Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4196/19.0T8SNT-A.L1-8
Relator: CRISTINA LOURENÇO
Descritores: SENTENÇA CONDENATÓRIA
EXECUÇÃO
RECLAMAÇÃO DO IVA
INDEFERIMENTO LIMINAR PARCIAL
APERFEIÇOAMENTO DO REQUERIMENTO INICIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/30/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1.– Não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo nas circunstâncias em que se entenda ocorrer falta de título executivo, ainda que circunscrita a uma parte determinada do mesmo (art. 726º, nº 2, al. a), nº 3, e nº 4, do Código de Processo Civil.

2.– A condenação judicial do réu no pagamento de IVA sobre capital determinado na sentença, habilita o credor a reclamar em sede de execução o pagamento do valor do IVA, à taxa legal, a liquidar por recurso a cálculo meramente aritmético, cuja segurança deriva de critérios legais estabelecidos.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.–Relatório:


A [ Ricardo ....] propôs contra B [ Carlos....] ação executiva fundada em sentença judicial condenatória, que corre termos sob o nº 4196/19.0T8SNTL, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo de Execução de Sintra – Juiz 4, resultando do requerimento executivo a seguinte liquidação:
- Valor líquido: € 8.300,00;
- Valor dependente de simples cálculo aritmético: € 793,17;
- Total: € 9.093,17; requerendo, ainda, o pagamento dos juros que continuarem a vencer-se desde a proposição da ação executiva, a serem liquidados a final pela agente de execução, à taxa de juros civis, que atualmente é de 4%.
Com o requerimento inicial da execução e como título executivo, o exequente apresentou a sentença proferida no âmbito do Processo Nº 1693/16.2T8AMD do Juízo Local Cível da Amadora-Juiz 1, proferida em 18 de novembro de 2018, que foi objeto de reforma em 18 de janeiro de 2019 e que transitou em julgado em 18 de fevereiro de 2019.
Em 30 de abril de 2019, ao abrigo do invocado art. 734º, do Código de Processo Civil, foi proferida decisão de rejeição da execução na parte que excedia os limites da condenação, nos seguintes termos:
“(…)

Apreciando.

Compulsados os autos constata-se que a sentença dada à execução julgou “ a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente, condena-se o réu a pagar ao autor a quantia de 6.922,60€, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, a contar da citação, até integral pagamento, absolvendo-se o réu do demais peticionado”.
A referida sentença foi objeto de reforma, passando a constar do decisório o seguinte: “Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente, condena-se o réu a pagar ao autor a quantia de 6.922,60 a título de honorários e ainda o correspondente IVA sobre o valor dos honorários pagos a título de provisão pelo e por liquidar, no total de 8.300,00€, ao que acrescem os juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, a contar da citação, até integral pagamento, absolvendo-se o réu do demais peticionado”.

Pode ler-se no despacho de reforma da sentença o seguinte:
“(… )
Deste modo, o total dos honorários é do montante de 8.300,00€, encontrando-se por liquidar a importância de 6.922,60€, tendo em conta o valor da provisão entregue.
Não compete a este tribunal liquidar o IVA a pagar, porquanto tal matéria é da competência da jurisdição administrativa e fiscal. O que não afasta o dever deste tribunal condenar, porque foi pedido, no pagamento do valor dos honorários e respetivo valor de IVA, sendo que este imposto incide sobre o valor total dos honorários, do montante de 8.300,00.
(…)”

Em face do que acaba de se transcrever, facilmente se conclui que, contrariamente ao que o exequente alega, o executado não foi condenado a pagar àquele a quantia de € 8.300,00. A sentença dada à execução condenou o executado a pagar ao exequente a quantia de €6.922,60, acrescida do valor correspondente ao IVA a calcular sobre o valor de € 8.300,00, pelo que os juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, a contar da citação, até integral pagamento, terão que ser calculados sobre o valor de € 6.922,60 (e não sobre o valor de € 8.300,00).
Nesta conformidade, rejeito a execução na parte que excede os limites da condenação, nos termos supra referidos cfr. artigo 734.º do CPC.
Registe e notifique, sendo o exequente para, em 10 dias, proceder a nova liquidação da obrigação exequenda tendo em consideração o supra decidido.

*

Considerando a decisão supra conclui-se que a sentença dada à execução é muito clara nos seus termos, sendo que o dispositivo constitui a conclusão lógica dos respetivos fundamentos, dos quais (dispositivo e fundamentos) se extrai com linear clareza que o executado foi condenado a pagar ao exequente a quantia de € 6.922,60.
Nesta medida, a afirmação ínsita na exposição de facto do requerimento executivo no sentido de que foi proferida sentença judicial que conferiu força executiva à petição inicial, que condenou a Executada no pagamento do valor de € 8.300,00, para além de não corresponder à verdade, fundamenta uma pretensão manifestamente improcedente.
Com efeito, não obstante o executado ter sido condenado a pagar ao exequente a quantia de € 6.922,60 (acrescida do valor correspondente ao IVA a calcular sobre o valor de € 8.300,00, pelo que os juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, a contar da citação, até integral pagamento, terão que ser calculados sobre o valor de € 6.922,60), o exequente liquida a obrigação exequenda por referência ao valor de capital de € 8.300,00.
O pedido exequendo assim formulado não encontra correspondência no título.
Ora, tratando-se, o exequente, de Ilustre Advogado (em causa própria), a conduta descrita evidencia falta de prudência/diligência que lhe era naturalmente exigível. Termos em que vai o mesmo condenado na taxa sancionatória excepcional que se fixa 4UC cfr. artigo 531.º do CPC.
(…)”

*

Não se conformando com o citado despacho, veio o exequente dele interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1º- O presente recurso vem interposto do douto despacho de fls.___, datado de 30-04-2019, que ficou com a referência 11873457, que, não se conformando com o mesmo, vem o Exequente dele interpor recurso de Apelação, nos termos dos artigos 627º, 629º nº 1, nº 2, alínea a) (parte final), nº 3, alínea c), 631º nº 1, 637º, 638º, nº 1, 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), aplicáveis por remissão do artigo 852º do mesmo compêndio, bem como assim nos termos do disposto no artigo 853º, nºs 3 e 4, do C.P.C., e, ainda, nos termos do artigo 27º, nº 6, do R.C.P., versando o mesmo sobre a parte decisória, designadamente a que rejeitou parcialmente a execução por si apresentada no seu requerimento executivo de fls.___, junto aos autos em 09-03-2019, bem como assim sobre a decisão que o condenou na taxa sancionatória excepcional de 4 UC.
2º- Com relevância factual para a decisão do caso em apreço, devem ser considerados os pontos (i) a (vii) supra reproduzidos, que assim se dão por assentes para os devidos efeitos.
3º- O despacho recorrido rejeitou o requerimento executivo, com base no artigo 734º do C.P.C., porquanto, por um lado, o Executado apenas foi condenado em € 6.922,60 (a título de capital), e, por outro, nos juros de mora à taxa de 4% sobre esse mesmo montante.
4º- Por seu lado, no requerimento executivo, o Exequente peticionou as seguintes quantias: € 8.300,00 (a título de capital); € 738,59 (a título de juros moratórios); € 54,58 (a título de juros compulsórios); tudo perfazendo a totalidade de € 9.093,17.
5º- O artigo 734º do C.P.C. remete para o disposto no artigo 726º do C.P.C., nos termos do qual decorre que as situações previstas nas alíneas do nº 2 devem ser objecto de indeferimento liminar, enquanto que as situações previstas no nº 4 devem dar lugar a um despacho de convite ao aperfeiçoamento. Dito isto, verifica-se que o despacho recorrido não menciona a concreta causa legal (do nº 2 do artigo 726º do C.P.C.), que determinou o seu indeferimento.
6º- O Exequente peticionou, como capital da quantia exequenda, o montante de € 8.300,00, onde incluiu o valor do IVA a que o Executado também foi condenado e, portanto, ao valor dos honorários (de € 6.922,60), o Exequente logo incluiu o montante “correspondente IVA sobre o valor dos honorários pagos a título de provisão pelo e por liquidar, no total de 8.300,00€”. O Tribunal “a quo” poderia ter concluído que esse valor era global (honorários e IVA), e, portanto, não excedia o que a sentença tinha condenado o Executado.
7º- O montante do IVA a que o Executado foi condenado a pagar ao Exequente pode ser imediatamente peticionado nestes autos, uma vez que o seu montante, ainda que resultando genericamente objecto de condenação no título executivo, é apurável por simples cálculo aritmético, sendo que resulta também dos factos que estão abrangidos pela segurança do título executivo e podem ser oficiosamente conhecidos pelo tribunal e agente de execução. Daí que o Exequente podia, como o fez, proceder imediatamente à execução de todo o segmento condenatório constante do título executivo, como resulta, conjugadamente, do disposto nos artigos 704º, nº 6, 716º, nºs 1, 4 e 5, e 724º, nº 1, alínea h), todos do C.P.C..
8º- O segmento condenatório, referente ao IVA, é o seguinte: “condena-se o réu a pagar ao autor (…) e ainda o correspondente IVA sobre o valor dos honorários pagos a título de provisão pelo e por liquidar, no total de 8.300,00€”.
9º- No modesto entendimento do Recorrente, tal segmento condenatório é determinável por simples cálculo aritmético, uma vez que trata-se apenas de aplicar uma taxa (legal) sobre um montante de capital já concretamente definido por sentença (€ 8.300,00).
10º- O IVA determina-se aplicando a taxa ao valor global das prestações de serviços ou transacções, em determinado período de tempo. O resultado apurado desta forma corresponde ao montante a entregar ao Estado (cfr. artigos 7º, 16º, 18º e 37º, todos do C.I.V.A.).
11º- O IVA devido pelo Executado ao Exequente apura-se nos seguintes termos: (i) o Executado foi condenado a pagar, ao Exequente, o montante do IVA a liquidar sobre € 8.3000,00; (ii) na situação em análise, atendendo aos factos provados sob os artigos 1 a 3, aplica-se uma taxa de 23%; (iii) ao montante do IVA acresce, no caso concreto, ao valor dos honorários devidos;(iv) assim: € 8.3000,00 x 23% = € 1.909,00 (mil novecentos e nove euros).
12º- “Em execução de sentença em que seja referida a obrigação de um pagamento sobre que incida IVA, a eficácia do título executivo abrange também as quantias referentes a IVA” (Acórdão do T.R.P., datado de 04-06-2009, processo nº 13712/06.6YYPRT, acessível em www.dgsi.pt).
13º- O Exequente, no requerimento executivo apresentado a fls.___, não deduziu quantia exequenda superior ao que o Executado foi condenado e resulta do título executivo, uma vez que: (i) no título dado à execução consta, como montante devido pelos honorários, o valor de € 6.922,60; (ii) a este montante acresce, segundo o mesmo título executivo, o valor determinado do IVA de € 1.909,00; (iii) o que perfaz que a dívida se quantifique no valor de € 8.831,60 (oito mil oitocentos e trinta e um euros e sessenta cêntimos), a qual é inferior aos € 8.300,00 que constam do requerimento executivo, pelo que inexiste falta ou insuficiência do título (artigo 726º, nº 2, alínea a), do C.P.C.).
14º- O despacho recorrido rejeitou, também quanto aos juros de mora, o requerimento executivo apresentado pelo Exequente, tendo fundamentado que os mesmos deveriam ser contabilizados sobre o montante de € 6.922,60 e não sobre o valor de € 8.300,00.
15º- Na sentença reformada o segmento condenatório dos juros surge logo após a condenação dos honorários e do IVA, o que significa que o Tribunal pretendeu que os juros moratórios fossem calculados sobre as quantias resultantes destes dois segmentos e não apenas sobre os honorários. Neste sentido, o despacho recorrido viola o caso julgado (artigos 619º a 621º do C.P.C.)
16º- Acresce ser pacífica a jurisprudência no sentido em que os valores decorrentes do IVA, sejam devidos a título de fornecimento de bens seja de prestações de serviços, englobam-se no capital em dívida ao credor, constituído um crédito que o mesmo tem sobre o reconhecido devedor. E, constituindo esses montantes um capital em dívida sobre o mesmo vencem-se juros, ao abrigo do artigo 559º do Código Civil.
17º- O despacho de rejeição liminar do requerimento executivo, ainda que parcial, está limitado às situações mais gravosas previstas no artigo 726º, nº 2, e nº 3, do C.P.C., aplicando se também o artigo 734º do citado compêndio.
18º- Em conformidade com o disposto no artigo 726º, nº 4, do C.P.C., não ocorrendo qualquer das situações referidas no seu nº 2, deve, todavia, o juiz convidar o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo. Trata-se de um convite obrigatório, que no caso não ocorreu, e uma vez que imperativamente deveria ter-se verificado a sua omissão determina a nulidade do acto, que se invoca nos termos e para os efeitos do artigo 195º, nº 1, do C.P.C..
19º- No caso apenas poderia ter ocorrido o julgado indeferimento liminar do requerimento executivo apresentado pelo Exequente caso não fosse suprido o vício ou a falta corrigida dentro do prazo marcado (artigo 726º, nº 5, do C.P.C.).
20º- O despacho recorrido indeferiu também o pedido de juros compulsórios deduzido pelo Exequente, no requerimento executivo, no montante de € 54,58.
21º- A sanção pecuniária compulsória é admitida pelo artigo 829º-A, nº 4, do Código Civil, funcionando automaticamente após a correspondente condenação, nem sequer existindo a necessidade de ser requerida em sede de acção declarativa. Tal entendimento resulta ainda da redacção do artigo 716º, nº 3, do actual C.P.C., pelo que os juros compulsórios peticionados nos autos são devidos nos precisos termos peticionados.
22º- Assim, impõe-se a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que admita o requerimento executivo em causa apresentado pelo Recorrente, procedendo-se à subsequente tramitação dos autos ou, assim não se entendendo, que seja proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo, designadamente para efeitos de liquidação de capital, IVA e de juros moratórios e compulsórios. Consequentemente, deve igualmente ser revogada a decisão condenatória do Exequente referente à taxa sancionatória excepcional (determina em 4 UC).
23º- Os artigos 531º do C.P.C. e 10º do R.C.P. permitem a condenação dos sujeitos processuais em taxa sancionatória excepcional, situação esta que foi aplicada ao Exequente em 4 UC. No essencial, esta condenação fundamentou-se, segundo o Tribunal “a quo”, na errada liquidação da obrigação exequenda pelo Exequente, sendo a mesma qualificada como “manifestamente improcedente” e sem “correspondência no título”.
24º- A decisão de condenação do Exequente (nas 4 UC) foi tomada de forma surpreendente, uma vez que não foi precedida de qualquer audição prévia do Exequente quanto à mesma.
25º- Contudo, antes de ter condenado o Exequente na sobredita taxa sancionatória excepcional, deveria o Tribunal “ouvir a parte sancionada, para que se possa defender” (Acórdão do T.R.L., datado de 20-12-2018, processo nº 684/16.8T8ALM-A.L1-7, acessível em www.dgsi.pt).
26º- Donde se conclui que foi violado o disposto no artigo 3º, nº 3, do C.P.C., o que gera a nulidade da condenação da decisão recorrida quanto ao segmento da taxa sancionatória excepcional, nos termos constantes do artigo 195º, nº 1, do C.P.C., que igualmente se invoca.
Consequentemente, deve ser revogado o despacho recorrido, com as legais consequências.
27º- A aplicação da taxa sancionatória excepcional prevista no artigo 531º, do C.P.C., obedece aos requisitos de: (i) fundamentação da aplicação concreta da mesma; (ii) excepcionalidade dessa aplicação; (iii) improcedência manifesta do requerimento; e (iv) falta de prudência ou diligência devida, que terá de ser grave, grosseira, correspondente a uma conduta indesculpável. Nada disto resulta no caso concreto, conforme já verificámos supra e aqui damos como reproduzido para todos e os devidos efeitos.
28º- A conduta do Exequente em nada de relevante entorpeceu o andamento do processo ou implicou uma disposição substancial de tempo e meios injustificadamente. Pelo contrário, como fica visto neste recurso, a posição adoptada pelo Exequente é sustentável em posições jurisprudenciais tomadas em situações similares.
29º- Não se verificando a manifesta improcedência, nem sendo dilatória, ao Exequente não pode ser aplicada a taxa sancionatória em referência, cuja aplicação no caso concreto foi discricionária, não tendo salvaguardo o direito das partes à defesa dos seus interesses pela via processual.
30º- Pelo que se impõe a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que determine a revogação da condenação imposta ao Recorrente a título de taxa sancionatória excepcional (determina em 4 UC)
31º- Por força da decisão recorrida o Tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 3º, nº 3, 195º, nº 1, 531º, 619º a 621º, 704º, nº 6, 716º, nºs 1 a 5, 726º, nºs 2, 3 e 4, e 734º, todos do C.P.C., os artigos 559º e 829º-A, nº 4, ambos do Código Civil, os artigos 1º, alínea a), 7º, 16º, 18º, 27º, 37º, 35º-A, 36º, 40º, 41º e 88º, todos do C.I.V.A., e o artigo 10º do R.C.P., pelo que não lhes foi conferida a devida interpretação e aplicação, conforme acabado de explanar nas presentes alegações.
(…)

Termos em que,
Deverá ter provimento o presente recurso.
Revogando-se o douto despacho de fls.___, ora recorrido, em toda a sua parte dispositiva, a fim de se fazer a tão costumada JUSTIÇA”.

*

Determinada a citação do executado, também para os termos do recurso, o mesmo não veio apresentar resposta.
O recurso foi admitido na 1ª instância e o mesmo foi recebido neste tribunal nos mesmos termos.
Mostrando-se cumpridos os vistos legais, cumpre apreciar e proferir decisão.

II.–Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das partes, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil).

No caso em apreço cabe decidir das seguintes questões:
1.-Saber se nas circunstâncias em que se entenda verificar falta parcial de título executivo pode ocorrer convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo.
2.- Saber se o exequente pode pedir em sede de execução o pagamento do valor correspondente a IVA sobre capital determinado na sentença e que o devedor ali foi condenado a pagar.
3.- Pressupostos da condenação em taxa sancionatória excecional.

III.–Matéria de Facto
Têm interesse para o conhecimento do presente recurso, os seguintes factos, evidenciados pelas decisões certificadas nos autos e cujo teor integral se tem por reproduzido:
1.-O ora exequente A propôs contra B (aqui executado) ação declarativa de condenação, com processo sumário, que sob o nº 1693/16.2T8AMD correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – J1, pedindo a condenação daquele réu no pagamento de honorários e despesas correspondentes aos serviços de advocacia que lhe prestou, bem como nos transtornos que lhe causou, no valor total de € 9.211,60, acrescido de juros de mora calculados à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.
2.-Por sentença proferida em 18 de novembro de 2018, a ação foi julgada parcialmente procedente por provada (não procedeu na parte em que era pedida a condenação em valor pecuniário destinado a ressarcir despesas de cobrança e transtornos), tendo o réu, ora executado, sido condenado a pagar ao autor, ora exequente, a quantia de € 6.922,60, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, a contar da citação até integral pagamento.
3.-A requereu a reforma da sentença\ ao abrigo do disposto no art. 616º, nº 2, als. a) e b), do Código de Processo Civil, com o fundamento de que a sentença era omissa quanto ao valor peticionado a título de IVA à taxa legal em vigor, conforme havia invocado na petição inicial e englobado no pedido deduzido na sobredita ação.
4.-Por decisão proferida em 14 de janeiro de 2019 e com referência ao dito pedido de reforma, foi decidido:
“(…)
Apreciando:
O facto provado em 6. está conforme da alegação do autor (artigo 12º da p.i.), sendo que este não distinguiu os honorários das despesas.
O autor no art. 23º da p.i. alegou que “sobre o montante dos honorários é ainda devido IVA à taxa legal em vigor, que se liquida em € 1.909,00 (mil novecentos e nove euros).”
Ora, esta alegação não constitui facto, é mero cálculo.
Porém, o tribunal não convidou o autor ao aperfeiçoamento do alegado em 12º da p.i., por forma a distinguir o valor dos honorários e despesas.
O tribunal considerou como facto essencial o total dos honorários e despesas conforme alegado pelo autor em 12. da p.i., com o esclarecimento que resulta da motivação.
Assim, é possível distinguir, por via da motivação, o valor dos honorários:
Partindo do princípio, segundo os usos, que a provisão entregue ao advogado é afeta em primeira linha às despesas, a parte sobrante será honorários.
Consequentemente, relativamente ao processo de impugnação de despedimento coletivo os honorários por liquidar correspondem a 4.445,00€; e relativamente ao processo de inventário para partilha na sequência de divórcio os honorários por liquidar correspondem a 2.477,60€ (na motivação da sentença, por mero erro de cálculo, consta 2.477,00€, quando o valor correto é 2.477,60€, o que agora se corrige).
Deste modo, o total dos honorários é do montante de 8.300,00€, encontrando-se por liquidar a importância de 6.922,60€, tendo em conta o valor da provisão entregue.
Não compete a este tribunal liquidar o IVA a pagar, porquanto tal matéria é da competência da jurisdição administrativa e fiscal. O que não afasta o dever deste tribunal condenar, porque foi pedido, no pagamento do valor dos honorários e respetivo valor de IVA, sendo que este imposto incide sobre o valor total dos honorários, do montante de 8.300,00€.
Assim, ao abrigo do disposto no art. 616º, nº al. b) do CPC, reforma-se a sentença na parte do dispositivo passando a constar o seguinte:
“Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente, condena-se o réu a pagar ao autor a quantia de 6.922,60€ a título de honorários e ainda o correspondente IVA sobre o valor dos honorários pagos a título de provisão pelo e por liquidar, no total de 8.300,00, ao que acrescem os juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, a contar da citação, até integral pagamento, absolvendo-se o réu do demais peticionado.
(…)”.

5.–O exequente A apresentou “Requerimento de Execução de Decisão Judicial Condenatória”, dele constando o seguinte:

1º-Por petição inicial datada de 10 de Dezembro de 2016, o Exequente requereu a notificação do Executado para proceder ao pagamento da quantia de € 9 211,60 (Nove Mil Duzentos e Onze Euros e Sessenta Cêntimos), correspondente ao valor global em dívida, tudo conforme consta dos autos a fls.___.
2º-Foi proferida sentença judicial que conferiu força executiva à petição inicial, que condenou a Executada no pagamento do valor de € 8.300,00 (oito mil e trezentos euros), acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, à taxa legal para os juros civis, tudo conforme consta da sentença condenatória junta aos autos a fls.___, bem como do despacho de fls.___, e que ora se executam.
3º-Sucede que, até à data o Executado não procedeu a qualquer tipo de pagamento, não obstante as insistências do Exequente nesse sentido e apesar de ter sido notificado para todos e os devidos efeitos legais.
4º-Ao referido montante em dívida acrescem, assim, a título de juros de mora comerciais à taxa legal vencidos até à presente data, o valor de € 738,59 (setecentos e trinta e oito euros e cinquenta e nove cêntimos).
5º-Assim como dos juros compulsórios no valor de € 54,58 (cinquenta e quatro euros e cinquenta e oito cêntimos).
6º- Face ao referido em 1º a 5º, o débito total do Executado é de € 9.093,17 (nove mil e noventa e três euros e dezassete cêntimos).
7º-O Executado deve ainda os juros que continuarem a vencer-se, desde a data da interposição da presente até integral pagamento, que deverão ser liquidados a final pela Agente de Execução, nos termos do artigo 716º, nº 2, do C.P.C., à taxa de juros civis, e que presentemente é mais propriamente de 4,00%.
8º-A Sentença condenatória judicial é título executivo, ao abrigo do disposto nos arts. 703º, nº 1, alínea a), e 704º, nº 1, ambos do C.P.C..
9º-A divida é certa, líquida e exigível.
(…)
Valor líquido: 8.300,00 €
Valor dependente de simples cálculo aritmético: 793,17 €
Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: 0,00 €
Total: 9 093,17 €
Desde a data da citação da acção declarativa até à data da interposição da presente acção executiva, o Executado deve ainda os juros de mora vencidos, que perfaz o valor de € 738,59 (setecentos e trinta e oito euros e cinquenta e nove cêntimos) e os juros compulsórios no valor de € 54,58 (cinquenta e quatro euros e cinquenta e oito cêntimos), apurando-se, deste modo, o valor final peticionado no item "valor dependente de simples cálculo aritmético".
O Executado deve ainda os juros que continuarem a vencer-se, desde a data da interposição da presente até integral pagamento, que deverão ser liquidados a final pela Agente de Execução, nos termos do artigo 716º, nº 2, do C.P.C., à taxa de juros civis e que presentemente é mais propriamente de 4,00%.
(…).”

*

IV.–Enquadramento jurídico dos factos
A primeira questão que cumpre apreciar, na sequência do que acima se deixou exposto, é da invocada nulidade do ato – rejeição parcial do requerimento executivo – por não ter sido previamente conferido ao exequente o direito de suprir as irregularidades do requerimento.
Diz o recorrente, a este respeito, que o despacho recorrido não menciona a concreta causal legal que determinou o indeferimento liminar, na medida em que o art. 734º, do Código de Processo Civil, que ali é invocado, remete para o disposto no art, 726º do mesmo Código, do qual resulta que as situações abarcadas pelas alíneas do seu nº 2 devem ser objeto de indeferimento liminar, por contraposição àquelas que se encontram previstas no nº 4 e que devem dar lugar obrigatoriamente a um despacho de convite ao aperfeiçoamento, pelo que no caso, apenas poderia ter ocorrido o julgado indeferimento liminar do requerimento executivo caso não fosse suprido o vício ou a falta corrigida dentro do prazo marcado para aperfeiçoamento, em conformidade com o disposto no art. 726º, nº 5, daquele Código.
Como decorre do despacho decorrido, a decisão de rejeição da execução na parte em que foram julgados excedidos os limites da condenação, foi proferido nos termos e ao abrigo do disposto no art. 734º, do Código de Processo Civil.
De acordo com este preceito legal, “O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”.
O requerimento executivo é liminarmente indeferido quando seja manifesta a falta ou a insuficiência do título, como decorre da alínea a), do nº 2, do art. 726º daquele mesmo Código, sendo que o nº 3 do mesmo preceito legal admite expressamente o indeferimento parcial, nomeadamente, quanto à parte do pedido que exceda os limites constantes do título executivo.
O despacho recorrido não deixa quaisquer dúvidas quanto ao sentido e alcance da decisão, que consubstancia uma rejeição parcial da execução, na parte em que se julgaram manifestamente excedidos os limites da condenação constantes da sentença apresentada como título executivo, em conformidade com o regime decorrente do art. 726º, nº 2, al. a), e nº 3, do art. 726º, do mesmo Código, não obstante estas normas não tenham sido expressamente convocadas em conjugação com o invocado art. 734º, do Código de Processo Civil.
O título executivo é a base da execução e por ele se determinam os respetivos fins e limites (cf. art. 10º, nº 5, do Código de Processo Civil). Deste modo, se se entender que o pedido não se conforma, manifestamente, com o limite imposto pelo título, cabe indeferir liminarmente a execução, no seu todo, ou na parte em que a mesma exceda o conteúdo do título – possibilidade conferida pelo já referido nº 3 do art. 726º -, o que significa que numa ou noutra das situações, e não havendo forma legal de sanar tal vício (trata-se dum vício insuprível), inexiste fundamento para um convite ao aperfeiçoamento, que é por isso afastado pelo nº 4, do mesmo art. 726º, quando prevê, que “Fora dos casos previstos no nº 2, o juiz convida o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo, bem como a sanar a falta de pressupostos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2, do artigo 6.º”, sendo inequívoco que com referência à situação prevista na alínea a), do nº 2, do art. 726º, e por força da conjugação com o nº 3 do mesmo preceito legal, a impossibilidade de convite ao aperfeiçoamento abrange as situações de indeferimento parcial.
No caso em apreço o despacho não enferma de nulidade, como defende o recorrente, na medida em que, entendendo o Mmº Juiz a quo, que do confronto do título com o requerimento executivo era manifesta a falta parcial daquele, não lhe cabia endereçar um convite ao aperfeiçoamento.

*

A segunda questão a decidir – em ordem a saber se ocorre fundamento para o indeferimento parcial da execução nos termos decididos - consiste em saber se o capital liquidado no requerimento executivo, no valor total de € 8.300,00, excede efetivamente os limites da condenação, e como tal, do título executivo, como foi decidido no despacho recorrido, ou se, ao invés, e em face da condenação do réu em IVA a calcular sobre a quantia desde logo determinada na sentença, tal capital se contém, afinal, nos limites do título, por tal condenação ser passível de ser liquidada através de simples cálculo, habilitando o exequente a executar todo o segmento condenatório da sentença, e se, por isso, não existe fundamento para a rejeição parcial da execução no que tange ao valor reclamado a título de capital.
Demonstram os autos que o ora exequente A em ação proposta contra B (aqui executado), pediu a condenação deste no pagamento de honorários e despesas correspondentes aos serviços de advocacia que lhe prestou, bem como nos transtornos que lhe causou, no valor total de € 9.211,60, acrescido de juros de mora calculados à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.
Por sentença proferida em 18 de novembro de 2018, a ação foi julgada parcialmente procedente por provada (não procedeu na parte em que era pedida a condenação em valor pecuniário destinado a ressarcir despesas de cobrança e transtornos), tendo o réu, ora executado, sido condenado a pagar ao autor, ora exequente, a quantia de € 6.922,60, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, a contar da citação até integral pagamento.
A requereu a reforma da sentença, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 616º, nº 2, als. a) e b), do Código de Processo Civil, com o fundamento de que a sentença era omissa quanto ao valor peticionado a título de IVA à taxa legal em vigor, conforme havia invocado na petição inicial e englobado no pedido deduzido na sobredita ação.
Por decisão de 14 de janeiro de 2019 foi reconhecido que o autor tinha alegado que “(…) sobre o montante dos honorários é ainda devido IVA à taxa legal em vigor, que se liquida em € 1.909,00 (mil novecentos e nove euros); que não competia ao tribunal liquidar o IVA a pagar, por se tratar de matéria da competência da jurisdição administrativa e fiscal, o que não afastava, porém, o dever do tribunal condenar o réu no pagamento do valor dos honorários e respetivo valor de IVA, porque tinha sido pedido pelo autor.

E assim, e nos termos da decisão de reforma de sentença acima transcrita, ficou decidido:
- Que o total dos honorários ascendia a € 8.300,00;
- Que o IVA devido pelo réu incide sobre aquele valor total dos honorários;
- Que do dito total dos honorários (€ 8.300,00), o réu deve a quantia de € 6.922,60.
Deste modo, e ao abrigo do invocado art. 616º, nº 2, al. b), do Código de Processo Civil foi reformada a sentença, passando a constar do dispositivo: “Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente, condena-se o réu a pagar ao autor a quantia de 6.922,60€ a título de honorários e ainda o correspondente IVA sobre o valor dos honorários pagos a título de provisão pelo e por liquidar, no total de 8.300,00, ao que acrescem os juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, a contar da citação, até integral pagamento, absolvendo-se o réu de demais peticionado.”

É inequívoco que a sobredita decisão, transitada em julgado, condenou o réu/executado não só no pagamento da quantia de € 6.922,60 (a título de honorários que se julgaram estarem em dívida), como também na quantia devida a título de IVA, a incidir sobre o valor de € 8.300,00, e que o tribunal não determinou por ter entendido que se tratava de matéria da competência da jurisdição administrativa e fiscal.
O IVA é um imposto indireto em que o sujeito passivo assume a qualidade de devedor ao Estado.
Segundo, o art. 1º, al. a), do Código do IVA, estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal.

E sob a epígrafe “Facto gerador e exigibilidade do imposto”, dispõe o art. 7º, nº 1, al. b), do mesmo Código:
“1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o imposto é devido e torna-se exigível:
(…)
b) Nas prestações de serviços, no momento da sua realização;
(…)”.

Os advogados enquanto prestadores de serviços e por força dos serviços concretamente prestados estão obrigados a entregar à Administração Tributária o IVA correspondente ao valor de tais serviços. Tratando-se, porém dum imposto indireto, não obstante seja o sujeito passivo do IVA que tem de entregar o imposto Estado, é o consumidor quem suportará efetivamente o valor devido a esse título, constituindo este o fundamento pelo qual, o valor a título de IVA acresce ao valor dos serviços prestados.
Eis a razão pela qual assistia ao autor, e ora exequente, o direito de pedir na ação declarativa a condenação do réu no pagamento dos honorários e IVA correspondente, conforme se extrai ainda do disposto nos arts. 4º, nº 1, 16º, nº 1, 18º, nº 9 e 37º, nº 1, todos do Código do IVA, direito que lhe foi conferido na sentença que ora se executa, tendo o tribunal decidido que o valor correspondente ao IVA por cujo pagamento o réu devia ser responsabilizado e que foi efetivamente e desde logo condenado a pagar, incidia sobre o valor total dos honorários (€ 8.300,00).
Deste modo, e perante a condenação vertida na sentença, tem de se entender, necessariamente, que esta abrange não só a quantia ali liquidada de € 6.922,60, como, ainda, o valor do IVA a calcular sobre o montante de € 8.300,00, habilitando, por conseguinte, à execução da quantia de € 6.922,60 e da quantia referente a IVA e que com toda a segurança pode ser liquidada por recurso a cálculos matemáticos (cf. arts. 716º, nºs 1, 4, e 5, a contrario, e 724º, nº 1, al. h), do Código de Processo Civil), porque resultam da lei, designadamente, do Código do IVA, nomeadamente, das disposições já citadas, bastando, para tanto, que sobre o valor de € 8.300,00 se faça incidir a taxa de IVA aplicável (taxa de 23% em vigor em 2015 quando foram prestados os serviços de advocacia, como se extrai da sentença acima mencionada e cuja certidão consta dos autos, e que se mantém ainda na atualidade).
O acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13 de abril de 2021, proferido no âmbito do processo 712/19.5T8PRT.P1, a propósito de situação idêntica, já assim decidiu, designadamente, que a condenação no pagamento de quantia devida a título de IVA pode desde logo ser executada, porque englobada na condenação, transcrevendo-se a seguinte parte do acórdão para melhor esclarecimento:
“O título executivo – acórdão deste Tribunal – é transparente e unívoco no seu dispositivo, que se transcreve: «Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta secção cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação interposta pelos AA. e parcialmente procedente a interposta pela R. e, consequentemente, alterando a sentença recorrida, em fixar em €23.000,00 os honorários devidos aos AA., acrescidos de IVA à taxa legal, descontando o montante recebido de €5.500,00 + IVA, e de juros de mora desde a citação até integral e efectivo pagamento».
A condenação da executada – ora embargante – na ação declarativa, inclui assim o pagamento à exequente da quantia de € 19.500,00, acrescida de IVA à taxa legal em vigor.
E não poderia ser de outra forma, considerando que o IVA [Imposto Sobre o Valor Acrescentado] incide, nomeadamente, sobre as prestações de serviço (art.º 1.º do CIVA), sendo para o consumidor final um custo incluído no preço devido ao prestador do serviço.
Constando expressamente do acórdão (título executivo) a condenação da ré (executada/embargante) no pagamento do IVA à taxa legal, incidente sobre o valor do serviço prestado pela autora[2], não vislumbramos, salvo todo o respeito devido, fundamento jurídico válido para afastar tal condenação, em sede executiva.
E não se diga que é necessária a emissão prévia da fatura referente aos serviços prestados.
Tendo decidido este Tribunal, com trânsito em julgado, condenar a ora embargante no pagamento da “quantia de € 17.500,00 acrescida de IVA à taxa legal”, obviamente deverá ser emitida uma fatura e entregue o respetivo recibo de quitação no momento do pagamento, mas tais documentos de natureza fiscal não constituem título executivo, o qual, como se reitera, se consubstancia numa decisão judicial.
Em acórdão de 4.06.2009 [processo n.º 13712/06.6YYPRT], este Tribunal foi mesmo mais longe, considerando que em execução de sentença, em cujo dispositivo se refere a obrigação de um pagamento sobre que incida IVA (não condenando o devedor expressamente no pagamento do imposto), “a eficácia do título executivo abrange também as quantias referentes a IVA”.
Face à sua manifesta pertinência, permitimo-nos transcrever parcialmente a fundamentação jurídica do aresto citado:
«[…] Quanto à exigibilidade em execução, do pagamento do IVA.
É facto que, nos termos do disposto no arº 45º, º1 do CPC, é pelo título executivo que se determinam o fim e os limites da execução.
No entanto, e como em várias ocasiões tem sido entendido, esta afirmação não inviabiliza que, fundando-se o pressuposto processual específico da acção executiva - o título executivo - na presunção da existência do direito que lhe subjaz, a eficácia executiva deste abranja, igualmente prestações cuja obrigatoriedade resulta directamente da lei, no confronto com o conteúdo do título executivo.
É o que se entende em face do que se prevê para os juros compulsórios, já que, de acordo com o disposto no art. 829º-A, nº 4, do CC, quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente são devidos automaticamente juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado. Ora atentos os pressupostos da sua constituição, logicamente esses juros não constam da sentença condenatória, estando no entanto implícito na referida disposição legal a exigibilidade de tais juros em processo executivo subsequente ao trânsito em julgado da sentença condenatória.
É também o que se verifica em relação às letras livranças e cheques, em que a lei é expressa em considerar a exigibilidade dos juros em sede executiva com base nestes títulos apesar de deles não constar referência a juros - art. 48º da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças e o art. 45º da Lei Uniforme Sobre Cheques.
Pelas mesmas razões não vemos fundamento válido, para que, em execução de sentença em que seja referida a obrigação de um pagamento sobre que incida IVA, a eficácia do título executivo não abranja também as quantas referentes a IVA. E isso porquanto aqui como nas situações antes referidas, a obrigação do pagamento do IVA sobre as prestações peticionadas, ser uma imposição que deriva directamente da lei. […]».
Na sentença recorrida, o Mº Juiz invoca um acórdão da Relação de Coimbra, de 16.12.2015 [processo n.º 162/12.4TBMDA.C1].
No entanto, tal aresto reporta-se a uma ação declarativa e à discussão sobre a necessidade de emissão da fatura do serviço prestado, com vista à condenação do devedor no respetivo imposto.
A situação sub judice nada tem a ver com esta temática, porque estamos em sede executiva, perante um acórdão transitado em julgado que condena expressamente no pagamento do valor correspondente ao IVA.
Decorre do exposto a manifesta procedência do recurso, devendo em consequência, ser revogada a sentença recorrida”.
Não obstante assistir ao exequente o direito de exigir a quantia devida a título de IVA, por ter título bastante para o efeito, e ser tal título – a sentença condenatória – aquele que lhe permite obter o pagamento do que lhe é devido, o requerimento executivo apresenta deficiências ao nível da liquidação da obrigação, face ao que consta do título apresentado à execução.
Efetivamente, contrariamente ao que se fez constar em tal requerimento, nomeadamente, a título de capital devido pelo executado, não consta da sentença apresentada à execução a condenação daquele no pagamento da quantia de € 8.300,00, nem a condenação no pagamento de juros de mora vencidos e vincendos calculados à taxa legal para os juros civis sobre tal quantia.

Na sequência do que se deixou exposto, a título de capital, a sentença apresentada à execução constitui, no entanto, título executivo bastante e seguro para pagamento dos seguintes valores:
- € 6.922,60, a título de honorários em dívida;
- € 1.909,00, correspondente ao IVA calculado sobre o valor de € 8.300,00.
Assim, a título de capital, a sentença condenatória habilitava o exequente a haver do executado, em processo de execução, a quantia total de € 8.831,60, donde ressalta que a quantia liquidada a esse título não só não excedeu a condenação, como ficou aquém do que poderia ter sido peticionado em sede de execução, não havendo deste modo razão para concluir que a quantia peticionada a título de capital, ainda que indicada de modo deficiente, exceda os limites do título executivo, não ocorrendo, deste modo, fundamento para rejeitar a execução na parte concernente ao valor reclamado a título de capital, devendo a execução prosseguir para pagamento do valor de € 8.300,00, convidando-se o exequente a proceder a nova liquidação da obrigação, com descriminação dos valores devidos a título de capital, ainda que não podendo exceder o que foi peticionado inicialmente, ou seja, a quantia de € 8.300,00.
Relativamente aos juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, entende o recorrente que por força da reforma da sentença, e encontrando-se o segmento condenatório dos juros logo após a condenação dos honorários e do IVA, o tribunal pretendeu que os juros moratórios fossem calculados sobre as quantias resultantes destes dois segmentos e não apenas sobre os honorários, razão pela qual defende que neste tocante, o despacho recorrido viola o caso julgado (artigos 619º a 621º do C.P.C.).
Como já foi salientado, a decisão que procedeu à reforma da sentença concluiu que o pedido de reforma era procedente, na medida em que a decisão que fora proferida era omissa quanto ao pagamento da quantia reclamada a título de IVA.
Resulta também da matéria factual enunciada, que na petição inicial que deu origem à ação declarativa supra identificada, o autor/exequente, incluiu tal verba (que desde logo liquidou em € 1.909,00) no valor global pedido a final, sobre o qual formulou pedido de condenação em juros de mora.
A sentença inicialmente proferida condenou o réu/executado no pagamento de juros de mora calculados à taxa legal de 4%, a contar da citação, sobre a quantia de € 6.922,60, em consonância com os fundamentos de facto e de direito ali expendidos.
Aquando da decisão de reforma da sentença, o tribunal não apreciou e consequentemente não proferiu decisão sobre a condenação do réu em juros de mora relativamente à quantia correspondente ao IVA sobre o valor de € 8.300,00, ou seja, não decidiu se relativamente ao valor devido a esse título, assistia ao autor/exequente o direito de exigir do réu o pagamento de juros de mora. E nessa medida, face ao teor concreto do dispositivo, e não obstante o mesmo não seja totalmente explícito, não podemos concluir, como faz o recorrente, que a decisão condenou o réu no pagamento de juros de mora a calcular também sobre a quantia correspondente ao IVA, tendo de considerar-se que a condenação em juros diz respeito, apenas, à condenação na quantia de € 6.922,60, em conformidade com a fundamentação de facto e direito expendida na sentença (na parte que não foi objeto de reforma), estando deste modo apenas abrangidos pelo título os juros de mora a calcular sobre tal valor, em conformidade com o disposto no art. 703º, nº 2, do Código de Processo Civil, pelo que os juros liquidados pelo exequente excedem efetivamente o título executivo como foi decidido.

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Diz, ainda, o recorrente que o despacho recorrido rejeitou também a execução na parte atinente ao pedido de juros compulsórios deduzido no requerimento executivo, no montante de € 54,58, apesar da sanção pecuniária compulsória ser admitida pelo artigo 829º-A, nº 4, do Código Civil, funcionando automaticamente após a correspondente condenação, nem sequer existindo a necessidade de ser requerida em sede de ação declarativa, entendimento que resulta ainda da redação do artigo 716º, nº 3, do atual C.P.C., pelo que os juros compulsórios peticionados nos autos são devidos nos precisos termos peticionados.
Analisado o despacho recorrido constatamos, no entanto, que o Mmº juiz a quo não se pronunciou expressamente e não tomou qualquer decisão sobre a sanção pecuniária compulsória, não podendo concluir-se que tenha ocorrido qualquer rejeição da execução nessa parte.
De todo o modo, impõe-se dizer que a sanção prevista no art. 829º-A, nº 4, do Código Civil, constitui uma sanção pecuniária compulsória legal, porquanto é fixada por lei e automaticamente devida.
Opera, assim, de forma automática quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro, e é devida desde o trânsito em julgado da sentença de condenação, independentemente de ser ou não fixada na sentença proferida na ação declarativa, não carecendo igualmente de ser pedida no requerimento executivo, pois cabe ao devedor pagar os juros compulsórios, estabelecendo o art. 716º, nº 3, do Código de Processo Civil, que o agente de execução tem de liquidar a quantia devida a título de juros compensatórios e notificar o executado de tal liquidação.
Vejam-se a propósito, neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14/07/2009, proferido no processo 630-A/1996.S1., e acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11/05/2017, processo nº 90/14.9TBVFL.EG1.
Pelo exposto, ao exequente assiste o direito de reclamar o pagamento de juros compensatórios no requerimento executivo.

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Finalmente, cabe apreciar o recurso na parte em que o exequente se insurge quanto à condenação em taxa sancionatória excecional de 4 UC, ao abrigo do disposto no art. 531º, do Código de Processo Civil, fundada na circunstância do exequente ser advogado, litigar em causa própria e a conduta evidenciada pela apresentação do requerimento executivo – pedido exequendo formulado sem correspondência com o título – evidenciar falta de prudência/diligência que lhe era naturalmente exigível.
Dispõe aquele art. 531.º;
“Por decisão fundamentada do juiz, pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida”.

Muito sucintamente, e face a tudo quanto já se deixou expendido, entendemos não se mostrarem verificados no caso os pressupostos que permitem fundamentar a aplicação da dita sanção.
O exequente apresentou, é certo, um requerimento executivo que apresenta deficiências ao nível da liquidação da obrigação, no entanto, e contrariamente ao que foi decidido, e na parte respeitante ao valor do capital que pode exigir coercivamente do executado, não ocorre a falta parcial de título, tendo inclusivamente sido liquidado e reclamado um valor inferior ao que resulta da sentença condenatória trazida à execução de acordo com o entendimento atrás perfilhado.
Já quanto aos juros liquidados, que extravasam o título executivo nos termos enunciados, evidenciam os autos que o exequente pediu em momento oportuno a condenação em quantia que englobava o valor correspondente a IVA calculado sobre o valor total dos honorários, acrescida de juros de mora.
Tal pedido, que oportunamente não foi apreciado, veio a ser objeto de decisão em reforma de sentença, e tendo-se ali concluído pela condenação do réu no pagamento da quantia devida a título de IVA, nada se decidiu sobre juros, nomeadamente, se os mesmos eram devidos sobre a quantia global que passou a abranger também aquela condenação referente ao imposto de IVA, sendo que o dispositivo final não prima pela clareza, prestando-se a equívocos, já que a condenação em juros surge na parte final do dispositivo, depois de se concluir pela condenação do réu na quantia devida a título de honorários, e no pagamento de IVA, acrescentando-se, simplesmente: “ ao que acrescem os juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, a contar da citação (…)”, sem que se afirme de forma clara e expressa que “os” ditos juros eram tão só aqueles que haviam sido estipulados na decisão inicial, permitindo a leitura de que os juros abrangeriam todos os valores que o réu foi condenado a pagar, tanto mais que assim havia sido peticionado.
Assim, não obstante não se tenha sufragado nesta decisão o entendimento do exequente quanto aos juros liquidados, e os autos evidenciem falta de atenção do mesmo, nomeadamente ao nível da descrição factual no requerimento executivo, tal atuação não revela um grau de incúria relevante, suscetível de conduzir a resultado abusivo, não ocorrendo fundamento para a descrita condenação à luz dos pressupostos legais constantes da citada norma, impondo-se, consequentemente, a revogação do sobredito despacho, julgando-se assim prejudicado o conhecimento da outra questão colocada a propósito da dita condenação, designadamente, a circunstância da mesma não ter sido precedida da audição do exequente.

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V.–Decisão
Na sequência do que se deixou exposto e no âmbito do enquadramento jurídico que se deixou traçado, acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo exequente e em consequência decide-se:
- Revoga-se, parcialmente, a decisão de rejeição parcial da execução, devendo ser substituída por outra, que rejeite a execução apenas na parte em que são pedidos juros de mora sobre o valor que excede a quantia de € 6.922,60, e que em consequência, determine a notificação do exequente para proceder à liquidação da obrigação em conformidade com esta decisão, distinguindo as parcelas devidas a título de capital (que não poderá exceder, no entanto, o valor global inicialmente pedido (€ 8.300,00) e juros;
- Revoga-se a decisão que condenou o exequente em taxa sancionatória excecional, em valor equivalente a 4 UC.
Custas pelo recorrente, na proporção do decaimento.
Notifique.


Lisboa, 30 de Setembro de 2021



Cristina Lourenço- (Relatora)
Fernando Silva Bastos- (1º Adjunto)
Ferreira de Almeida- (2º Adjunto)