu associado, mas não obrigam ninguém a ser seu associado;
5. Os estatutos da Apelada não foram alterados desde a sua constituição em 1992-01-16, como se verifica da certidão do Governo Civil de Setúbal junta como doc. 2 no art.º 8.º destas alegações;
6. A aplicação na acta de 1992-02-22 da Embargada e ora Apelada e na acta da sua Direcção de 1993-08-14 de penalizações ou quotas a não associados seus são ilegais e de nenhum efeito, pelo que não podiam ter sido ratificadas na Assembleia Constitutiva da “AUGI das Q” de 2000-01-22 e, muito menos, assumidas por esta com efeitos retroactivos;
7.  A Embargada não é a “AUGI das Quintinhas Pinheirinho” mas tão só a sua Comissão Administrativa, pelo que, é parte ilegítima na Execução por ter proposto a mesma em nome próprio e não em nome da AUGI;
8. Não existe mora anterior a 2000-01-22, data da constituição da “AUGI – Q”, única credora legal ao abrigo da Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro;
9. A Embargante e ora Apelante, quando tomou conhecimento da existência da “AUGI – Q” prontificou-se a contribuir com a quantia de 1.627.216$00;
10. Mas a Embargada e ora Apelada, que sempre agiu em nome próprio e não em nome da “AUGI – Q”, negou-se a receber aquela quantia sem os juros de mora desde 1993-07-30;
11. Pelo exposto, e pelo que doutamente for suprido por V. Ex.ªs, deve ser revogada a douta sentença recorrida e ser decretada a nulidade do título executivo por ilegitimidade da Embargada e ora Apelada, ou, caso assim se não entenda, ser o pedido exequente fixado no capital de 1.627.216$00, acrescido de juros de mora à taxas legais desde 2000-01-22, data da constituição da “AUGI – Q”, a pagar a esta e não à Apelada, que é apenas a sua Comissão Administrativa, fazendo-se assim JUSTIÇA.”

A Exequente/Embargada ora Apelada contra-alegou, pugnando pela total improcedência da Apelação do Executado/Embargante, tendo extraído da sua contra-alegação as seguintes conclusões:
“1° Apesar das alegações de recurso apresentadas pelos Apelantes serem omissas, subentende-se que as mesmas respeitam apenas à matéria de direito, pois não é referido que o Recurso verse sobre a matéria de facto e os Apelantes não cumprem o estipulado no artigo 690.°-A do CPC.
2° Versando o presente Recurso apenas sob matéria de direito, deverão os Apelantes serem convidados, nos termos do n.° 4 do artigo 690.° do CPC, a procederem às especificações a que alude o n.° 2 do mesmo artigo, ou seja a indicarem quais as normas jurídicas violadas ou as normas que deveriam ter sido aplicadas, pois o Recurso apresentado é completamente omisso quanto a essas especificações
3° Uma vez que é jurisprudência pacífica que o objecto do Recurso é delimitado pelas conclusões apresentadas, salvo melhor opinião, os Apelantes fundamentam o Recurso em duas questões essenciais:
a) Ilegitimidade da Apelada para proceder à cobrança da quantia devida pelos Apelantes, na qualidade de proprietários do terreno dos autos, para as obras de reconversão urbanística das Quintinhas Pinheirinho.
b)  Não existe mora dos Apelados em data anterior a 22 de Janeiro de 2002, pelo que a quantia devida para a reconversão urbanística, a ser devida, deverá ser paga em singelo, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 2000-01-22.
4° Nos termos do disposto no n.° 2 do artigo 684.°-A do CPC, se requer a titulo subsidiário que esse Venerando Tribunal considere como provados, os factos infra referidos, os quais constam na Petição Executiva e , não foram impugnados pelos Apelantes na Petição de Embargos, e são importantes para a boa decisão da causa:
-  Em 27 de Março de 1993, a ora Apelada celebrou com a Câmara Municipal de Almada o acordo pelo qual ficou responsável pela execução das obras de infra-estruturas das Q(artigo 1.° da petição executiva);
-  A Apelada no âmbito desse acordo executou todas as obras de infra-estruturas das Q (artigo 5.° da petição executiva);
- Por deliberação da Câmara Municipal de Almada de 7 de Fevereiro de 1996 foi deliberada a constituição da AUGI das Q, a qual se encontra delimitada pelos artigos cadastrais rústicos 31, 32, 33, 34, 39 e 40 da Secção AJ (artigo 6.° da petição executiva:e deliberação camarária junta à Petição Executiva como Doc. 4);
5° Face ao super exposto, duvidas não restam que o prédio propriedade dos Apelantes está inserido na Área Urbana de Génese Ilegal das Quintinhas Pinheirinho, pelo que se aplica ao presente processo as regras definidas na Lei 91/95 de 2 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei 165/99 de 14 de Setembro.
6° Assim sendo estão os Apelantes, nos termos do n.° 3 do artigo 3.° da referida Lei, obrigados ao dever de comparticipação nas despesas de Reconversão, e incumbe, nos termos do disposto no n° 2 do artigo 55° e na Alínea b) do n.° 1 do artigo 15.°, ambos da Lei 91/95 à Apelada, na qualidade de Comissão de Administração da AUGI, o dever de cobrar as comparticipações devidas;
7° O dever de comparticipação decorre do direito de propriedade dos Apelantes sobre tal prédio e não da qualidade de sócio ou não da Apelada;
8° Não tendo os Apelantes alegado como fundamento dos Embargos a ilegitimidade da Apelada, estão impedidos de o invocarem em sede de Recurso, uma vez que o recurso se destina a reapreciar, questões invocadas em sede de primeira instância que os Recorrentes considerem incorrectamente decididas e não questões novas;
9° Não tendo os Apelantes impugnado as deliberações tomadas na Assembleia de Proprietários realizada em 22 de Janeiro de 2000 no prazo de 60 dias estipulado na referida Lei 91/95, não o poderão fazer em sede de Embargos, pelo que improcede igualmente o segundo fundamento do Recurso.
10° As deliberações tomadas na Assembleia geral de proprietários da AUGI realizada em 22 de Janeiro de 2000, mormente a obrigatoriedade de pagamento e de cobrança de juros com efeitos a partir de 30 de Julho de 1993, foram consideradas legais por dor doutas decisões proferidas pelo Tribunal Judicial da Comarca de Almada, e Acórdãos da Relação de Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça.
11° Por tudo o exposto, não deve a sentença proferida pelo tribunal a quo merecer qualquer censura, devendo manter-se integralmente, por dela resultar a correcta aplicação da justiça.”.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
O  OBJECTO  DO  RECURSO
Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pelo Executado/Embargante ora Apelante que o objecto da presente Apelação está circunscrito a três questões:
a) Se a Embargada/Apelada não dispõe de legitimidade para proceder à cobrança da quantia devida pelo Embargante/Apelante, na qualidade de proprietário do terreno dos autos, para as obras de reconversão urbanística das Q, já porque os Estatutos da Embargada determinam (no seu art.º 3.º) as condições necessárias para que se possa ser seu associado, mas não obrigam ninguém a ser seu associado, sendo certo que o Embargante desconhecia a existência da Embargante e nunca foi convidado pela Embargada para ser seu associado, ao que acresce que a Embargada nunca efectuou quaisquer obras de infra-estruturas no terreno da Embargante, já porque a Exequente e Embargada e ora Apelada é apenas a Comissão Administrativa da “AUGI das Q”, sendo certo que a Execução deveria ter sido proposta pela “AUGI das Q”, também designada por “Área Urbana de Génese Ilegal do Núcleo 26”, e não pela sua Comissão Administrativa;
b) Se não existe mora do Embargante anterior a a 22 de Janeiro de 2002, data da constituição da “AUGI – Q”, única credora legal ao abrigo da Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, pelo que a quantia devida para a reconversão urbanística, a ser devida, deverá ser paga em singelo, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 22-01-2000.

MATÉRIA DE FACTO
Factos  Considerados  Provados na 1ª Instância:

Os factos que a sentença recorrida elenca como provados são os seguintes:
A) Por escritura pública lavrada em 12 de Setembro de 1969 no 14.º Cartório Notarial de Lisboa, Carlos Mendonça Arrais e Joaquim Luís Vieira declararam por escrito, perante notário, o primeiro vender e o segundo comprar um lote de terreno para construção, não urbanizado, com a área de 924 m2, designado pelos n.ºs 144, 145 e 146, sito na Q, Charneca da Caparica.
B) Mostra-se descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.º 26003 a fls. 149 verso do livro B-79, o prédio rústico, composto de terreno com a área de 924 m2, destinado a construção, designado pelos lotes 144, 145 e 146, sita na Q, freguesia de Charneca da Caparica, a confinar do norte com caminho particular, do sul, nascente e poente com J, inscrito na matriz sob o art. 34 da secção AJ.
C) Este prédio foi desanexado do prédio descrito sob o n.º 130 a fls. 166 verso do livro B- 1.
D) Sobre o referido prédio encontra-se inscrita aquisição a favor do embargante, residente na Rua, em Lisboa, por compra, pela apresentação n.º 43 de 11/12/1981 (inscrição n.º 73.950, a fls. 197 verso do livro G-132).
E)  No dia 22 de Janeiro de 2000, realizou-se a assembleia constitutiva da AUGI Q tendo sido aprovados todos os pontos da ordem de trabalhos:
- deliberar promover a reconversão da AUGI;
- aprovar o projecto de reconversão entregue na Câmara Municipal de Almada e a solução urbanística preconizada, a que corresponde o processo de loteamento n.º L.O. 658/90;
- composição da Comissão de Administração Conjunta e sua eleição, propondo-se seja mandatada a Associação de Proprietários e Moradores de Q nos termos do n.º 2 do art. 55.º da Lei n.º 91/95, para exercer as funções da Comissão de Administração;
- escolha da sede da AUGI;
- ratificação do acordo celebrado entre a Associação de Proprietários e Moradores de Q e a Câmara Municipal de Almada, para a execução das obras de infra-estruturas da zona das Q;
-  ratificação das deliberações da assembleia geral de proprietários moradores de Q, de cada proprietário de um lote com área até 335 m2 pagar a quantia de Esc. 600.000$00 a título de comparticipação para as obras de Reconversão Urbanísticas das Q, e os proprietários de lotes cuja metragem seja superior àquela pagarem mais Esc. 1.744$00 por cada m2 de área excedente;
- ratificação da deliberação da assembleia geral de proprietários moradores  de Q e da Direcção cobrar a título de juros de mora uma taxa mensal de 2% sobre o capital em dívida a partir de 30 de Julho de 1993;
- deliberar sobre a redução da taxa de juros moratórios para 15% ao ano no período compreendido entre 30 de Julho de 1993 e 29 de Setembro de 1995 e de 10% ao ano a partir de 30 de Setembro de 1995, até ao dia 14/04/99 e à taxa anual de 7% desde esse dia até à data em que os incumpridores cumpram com a sua obrigação de pagamento, com restituição no acto de repartição das constas finais da Administração Conjunta das quantias cobradas em excesso;
- eleição da comissão de fiscalização para o ano 2000;
- outros assuntos.

F) À acta dessa assembleia encontra-se anexa a lista dos presentes, assinada pelos mesmos.
G) O embargante foi convocado para essa assembleia por carta registada, com aviso de recepção, dirigida para a morada referida em D), que foi devolvida ao remetente por não ter sido reclamada.
H) A convocatória dessa assembleia, incluindo a ordem de trabalhos, foi publicada no jornal Correio da Manhã de 21/12/1999.
I) Por extracto, foi publicada no jornal Correio da Manhã de 03/02/2000 a acta da assembleia referida em E).

O  MÉRITO  DA  APELAÇÃO
a) A ILEGITIMIDADE DA EMBARGADA/APELADA PARA PROCEDER À COBRANÇA DA QUANTIA DEVIDA PELO EMBARGANTE/APELANTE, NA QUALIDADE DE PROPRIETÁRIO DO TERRENO DOS AUTOS, PARA AS OBRAS DE RECONVERSÃO URBANÍSTICA DAS QUINTINHAS PINHEIRINHO
Sustenta ao Embargante ora Apelante que a Embargada/Apelada não dispõe de legitimidade para proceder à cobrança da quantia devida pelo Embargante/Apelante, na qualidade de proprietário do terreno dos autos, para as obras de reconversão urbanística das Q, já porque os Estatutos da Embargada determinam (no seu art.º 3.º) as condições necessárias para que se possa ser seu associado, mas não obrigam ninguém a ser seu associado, sendo certo que o Embargante desconhecia a existência da Embargante e nunca foi convidado pela Embargada para ser seu associado, ao que acresce que a Embargada nunca efectuou quaisquer obras de infra-estruturas no terreno do Embargante, já porque a Exequente e Embargada e ora Apelada é apenas a Comissão Administrativa da “AUGI das Q”, sendo certo que a Execução deveria ter sido proposta pela “AUGI das Q”, também designada por “Área Urbana de Génese Ilegal do Núcleo 26”, e não pela sua Comissão Administrativa.
Quid juris ?
Antes de mais, importa ter presente que o artigo 8°, n° 1, da Lei n° 91/95, de 2 de Setembro, consigna que "o prédio ou prédios integrados na mesma AUGI ficam sujeitos a administração conjunta, assegurada pelos respectivos proprietários ou comproprietários". E o n° 2 do mesmo artigo institui como órgãos de administração: a) – a assembleia de proprietários ou comproprietários; a comissão de administração; a comissão de fiscalização.
Por seu lado, o n° 1 do artigo 9° do mesmo diploma determina que: "Têm assento na assembleia os proprietários ou comproprietários cujo direito esteja devidamente inscrito na conservatória do registo predial competente ... .
O artigo 15°, n° 1, alínea b), confere à comissão de administração a competência para "elaborar os mapas de comparticipação e cobrar as comparticipações, designadamente para as despesas do seu funcionamento, para execução dos projectos, acompanhamento técnico do processo e execução das obras de urbanização". E o artigo 9°, n° 2, alínea f), na redacção da Lei n° 165/99, de 14 de Setembro, atribui à assembleia competência para aprovar os mapas referidos na alínea b) do nº 1 do predito artigo 15°. De notar que esta competência não estava expressamente prevista na versão originária desse normativo: dele apenas constava, no que aqui releva, a competência para aprovar os orçamentos apresentados pela comissão de administração para a execução das obras de urbanização (alínea f) e as contas da responsabilidade da dita comissão (alínea g).
Como vimos, nos termos do cit. artigo 9°, n° 1, da Lei 91/95, os proprietários ou comproprietários que têm assento na assembleia são determinados com base nas inscrições prediais. Assim sendo, a certidão predial relativa aos prédios compreendidos nas AUGIs é documento suficiente para, em conjugação com a acta das assembleias, determinar a identidade dos proprietários ou comproprietárias obrigados à comparticipação nas despesas comuns.
Perante a matéria de facto julgada provada pelo tribunal “a quo”  e que não é posta em crise pelo Executado/Embargante ora Apelante, dúvidas não restam que o prédio propriedade do Apelante está inserido na Área Urbana de Génese Ilegal das Q, pelo que são, in casu, aplicáveis as regras definidas na cit. Lei 91/95 de 2 de Setembro, com as alterações nela introduzidas pela Lei 165/99, de 14 de Setembro.
Assim sendo, está o Executado/Embargante ora Apelante, nos termos do n.° 3 do artigo 3.° da referida Lei, obrigado ao dever de comparticipação nas despesas de Reconversão.
Por outro lado, o dever de comparticipação decorre do direito de propriedade do Apelante sobre tal prédio e não da qualidade de sócio ou não da Apelada. Irreleva, portanto, que o Executado/Embargante nunca tenha sido convidado pela Embargada para ser seu associado.
Do ponto de vista da legitimidade activa, temos que, como o processo de reconversão urbanística das Q teve início em data anterior à entrada em vigor da cit. Lei 91/95, tem aplicação, in casu, a norma contida no artigo 55.° da referida Lei, mormente o seu n.° 2, que estipula que:
"Aos processos de reconversão em curso à data da entrada em vigor da presente lei a assembleia da administração conjunta (...) pode mandatar a entidade que vem promovendo a reconversão do prédio para exercer as funções da comissão de administração".
Uma vez que, nas Q, o processo de reconversão já estava em curso à data da entrada em vigor da cit. Lei 91/95 e era a ora Apelada a entidade que vinha promovendo a reconversão do prédio - como se demonstra pelo facto de ela ter assinado com a Câmara Municipal de Almada, em Março de 1993, um protocolo pelo qual a Embargada ficou como responsável pela execução das obras de reconversão urbanística das Q, a assembleia da administração conjunta podia mandatar a Apelada para exercer as funções da comissão de administração.
E foi precisamente isso que ocorreu na Assembleia de Proprietários realizada em 22 de Janeiro de 2000, na qual foi aprovado que fosse a ora Apelada a exercer as funções de comissão de administração.
De modo que, exercendo a Apelada as funções de comissão de administração, é ela (Apelada) que tem a incumbência de receber as comparticipações dos comproprietários, pelo que é parte legítima na execução, de que os presentes embargos são apensos, já que a mesma visa proceder à cobrança coerciva da comparticipação devida pelo ora Apelante, na qualidade de proprietários de um prédio sito na AUGI.
Consequentemente, a apelação do Executado/embargante improcede, quanto a esta questão.

b) Se não existe mora do Embargante anterior a 22 de Janeiro de 2002, data da constituição da “AUGI – Q”, única credora legal ao abrigo da Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, pelo que a quantia devida para a reconversão urbanística, a ser devida, deverá ser paga em singelo, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 22-01-2000.
Na tese do Executado/Embargante, como a “AUGI – Q”, única credora legal ao abrigo da Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, apenas foi constituída em 22 de Janeiro de 2002, o ora Apelante nunca poderia estar constituído em mora antes desta data.
Isto porque a “AUGI” constituída apenas em 2000-01-22 nunca poderia exigir juros de mora relativos a períodos anteriores à data da sua constituição.
Consequentemente, a quantia devida para a reconversão urbanística, a ser devida, deverá ser paga em singelo, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 22-01-2000.
Quid juris ?
Na assembleia de proprietários da AUGI realizada em 22 de Janeiro de 2000, foi deliberado que cada proprietário de lotes de terreno com uma área até 335 m2 teria de pagar 600.000$00 a titulo de comparticipação para as obras de reconversão urbanística das Q, e os proprietários de lotes cuja metragem fosse superior àquela pagariam mais 1.744$00 por cada m2 de área excedente, sendo que sobre tal quantitativo acresceriam juros de mora à taxa legal, desde 30 de Julho de 1993 até integral pagamento.
Ora, a convocatória para a referida Assembleia de Proprietários realizada em Janeiro de 2000 foi publicada no Jornal de 21/12/99 e foi enviada, por carta registada com aviso de recepção para a residência do ora Apelante J constante da inscrição registral do respectivo direito (Rua José Estevão, n.º 76, 3.º andar esquerdo, em Lisboa) – como exige o nº 2 do art. 11º da cit. Lei nº 91/95.
Assim sendo, tal Assembleia foi regularmente convocada.
O ora Apelante J, à data o único titular inscrito do prédio em questão, não esteve presente na Assembleia.
As deliberações tomadas na mencionada assembleia de proprietários de 22/01/00 foram publicadas, em forma de extracto, no jornal de 03/02/2000 – como impõe o nº 5 do art. 12º da cit. Lei nº  91/95 (na redacção introduzida pela cit. Lei nº 165/99).
Assim sendo, e nos termos do n.° 7 do mesmo artigo 12.° da referida Lei 91/95, o aqui Apelante J tinha o prazo de 60 dias, a contar da data da assembleia ou da aludida publicação, para impugnar judicialmente as deliberações tomadas na mencionada assembleia de proprietários.
Não tendo o Apelante impugnado tais deliberações no referido prazo de 60 dias, já não o poderá fazer em sede de Embargos de Executado [5].
Consequentemente, a presente apelação também improcede, quanto a este segundo fundamento.
DECISÃO
Acordam os juízes desta Relação em negar provimento à Apelação, confirmando integralmente o saneador/sentença recorrido.
Custas da Apelação a cargo do Executado/Embargante ora Apelante.
Lisboa, 6.5.2008
Rui Torres Vouga
José Gabriel Silva
Maria do Rosário Barbosa
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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).
[5] Cfr., também no sentido de que, «entendendo os embargantes terem sido lesados com a deliberação da assembleia de proprietários, por não deverem participar nas despesas ou não deverem participar com encargo tão elevado, só lhes restava impugnar judicialmente tal deliberação, no prazo e através da acção respectivos». «E se o tivessem feito é que poderiam ter justificação para deduzir os presentes embargos». «Como não o fizeram, a dedução dos presentes embargos está carecida de fundamento válido», o Acórdão desta Relação de 28/1/2006, proferido no Proc. nº 1245/2005-6 e relatado pelo Desembargador PEREIRA RODRIGUES, cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.