Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
28044/20.9T8LSB-A.L1-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: REQUERIMENTO PROBATÓRIO
PROVA TESTEMUNHAL
TRAMITAÇÃO ELECTRÓNICA DE PROCESSOS
FORMULÁRIO ELECTRÓNICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - A norma constante do art. 7/4 da Portaria 280/2013 de 26/8 (indicação das testemunhas no formulário), revela-se excessiva e desproporcional, porquanto prejudica o direito de acção por parte do autor, uma vez que este, na p.i., elencou o rol de testemunhas.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

A [ Isabel ......] demandou B [ ....Sociedade Imobiliária, Lda. ] e outros indicando na p.i., o rol de testemunhas, bem como a sua identificação – fls. 3 e sgs.
Em sede de despacho saneador foi ordenada a notificação da autora nos termos e para os efeitos previstos no art. 7/4 da Portaria 280/2013 de 26/8 – fls. 49 v.
Não tendo a autora cumprido o ordenado, foi proferido despacho de não admissão do rol, porquanto no formulário apresentado é omissa a identificação das testemunhas – fls. 50.
Inconformada, apelou a autora formulando as seguintes conclusões: 
I. O tribunal a quo proferiu despacho nos termos do qual decide que “Regularmente notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 7/4 da Portaria 280/2013 de 26/8 e decorridos mais de 10 dias, desde a referida notificação, a autora não juntou o formulário preenchido na parte relativa à identificação das testemunhas. Assim sendo, encontrando-se este Tribunal obrigado a considerar apenas o conteúdo do formulário, do qual não consta a identificação de testemunhas, não se admite o rol de testemunhas indicado no anexo com o conteúdo material da peça processual.”
II. A ora apelante apresentou a petição inicial dando integral cumprimento ao que dispõem no arts. 552 CPC (Lei 41/2013, de 26 de Junho), incluindo o que dispõe o seu número 6, quando refere “No final da petição, o autor deve apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova; (…).”, i. é, a Autora apresentou na petição inicial o Rol de testemunhas, porém, inadvertidamente não preencheu a parte do formulário destinado à identificação das testemunhas.
III. Pese embora o tribunal a quo tenha feito um convite à apelante para preencher o formulário com as testemunhas, fê-lo no meio de um despacho saneador de 4 páginas e remetendo esse convite para uma norma jurídica que consta de uma portaria, potenciando dessa forma o resultado que veio a ter, isto é, o convite ao preenchimento do formulário passou despercebido ao seu destinatário.
IV. A decisão de não admitir o Rol de testemunhas por não se encontrar preenchido o formulário, apesar do Rol de testemunhas constar da petição inicial é uma decisão não só ilegal por violação ao art. 552/6 CPC ( Lei 41/2013, de 26 de Junho, como desajustada e desproporcionada, a referida decisão não salvaguarda o conteúdo mínimo do direito a um processo equitativo vertido nos arts. 20/4 e 18/2 e 3 CRP.
V. O despacho que indefere o Rol de testemunhas apesar de este constar do processo, permite, no absurdo, que o cidadão não respeite o comando imposto pelo art. 552/6 CPC, desde que respeite o preenchimento do formulário regulado por uma portaria, sendo uma decisão incompreensivelmente que privilegia a primazia de uma portaria que visa retirar trabalho aos tribunais na tramitação electrónica dos processos judiciais sobre uma Lei da República (leia-se o Código do Processo Civil), facto claramente violador da hierarquia das normas.
VI. Esta decisão compromete o princípio do estado de direito democrático e o direito de acesso à justiça e aos tribunais contido nos arts. 1 e 20 CRP, uma vez que, o Rol de testemunhas assume no direito de acção uma posição de relevo para a prova dos factos em discussão, mesmo considerando que existem outros meios de prova que podem ser convocados.
VII. A obrigação contida no artigo 7/4 da Portaria 280/2013 de 26 de Agosto, que tem em vista facilitar o trabalho na tramitação dos processos judiciais, entra em rota de colisão com o art. 552/6 CPC, uma lei da Assembleia da República, revogando tacitamente uma norma de valor maior através de uma portaria.
VIII. A interpretação feita pelo tribunal a quo compromete direitos fundamentais, como o direito de acção, o direito a um processo justo e equitativo, o princípio do contraditório, princípios que norteiam o actual processo civil      (art. 3/3 CPC), configurando-se nessa medida também como solução excessiva e desproporcionada à luz das regras do processo equitativo decorrentes do art. 20/4 CRP, devendo por estas razões a norma contida no artigo 7º, nº 4 da Portaria 280/2013 de 26 de Agosto, ser lida como: havendo divergência entre o formulário e o conteúdo material da peça prevalece o conteúdo do formulário quando este não comprometa as garantias de defesa o direito a um processo justo e equitativo, o princípio do contraditório.
IX. Assim, deve o recurso ser provido e, em consequência deve ser alterada a decisão recorrida substituindo-se por outra que admita o Rol de testemunhas apresentado pela A., ora apelante, e que estas sejam ouvidas em audiência de julgamento em 1ª instância.
Não foram deduzidas contra-alegações.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
Os factos com interesse constam do relatado supra.
Atentas as conclusões da apelante que delimitam, como é regra, o objecto do recurso – arts. 639 e 640 CPC – a questão a  decidir consiste em saber se há ou não lugar à admissão do rol de testemunhas da autora.
Vejamos, então.
In casu, impugna a apelante a não admissão do rol de testemunhas pelo facto de a sua identificação não constar do formulário disponibilizado para a apresentação das peças processuais (anexo à p.i.).
Os requisitos da p.i. constam do art. 552 CPC (NCPC), constando do seu nº 2 que no final da mesma o autor deve apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova e, caso o réu conteste, o requerimento probatório pode ser alterado na réplica, caso haja lugar à mesma, ou no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação.
Com a entrada em vigor do NCPC (Lei 41/2013 de 26/6) procedeu-se à revisão de um conjunto de matérias que procedem à sua regulamentação, mormente a tramitação electrónica de processos cuja regulamentação, até aqui, constava da Portaria 114/2008, de 6/2.
Destarte, esta Portaria foi revogada pela Portaria 280/2013 de 26/8 (cfr. art. 37) que introduziu alterações ao regime da tramitação electrónica de processos judiciais, citação edital e regime de regulamentação de comunicações electrónicas entre os tribunais e os agentes de execução (cfr. preâmbulo da Portaria).
No seu art. 1º, sob a epígrafe objecto e âmbito, são elencadas as formas de regulamentação da tramitação electrónica dos processos nos tribunais judiciais – processos, sistema informático, peças processuais, requerimentos, documentos, recursos, etc.
Por seu turno, o art. 6/1 dispõe que a apresentação das peças processuais é efectuada através de formulários disponibilizados no endereço electrónico referido no art. anterior (citius) aos quais se anexam: ficheiros com a restante informação legal exigida, conteúdo material da peça processual e demais informação que o mandatário considere relevante e que não se enquadre em nenhum campo dos formulários, de forma individualizada, os documentos que devem acompanhar a peça processual.
E o nº 2 que a informação inserida nos formulários é reflectida num documento que, juntamente com os ficheiros anexos referidos na alínea a) do nº anterior, faz parte, para todos os efeitos da peça processual.
O nº 3 reporta-se à assinatura digital.
Refere o art. 7/1, que quando existam campos no formulário para a inserção de informação específica, essa informação deve ser indicada no campo respectivo, não podendo ser apresentada unicamente nos ficheiros anexos.
2 – Em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários, ainda que estes não se encontrem preenchidos.
3 – O disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de a mesma ser corrigida, a requerimento da parte, sem prejuízo da questão poder ser suscitada oficiosamente.
4 – Nos casos em que o formulário não se encontre preenchido na parte relativa à identificação das testemunhas e demais informação referente a estas, constando tais elementos dos ficheiros anexos referidos na alínea a) do nº 1 do art. anterior, a secretaria procede à notificação da parte para preencher, no prazo de 10 dias, o respectivo formulário, sob pena de se considerar apenas o conteúdo do formulário inicial.
5 – Existindo um formulário específico para a finalidade ou peça processual que se pretende apresentar, deve o mesmo ser usado obrigatoriamente pelo mandatário.
Estipula o art. 195 CPC, regras gerais sobre a nulidade dos actos, que fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Tendo em atenção as normas citadas, afastada está qualquer nulidade pelo facto de não constar do formulário o rol de testemunhas, apresentado em anexo (p.i.).
O art. 20 CRP (acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva) garante a todos o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesse legalmente protegidos impondo igualmente que esse direito se efective, na conformação normativa, pelo legislador e na concreta condução do processo, pelo juiz, através do processo equitativo (due process), contemplando o direito de acção, defesa e probatório.
In casu, tendo em atenção as normas citadas, o preceituado no art. 7/4 da Portaria 280/2013, revela-se excessiva e desproporcional, porquanto prejudica o direito à acção por parte da autora/apelante.
Não se olvide que apesar de nada constar no formulário, o rol consta de p.i., em conformidade com o art. 552 CPC, p.i. esta do conhecimento dos réus/apelantes, aquando da citação, pelo que inexiste qualquer violação do estatuto da igualdade substancial das partes (art. 4 CPC).
Destarte, procede a pretensão da apelante.
Concluindo:
- A norma constante do art. 7/4 da Portaria 280/2013 de 26/8 (indicação das testemunhas no formulário), revela-se excessiva e desproporcional, porquanto prejudica o direito de acção por parte do autor, uma vez que este, na p.i., elencou o rol de testemunhas.

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, consequentemente, revoga-se o despacho impugnado, substituindo-o por outro que admita o rol de testemunhas.
Sem custas.

Lisboa, 27/1/22
Carla Mendes
Rui da Ponte Gomes
Luís Correia de Mendonça