Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1470/21.9T8FNC.L1-8
Relator: MARIA DO CÉU SILVA
Descritores: CONTRATO DE DEPÓSITO
CONTA CONJUNTA SOLIDÁRIA
CÔNJUGES
PROPRIEDADE DAS QUANTIAS DEPOSITADAS
LEVANTAMENTO DE VALORES COMUNS
PARTILHA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 - A força de caso julgado não se estende aos fundamentos de facto da sentença proferida noutro processo, aos factos nela dados como provados.
2 - São distintos o direito de crédito de que é titular cada um dos depositantes solidários e o direito real que recai sobre o dinheiro.
3 - Os bens comuns dos cônjuges constituem objeto duma propriedade coletiva ou de mão comum.
4 - O cônjuge que procede ao levantamento dos valores comuns depositados deve, no momento da partilha, compensar o património comum pelo valor correspondente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa

Na presente ação declarativa que C… move contra H… e M… e em que é interveniente A…, a A. interpôs recurso da sentença pela qual foi julgada a ação improcedente e, em consequência, foram os RR. absolvidos do pedido de condenação a pagar à A. a quantia de €324.469,67, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde o dia 8 de fevereiro de 2021.
Na alegação de recurso, a recorrente pediu a revogação da sentença recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:
«A. Vem a C…, (adiante abreviadamente, C…) recorrer de douta sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, Juízo Central Cível do Funchal – Juiz 3, através da qual o Tribunal a quo julgou totalmente improcedente por não provada a acção intentada pelo autor, e, em consequência absolveu os réus de todos os pedidos contra si deduzidos.
B. Assenta o presente recurso na ausência de pressupostos de facto – com a reapreciação da prova gravada –, e de Direito que justifiquem a absolvição dos réus, desde já especificando a recorrente, nos termos e para os efeitos do artigo 640.º, n.º 1., do CPC, que considera incorrectamente julgados os factos constantes dos pontos 1. e 3. dos factos dados como não provados, ora transcritos:
- “II.2 Factos Não Provados:
1. A… justificou o comportamento referido em C. com o facto de se encontrar em processo de divórcio de H…, razão pela qual procurava garantir que o mesmo não dispersava o património correspondente à sua meação nas aludidas contas;”
(…)
3. O Réu M… fez sua, com H…, a prestação referida em G., mantendo na sua esfera o valor ali mencionado;”
Concretizando,
C. Ponto 1. da matéria dada como não provada
C.1. Quanto a este ponto, não se conforma a recorrente com o mesmo, desde logo, por uma questão de justiça e equidade, porquanto se observa, ao longo de toda a decisão em crise, uma remissão para a sentença proferida nos autos identificados em S., (vejam-se as páginas 13, 14 e 19 da douta sentença), onde podemos encontrar os trechos transcritos, supra, todos remetendo para a aludida sentença, concluindo-se, na douta sentença ora em crise, por referência ao que consta da sentença proferida nos autos referidos em S., ou seja, a acção que correu termos no Juízo Central Cível do Funchal – J3, sob o número 5498/17.5T8FNC:
C.2. Ou seja, entende a recorrente que, recorrendo o Tribunal a quo, da forma musculada como o fez, à sentença e respectivo teor proferida no autos referidos em S., com base na figura da autoridade de caso julgado (figura definida, entre outros, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11/06/2019, processo n.º 355/16.5T8PMS.C1, disponível para consulta em www.dgsi.pt) muito estranha a recorrente que se tenha feito tábua rasa do facto provado em 9. da tão mencionada sentença, de onde consta que “A autora, porque estava em processo de separação do seu ex-marido, decidiu proceder ao levantamento de 50% do valor existente, por forma a acautelar a sua meação.”
C.3. Pelo que, por uma questão de justiça material e coerência de raciocínio, deverá, assim, o ponto 1., da matéria dada como não provada ser elencada nos factos dados como provados.
D. No que ao Ponto 3. da matéria dada como não provada diz respeito, desde logo se remete para o regime jurídico das contas bancárias solidárias, como é o caso da conta aberta em nome dos réus, indicada em G., H., I., e J., da sentença ora em apreço.
D.1. É, de facto, incontornável que, como consta do sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 04/10/2011, processo n.º 1233/09.0TBAVR.C1, disponível para consulta em www.dgsi.pt e transcrito, na sua totalidade, supra, “A titularidade das contas solidárias não predetermina a propriedade dos fundos nelas contidos, a qual (a propriedade dos fundos ou valores) pode pertencer apenas a algum ou alguns dos seus titulares ou co-titulares ou mesmo até porventura a um terceiro.”
D.2. Tendo, contrariamente, com o devido respeito, ao que pretende defender pelo Tribunal a quo, a aqui recorrente a plena convicção, no que à movimentação da conta de depósitos à ordem em apreço (aberta por pai e filho com os fundos provenientes da conta titulada por pai e mãe), que o réu filho, M…, teve plena liberdade o fazer – convicção contrária que, aliás, nem o Tribunal a quo parece ter (veja-se o constante da página 11 da douta sentença em crise, no excerto: “Não esquece o Tribunal a circunstância de as contas ali referidas terem sido abertas também nome do Réu M…; não pode, no entanto, deixar de ter em linha de conta o teor de fls. 225 – de onde parece depreender-se que a movimentação era efectuada por H… – (…)” – parece?? Não estamos, com o devido respeito, no campo das hipóteses mas das certezas;
D.3. Certezas essas que se podem retirar das declarações de parte do Réu M…, designadamente quando admite, sem margem para dúvidas, ser ele quem faz os levantamentos da conta por si e pelo seu pai, ambos réus, titulada, nos excertos transcritos supra, respeitantes aos minutos 05’:04’’ a 05’:17’’, 06’:05’’ a 06’:41’’, 07’:38’’, sendo de fazer notar que o réu alega não saber o que acontecia a todo o montante/ 500 mil euros!) que levantou, em numerário, indo ao banco efectuar os levantamentos de acordo com as suas “folgas e férias” (minutos 07’:04’’ a 07’:10’’)!
D.4. Tendo ficado evidenciado que os múltiplos levantamentos (muitos, que o réu não conseguiu precisar em número ou em extensão temporal…) que fez, sozinho, da conta que titulava solidariamente com o seu pai, foram feitos sem qualquer intervenção do seu pai, co- -titular da conta, tendo ainda sido especificado que (minuto 09’:22’’) “Neste processo em específico, o senhor está envolvido pela circunstância de a conta para onde o dinheiro foi transferido também estar em seu nome (…) tanto assim que levantou o dinheiro.”
D.5. Ora, ainda que se remeta para vasta jurisprudência que possa indiciar o contrário, face à prova produzida em audiência de julgamento, não pode deixar de se concluir que o réu M… fez sua, com o co-réu, seu pai, a prestação referida em G., mantendo na sua esfera o valor ali mencionado, porquanto foi ele quem procedeu ao levantamento dessa mesma prestação;
D.6. Devendo, assim, o n.º 3., dos factos dados como não provados, elencar o rol de factos dados como provados, contrariamente o que sucede na sentença em crise.
E. Do Direito
E.1. Entende o Tribunal a quo não proceder, por falta de fundamento legal, o pretendido direito de regresso sobre os réus, falhando, ainda, os pressupostos de aplicação, por falta de prova de que os réus hajam beneficiado de uma deslocação patrimonial à custa da aqui recorrente, do instituto do enriquecimento sem causa;
E.2. E fundamenta tal entendimento, o Tribunal a quo, no facto de não resultar evidente que qualquer dos réus haja enriquecido à custa de uma deslocação patrimonial da aqui recorrente, mostrando-se, ainda, a deslocação patrimonial efectuada pelo réu H… (consignada em F., e G.) legitimada, em face das regras estabelecidas para a movimentação da conta e o direito de crédito que possuía sobre a autora, aqui recorrente.
Ora,
E.3. Não pode a C… concordar com tais conclusões, pelo que decorre do depoimento da testemunha P… (minutos 07’:16’’, 07’:19’’ a 07’:20’’, 07’:29’’a 07’:50’’, 07’:54’’a 07’:57’’, todos transcritos, supra;
E.4. Ou seja, pese embora tenha o Tribunal a quo retirado, por um lado, qualquer pertinência, ao pedido da C…, seja com base no direito de regresso ou (subsidiariamente) no enriquecimento sem causa, pelos motivos apresentados, certo é que é o mesmo Tribunal que admite que a C… pagou duas vezes, como aliás é a evidência com base na qual a C… interpôs a presente acção;
E.5. Tendo pago, por decisão judicial, à senhora A…, metade do montante que o aqui réu H… levantou e depositou numa conta titulada por ele e pelo seu filho M…;
E.6. Não estando, aqui, na presente acção, em discussão, a conduta da C… que permitiu o levantamento por parte do senhor H…, de todo o dinheiro que estava depositado na sua conta co-titulada com a sua esposa, mas sim, o facto de a C… ter pago duas vezes – uma ao aqui réu H… e outra à sua ex-esposa, senhora A…
E.7. A justiça que se pretende aqui ver feita remete para um facto objectivo e indiscutível: a C… pagou duas vezes e o senhor H…, aqui réu, tem que responder pela prestação que provocou tal duplicação de pagamentos, uma vez que, por decisão judicial, a C… substituiu-se ao senhor H…, na prestação correspondente a metade do valor que da aludida conta constava;
E.8. Existindo, assim, uma indesmentível relação solidária entre a C… e os réus, porquanto a quantia foi levantada duma conta, pelo réu H…, depois depositada noutra conta, titulada por aquele e seu filho, aqui co-réu, M…, tendo este, em múltiplas ocasiões, sem a intervenção do seu pai, tendo procedido ao levantamento, em numerário, do montante depositado numa conta de que era titular, “não sabendo o que acontecia depois ao dinheiro…”;
E.9. Sendo a C… quem, na relação que se foi estabelecendo, se substituiu ao senhor H…, no pagamento de metade do montante que aquele levantou da conta co-titulada com a sua ex-esposa, A…, tendo, a decisão do Tribunal a quo, consubstanciado uma situação de injustiça ostensiva perante a C…
D. Em conclusão, o pedido formulado pela C… merece a tutela do Direito, devendo, por isso proceder, tendo, a douta sentença recorrida feito uma incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 524.º, e, subsidiariamente, do artigo 473.º, ambos do Código Civil, bem como dos princípios de justiça e equidade.»
Os RR. responderam à alegação da recorrente, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:
«1ª – Não foi produzida qualquer prova que permita dar como provado que A… justificou o comportamento referido em C., com o facto de se encontrar em processo de divórcio de H…, razão pela qual procurava garantir que o mesmo não dispersava o património correspondente à sua meação nas aludidas contas.
2ª – Os factos dados como provados ou não provados no âmbito de determinada pretensão judicial não se assumem como uma verdade material absoluta, mas apenas com o sentido e alcance que têm nesse âmbito específico. Ademais, a consistência dos juízos de facto depende das contingências dos mecanismos da prova inerentes a cada processo a que respeitam, não sendo, por isso, tais juízos transponíveis, sem mais, para o âmbito de outra acção.
3ª – Em regra, a autoridade do caso julgado não se estende aos fundamentos de facto da decisão; rectius, estes fundamentos não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão, não valem por si mesmos, não são vinculativos quando desligados da respectiva decisão, pelo que valem apenas enquanto fundamento da decisão e em conjunto com esta.
4ª – As contas bancárias solidárias têm um regime que resulta das respectivas abertura de conta, sendo que no omisso caberá recorrer às regras gerais sobre as obrigações solidárias, previstas nos art.ºs 512º e segts. do Cód. Civ.
5ª – Sendo omisso a esse respeito o acordo ou a relação jurídica de que resultou a abertura desse tipo de contas, haverá que presumir que os co-titulares dessas contas comparticipam, em partes iguais, nos fundos nelas depositados.
6ª – A presunção a que alude a conclusão precedente, trata-se de uma presunção “juris tantum”, que de acordo com o disposto no artº. 350º, nº. 2 do Cód. Civ. é ilidível, podendo qualquer dos seus titulares, ou respectivos herdeiros, provar que os valores constantes dessa conta lhe pertencem por inteiro, ou em diversas proporções.
7ª – Da factualidade apurada não resultou provado que o R. M… tenha feito sua, com o também R. H…, a prestação referida em G., mantendo na sua esfera patrimonial o valor ali mencionado.
8ª – O contrato de depósito é aquele pelo qual uma pessoa (depositante) confia dinheiro a uma instituição bancária (depositário), a qual, tornando-se proprietário dos fundos depositados, fica com o direito de livremente dispôr deles para as necessidades da sua actividade, assumindo a obrigação de restituir outro tanto em conformidade com o estipulado entre as partes.
9ª – No caso sub judice, atendendo a que os titulares das identificadas contas eram casados no regime da comunhão geral, inexistindo especificação alguma quanto à fracção de cada um, presume-se que eram proprietários em partes iguais dos fundos depositados.
10ª – Tratando-se de depósitos plurais solidários, a qualquer dos credores – o ora Apelado H…, ou a então consorte A… – era lícito exigir, por si só, a prestação integral, presumindo-se no entanto, que os valores pecuniários existentes pertenciam em partes iguais aos respectivos contitulares.
11ª – Ao actuar da forma descrita na alínea E. dos Factos Provados, a ora Apelante através do seu funcionário violou não só o dever de cumprimento escrupuloso do contrato de restituição das quantias depositadas, ao recusar a entrega à contitular da conta A… dos valores pretendidos por esta, como também o dever de sigilo e boa fé contratual.
12ª – Tal comportamento constitui um acto ilícito e presume-se culposo, nos termos do disposto no artº. 799º do Cód. Civ., sem que a ora Apelante tenha logrado ilidir tal presunção.
13ª – Por via da existência de um facto ilícito culposo, a Apelante constituiu-se na obrigação de indemnizar os prejuízos sofridos pela Interveniente nos presentes autos, nos termos previstos no artº. 563º do Cód. Civ..
14ª – O Banco sobre o qual impende a presunção de culpa no âmbito da responsabilidade contratual, só se exime da responsabilidade dos prejuízos sofridos pelo cliente nos seguintes casos:
- Se conseguir provar que agiu sem culpa ou seja, que agiu com a diligência que lhe era exigível;
- Se conseguir provar a culpa exclusiva do cliente;
- Se, provando-se negligência sua, se provar, igualmente, negligência do cliente.
15ª – Fala-se em direito de regresso quando o devedor cumpre para além da quota que lhe cabe nas relações internas, isto é, para além da parte que lhe compete no débito comum, conforme previstos no artº. 524º do Cód. Civ.
16ª – “In casu”, tratam-se de prestações diferentes, na medida em que a responsabilidade do Banco, ora Apelante, para com a contitular das contas A… é de natureza contratual – infracção ao acordado em termos de mobilização dos valores depositados – enquanto que, no caso do Apelado H…, trata-se de uma responsabilidade conjugal – decorrente do disposto no artº. 1730º do Cód. Civ..
17ª – Quanto ao R. M… não há qualquer obrigação de prestação, na medida em que não é parte, nem interveio de forma alguma no contrato estabelecido entre o Banco e os contitulares das contas em causa, cuja movimentação em relação a esse Apelado, trata-se de “res inter alios acta”.
18ª – Ao proceder à movimentação e levantamento de valores das contas em causa, o Apelado H… limitou-se a usar da faculdade que lhe confere o artº. 512º, nº. 1, “in fine”, do Cód. Civ., sem que, em bom rigor, lhe possa ser assacada qualquer responsabilidade na relação contratual estabelecida com o Banco…, ora Apelante – “qui jure suo utitur, neminem laedere potest.”.
19ª – Por outro lado, ao caso “sub judice” também não quadra a figura da sub-rogação legal, na medida em que a contitular das contas A…, que o Banco … ressarciu, não era titular de um qualquer direito de crédito sobre os Apelados, nomeadamente sobre o Apelado H…, mas apenas sobre o próprio Banco, em consequência dos contratos de depósito em causa nos autos.
20ª – Para que haja lugar à obrigação de restituir com fundamento no enriquecimento sem causa, exige-se a verificação simultânea e cumulativa dos seguintes requisitos:
a) existência de um enriquecimento;
b) falta de causa que o justifique;
c) que esse enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem pretende a restituição e
d) que o enriquecimento tenha sido obtido imediatamente à custa daquele que se arroga o direito à restituição ou seja, que não haja de permeio, entre o acto gerador do prejuízo dele e a vantagem alcançada pelo enriquecimento, um outro acto jurídico.
21ª – Uma prestação não terá causa justificativa quando não advenha de nenhuma fonte válida, ou quando, não obstante, o Direito não permita a sua retenção.
22ª – Na comunhão conjugal existe um património colectivo, ou seja, um património com dois sujeitos que do mesmo são titulares e que globalmente lhe pertence, sendo um dos traços característicos de tal património autónomo o facto de nenhum dos seus membros pedir a sua divisão enquanto não cessar a causa determinante da sua constituição.
23ª – Cada um dos cônjuges tem apenas direito a uma quota ideal do património do casal, pelo que só com a partilha subsequente ao divórcio se vai concretizar em bens certos e determinados.
24ª – Cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, estes ou seus herdeiros recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património.
25ª – Nos autos de inventário subsequente ao divórcio que correram termos sob o nº. …/13 pelo Cartório Notarial da Dra. ST, em que se procedeu à partilha do acervo comum do dissolvido casal de H… e A…, foi relacionado o valor de 560.000,00€ (quinhentos e sessenta mil euros), que o ora Apelado havia levantado da conta bancária nº. … do … no dia 10 de Abril de 2012, valor esse alterado posteriormente para 345.288,45€ (trezentos e quarenta e cinco mil duzentos e oitenta e oito euros e quarenta e cinco cêntimos) por acordo de ambos os interessados na partilha.
26ª – Uma vez restituído ao acervo comum o valor que o ora Apelado H… havia levantado do Balcão do… do Banco…, o qual foi partilhado entre os interessados, tendo o ex--cônjuge marido pago as tornas que lhe competiam, não houve da parte do mesmo qualquer locupletamento à custa da ex-mulher A…, porquanto foi integralmente compensada da parte a que tinha direito na conta de depósito à ordem nº. …, bem como na conta de depósito a prazo nº. …, ambas do Banco…
27ª – Quando, em 26 de Novembro de 2018, no âmbito do Proc. nº. 5498/17.5T8FNC, que correu termos pelo Juízo Central Cível do Funchal – J3, a aí R. e ora Apelante requereu que a ora Chamada A… viesse aos autos indicar o número de processo de inventário, bem como que confirmasse se já tinha havido partilha e bem assim em que data a mesma transitou em julgado, já toda a prova havia sido produzida.
28ª – Não obstante a falta de colaboração da Chamada A…, na satisfação do pedido efectuado pela ora Apelante e desconhecendo esta o desfecho dos autos de inventário para partilha subsequente ao divórcio que correram termos sob o nº. …/13 pelo Cartório Notarial da Dra. ST, a segunda entregou à primeira a quantia de 321.760,55 € (trezentos e vinte e um mil setecentos e sessenta euros e cinquenta e cinco cêntimos).
29ª – Com a entrega em 28 de Maio de 2018 das tornas devidas à interessada A… efectuada pelo ex-marido e ora Apelado H…, acrescidas dos bens que lhe foram adjudicados no respectivo processo de inventário, a primeira considera-se integralmente paga da meação que lhe competia no acervo comum do seu dissolvido casal.
30ª – Tanto o pagamento pela ora Apelada à dita A…, como o recebimento por parte desta – sobretudo este – foram efectuados de forma indevida.
31ª – Tendo-se a segunda locupletado ilicitamente à custa da ora Apelante da quantia de 321.760,55 € (trezentos e vinte e um mil setecentos e sessenta euros e cinquenta e cinco cêntimos) a que alude a alínea LL. dos Factos Provados.
32ª – Foi a conduta (ilegal) da ora Apelante ao não permitir que a referida A… levantasse a quantia que pretendia, a causa remota que acabou por determinar que tenha pago duas vezes e que aquela tenha, igualmente, recebido duas vezes – a primeira do seu ex-marido e ora Apelado H…, nos autos de inventário que correm termos sob o nº. …/13 pelo Cartório Notarial do Funchal da Dra. ST e a segunda na sequência da decisão judicial proferida no âmbito dos autos de processo comum que correram termos sob o nº. 5498/17.5T8FNC do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, juízo Central Cível do Funchal – Juiz 3.
33ª – “In casu”, a apelante errou por duas vezes: a primeira quando não entregou à Chamada A… a quantia que esta pretendia levantar da conta solidária que mantinha com o ex-marido, ora Apelado sedeada no Balcão do… e a segunda quando se apressou a pagar-  -lhe a quantia por ela reclamada, sem antes curar de saber se já anteriormente havia recebido a quantia que a mesma reclamava judicialmente.
34ª – Não é verdade que a C… tenha sido subtraída de metade do montante que o R.  H… levantou da sua conta titulada com a sua ex-mulher A…; pura e simplesmente, entregou-lhe, levianamente, essa quantia.
35ª – Improcedem as Conclusões C.1.; C.2.; C.3.; D.2.; D.3.; D.4.; D.5.; D.6.; E.6.; E.7.; E.8.; E.9. e D. formuladas pela Apelante e as demais mostram-se inócuas.
36ª – A douta sentença recorrida fez uma correcta aplicação do Direito, “maxime” do disposto nos artºs. 350º, nº. 2; 473º, nº. 1; 516º; 524º; 563º; 592º; 799º e 1730º do Cód. Civ. e bem assim do preceituado nos artºs. 421º, nº. 1 e 607º, nº. 5 do Cód. Proc. Civ.»
São as seguintes as questões a decidir:
- da impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- do direito de regresso; e
- do enriquecimento sem causa.
*
Na sentença, foram dados como provados os seguintes factos:
«A. A “C…”, na sua qualidade de instituição de crédito, exerce a actividade bancária, praticando operações e prestando serviços permitidos pelas normas legais, estatutárias e regulamentares que a regem, nomeadamente aceitando depósitos;
B. H… e A…, abriram uma conta de depósito à ordem na instituição bancária Autora, com o número …, sob a modalidade conjunta solidária;
C. H… e A…, abriram uma conta de depósito a prazo na instituição bancária Autora, que tomou o número …, sob a modalidade conjunta solidária;
D. No dia 10 de Abril de 2012, A… dirigiu-se ao balcão da Autora, sito no Centro Comercial de …, com o objectivo de proceder ao levantamento da quantia correspondente a cinquenta por cento dos montantes depositados nas contas referidas em B.;
E. A Autora não executou imediatamente o pedido referido em D.;
F. Na sequência da actuação da Autora referida em E., H… mobilizou o depósito a prazo existente na conta de depósito a prazo referida em C., no valor de €500.000,00 para a conta de depósito à ordem referida em B.;
G. H… transferiu da conta de depósito à ordem n.º … referida em B., para a conta aberta com o número 0…, o montante de €560.000,00;
H. A conta com o número 0…, aberta na instituição bancária aqui Autor sob a modalidade colectiva mista, tinha como primeiro titular H… e como segundo titular M…;
I. Nas condições de movimentação da conta referida em H. ficou estabelecida a possibilidade de o primeiro titular a movimentar isolado e de o segundo titular apenas a poder movimentar em conjunto com o primeiro titular;
J. A partir da conta 0… os Réus constituíram, no dia 10 de Abril de 2012 uma conta de depósito a prazo no montante de €500.000,00, à qual foi atribuído o número 04…;
K. Da conta de depósito a prazo referida em J. foram efectuados, em 11 de Abril e 17 de Abril de 2012, através de cheque, dois levantamentos no valor de €250.000,00;
L. O cheque emitido no dia 11 de Abril de 2012 foi depositado numa conta aberta junto do Banco B…, em nome de ambos os Réus;
M. O cheque emitido no dia 17 de Abril de 2012, foi depositado numa conta aberta junto do Banco S…, em nome de ambos os Réus;
N. Sob o número …/13, correu termos no Cartório Notarial de ST processo de inventário para partilha de bens na sequência de divórcio de A… e H…, instaurado por A…;
O. Nos autos referidos em N., H… assumiu as funções de cabeça-de-casal;
P. A… instaurou, em 10 de Novembro de 2014, acção declarativa de condenação contra os ora réus, à qual foi atribuído o numero 3376/14.9T8FNC e que correu termos no Juízo Central Cível do Funchal - Juiz 2;
Q. Na acção referida em P., A… pretendia a condenação dos Réus a pagar-lhe a quantia de €280.775,00, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde 10/04/2012, totalizando, naquela data, €40.308,52 e a pagar-lhe uma compensação no valor de €10.000,00, a título de danos morais;
R. O processo referido em P. terminou por acordo das partes, tendo o Réu H… reconhecido ter, em 10 de Abril de 2012, procedido ao levantamento da quantia de €560.000,00, da conta de depósito à ordem … e que a mesma era património comum do casal e a Autora desistido do pedido de indemnização por danos morais que contra os Réus havia deduzido e desistido do processo instaurado contra H…;
S. A… intentou acção contra a aqui Autora, que correu termos no Juízo Central Cível do Funchal - J3, sob o número 5498/17.5T8FNC;
T. Nos autos referidos em S. A… pretendia a condenação da aqui Autora a pagar-lhe a quantia de €340.185,70, dos quais €280.000,00 configuravam capital, €10.000,00 se referiam a compensação por danos não patrimoniais e os remanescentes €50.185,70 se reconduziam a juros;
U. A 22 de Maio de 2017, A… foi nomeada cabeça-de casal nos autos de inventário referidos em N.;
V. A 08 de Junho de 2017, nos autos de inventário referidos em N., A… apresentou relação de bens;
W. Nos autos referidos em S., a Autora requereu a intervenção de H…;
X. Por decisão datada de 16 de Fevereiro de 2018, a intervenção referida em W. não foi admitida;
Y. A Autora recorreu da decisão referida em X.;
Z. Em conferência preparatória ocorrida a 12 de Abril de 2018 nos autos de inventário referido em N., foi actualizada a relação de bens e nela foi identificado, sob a verba número seis do activo comum a partilhar, a quantia de €560.000,00, levantada da conta número … do …;
AA. Na conferência de interessados ocorrida nos autos referidos em N., a 28 de Maio de 2018, foi decidido proceder à adjudicação da verba referida em Z. pelo valor de €345.288,45, a H…;
BB. Na conferência de interessados ocorrida nos autos referidos em N., a 28 de Maio de 2018, chegou-se a uma meação no valor de €310.161,87, com a adjudicação a A… das verbas móveis, de dois veículos automóveis e do prédio urbano e a H… das verbas em numerário e de um veículo automóvel, fixando-se a obrigação deste no pagamento de tornas, no montante de €32.000,00;
CC. Por sentença proferida a 26 de Junho de 2018, a partilha acordada na Conferência de Interessados foi homologada;
DD. Por sentença proferida a 05 de Julho de 2018, nos autos referidos em S., a aqui Autora foi condenada, com base no instituto de responsabilidade contratual, a pagar a A… a quantia de €280.000,00, acrescida de juros de mora contados desde a data da citação, e a quantia de €5.000,00 a título de danos não patrimoniais;
EE. Em 12 de Novembro de 2018, H… solicitou a sua intervenção nos autos referidos em S.;
FF. Por despacho proferido a 17 de Dezembro de 2018, o requerido em EE. foi indeferido;
GG. Nos autos referidos em S., a Autora solicitou, em 26 de Novembro de 2018, que se ordenasse à ali Autora, A…, que viesse aos autos indicar o número de processo de inventário, que confirmasse se já houvera partilha (e em que moldes) e em que data transitara a mesma em julgado;
HH. Por despacho proferido a 17 de Dezembro de 2018, o referido em GG. foi indeferido;
II. Por acórdão datado de 04 de Abril de 2019, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a decisão proferida e referida em X.;
JJ. Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 11 de Dezembro de 2019, a sentença referida em DD. foi confirmada;
KK. Por acórdão proferido a 06 de Outubro de 2020, o Supremo Tribunal de Justiça negou a revista excepcional apresentada pela Autora;
LL. Na sequência do decidido nos autos referidos em S., a Autora pagou a A…, em 08 de Fevereiro de 2021, a quantia de € 321.760,55;
MM. Nos autos referidos em S. a Autora pagou, a título de custas de parte, o valor de €2.709,12;
NN. A Autora não tentou indagar junto dos Réus o referido em GG.»
*
Na sentença, foram dados como não provados os seguintes factos:
«1. A… justificou o comportamento referido em C. com o facto de se encontrar em processo de divórcio de H…, razão pela qual procurava garantir que o mesmo não dispersava o património correspondente à sua meação nas aludidas contas;
2. À data referida em C., as contas número … e número …, contabilizavam, em conjunto, o saldo de €561.550,00;
3. O Réu M… fez sua, com H…, a prestação referida em G., mantendo na sua esfera o valor ali mencionado;
4. Na data referida em AA. o Réu H... sabia da existência dos autos identificados em S., tendo sido por isso que fez o acordo;
5. O Réu H… afirmou que a Autora não ia receber dinheiro nenhum por já ter dissipado todo o património e que se A… não fizesse um acordo e ficasse com a casa nem isso ia receber;
6. A… não tinha condições financeiras para ficar com a casa mas face à possibilidade de nada receber, por o dinheiro já ter sido dissipado, aceitou fazer o acordo referido em AA.;
7. A… é inválida e pessoa muito doente do foro psiquiátrico;
8. A… estava esgotada e aceitou o acordo referido em AA. para se ver livre de um problema, com a garantia do Réu H… que mesmo que ela recebesse o valor do banco não agiria contra ela;
9. A… sofreu muito e passou fome;
10. A… utilizou os valores que recebeu para pagar as dívidas que contraiu nos anos a viver à custa de amigos e com os processos de divórcio, partilhas, providência cautelares, processos crime, acções comuns, tentativas de processos de internamento compulsivo efectuadas pelo Réu H…»
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Nas conclusões recursivas, os pontos de facto especificados pela recorrente como incorretamente julgado são os pontos 1 e 3 da matéria de facto não provada.
O ponto 1 da matéria de facto não provada é do seguinte teor:
«A… justificou o comportamento referido em C. com o facto de se encontrar em processo de divórcio de H…, razão pela qual procurava garantir que o mesmo não dispersava o património correspondente à sua meação nas aludidas contas».
Nas alegações recursivas, pode ler-se: «recorrendo o Tribunal a quo, da forma musculada como o fez, à sentença e respectivo teor proferida no autos referidos em S., com base na figura da autoridade de caso julgado (…) muito estranha a recorrente que se tenha feito tábua rasa do facto provado em 9. da tão mencionada sentença, de onde consta que “A autora, porque estava em processo de separação do seu ex-marido, decidiu proceder ao levantamento de 50% do valor existente, por forma a acautelar a sua meação.”»
Nos termos do art.º 621º do C.P.C., “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga”.
Segundo Antunes Varela, “é a resposta dada na sentença à pretensão do autor, delimitada em função da causa de pedir, que a lei pretende seja respeitada através da força e autoridade do caso julgado”, sendo que “a força do caso julgado cobre apenas a resposta dada a essa pretensão e não o raciocínio lógico que a sentença percorreu, para chegar a essa resposta”.
“A força do caso julgado não se estende, por conseguinte, aos fundamentos da sentença, que no corpo desta se situam entre o relatório e a decisão final” (Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, págs. 712 e ss).
Assim, a força de caso julgado não se estende aos fundamentos de facto da sentença proferida no processo 5498/17.5T8FNC, aos factos nela dados como provados.
“… transpor os factos provados numa acção para a outra - constituiria, pura e simplesmente, conferir à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado que não tem...” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ de 5 de maio de 2005, processo 05B691; no mesmo sentido Acórdão do STJ proferido a 8 de novembro de 2018, processo 478/08.4TBASL.E1.S1).
O ponto 3 da matéria de facto não provada é do seguinte teor:
“O Réu M… fez sua, com H…, a prestação referida em G., mantendo na sua esfera o valor ali mencionado.”
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida pode ler-se:
«O exarado em 3. resultou não provado pela ausência de prova sustentada que o corroborasse.
Ouvido em depoimento e declarações de parte, o Réu H… disse, de forma clara e peremptória, que pese embora o montante referido em G. tenha sido transferido para conta co-titulada pelo seu filho M…, sempre o domínio e controlo dos valores em causa estiveram na sua pessoa, limitando-se o filho a aceder a um pedido seu quanto tentava assegurar-se que as quantias depositadas nas contas referidas em B. e em C, não eram dissipadas por A…
Também M…, ouvido em sede de declarações de parte, afirmou não ter ficado com qualquer parcela da quantia que havia sido levantada por seu pai, no circunstancialismo referido em F. e G., acrescentando que foi levantando, à medida que aquele lhe pedia, várias tranches e que lhas entregou, nada sabendo quanto ao destino que lhes deu.
Nenhuma outra prova se produziu quanto ao referido em 3., sendo que a testemunha inquirida nada sabia quanto a este aspecto e nenhuns elementos bancários foram apresentados aos autos capazes de esclarecer quais os movimentos efectuados nas contas referidas em L. e M.
Não esquece o Tribunal a circunstância de as contas ali referidas terem sido abertas também nome do Réu M…; não pode, no entanto, deixar de ter em linha de conta o teor de fls. 225 - de onde parece depreender-se que a movimentação era efectuada por H… - e, bem assim, o teor de fls. 167, onde este Réu expressamente assume que o montante levantado da conta referida em F. se encontra na sua posse.
Relembre-se que a circunstância de uma conta se encontrar aberta em nome de determinada pessoa não significa, sem mais, que o valor que nela se encontra depositado seja de sua propriedade; a questão da propriedade do dinheiro depositado é distinta e independente do regime de movimentação dos depósitos (solidária conjunta ou mista), sendo que os depósitos podem, até, ser efectuados por terceiros estranhos à conta.
Não olvida o Tribunal que nos deparamos com declarações de parte e, por inerência, com a descrição de factos por parte de quem tem, necessariamente, um interesse particular na causa.
Contudo, não podemos deixar de considerar o preceituado pelo artigo 466º, do Código de Processo Civil, de onde resulta não ter o legislador efectuado qualquer degradação, à partida, do valor probatório das declarações de parte nem ter-lhes conferido carácter subsidiário e/ ou meramente integrativo e complementar de outros meios de prova.
Pela forma clara e circunstanciada como os Réus prestaram declarações, cotejadas com o teor das informações de fls. 225 e do declarado em sede de diligência em processo de inventário, a fls. 167, entendeu o Tribunal que as declarações de parte prestadas pelos Réus se mostram merecedoras de credibilidade.
Ponderados tais elementos, na ausência de outros elementos de prova carreados aos autos, forçoso se torna concluir que a Autora não logrou cumprir com aquele que era o seu ónus de prova, no que respeita ao referido em 3., mostrando-se este não provado por falta de prova que os sustente».
“… o nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspetiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ de 7 de setembro de 2017, processo 959/09.2TVLSB.L1.S1).
A argumentação probatória da recorrente não permite configurar erro de julgamento, uma vez que a recorrente limitou-se a invocar, como meio de prova, o depoimento do R. M… e a transcrever os excertos desse depoimento que contêm o reconhecimento do levantamento de quantias, fazendo tábua rasa da parte do depoimento em que aquele R. referiu que as quantias levantadas foram entregues ao R. H…
Na ata da audiência final, o tribunal recorrido fez constar o seguinte termo de assentada relativo ao depoimento do R. M…:
“Inquirido, admitiu ter efectivamente sido titular de duas contas, em conjunto com o seu pai, para as quais foram transferidas duas tranches de 250.000,00€ (duzentos e cinquenta mil euros), depositadas a prazo. Mais disse que os referidos montantes foram, por si, parcelarmente levantados, em numerário, tendo posteriormente sido entregues, na sua totalidade, ao seu pai, não sabendo o posterior destino que este lhes deu”.
Nos termos do art.º 360º do C.P.C., “se a declaração confessória, judicial ou extrajudicial, for acompanhada da narração de outros factos ou circunstâncias tendentes a infirmar a eficácia do facto confessado ou a modificar ou extinguir os seus efeitos, a parte que dela quiser aproveitar-se como prova plena tem de aceitar também como verdadeiros os outros factos ou circunstâncias, salvo se provar a sua inexatidão”.
Assim, improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
*
Resulta da matéria de facto provada que o R. H… e a interveniente abriram uma conta de depósito à ordem e uma conta de depósito a prazo, ambas sob a modalidade conjunta solidária, na instituição bancária ora A.
Estamos perante contratos de depósito bancário aos quais se aplica o regime da solidariedade ativa (cf. art.º 512º nº 1 do C.C.).
Nos termos do art.º 516º do C.C., “nas relações entre si, presume-se que os… credores solidários comparticipam em partes iguais… no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existentes não resulte que são diferentes as suas partes, ou que só um deles deve… obter o benefício do crédito”.
“A titularidade da conta não predetermina, como se sabe, a propriedade dos fundos nela contidos, que pode pertencer apenas a algum ou alguns dos seus titulares ou mesmo até porventura a um terceiro, não havendo, assim, que confundir a titularidade da dita conta com a propriedade dos valores/ importâncias nela depositadas” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ de 15 de novembro de 2017, processo 879/14.9TBSSB.E1.S1).
“São perfeitamente distintos o direito de crédito de que é titular cada um dos depositantes solidários - que se traduz num poder de mobilização do saldo - e o direito real que recai sobre o dinheiro, direito que pode pertencer, apenas, a algum ou alguns dos titulares da conta ou, até, a terceiro” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ de 26 de outubro de 2004, processo 04A3101).
“… quando um dos credores obteve satisfação do seu direito para além do que lhe devia caber segundo a titularidade do crédito nas relações internas entre os credores, então terá de satisfazer aos outros a parte que lhes pertence no crédito comum (art.º 533º C. Civil).
Ora, é nesta sede, das relações internas entre os credores, que, de acordo com o dito art.º 516º, se presume que os credores solidários participam no crédito em partes iguais.
Tem, assim, como objectivo a presunção, quando se não demonstre coisa diferente - pois que, como ressalva o próprio texto da norma, se trata de mera presunção juris tantum -, permitir a determinação da quota dos credores aos quais a prestação não foi efectuada” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ de 4 de junho de 2013, processo 226/11.1TVLSB.L1.S1).
O R. H… e a interveniente foram casados.
“Os bens comuns dos cônjuges constituem objecto não duma relação de compropriedade - mas duma propriedade colectiva ou de mão comum” (www.dgsi.pt Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido a 8 de novembro de 2001, processo 4931/10.1TBLRA.C1).
Nos termos do art.º 1689º nº 1 e 3 do C.C., “cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, estes ou os seus herdeiros recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património”.
“… verificando-se, no momento da partilha, um enriquecimento dos patrimónios próprios dos cônjuges em detrimento do património conjugal comum ou deste relativamente àqueles, há lugar a compensações entre essas massas patrimoniais; o cônjuge que utilizou bens ou valores comuns deverá, no momento da partilha, compensar o património comum pelo valor actualizado correspondente; esses bens ou valores devem ser objecto de relacionação, de modo a permitir aquela compensação” (acórdão citado).
“Consequentemente, a partilha a realizar por dissolução do casamento não se limita aos bens identificados no património colectivo do casal, ao tempo da propositura da acção de divórcio; nela também se há-de levar em conta aquilo que cada um dos cônjuges dever a esse património” (www.dgsi.pt Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido a 24 de janeiro de 2018, processo 86/17.9T8PRD.P1).
Resulta da matéria de facto provada que, “em conferência preparatória ocorrida a 12 de Abril de 2018 nos autos de inventário…, foi actualizada a relação de bens e nela foi identificado, sob a verba número seis do activo comum a partilhar, a quantia de €560.000,00, levantada da conta número … do …”.
Resulta ainda da matéria de facto provada que, na conferência de interessados ocorrida nos autos referidos…, a 28 de Maio de 2018, chegou-se a uma meação no valor de €310.161,87, com a adjudicação a A… das verbas móveis, de dois veículos automóveis e do prédio urbano e a H… das verbas em numerário e de um veículo automóvel, fixando-se a obrigação deste no pagamento de tornas, no montante de €32.000,00”.
Conforme resulta da matéria de facto provada, a verba em numerário correspondente à quantia levantada da conta número … do … foi adjudicada ao R. Manuel Humberto apenas pelo valor de €345.288,45.
Da matéria de facto provada não resulta a justificação para o valor de adjudicação ser inferior ao valor do levantamento.
O certo é que o valor da adjudicação foi acordado entre os interessados.
A partilha acordada na conferência de interessados foi homologada por sentença proferida a 26 de junho de 2018, pelo que, no âmbito das relações internas, isto é, no âmbito das relações entre os titulares da conta, o litígio quanto ao levantamento da quantia de €560.000,00 pelo R. H… ficou resolvido.
Nas conclusões recursivas, a recorrente afirmou o seguinte:
“A justiça que se pretende aqui ver feita remete para um facto objectivo e indiscutível: a C… pagou duas vezes e o senhor H…, aqui réu, tem que responder pela prestação que provocou tal duplicação de pagamentos, uma vez que, por decisão judicial, a C… substituiu- -se ao senhor H…, na prestação correspondente a metade do valor que da aludida conta constava”.
É certo que resulta da matéria de facto que a A. fez um pagamento ao R. H… e outro à interveniente, mas, conforme resulta da matéria de facto provada, a condenação da A., no processo 5498/17.5T8FNC, a pagar à ora interveniente a quantia de €280.000,00, acrescida de juros desde a data da citação, foi com base no instituto da responsabilidade contratual, pelo que é incorreto a recorrente afirmar que pagou duas vezes, uma vez que as prestações são diferentes.
Resulta da matéria de facto provada que, no dia 10 de abril de 2012, a interveniente “dirigiu-se ao balcão da Autora, sito no Centro Comercial de …, com o objectivo de proceder ao levantamento da quantia correspondente a cinquenta por cento dos montantes depositados nas contas”; que a A. “não executou imediatamente o pedido”; e que, na sequência da atuação da A., o R. H… mobilizou o depósito a prazo existente na conta de depósito a prazo no valor de €500.000,00 para a conta de depósito à ordem e transferiu desta conta para conta aberta por ele e pelo R. M… a quantia de €560.000,00.
É a recusa da A. em satisfazer o pedido da interveniente que está na origem do empobrecimento daquela.
Na verdade, se a A. tivesse satisfeito o pedido da interveniente, não só o R. H… não poderia mobilizar quantia superior a €280.000,00, como a A. não incorreria em responsabilidade contratual.
A sentença que condenou a A. a indemnizar a interveniente foi proferida a 5 de julho de 2018, ou seja, já depois de ter sido homologada a partilha e, portanto, já depois de o R. H… ter compensado o património comum do casal pelo levantamento da conta por ele efetuado, pelo que não faz qualquer sentido afirmar que a A. “substituiu-se” ao R. H…
Assim, bem andou o tribunal recorrido em considerar que não tem cabimento falar de direito de regresso e que inexiste enriquecimento do R. H… à custa do património da A.
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Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida.
Custas da apelação pela recorrente.

Lisboa, 12 de janeiro de 2023
Maria do Céu Silva
Teresa Sandiães
Octávio Diogo