Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5092/10.1TBALM.L1-6
Relator: ADEODATO BROTAS
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO DE CONCESSÃO DE CRÉDITO
OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA DETERMINÁVEL
NECESSIDADE DE INTERPELAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/06/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1-  A obrigação pela qual um banco concede um empréstimo não está ligada, por sinalagma funcional, com a obrigação da mutuada pagar, nos prazos acordados, as prestações de amortização desse empréstimo: a prestação única do banco fica cumprida com a entrega, em numerário ou escrituralmente, da quantia mutuada, sendo por isso inaplicável à execução das prestações em dívida o artº 804º nº 1 do CPC/95, com as alterações resultantes dos DL 38/2003, de 08/03 e DL 226/2008, de 20/11.
2- Constituindo cada prestação da mutuada uma obrigação sujeita a prazo não carece de interpelação do credor para ser exigível.
3- Não tendo a exequente/mutuante juntado aos autos a notificação/interpelação da executada a considerar vencidas todas as prestações, não era necessário que o tivesse feito face ao que dispõe o artº 781º do CC: a falta de realização de uma delas importou o vencimento de todas, significando isso que a totalidade das prestações em falta tornou-se imediatamente exigível.
4- No cálculo da quantia correspondente à totalidade das prestações em dívida deve ser tida em conta a doutrina do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 7/2009, de 25/03/2009 (DR nº 86, Série I, de 05/05/2009) “No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artº 781º do CC não implica a obrigação de pagamento de juros remuneratórios nelas incorporados.”
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-Relatório.
1- A [ Caixa…], instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa, contra B [ RM ] , visando obter a cobrança coerciva da quantia de 5 372,16€, dos quais 4 737,36€ de capital.
Alegou, em síntese, ter emprestado à executada 10 244,46€, em 17/05/2006, que ela se obrigou a pagar em 60 prestações mensais e sucessivas; a executada deixou de pagar as prestações desde 17/05/2009, considerando a exequente o contrato resolvido e o crédito vencido. Estão em dívida 4 737,36€ de capital e juros vencidos e vincendos, à taxa de 6,145€ acrescidos de 4%.
2- Em 21/05/2012, foi proferido o seguinte despacho:
Antes do mais, determino se notifique o exequente para, no prazo de 10 (dez) dias, juntar nos autos comprovativo de interpelação do/a(s) executado/a(s) para pagar(em) as quantias peticionadas nesta execução – cfr. artºs 820.º, n.º 1, 812.º-D, alínea b), 812.º-E, n.º 3, 46.º, n.º 1, alínea c), 802.º e 804.º, do Código de Processo Civil.”
3- A exequente, em consequência, veio juntar cópia de um documento, segundo ela, “…comprovativo da interpelação judicial para pagar a quantia peticionada na presente acção executiva”.
Esse documento, sem qualquer timbre ou assinatura, tem os seguintes dizeres:
Exmª Senhora
R M…
Rua …

…Caparica
Lisboa,12 de Janeiro de 2010
Refª: Procº nº…
Contº nº …
Exmª Senhora,
Apesar da moratória oportunamente concedida, não efectuou a regularização do contrato em epígrafe.
Assim, e caso a situação não seja reposta no prazo de 8 dias, serei forçado a dar andamento imediato ao processo, com todas as consequências legais e patrimoniais daí emergentes, sem mais qualquer aviso.
Certo do aproveitamento desta última oportunidade, subscrevo-me com consideração,
                           Atenciosamente
                           O Advogado
4- Em 12/11/2012, foi proferido despacho com o seguinte teor:
Na sequência do despacho judicial proferido a fls. 84 dos autos veio a exequente fazer juntar aos mesmos o documento de fls. 98.
Vejamos pois;
Ora, resulta do despacho em causa referido que a exequente havia sido notificada/ convidada para, no prazo de 10 (dez) dias, juntar nos autos comprovativos de interpelação do/a (s) executado/a (s) para pagar (em) as quantias peticionadas nesta execução.
Analisando os documentos que fez juntar verifica-se que deste não se apura qualquer valor – da carta de fls 98.
Importa, pois, agora decidir se no caso concreto, do título executivo tem que constar a interpelação do/a executado/a – que não se afigura ter sido junta do modo determinado – para pagar ao exequente a quantia exequenda ou se este tem que fazer prova de tal interpelação.
O documento que compõe o título executivo dado a execução é o contrato de concessão de crédito de fls. 5 e 6, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido.
Consistindo tal título num documento particular, alegadamente assinado pelo/a executado/a, que importa a constituição de obrigação(ões) pecuniária(s) e cujo montante é determinado ou, pelo menos, determinável, pela prova do montante concedido no âmbito do contrato, permitiriam tais características incluí-lo nos títulos previstos na alínea c), do n.º 1, do art.º 46.º, do Código de Processo Civil.
No entanto, em face da previsão normativa plasmada no art.º 802.º, do Código de Processo Civil, a obrigação exequenda deve ser certa, exigível e líquida.
É consabido que a necessidade de proceder à interpelação do devedor para pagamento advém da exigibilidade da obrigação exequenda, a qual, entre o mais, é exigível quando esteja em causa: “a falta de realização ou oferta da contraprestação” nas obrigações sinalagmáticas (neste sentido, vide Acórdão da Relação do Porto de 20/01/2009 in www.dgsi. pt). No contrato de concessão de crédito em causa, o qual tem como titulo o documento, dado à execução, foram estabelecidas obrigações sinalagmáticas, pois o credor (ora exequente) obrigou-se a proporcionar ao/à devedor/a (ora executado/a) determinada quantia em dinheiro, mediante disponibilização na conta deste/a, ao passo que este/a se obrigou a reembolsar, em prestações mensais, o crédito que lhe fosse concedido.
Assim sendo a exigibilidade da dívida do/a devedor/a não estava dependente de simples interpelação, a qual, faltando nesse caso (que não corresponde à situação que nos ocupa em apreço), poderia ter lugar no âmbito destes autos, no acto de citação do/a executado/a.
No caso vertente, incumbia ao/à exequente, de acordo com o prescrito no art.º 804.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil, “provar documentalmente (…) que efectuou ou ofereceu a sua prestação” (consistente na concessão do crédito no montante que reclama), sucedendo que, quando tal prova não pode ser efectuada através de documentos: “o credor, ao requerer a execução, oferece as respectivas provas, que são logo sumariamente produzidas perante o juiz (…)”.
O/A exequente, porém, não fez aquela prova documental, nem indicou, no requerimento inicial, outro tipo de prova.
E depois de notificado/a para juntar o comprovativo da interpelação do/a devedor/a para pagar, também não o fez, limitando-se a juntar o documento já visto onde se salientará que na carta em causa, não se mostra indicado o valor, (valores considerados à data em divida).
                                      *
Assim, o título executivo, segundo se nos afigura, não observa a estatuição contida na parte final da alínea c) do art.º 46.º, do Código de Processo Civil, pois o montante da dívida não está determinado, nem é determinável por simples cálculo aritmético, dependendo antes da referida prova.
Não estando, como não está provada a exigibilidade da obrigação exequenda, não pode operar-se a respectiva liquidação nesta acção executiva através da citação do/a executado/a nos termos, e para os efeitos do disposto no n.º 4, do art.º 805.º, do Código de Processo Civil de onde resulta a deficiência do título executivo.
                                  *
Tendo em conta tudo o acima exposto, sendo manifesta a insuficiência do título executivo, ao abrigo do que dispõem os artºs 820.º, nº1, 812.º, – E, n.º 1, alínea a) e 4, 46.º, n.º 1, alínea c) e 802.º, do Código de Processo Civil, decido indeferir liminarmente o requerimento executivo.
                                           *
Custas pelo/a exequente, de acordo com o que determina o art.º 446.º, n.º 1 e n.º 2, do Código de Processo Civil.”
5- Inconformada a exequente interpôs o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1-No presente caso, não haveria lugar à prolação de qualquer decisão de indeferimento liminar do requerimento executivo, com base na inexigibilidade da dívida exequenda, e da necessidade de proceder à interpelação prévia do devedor para o respectivo pagamento.
2-É que resulta do próprio contrato dado à execução que a Apelante realizou a contra-prestação a que estava obrigada;
3-Facto esse, inequivocamente confessado pela executada, conforme se pode constatar dos termos da cláusula primeira das cláusulas gerais do contrato, assinado em 17/05/2006, na mesma data em que o montante creditado na conta à ordem da executada que confessou expressamente ter recebido tal quantia;
4- As cláusulas particulares do documento em questão, para que remete a cláusula primeira do contrato, indicam o montante mutuado, o prazo contratado, o valor das prestações, a taxa de juro aplicável, e a data de início da amortização do empréstimo concedido.
5-A confissão da executada de reconhecimento da quantia mutuada na data da assinatura do contrato de empréstimo, tem com o efeito cominatório pleno consagrado no disposto no artº 358º nº 2 do Código Civil;
6- Fica, pois, demonstrado à saciedade, face à expressa confissão da executada, a desnecessidade, ao contrário do que se afirma na sentença recorrida, de prova suplementar, de que a apelante efectuou a sua prestação contratual.
7-A jurisprudência citada na sentença proferida pelo tribunal “a quo”, refere-se a contratos com obrigações sinalagmáticas, em que a exigibilidade da obrigação depende da prova (documental ou outra), pelo credor, de que efectuou ou ofereceu ao devedor a prestação a seu cargo, e, nestes casos, e apenas nestes casos a liquidação vencimento da dívida não depende de simples interpelação ao devedor que possa ser feita com a citação na acção executiva.
8- Fica, pois, face à invocada confissão, precludida a inexigibilidade da obrigação;
9- Para a exigibilidade da obrigação exequenda, bem como para efeito da sua constituição em mora, prescreve o artº 805º nº 1 do CC, face ao estatuído no disposto na alínea a) nº 2 do artº 805º do mesmo diploma legal que há mora do devedor, independentemente de interpelação, se a obrigação tiver prazo certo.
10- Como é, notoriamente, o caso da obrigação consubstanciada no contrato junto ao requerimento peticionário na acção executiva.
11- Mesmo que assim não fosse, valeria sempre como interpelação para efeitos de determinação do vencimento da dívida, e por maioria de razão da sua exigibilidade, a simples citação nos termos legais para a acção executiva, tornando-se a dívida exequenda exigível através da interpelação judicial consubstanciada na citação da executada;
12- A Apelante, em sede de acção executiva, alegou nos artigos 4º, 5º e 6º do respectivo requerimento peticionário, os elementos que configuram a liquidação da obrigação exequenda, juntando ainda o documento intitulado “Nota de Débito”, nos termos do qual, descreveu os parâmetros que presidiram àquela liquidação, pelo que o montante em dívida está perfeitamente determinado para efeito do disposto no artº 46º nº 1, alínea C) do CPC.
13- Acresce que seria sempre de admitir que, mesmo havendo obrigatoriedade de interpelação extrajudicial prévia da executada para cumprimento da obrigação esta teria sido sempre operada coma a sua citação para a presente acção executiva;
14- Pelo que a dívida exequenda peticionada é certa, líquida e exigível.
Nestes termos e nos demais de Direito, e sempre com mui douto suprimento dos Venerandos Desembargadores, deverá a decisão recorrida ser revogada.
6-Não foram apresentadas contra-alegações.
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II-Fundamentação.
1-Objecto do Recurso.
É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC/13) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC/13) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações, caso as haja, em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC/13) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC/13) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, face das conclusões apresentadas pela recorrente é a seguinte a questão que importa analisar e decidir:
-Se há fundamento para revogar a decisão recorrida, que considerou ser manifesta a insuficiência do título executivo.
Vejamos.
2- Factualidade Relevante.
Com relevância para a decisão do recurso, importa considerar a factualidade mencionada no relatório acima, que é desnecessário repetir.
3- A Questão Jurídica.
Segundo a decisão da 1ª instância, “…a necessidade de proceder à interpelação do devedor para pagamento advém da exigibilidade da obrigação exequenda, a qual, entre o mais, é exigível quando esteja em causa a falta de realização ou oferta da contraprestação nas obrigações sinalagmáticas.
No caso vertente, incumbia ao/à exequente, de acordo com o prescrito no art.º 804.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil, “provar documentalmente (…) que efectuou ou ofereceu a sua prestação” (consistente na concessão do crédito no montante que reclama), sucedendo que, quando tal prova não pode ser efectuada através de documentos: “o credor, ao requerer a execução, oferece as respectivas provas, que são logo sumariamente produzidas perante o juiz (…)”.
O/A exequente, porém, não fez aquela prova documental, nem indicou, no requerimento inicial, outro tipo de prova.
E depois de notificado/a para juntar o comprovativo da interpelação do/a devedor/a para pagar, também não o fez, limitando-se a juntar o documento já visto onde se salientará que na carta em causa, não se mostra indicado o valor, (valores considerados à data em divida).
Assim, o título executivo, segundo se nos afigura, não observa a estatuição contida na parte final da alínea c) do art.º 46.º, do Código de Processo Civil, pois o montante da dívida não está determinado, nem é determinável por simples cálculo aritmético, dependendo antes da referida prova.”.
Será assim?

A exequente/apelante defende que não estamos perante uma obrigação dependente de prestação por parte do credor, não lhe competindo prová-la documentalmente, nos termos do artº 804º nº 1 do CPC/95 (na redacção dada pelo DL 38/2003 de 08/03); e que a obrigação da executada que resulta do título – restituição da quantia mutuada em prestações pré-fixadas – é liquidável mediante simples cálculo aritmético.
Afigura-se-nos que a exequente/apelante terá razão quanto a estas ilações.
Analisemos.
É necessária uma primeira nota: a execução foi instaurada em 07/08/2010 e a decisão da 1ª instância, ora sob recurso, foi proferida a 12/11/2012. Vigorava nesse período temporal, o regime processual executivo resultante do CPC/95, com as alterações introduzidas pelos DL 38/2003, de 08/03 e DL 226/2008, de 20/11.
Portanto, o recurso em análise será apreciado à luz desse regime processual.
Dito isto.
Como é sabido, de acordo com o artº 802º do CPC então em vigor, são requisitos da obrigação exequenda a certeza, a exigibilidade e a liquidez da obrigação. O que significa que o título executivo deve demonstrar uma obrigação que seja certa, líquida e exigível.
Se a obrigação não apresenta estes requisitos em face do título, o código do processo civil então em vigor (aliás como sucede hoje com o CPC/13) facultava mecanismos que possibilitavam tornar certa, liquida e exigível a obrigação.
Pois bem, de modo simples, a certeza da obrigação, no contexto executivo, prende-se somente com a própria prestação ou o seu objecto e não com o quantitativo da prestação, por este estar relacionado com a liquidez. A certeza da obrigação coloca-se em relação às obrigações genéricas de escolha (artºs 539º e segs do CC) e às obrigações alternativas (artºs 543º e segs do CC).
No que toca à exigibilidade.
A obrigação é exigível se se mostrar vencida. A exigibilidade tem a ver com o tempo de vencimento das obrigações e, para este efeito, importa considerar, nos termos do artº 777º do CC, dois tipos de obrigações: as obrigações puras e as obrigações a prazo. Nas obrigações puras, o credor pode, a todo o tempo, exigir o cumprimento da obrigação, assim como o devedor, também a todo o tempo, exonerar-se dela. O credor pode exigir (a todo o tempo) o cumprimento da obrigação mediante interpelação do devedor. Se não existir interpelaçãonas obrigações puras, a obrigação é inexigível.
Já nas obrigações a prazo, como o próprio nome sugere, há um termo de vencimento (prazo) seja ele estabelecido pelas partes, ou resultante da lei, ou até fixado pelo tribunal. Portanto, as obrigações a prazo vencem-se automaticamente, sem necessidade de interpelação do credor ao devedor, conforme decorre do artº 805º nº 2, al. a) do CC.
Por outro lado, em certos casos, é factor de exigibilidade da obrigação a satisfação de uma prestação por parte do credor. É o que sucede nos contratos bilaterais sinalagmáticos, conforme decorre do artº 804º nº 1 do CPC então em vigor. Estes contratos, como é conhecido, caracterizam-se por gerarem obrigações para ambas as partes, mas também pela correspectividade e interdependência entre elas.
Torna-se imperioso, não obstante, distinguir entre sinalagma genético, que se refere ao momento da celebração do contrato e sinalagma funcional.
Explicitando. Relativamente à sinalagmaticidade: as obrigações assumidas por cada uma das partes constituem a razão de ser da obrigação a que a outra se vinculou (sinalagma genético) e devem ser cumpridas em paralelo, por corresponder à intenção das partes que a prestação de uma seja o pressuposto lógico do cumprimento da outra (sinalagma funcional). 
O sinalagma funcional refere-se às obrigações já constituídas e significa que um desenvolvimento regular da relação contratual exige persistência de ambas as obrigações, que se vão desenvolver ligadas entre si pelo mesmo vínculo de interdependência recíproca. A obrigação de cada uma das partes, ligada à existência originária da obrigação correspondente da contraparte, permanece também ligada à persistência dessa obrigação e, portanto, ao cumprimento ou possibilidade de cumprimento da mesma (Cf. José João Abrantes, A Excepção de Não Cumprimento do Contrato, 2ª edição, pág. 43).
Ora o artº 804º nº 1 do CPC em vigor na altura, repostava-se às obrigações ligadas por sinalagma funcional em que a sinalagmaticidade se manifesta e perdura durante todo o tempo de execução do negócio, designadamente quanto à simultaneidade do cumprimento das obrigações reciprocas. Daí se compreender que o credor não possa exigir o seu crédito sem provar que efectuou ou ofereceu a prestação.
Pois bem, no caso dos autos, a obrigação pela qual o banco concede crédito não está ligada, por sinalagma funcional, com a obrigação da mutuada pagar, nos prazos acordados, as prestações de amortização desse empréstimo. A obrigação do banco fica cumprida com a entrega, em numerário ou escrituralmente, da quantia mutuada.
Por isso, contrariamente ao que decidiu a 1ª instância, não é aplicável ao caso dos autos o regime do artº 804º do CPC vigente na altura.
Lembremos sinteticamente o conceito de iliquidez.
É ilíquida, para efeitos de execução, a obrigação cujo quantitativo não se encontra ainda determinado ou o seu objecto é uma universalidade. (artºs 471º e 805º do CPC em vigor na altura). Adiante veremos os modos de tornar liquida a obrigação que não o seja em face do título.
Aplicando estes conceitos ao caso dos autos.
Já vimos que a 1ª instância não tem razão quando subsumiu a execução em apreço à previsão do artº 804º nº 1 do CPC em vigor na altura: as prestações da executada não estão ligadas por sinalagma funcional com a prestação de entrega do capital mutuado.
Por outro lado, a dívida resultante do mútuo, foi estipulado ser paga em 60 prestações mensais iguais e sucessivas de 211,86€ cada, com vencimento aos dias 17 de cada mês.
Cada prestação constitui uma obrigação sujeita a prazo e, por isso, não carece de interpelação do credor para ser exigível.
A exequente afirma/alega no requerimento inicial executivo que a executada deixou de pagar as prestações vencidas desde 17/05/2009 e que, em consequência, considera vencido todo o crédito, que computou em 4 737,36€.
Embora a exequente não tenha juntado aos autos a notificação/interpelação da executada a considerar vencido todas as prestações, não é necessário que o tivesse feito face ao que dispõe o artº 781º do CC: sendo a obrigação liquidável em mais de duas prestações (sessenta, no caso dos autos) a falta de realização de uma delas importou o vencimento de todas. Significa isso que a totalidade das prestações em falta tornou-se imediatamente exigível (Cf. Pires de Lima e Antunes varela, CC Anotado, vol. II, pág. 32).
Mas, aqui chegados, outra questão se coloca: de acordo com a doutrina estabelecida pelo Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 7/2009, de 25/03/2009 (DR nº 86, Série I, de 05/05/2009) “No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artº 781º do CC não implica a obrigação de pagamento de juros remuneratórios nelas incorporados.”.
Ou seja, o vencimento (automático) das 24 prestações em falta - o empréstimo era liquidável em 60 prestações mensais, iguais e sucessivas, que se iniciaram em 17/05/2006, deixaram de ser pagas em 17/05/2009 – apenas diz respeito a 24 prestações de capital em singelo, não abrangendo os juros remuneratórios integrados em cada uma dessas prestações.
Ora, sendo o capital mutuado de 10 244,46€, pagável em 60 prestações, cada prestação de capital correspondia a 170,741€. Portanto, em 17/05/2009, venceram-se 24 prestações de 170,74€, no valor total de 4 097,78€ (e não os 4 737,36€ de capital solicitados).
Sobre esta quantia de capital, vencem-se os juros contratuais, correspondentes à taxa Euribor a 3 meses acrescida de um spread contratual de 5,5%.
A sobretaxa de 4% a título de cláusula penal apenas é devida desde o momento em que a exequente recorreu a tribunal, conforme decorre da cláusula 8ª das condições gerais do contrato.
Em resumo: a exequente tem direito a receber da executada 4 097,78€ de capital, acrescido de juros de mora contados desde 18/05/2009, sobre aquela quantia, à taxa correspondente à Euribor a 3 meses acrescida de spread de 5,5%; isto até 06/08/2010 e, desde esta data, os juros passam a ser correspondentes à taxa Euribor a 3 meses, acrescida de spread de 5,5% e de uma sobretaxa de 4% a título de cláusula penal.
O recurso procede, mas não integralmente.
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III- Decisão.
Em face do exposto, decide-se na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, revogam a decisão que julgou extinta a execução e, em consequência, ordenam que seja substituída por outra que ordene o prosseguimento da execução, tendo a exequente direito a receber da executada 4 097,78€ de capital, acrescido de juros de mora, contados desde 18/05/2009, à taxa correspondente à Euribor a 3 meses acrescida de spread de 5,5%; isto até 06/08/2010 e, desde esta data, os juros passam a ser correspondentes à taxa Euribor a 3 meses, acrescida de spread de 5,5% e de uma sobretaxa de 4% a título de cláusula penal.
Sem custas.

Lisboa, 06/06/2019
Adeodato Brotas
Gilberto Martinho
Maria de Deus Correia