Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
674/25.0T8ALM-A.L1-8
Relator: ANA PAULA NUNES DUARTE OLIVENÇA
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
CONTRATO DE MÚTUO
VENCIMENTO ANTECIPADO
CADUCIDADE
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (elaborado pela relatora - art. 663°, n° 7, do Código de Processo Civil):
Extinto o contrato por caducidade, a carta enviada a declarar o contrato reolvido não teve o efeito fazer vencer quaisquer prestações ou o efeito de extinguir novamente o contrato (o que pressuporia o seu renascimento).

A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do art. 310.º do Código Civil.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório

AA, executado nos autos de que estes constituem apenso e em que é exequente,
«Scalabis – Stc, S.A.»,
ambos com os sinais dos autos,
veio deduzir oposição à execução, mediante embargos, reconhecendo a celebração de um contrato de mútuo com a CGD, porém, invocando, desde logo, a prescrição da obrigação exequenda, considerando o disposto na alínea e) do artigo 310.º do CCivil, vista a data de início de incumprimento do empréstimo.
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Devidamente notificada, a Embargada apresentou contestação, pedindo a improcedência da oposição à execução, alegando, que o incumprimento definitivo do contrato apenas aconteceu a 12/01/2025, motivo pelo qual improcede tudo o alegado pelo Embargante sobre a prescrição.
Mesmo que se considerasse que tal ocorreu há mais tempo, a resolução do contrato de mútuo atinge a totalidade do negócio jurídico, ao abrigo do artigo 289.º do Código Civil pelo que o contrato deixará de ser um contrato de prestação continuada de amortização de capital e juros e passa a ser uma obrigação única de restituição de capital, já que as condições contratuais estabelecidas deixam de produzir efeitos (no que respeita a amortização de capital e juros em prestações continuadas).
Entende, pois, que resolvido o contrato subjacente, extrajudicialmente, com base no incumprimento definitivo em que as partes haviam acordado um plano de pagamento em prestações mensais e sucessivas, que englobava o pagamento de parte do capital e dos juros e reclamando a credora o montante da dívida, não tem aplicação o disposto da alínea e) artigo 310º do CCivil porque já não nos encontramos perante pagamentos de capitais e juros fraccionados no tempo, mas sim na exigência da totalidade do valor em dívida.
Deixando de existir a natureza jurídica de prestações continuadas de amortização de capital e juros, não é aplicável o prazo de prescrição de 5 (cinco) anos disposto no artigo 310.º al. e) e d) do CC e a obrigação de restituição passa a estar subordinada ao prazo de prescrição ordinário de 20 (vinte) anos, disposto no artigo 309.º do mesmo diplomo legal.
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Considerado pelo Mmo Juiz a quo poder conhecer imediatamente do mérito da causa (excepção de prescrição), e instadas para se pronunciarem sobre a dispensa de audiência prévia, as partes vieram da mesma prescindir, remetendo para as alegações produzidas em sede de articulados.
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Foi então proferida a sentença recorrida que julgando procedente a excepção de prescrição, julgou extinta a execução.
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Devidamente notificada da sentença prolatada veio a exequente/embargada da mesma interpor o recurso ora em apreciação e cujas conclusões vêm alinhadas como segue:
« (I) Julgou o Tribunal a quo verificada a exceção de prescrição, julgando os embargos de executado procedentes por provados e declarando extinta a execução quanto à Embargante, ora Recorrida.
(II) Entendeu o Tribunal a quo que a obrigação exequenda se encontrava extinta aquando da entrada em juízo da presente execução, por decurso do prazo quinquenal nos termos do disposto no artigo 310.º, d), e) e g) do Código Civil.
(III) Admite ainda o Tribunal a quo que a partir da data de incumprimento de uma das prestações acordadas para reembolso do valor mutuado pelo Banco Cedente, se venceram todas as restantes prestações, por aplicação do artigo 781º do Código Civil.
(IV) Pelo que, não se conformando com a decisão ora sob recurso, e sendo esta uma questão não totalmente uniformizada na jurisprudência, o Tribunal a quo decidiu da forma mais gravosa para a aqui Recorrente.
(V) A Recorrente celebrou com o Executado/Embargante, um contrato de crédito pessoal com o n.º PT ..., pelo valor € 23.373,97 (vinte e três mil trezentos e setenta e três euros e noventa e sete cêntimos).
(VI) Acontece que o Executado incumpriu as obrigações assumidas perante o Banco Cedente, sendo certo que, ainda que interpelada para o efeito, não voltou a efetuar qualquer pagamento.
(VII) Face ao referido incumprimento, procedeu a Recorrente à instauração da presente ação executiva em 17/01/2025.
(VIII) Dispõe o artigo 781.º do Código Civil que “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas” – disposição que não é imperativa.
(IX) Encontra-se na disponibilidade do Credor optar pelo vencimento automático e imediato de todas as prestações, verificado o incumprimento de uma das prestações acordadas num contrato com uma obrigação periódica.
(X) Pelo que, considerar a data de incumprimento do contrato como relevante para início da contagem do prazo prescricional é uma limitação intolerável ao direito conferido ao Credor, no caso em que opta por não recorrer à faculdade oferecida pelo artigo 781.º do Código Civil, optando antes por resolver, mais tarde, o contrato celebrado entre as partes.
(XI) Ademais, sempre se dirá que dos autos não figura qualquer documentação da qual resulte que a Recorrente tenha optado pelo vencimento imediato e automático das prestações acordadas, aquando do seu incumprimento.
(XII) Antes pelo contrário! Figura apenas nos autos a missiva remetida pela Embargada/Recorrente em 02/01/2025 ao Embargante/Recorrido, missiva este que constitui indubitavelmente uma carta de resolução.
(XIII) A este propósito, recordamos o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 06/06/2024, no âmbito do processo nº 6620/23.8T8SNT-A.L1-8: “(…) a credora exequente não usou da faculdade que a lei lhe conferia, não interpelando a devedora no sentido de converter o incumprimento das prestações vencidas em vencimento antecipado de todas as prestações nos termos do artº 781 do CCivil, e por conseguinte manteve-se o plano de pagamento das prestações acordadas, ainda que elas fossem sistematicamente não pagas; e só posteriormente e no momento que teve por adequado a credora/exequente optou por resolver o contrato.
Quer isto dizer que nos autos está em causa a dívida decorrente da resolução do contrato e não do vencimento antecipado da totalidade da obrigação ao abrigo do artº 781º do CCivil (que ainda consiste numa modalidade de exigência do cumprimento do contrato)”.
(XIV) No mesmo sentido pronunciou-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, em 02 de fevereiro de 2023, no âmbito do processo nº 3254/21.5T8GMRA.G1.S1: “Se no caso em decisão está em causa a divida decorrente da resolução do contrato e não do vencimento antecipado da totalidade da obrigação ao abrigo do art. 781 do CCivil a questão relevante, sendo o prazo de prescrição de cada uma das prestações o de cinco anos a contar da data do seu vencimento, é a de apurar qual o valor da totalidade da prestação em razão da resolução do contrato”.
(XV) Salvo o devido respeito por opinião contrária, considera a Recorrente que os presentes autos consubstanciam uma situação que exigia uma aplicação distinta da lei, nomeadamente, quanto ao momento relevante para início da contagem do prazo de prescrição.
(XVI) Isto porque, do estado dos autos, é apenas possível aferir que nem o Banco, nem a Recorrente optaram pela aplicação do regime excecional estabelecido no artigo 781º do Código Civil.
(XVII) Motivo pelo qual, o início do prazo de prescrição deverá contar-se da data de resolução do contrato e não a de incumprimento, reportando-se a primeira a 02/01/2025.
(XVIII) Não se verificando, por isso, ultrapassado o prazo de prescrição aquando da instauração do processo executivo.
(XIX) Assim, não se verificando a exceção de prescrição que serviu de base à decisão ora recorrida, deveriam os Embargos apresentados pelo Executado sido julgados totalmente improcedentes, com consequente decisão pelo prosseguimento dos autos principais em conformidade.
Atento tudo quanto aqui se evidencia de modo fáctico e legal, importa concluir que mal andou o Tribunal a quo ao ter proferido a decisão de extinção dos presentes autos, julgando verificada a exceção de prescrição da obrigação exequenda, pelo que se impõe a sua revogação, com imediata substituição de decisão que determine o prosseguimento da ação executiva até à integral liquidação da quantia exequenda, pois só assim será feita a TÃO
COSTUMADA JUSTIÇA.»
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Foram apresentadas contra-alegações sem conclusões alinhadas, pugnando pela manutenção do decidido.
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Colhidos os vistos legais, nada obsta a que se decida.
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2. Objecto do Recurso
Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões da alegação do recorrente, abrangendo apenas as questões aí contidas (arts. 684º nº 3 e 685º-A nº 1 do CPC), a questão que importa decidir reconduz-se a uma única:
Decidir se ao crédito exequendo se aplica o prazo ordinário de prescrição, nos termos dos artigos 309º e 311º n.º1, do Código Civil, tal como defende a apelante ou se, pelo contrário, se aplica o prazo de cinco anos previsto no artigo 310.º alínea d) do Código Civil, tal como foi decidido em 1ª instância.
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3. Fundamentação de Facto:
São os seguintes os factos que o tribunal a quo considerou provados e que não mereceram qualquer discordância por parte da apelante:
1. No dia 31 de Agosto de 2006, a CGD, S.A. e o embargante celebraram um “contrato de mútuo”, pelo qual a primeira emprestou ao segundo o valor de 23.373,97 euros e o segundo obrigou-se a reembolsar à primeira tal valor, através de sessenta prestações mensais, de capital e juros, sucessivas e iguais, vencendo-se a primeira em Setembro e as restantes nos meses seguintes.
2. A partir de 28 de Fevereiro de 2007, o executado deixou de pagar as referidas prestações.
3. No dia 21 de Abril de 2023, o crédito emergente do contrato referido em 1. foi cedido pela CGD, S.A. à embargada.
4. No dia 02 de Janeiro de 2025, a embargada enviou ao embargante, para a morada “...”, carta, que chegou ao destino e foi devolvida por não ter sido reclamada, a comunicar a cessão de créditos e a resolução do contrato por definitivamente incumprido.
5. No dia 17 de Janeiro de 2025, a embargada propôs contra o embargante acção executiva para pagamento do capital por reembolsar e dos juros de mora emergente do contrato referido em 1.
Factos não provados.
Nenhuns com interesse para a decisão da causa. *
Ao abrigo do disposto no art.662º, nº2, al.c), a contrario, adita-se à matéria de facto:
No contrato celebrado, no ponto 20 do clausulado, sob a epígrafe «Incumprimento/Exigibilidade Antecipada» consta:
«20.1.-A Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente:
a) Incumprimento pelo cliente ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação decorrente deste contrato;
(…)»
4. Fundamentação de Direito
Mantendo-se inalterado o quadro factual considerado provado e não provado pelo tribunal a quo, importa apreciar se se deve manter a decisão jurídica da causa.
Conforme se apontou, a questão a tratar no presente recurso reconduz-se a decidir se ao crédito exequendo se aplica o prazo ordinário de prescrição, nos termos dos artigos 309.º, 311.º n.º1, do Código Civil, tal como defende a apelante ou se, pelo contrário, se aplica o prazo de cinco anos previsto no artigo 310.º alínea d) do Código Civil, tal como foi decidido em 1ª instância.
Vejamos.
A acção executiva é aquela em que o autor como efeito jurídico as providências adequadas à realização coactiva de um direito/poder a uma prestação enunciado num título legalmente suficiente.1
A finalidade da acção executiva consiste na obtenção do interesse patrimonial contido na prestação não cumprida, sendo o seu objecto, sempre (e apenas) um direito a uma prestação – nesse objecto contém-se somente a faculdade de exigir o cumprimento da prestação e o correlativo poder de aquisição dessa prestação, poder que corresponde à causa debendi e, portanto, funciona como causa de pedir da acção executiva (os factos dos quais decorre esse poder são os mesmos que justificam a faculdade de exigir a prestação). 2
Esta faculdade de exigir a prestação, correlativa do poder de aquisição dessa prestação, designa-se por pretensão e apenas uma pretensão exequível pode constituir objecto de uma acção executiva – exequibilidade intrínseca, respeitante à inexistência de vícios materiais ou excepções peremptórias que impeçam a realização coactiva da prestação, e exequibilidade extrínseca, traduzida na incorporação da pretensão num título executivo, ou seja, num documento que formaliza, por disposição da lei, a faculdade de realização coactiva da prestação não cumprida. 3
A acção executiva pressupõe, assim, um direito de execução do património do devedor, ou seja, «um poder resultante da incorporação da pretensão num título executivo, pois que é desta que resulta que o credor possui não só a faculdade de exigir a prestação, mas também a de executar, em caso de incumprimento, o património do devedor».4
Do título executivo – que determina o fim e os limites da execução, sendo a base desta (art.º 10º, nº 5 do CPCivil) – resulta a exequibilidade da pretensão executanda, pois incorpora o direito de execução, isto é, o direito do credor a executar o património do devedor ou de terceiro para obter a satisfação efectiva do seu direito.5
Apenas podem servir de base à execução os títulos indicados na lei. Títulos executivos são tão só e apenas os indicados na lei – trata-se de enumeração taxativa, sujeita à regra da tipicidade 6, ficando assim subtraída à disponibilidade das partes a atribuição de força executiva a documento relativamente ao qual a lei não reconheça esse atributo, do mesmo modo que fica defeso negar tal força ao documento se ela for reconhecida pela lei.
A falta de título executivo (que traduz a inexequibilidade extrínseca da pretensão), além de constituir fundamento de indeferimento liminar e de rejeição oficiosa da execução é também fundamento de oposição à execução (art.º 729º do CPCivil).
A exequibilidade intrínseca da pretensão é uma «condição da qual depende a concessão da tutela jurisdicional» (no caso, a execução da prestação) – respeita «à própria pretensão, ou melhor, a um dos seus elementos, que é a faculdade de exigir a prestação» e, assim, faltando a exequibilidade intrínseca, falta igualmente essa faculdade e, em consequência, a pretensão, o que justifica que uma acção executiva cujo objecto seja uma pretensão intrinsecamente inexequível deva ser improcedente.7 Pressuposto da acção executiva é, pois, não só a exequibilidade extrínseca do título executando (preenchimento dos pressupostos e requisitos para que um documento possa valer como título executivo), como também a exequibilidade da pretensão (a exequibilidade intrínseca, traduzida na inexistência de qualquer razão ou fundamento que, substantivamente, configure matéria extintiva, modificativa ou impeditiva da faculdade de exigir judicialmente a prestação) – faltando qualquer delas, soçobrará a pretensão do exequente.
Acresce que, a oposição apesar de constituir, do ponto de vista estrutural, algo de extrínseco à acção executiva, «toma o carácter duma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo»– quando veicula uma oposição de mérito à execução, visa um acertamento negativo da situação substantiva (obrigação exequenda), de sentido contrário ao acertamento positivo consubstanciado no título executivo, cujo escopo é obstar ao prosseguimento da acção executiva mediante a eliminação, por via indirecta, da eficácia do título executivo enquanto tal; quando tem um fundamento processual, o seu objecto é, já não uma pretensão de acertamento negativo do direito exequendo, mas uma pretensão de acertamento, também negativo, da falta dum pressuposto processual, que pode ser o próprio título executivo, igualmente obstando ao prosseguimento da acção executiva, mediante o reconhecimento da sua inadmissibilidade. 8
Isto posto e para o que interessa à questão sob apreciação no presente recurso, a apelada fundou a presente oposição à execução na excepção peremptória de prescrição que, julgada procedente em primeira instância determinou a extinção da execução, situação com a qual a embargada, apelante, não se conforma.
Vejamos, então.
No caso vem dada à execução uma escritura de mútuo datada de 31 de Agosto de 2006, cujos contornos se encontram explicitados no ponto 1 dos factos dados como provados.
Da factualidade provada resulta sem oposição, que a CGD entregou ao embargante a quantia objecto do contrato, a título de empréstimo, que do mesmo se confessou devedor, comprometendo-se a liquidá-las e os respectivos juros e comissões, nos termos contratualmente previstos.
Resulta de igual modo que a partir de 28 de Fevereiro de 2007, o embargante deixou de pagar as referidas prestações.
No dia 21 de Abril de 2023, o crédito emergente do contrato referido em 1. foi cedido pela CGD, S.A. à embargada e no dia 02 de Janeiro de 2025, a embargada enviou ao embargante, para a morada “...”, carta, que chegou ao destino e foi devolvida por não ter sido reclamada, a comunicar a cessão de créditos e a resolução do contrato por definitivamente incumprido.
O acordo firmado entre o embargante e a CGD configura um contrato de mútuo tal como previsto no artigo 1142.º do Código Civil. De acordo com tal preceito legal, o mútuo presume-se oneroso (cfr. n.º 1 do artigo 1145.º do Código Civil) e quanto a juros, observar-se-á o disposto no artigo 559.º sendo que quanto a mora rege o disposto no artigo 806.º, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 1145.º do mesmo Código.
Para a questão a decidir importa considerar pois, que a partir de 28 de Fevereiro de 2007, o executado deixou de proceder ao pagamento das prestações convencionadas; que a cessionária enviou carta não recepcionada pelo embargante comunicando-lhe a cessão e a resolução do contrato em 21 de Abril de 2023 e que a execução deu entrada em juízo em 17 de Janeiro de 2025.
De acordo com o contrato celebrado, não tendo sido restituída a quantia acordada no prazo fixado, acrescida dos juros convencionados, está-se perante uma situação de incumprimento, sendo certo que esse incumprimento se presume culposo (cfr. artigos 762.º, 798.º e 799.º do Código Civil). É certo que, uma vez que se tratava de obrigações com prazo certo, não era necessária qualquer interpelação para que o mutuário incorresse, desde logo, em mora quanto às prestações que mensal e sucessivamente se iam vencendo e fosse responsável pelo pagamento dos respectivos juros de mora (cfr. alínea a) do n.º 2 do artigo 805.º e n.º 1 e 2 do artigo 806.º do Código Civil).
Em sede de oposição o Embargante defende a prescrição do direito de crédito da Embargada, face ao disposto nas alíneas d) e e) do artigo 310.º do Código Civil. Diferentemente a Embargada, defende que tal prazo prescricional é inaplicável à situação defendendo a aplicação ao caso do prazo previsto no artigo 309.º e n.º 1 do artigo 311.º do Código Civil.
Dispõe o artigo 310.º do Código Civil:
«Prescrevem no prazo de cinco anos:
(…)
d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;
(…)».
Assim, neste preceito estabelece-se o prazo de prescrição de cinco anos para as prestações ali expressamente mencionadas nas alíneas a) a f) e, residualmente, também para «quaisquer outras prestações periodicamente renováveis» (alínea g)), evidenciando ser essa a natureza de todas as prestações contempladas no preceito.
Prestações «periodicamente renováveis» são aquelas «que resultam de uma pluralidade de obrigações que se vão constituindo ao longo do tempo, prestações essas caracterizadas pela presença de uma nota de autonomia de cada uma delas dentro de um programa contratual em curso, em que existe uma conexão intrínseca entre as prestações e os diversos espaços temporais em que é possível seccionar a sua duração global».9
Conforme se escreveu em Ac. desta Relação que a ora Relatora subscreveu como adjunta, «Pretendeu-se com a fixação deste prazo de prescrição quinquenal, por contraposição ao prazo ordinário de prescrição de vinte anos estabelecido no artº 309º do Código Civil, a protecção do devedor, precavendo-o de situações em que, por inércia do credor quanto à exigência das prestações periodicamente renováveis, ocorra uma acumulação da sua dívida que, de dívida de prazos periódicos mais curtos ou anuidades, se transformaria em dívida de montante susceptível de o arruinar se o pagamento pudesse ser exigido pelo credor de uma só vez, ao final de vários anos.
Relativamente às quotas de amortização de capital pagáveis com juros, pretendeu-se tratar o reembolso do capital nos moldes aplicáveis aos juros, com fundamento em que não seria aceitável o concurso de dois prazos de prescrição distintos sobre uma obrigação que os contraentes tinham como unitária e incindível.
Entendeu-se ainda que a existência de um plano de amortização por um determinado período de tempo transforma a dívida numa série de prestações em termos periódicos. Não se trata de uma obrigação periodicamente renovável em termos estritos, mas sim de uma obrigação única cujo cumprimento se dilata no tempo através de sucessivas prestações, a pagar em datas diferidas, até que o montante da dívida se encontre completamente pago. Por isso, não obstante tratar-se de uma obrigação única, tendo em consideração que o seu cumprimento tem lugar através de prestações fraccionadas no tempo, compostas por uma parte de capital e outra parte pelos juros, é aplicável às quotas de amortização do capital pagáveis com juros o regime da prescrição quinquenal que para elas ficou expressamente estabelecido na alínea e) do artº 310º do Código Civil.»10
Num contrato como o presente, não sofre dúvidas que estamos perante um caso de obrigação fraccionada ou repartida, que é única mas cujo cumprimento, normalmente por conveniência do devedor, se protela no tempo, através de sucessivas prestações, a pagar em datas diferidas até que a totalidade da dívida fique totalmente satisfeita.
Recuperamos o acórdão que vimos seguindo e que subscrevemos:
«Desenvolveu-se uma divergência jurisprudencial relativamente às situações em que se verifique incumprimento do plano de amortização, especialmente quando ocorre a antecipação do vencimento de todas as prestações com a perda do benefício do prazo. Uma corrente defendia que em tal caso se mantinha o prazo de prescrição de cinco anos, outra sustentava que se passaria a aplicar ao capital em dívida a prescrição ordinária.
A primeira posição vinha sendo seguida pelo Supremo Tribunal de Justiça, a segunda por parte das Relações [remete-se para o acórdão do STJ de 10/09/2020, proc. 805/18.6 T8OVR-A.P1.S1, disponível na base de dados dgsi, onde se identificam decisões num e noutro daqueles sentidos].
É essa divergência que subjaz à uniformização de jurisprudência operada pelo acórdão nº 6/2022, de 30/06/2022, publicado no DR, 1ª série, de 22/09/2022 (doravante AUJ nº 6/2022), que foi fixada nos seguintes termos: “I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.”
Como resulta da explanação desenvolvida no AUJ nº 6/2022, ocorrendo o vencimento antecipado, nos termos do artº 781º do Código Civil, das quotas de amortização de capital mutuado pagável com juros, continua a aplicar-se às quotas assim antecipadamente vencidas o prazo de prescrição de 5 anos previsto no artº 310º e) do Código Civil, prazo que se inicia e começa a correr, em relação a todas as quotas assim vencidas, na data em que ocorreu o vencimento antecipado, por ser nesta data que o direito passa a poder ser exercido – cfr. artº 306º nº 1 do Código Civil.»
Na sentença sob recurso escreveu-se: « O contrato de mútuo celebrado no dia 31 de Agosto de 2006, entre a CGD, S.A. e o embargante previa o reembolso do capital mutuado em sessenta prestações mensais, de capital e juros, sucessivas e iguais, vencendo-se a primeira em Setembro e as restantes nos meses seguintes – facto 1., pelo que o direito ao capital em dívida prescreve no prazo de cinco anos – art. 310.º, al. e), do CC, e Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ de 6/2022, de 30.06.2022, in Diário da República n.º 184/2022, Série I de 22/09 (“I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação”).
O contrato teve o seu termo pelo decurso do prazo estipulado para reembolso prestacional do capital mutuado, ou seja, em 31 de Agosto de 2011.
Extinto o contrato, a resolução do contrato por carta de 17 de Janeiro de 2025 (que, apesar de devolvida por não reclamada, se considera eficazmente recebida, visto que enviada para a morada associada no contrato e cuja alteração o embargante não alegou ter comunicação à mutuante – art. 224.º, n.º 2, do CC e cláusula 19.) não teve o efeito fazer vencer quaisquer prestações (que, de prazo certo, no último dia de cada mês, se venceram na temporalidade compreendida entre Setembro de 2006 e Agosto de 2011) – art. 781.º do CC, ou o efeito de extinguir novamente o contrato (o que pressuporia o seu renascimento), sendo de realçar que o primeiro efeito, quando se verifica, não transmuta o prazo de prescrição de cinco para vinte anos – art. 309.º do CC e Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ de 6/2022, de 30.06.2022, in Diário da República n.º 184/2022, Série I de 22/09 (“II -Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas”).
O direito aos juros de mora sobre o capital também prescreve no prazo de cinco anos – art. 310.º, n.º 1, al. d), do CC.»
Ora, vistos os autos, nada neles revela que tenha havido a perda do benefício do prazo com o inerente vencimento antecipado das prestações. O art.781º do CCivil não prevê, em caso de falta de realização de uma prestação, o vencimento automático de todas as prestações previstas para a liquidação da obrigação, apenas prevendo -que é coisa diversa- a imediata exigibilidade das prestações.11
Na citada disposição legal, prevê-se uma faculdade concedida ao credor, e não um automatismo de vencimento alheio à sua vontade e que faça cessar o benefício do prazo (resultante das prestações) que se encontrava estabelecido.
«Trata-se de um dispositivo excepcional conferido ao credor com fundamento na quebra da relação de confiança entre credor e devedor. Por isso, em respeito ao princípio da liberdade contratual e da autonomia da vontade, o exercício dessa faculdade cabe ao credor e da avaliação que ele faça da capacidade económica do devedor para retomar o pagamento regular das prestações acordadas, permitindo-lhe que escolha se e quando deve interpelar o devedor.»12
Esta é a interpretação quase unânime que a doutrina e a jurisprudência fazem do artº 781º do CCivil. 13
Assim, para exercer aquela faculdade que o artº 781º lhe confere, exige-se que o credor manifeste junto do devedor a vontade de aproveitar o benefício que a lei lhe atribui.
Segundo Pedro Romano Martinez14 «(…) a expressão “importa o vencimento de todas” pode ser interpretada como mais uma hipótese de exigibilidade antecipada, que acresce às previstas no 780º; sendo qualificada como exigibilidade antecipada (…) tendo o devedor faltado ao pagamento de uma prestação, o credor pode interpelá-lo, reclamando o cumprimento das demais prestações. Na falta de interpelação, pese embora o incumprimento de uma prestação, as prestações seguintes vencem-se na data prevista.».
Não tendo a norma do artº 781º do Código Civil natureza imperativa, a existir cláusula contratual que atribua outras consequências à mora do devedor, nomeadamente o vencimento antecipado das prestações, será esta a prevalecer atento o princípio da liberdade contratual consagrado no artº 405º do Código Civil.
No caso, nas Condições Gerais do Contrato, prevê-se na cláusula «20.1.-A Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente:a) Incumprimento pelo cliente ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação decorrente deste contrato;»
Portanto, nessa cláusula apenas se consignou que em caso de incumprimento do contrato pela parte devedora a credora teria a possibilidade, a faculdade, de considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu pagamento imediato em caso de incumprimento.
Ou seja, dela não consta nem decorre como efeito do não cumprimento de uma prestação (ou de várias) o vencimento automático de todas as prestações independentemente de interpelação. Essa cláusula apenas prevê um direito do credor ao vencimento antecipado que ele poderia exercer ou não, em moldes que mais não são do que a remissão para os respectivos regimes legais, consistindo no que habitualmente se chama cláusula contratual pedagógica.
Assim, a exigibilidade da totalidade da dívida por perda do prazo carecia de interpelação ao devedor, informando-o de que considerava vencidas todas as prestações acordadas e exigindo-lhes o pagamento da totalidade.
Da matéria de facto provada não consta tal interpelação e a única carta dirigida ao devedor é a que consta do ponto 4 dos factos provados e que constitui uma carta de resolução.
Há-de concluir-se, pois, que não foi feito uso da faculdade que a lei lhe conferia, não tendo havido interpelação do devedor no sentido de converter o incumprimento das prestações vencidas em vencimento antecipado de todas as prestações nos termos do artº 781 do CCivil, e por conseguinte manteve-se o plano de pagamento das prestações acordadas, ainda que elas fossem sistematicamente não pagas; e só posteriormente e no momento que teve por adequado a credora/exequente optou por resolver o contrato.
Porém, à data da resolução do contrato, já o mesmo se encontrava findo pelo decurso do tempo. Como refere Pedro Romano Martinez, «Tendo sido fixado um prazo, o contrato de mútuo caduca no termo ajustado. Apesar de esta solução, que resulta do regime comum, não constar das regras estabelecidas em sede de contrato de mútuo, depreende-se, a contrario, do disposto no art. 1148.º, n.º 1 e 2, do CC e advém da solução constante do n.º 3 do mesmo preceito».15
Pires de Lima/Antunes Varela também referem que «Tendo o mútuo prazo estipulado, ser-lhe-á aplicável, como a qualquer outra relação obrigacional, o disposto no artigo 805.º, n.º 2, alínea a), segundo o qual o devedor se considera em mora, independentemente de interpelação (dies interpellat pro homine), desde a data do vencimento».16
Conclui-se, por conseguinte, que tendo o contrato de mútuo chegado ao seu termo, após o vencimento da última prestação, sem que tenham sido pagas alguma das prestações, o contrato extingue-se por caducidade. Conforme bem se apontou na decisão recorrida « Extinto o contrato, a resolução do contrato por carta de 17 de Janeiro de 2025 (que, apesar de devolvida por não reclamada, se considera eficazmente recebida, visto que enviada para a morada associada no contrato e cuja alteração o embargante não alegou ter comunicação à mutuante – art. 224.º, n.º 2, do CC e cláusula 19.) não teve o efeito fazer vencer quaisquer prestações (que, de prazo certo, no último dia de cada mês, se venceram na temporalidade compreendida entre Setembro de 2006 e Agosto de 2011) – art. 781.º do CC, ou o efeito de extinguir novamente o contrato (o que pressuporia o seu renascimento), sendo de realçar que o primeiro efeito, quando se verifica, não transmuta o prazo de prescrição de cinco para vinte anos – art. 309.º do CC e Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ de 6/2022, de 30.06.2022, in Diário da República n.º 184/2022, Série I de 22/09 (“II -Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas”).»
Porém, aplicável à situação é o primeiro segmento da jurisprudência uniformizada pelo AUJ nº 6/2022, de acordo com o qual o prazo de prescrição de cada uma das prestações de capital pagável com juros é de cinco anos a contar da data do seu vencimento, nos termos do artigo 310º alínea e) do Código Civil.
Permitimo-nos transcrever o trecho do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.09.2020, a propósito da reiterada prática de entidades credoras deixarem acumular dívidas para após, a pretexto de resolução do contrato, virem exigir somas avultadas deixando os devedores em frágil situação financeira: «O vencimento imediato de todas as prestações por via da falta de pagamento de uma deles, nos termos do art.º 781º do CCivil, implica apenas e tão só isso mesmo: o vencimento imediato, com perda do benefício do prazo; não tem por efeito alterar a natureza da dívida, repristinando a anterior obrigação única que foi substituída por uma obrigação fracionada. O que é devido continua a ser todas as quotas de amortização individualmente consideradas e não a quantia global do capital em dívida. E o facto de as quotas de amortização deixarem nessa situação de estar ligadas ao pagamento dos juros (cf. AUJ7/2009, DR, I, 05MAI2009), por via dessa antecipação do vencimento, não interfere, em nosso modo de ver, com o tipo de prescrição aplicável em função da natureza da obrigação, que não é alterada pelas vicissitudes do incumprimento.
Por outro lado, se é certo que se logrou um dos fundamentos da aplicação da prescrição quinquenal (o evitar a acumulação dos montantes em dívida tornando o pagamento excessivamente oneroso para o devedor) não deixa de subsistir a necessidade de uma acrescida diligência do credor na recuperação do seu crédito, tendo em vista, numa óptica do ‘favor debitoris’ imanente ao CCiv, evitando a perpetuação, com a consequente incerteza e insegurança, da situação do devedor.
(…)
É, aliás, usual as entidades credoras virem invocar que face ao incumprimento, rescindiram, denunciaram ou resolveram o contrato, mas em função do seu comportamento e do que vêm peticionar, é manifesto que o que estão a exigir é, ainda, o cumprimento do contrato de financiamento (com a devolução do capital mutuado, o pagamento dos juros remuneratórios e moratórios e accionando as garantias estabelecidas) e não a extinção de tal vínculo contratual.».
Assente que está que nos autos, o contrato se extinguiu por ter atingido o seu termos final, não podemos deixar de tecer algumas considerações a propósito a afirmação da embargante de que para o credor que não recorre à faculdade do vencimento imediato das restantes prestações, o valor em dívida resultante do incumprimento passa apenas a ser exigível aquando da resolução do contrato. De outra forma, a possibilidade de optar por aplicar o mecanismo resultante do art.781º do CCivil depressa se converteria numa obrigação.
Ora, a este propósito veja-se o que se defendeu em Ac. STJ de 18.10.201817, «A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do art. 310.º do Código Civil …»
Veja-se, de igual modo, o Ac. proferido pelo mais alto tribunal, em 6.6.201918, «Como se refere no acórdão recorrido, “o art. 310º do CC consagra uma prescrição de curto prazo (dentro das prescrições extintivas), encontrando a sua razão de ser na proteção do devedor, pela acumulação da sua dívida que, de dívida de anuidades, pagas com os seus rendimentos, se transformaria em dívida de capital suscetível de o arruinar, se o pagamento lhe pudesse ser exigido de um golpe ao cabo de um número demasiado de anos” concluiu o mesmo aresto que “a previsão normativa da al. e) abrange as hipóteses de obrigações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas e que correspondam a duas frações distintas: uma de capital e, outra, de juros em proporção variável, a pagar conjuntamente. Cada quota de amortização corresponderá, assim, ao valor somado do capital e dos juros correspondentes, pagáveis conjuntamente”.Assim resulta também do Ac. do STJ de 29-9-16, 2012/13, em www.dgsi.pt, também mencionado no acórdão recorrido em cujo sumário se refere que: “I - Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos. II - Na verdade, neste caso – apesar de obrigação de pagamento das quotas de capital se traduzir numa obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fracionado em prestações - a circunstância de a amortização fracionada do capital em dívida ser realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, determinou, por expressa determinação legislativa, a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.”(…) A al. e) do art. 310º do CC exige que as prestações que representem a amortização do crédito principal coincidam temporalmente com o vencimento da obrigação de pagamento de juros, visando o legislador, com o estabelecimento de uma prescrição com um prazo mais reduzido do que o prazo geral de 20 anos constante do art. 309º do CC, impor ao credor um dever de diligência no sentido da cobrança dos créditos dessa natureza, ao mesmo tempo que tutela os devedores no sentido de não serem confrontados a destempo com uma dívida resultante da acumulação de dívidas menores mas com vencimentos sucessivos e periódicos.»
Assente que está o prazo de prescrição aplicável, cumpre agora verificar quais as prestações que se encontram prescritas.
Da matéria de facto dada como provada resulta que o contrato de mútuo em causa previa um plano de 60 prestações mensais, tendo a primeira delas vencimento em Setembro de 2006. O termo do contrato ocorreu em 31 de Agosto de 2011.
Considerando que o prazo de prescrição de cada uma daquelas prestações é de cinco anos a contar da data do seu vencimento, a última delas, com vencimento, em 31 de Agosto de 2011, prescreveu em 31 de Agosto de 2016. Tendo a execução deu entrada em juízo em Janeiro de 2021 e não tendo ocorrido qualquer facto interruptivo da prescrição -presume-se a citação para a acção executiva, em 23 de Janeiro de 2025-, dúvidas não restam, pois, que a excepção de prescrição é manifestamente procedente por em tal data se encontrarem já prescritas todas as prestações.
Conclui-se, pois, pela improcedência do recurso e pela manutenção da sentença recorrida.

5. Decisão:
Em face do exposto, decide-se nesta 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o presente recurso de apelação improcedente por não provado e, consequentemente, manter a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
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Registe e Notifique.
Lisboa, 10-07-2025,
Ana Paula Nunes Duarte Olivença
Maria Carlos Calheiros
Amélia Ameixoeira
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1. Cfr. Teixeira de Sousa, «A Acção Executiva», pág.21, cit. por Rui Pinto, in, Manual da Execução e do Despejo, Coimbra Editora, pág.21.
2. Cfr.Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, p. 606.
3. Cfr.Autor e obra citados, p. 606 a 608.
4. Cfr.Autor e obra citados, p. 626.
5. Cfr. Ferreira de Almeida, Algumas considerações sobre o problema da natureza e função do título executivo, RFD, 19 (1965), p. 317).
6. Cfr.Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, 1998, p. 65 e 66
7. Cfr.Autor e obra citados, p. 610
8. Cfr.Autor e obra citados, p. 189 e 190
9. cfr. Ac. STJ de 10-09-2020, proc. n.º 805/18.6 T8OVR-A.P1.S1
10. Ac.Rel.Lisboa, de 6.6.2024, Proc.6620/23.8T8SNT-A.L1, www.dgsi.pt
11. Cfr. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. II, 4ª edição, pág. 52
12. Cfr. Ac. que vimos citando
13. Cfr. Almeida Costa in Direito das Obrigações, 12.ª ed., pág. 1017-1018, Almedina, 2009; Pessoa Jorge in Lições de Direito das Obrigações, AAFDL pág. 316-317; Vasco Lobo Xavier in Venda a Prestações: Algumas Notas sobre os Art.ºs 934.º e 935.º do Código Civil, RDES, XXI (1974), 71 e seg.; Ribeiro de Faria in Direito das Obrigações, vol. II, pág. 325, nota 1, Almedina, 1990; Menezes Cordeiro in Tratado de Direito Civil, Vol. IX, 3.ª ed., pág. 97-99, Almedina, 2019; Menezes Leitão in Direito das Obrigações, 12.ª ed., vol. II, pág.166, Almedina; e, entre outros, os Acs. do S.T.J. de 25.5.2017; de 25.10.2018 de 6.12.2018, e de 11.7.2019 todos acessíveis em www.dgsi.pt.
14. Código Civil Comentado, II – Das Obrigações em Geral, Coordenação António Menezes Cordeiro, CIDP 2021, pág. 986
15. Da Cessação do Contrato. Almedina, 2005, pág. 365
16. Código Civil Anotado, Vol. II, 3.ª edição, pág. 691.
17. Proc.n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1, in www.dgsi.pt
18. Proc. 902/14.7T8GMR-A.G1.S1, www.dgsi.pt