Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
453/06.3TJLSB.L1-7
Relator: GOUVEIA BARROS
Descritores: TRANSMISSÃO DO ARRENDAMENTO
CÔNJUGE SOBREVIVO
PRIVAÇÃO DE USO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I) Tendo-se transmitido ao cônjuge sobrevivo o direito ao arrendamento, a ulterior transmissão a favor do filho de ambos pressupõe que se alegue e prove, não que ele viveu com o primitivo inquilino, mas antes que, à data do óbito do beneficiário daquela transmissão, vivia com ele desde há mais de um ano.
II) Tendo o arrendamento caducado por óbito da inquilina e tendo o réu retido as chaves da fracção, não restituindo o locado ao senhorio no prazo consignado na lei para tal efeito, não carece o senhorio de provar a intenção de o dar de novo de arrendamento para ter direito a ser ressarcido pela privação do uso resultante da ilícita retenção do imóvel.
Sumário do Relator

                                                                             

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa


             ALBERTO F. e esposa, MARIA F., residentes em A…, instauraram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra MANUEL P., divorciado, residente em Lisboa, pedindo que seja reconhecida caducidade de um contrato de arrendamento por morte da arrendatária e condenado o Réu e quem mais ocupar a referida fracção a despejar imediatamente o andar sito na Av. E…, em L…, a entregá-lo aos AA devoluto de pessoas e bens e a pagar-lhes uma indemnização correspondente a €850,00 mensais, por cada mês que ocupe o andar até à sua entrega efectiva, liquidando desde logo e até ao presente, por oito meses de ocupação indevida, desde Julho de 2005 a Fevereiro de 2006, o valor de €6.800.
Alegaram para tal e em síntese, que são proprietários do referido andar o qual foi dado de arrendamento a Jorge P., para sua habitação exclusiva e que após a morte desse arrendatário, sucedeu-lhe no arrendamento o seu cônjuge, Maria P., que por sua vez faleceu em … de … de ….
 Ora o aqui Réu, filho da mencionada arrendatária, reclama o direito à transmissão do arrendamento, apesar de não viver com a mãe no locado, recusando-se a entregar a fracção aos AA.
Contestou o Réu, invocando a ilegitimidade activa e dizendo que, pelo menos desde 1999, sempre viveu com os pais no andar arrendado e que, já em 2000, o seu filho Diogo P. veio a viver também consigo e com os avós e, posteriormente, vieram a residir na mesma fracção a esposa do contestante e o seu outro filho, sendo que o Autor sempre teve conhecimento dos factos que agora refere.
Conclui assim pedindo que se considere ter-lhe sido transmitida a posição de arrendatário, a coberto do disposto no artigo 85º, nº1, alínea b) e nº4 do RAU.
E, em reconvenção, pede a condenação dos AA a pagarem-lhe o custo de obras que realizou no locado em Dezembro de 2004, no valor de €29.816,22.
Após a apresentação da contestação, veio o filho do réu, Diogo P., requerer a sua intervenção principal espontânea, alegando que “tem o mesmo interesse processual que o R. na acção” e conclui dizendo que “deve ser reconhecida ao interveniente a transmissão do direito ao arrendamento” do andar locado.
Responderam os autores para sustentar a sua legitimidade, assinalando o insólito de tanto o réu como o interveniente, seu filho, se arrogarem ter-lhes sido transmitido o mesmo direito, impugnando no mais os factos em que se funda a reconvenção, dizendo para tanto que não autorizaram a realização de quaisquer obras e concluindo por isso a pugnar pela improcedência da reconvenção.
Pronunciaram-se ainda os autores sobre o pedido de intervenção espontânea formulado pelo filho do réu, concluindo a defender o seu indeferimento, vincando justamente o facto de as versões de ambos serem conflituantes e, não obstante, serem subscritas pelo mesmo mandatário.
Por despacho de fls 145 e porque era patente o conflito de interesses entre o réu e o interveniente, foi este admitido a intervir na qualidade de réu, convolando a intervenção principal requerida em oposição espontânea, subsumindo o incidente à previsão do artigo 342º do CPC.
A fls 265 veio o primitivo réu responder ao pedido formulado por seu filho, dizendo que “também corresponde à verdade o alegado pelo oponente”, juntando substabelecimento a favor de nova mandatária a favor da qual o mandatário por si constituído inicialmente substabeleceu os poderes concedidos (apesar disso e como se assinala no despacho de fls 352, o ilustre advogado do réu continuou a subscrever os requerimentos tanto em nome do pai como do filho!).
                                                            ***
Por despacho de fls 270 e segs foi apreciada e desatendida a arguição sobre a ilegitimidade dos AA e, conferidos os demais pressupostos de validade da instância, procedeu-se à selecção da matéria de facto que foi objecto de reclamação, desatendida por despacho de fls 308.
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Sobreveio entretanto o óbito do Autor, sendo no respectivo incidente de habilitação habilitados os sucessores do falecido, identificados nos autos, para com eles prosseguir a acção, ocupando a posição do falecido co-autor (cfr. fls. 441).
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            Discutida a causa, foi a final proferida sentença a julgar a acção improcedente e parcialmente procedente o pedido reconvencional formulado pelo réu Manuel P., reconhecendo ter-se-lhe transmitido o direito ao arrendamento por morte de sua mãe Maria P., mas absolvendo os AA do pedido reconvencional formulado pelo mesmo réu e bem assim do pedido conflituante deduzido pelo filho Diogo P.
       Inconformados com o decidido, recorreram os AA para pugnar pela modificação da decisão sobre a matéria de facto assente e em consequência pela revogação da sentença e sua substituição por outra que decrete a caducidade do contrato com base no óbito da arrendatária Maria  P., em 4 de Março de 2005, alinhando para tal as seguintes razões:
1º)
Corroborando a prova produzida em julgamento com a sua fundamentação e bem assim com a documentação junta aos autos, entendem os recorrentes justificar-se a reapreciação da prova produzida para alteração da resposta dada aos quesitos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º e, consequentemente julgar-se procedente a acção no tocante à caducidade do contrato de arrendamento na data em que ocorreu o óbito da arrendatária Maria P.
Estão provados documentalmente nos autos os seguintes factos:
Em 8 de Setembro do ano 2000, o recorrido Manuel P. casou com N., conforme doc. nº10, junto à contestação.
Em 19 de Novembro de 2004, foi decretada a separação judicial de pessoas e bens pela Conservatória do Registo Civil de V… .
Em … de … de …, os cônjuges fizeram acordo de reconciliação o qual foi homologado nessa data, pela mesma Conservatória do Registo Civil de V…, doc. nº 18 junto à contestação.
Na audiência de discussão e julgamento foi requerida e aceite a junção aos autos de um contrato de arrendamento que o recorrido celebrou referente ao 1º andar esquerdo do prédio sito na A… nº xx, em L…, conforme fls. 548 dos autos.
Nesse documento que se encontra junto aos autos, o recorrido arrendou para sua habitação o 1º andar.
E pelo prazo 3 anos, o referido 1º andar esquerdo do mencionado prédio, com início em Junho de 2002, pelo prazo de 3 anos, pela renda mensal de €850 (oitocentos e cinquenta euros).
A testemunha dos recorrentes, M., ouvida em julgamento à matéria dos quesitos 1º e 2º, prestou o depoimento seguinte:

Ao min. 02.16
MAA: Olhe e em que anos é que foi seu inquilino?
T: Ele foi meu inquilino desde 2002... desde Junho de 2002 até 2005.. Outubro de 2005
Ao min. 02.34
MAA: Foi seu inquilino onde?
T: Na A..., ...º ….
MAA Olhe e então este Senhor Manuel P. viveu nessa sua casa?
T: ai, viveu sim
MAA: Com a família?
T: Sim, senhora
MAA: Com a mulher e com os filhos?
T: Com a mulher e os filhos, na altura 2 filhos, se não estou em erro
MAA: E diz a Senhora que viveu até … de …?
T: Sim
MAA: Tem a certeza disso?
T: Tenho, um bocadinho mais porque a demora depois a despejar a casa, demorou uns poucos
dias, mas saíram perfeitamente
E a testemunha I. também ouvida em julgamento relativamente á matéria dos
quesitos 1º e 2º, referiu o seguinte:

“Ao min. 04.17
MAA: Olhe e o Sr. Manuel P., nessa altura, sabe se ele vivia na A.?
T.: O Sr. Manuel viveu na A., agora a data certa que ele lá viveu não sei, mas que viveu lá, viveu, não tenho dúvida nenhuma.
Ao min. 05.25
MAA: Olhe então onde é que vivia o Sr. Manuel à data em que faleceu a mãe, a Sr. Dª Maria P., vivia nessa casa?
T.: Eu acho que vivia nessa casa.
MAA: Na A.?
T.: Sim
MAA: E a senhora acha porquê? Porque não o via ali?
T.: Porque não o via ali, entrava ou saía mas não..
MAA: Ia só de visita é isso?
T: Ia só de visita
Ao min. 08.01
MAA: Quem é que vivia então neste andar? Quem é que vivia aqui na Av. dos E., xxx? Era só a Dª Maria?
T.: Era a Dª Maria e o Senhor Jorge P.
MAA: Quem era o Sr. Jorge, o marido?
T.: Sim
MAA: Mas o marido, está aqui provado que faleceu antes
T.: Sim, mas depois ficou a senhora.
MAA: Era ela que lá vivia?
T.: Era ela que lá estava e acho que aquilo tinha uma empregada também que estava a tomar conta da senhora
MAA: E depois antes de morrer, o quê? Uns meses uns anos antes foi para o lar, é isso?
T.: Sim…
MAA: Portanto, não estava lá mais ninguém a viver?
T.: Não, que eu saiba, não
Ao min. 28.52
J.: Olhe e desde esse momento em que a vizinha do R/C lhe disse que a senhora do 3.º teria ido para um lar, se nunca mais viu luzes, ouviu barulho, os estores, as janelas, as persianas, as portadas, o que seja que há nas portas para vedar a entrada da luz, designadamente à noite, se estavam sempre fechadas? O que eu lhe estou a perguntar é se desde então, desde o momento em que a vizinha do R/C lhe disse que a senhora do 3.º teria ido para um lar, se nunca mais viu luzes, ouviu barulho, se ouviu movimento, se viu alguém a sair ou a entrar daquela porta?
T.: Não, nunca mais vi ninguém e.. uma altura até comentei, eu sozinha, olha as janelas estão todas abertas e está tudo estragado, os estores estão todos estragados.. mas comentei comigo sozinha, olhei e disse olha para aquilo como está..
J.: Quando diz as janelas estavam abertas, os estores não estavam corridos?
T.: Sim, sim.
J.: Mas não eram as próprias janelas?
T.: Também havia uma janela, que eu tenho a impressão que era do quarto da Senhora Maria P. que estava completamente aberta e o estore estava a meio (Ao min. 30.12)
J.: Aquilo demorou muitos dias?
T.: Aquilo demorou muito tempo, aquilo durou muito tempo assim, (Ao min. 31.23)
J.: Olhe e roupa estendida ou assim, onde é que ali as pessoas estendem roupa? Na varanda, dentro da cozinha?
T.: Por norma, costumam estender na parte de trás da casa, nos estendais
J: Ou seja, a senhora não conseguia ver isso?
T.: Conseguia ver sim, porque quando saio da minha porta que venho todos os dias ao quintal, se olhar para cima vejo lá roupa estendida e deixei de ver roupa estendida muito tempo porque eu quando estendo a roupa do 3º esquerdo, o estendal é ao lado.
J.: Mas estamos a falar em 2005
T.: Sim, sim, sim, sim
Por fim, a testemunha M.  quanto aos quesitos 1º e 2º, depôs nos seguintes termos:

“As instâncias da MAA
Ao min. 03.58
T: A única coisa que sei é que quando a senhora faleceu, muitas vezes ia lá as àguas e a luz e por engano cortavam a minha porque não estava ninguém lá ao lado
MAA: E isso aconteceu muitas vezes?
T: Umas 3 ou 4 que se enganavam e cortavam na minha casa
MAA: Portanto, na casa ao lado não estava lá ninguém
T: Às vezes aparecia lá gente, mas..não era permanente
MAA: Pois, era só esporádico?
T: Pois, mas nem sei quem é que ia lá. Sei que cortavam às vezes o fornecimento... e eu participei.. telefonavam-me porque eles enganavam-se, não sabiam de quem era, chegavam lá e cortavam a minha água (Ao min. 06.44)
MAA: Mas sabe que a senhora que estava no lar e que ele tinha arrendado essa casa na Av. de
Roma
T: que arrendou a casa à minha comadre, tenho a certeza absoluta e vivia lá.. tenho a certeza
Ao min. 14.26
MRJP: O que quer dizer que, ao cortarem depois foi restabelecido, mas a intenção era cortar ao
lado?
T: Ao lado e selavam, selavam
MRJP: Mas depois voltavam a ter água?
T: Passado meses, às vezes estavam um mês, dois, selado, não é no dia a seguir ou três depois
Ao min. 14. 54
T: Eu sei que depois da senhora morrer, houve muito movimento (Ao min. 22.29)
T: Eu vou lhe dizer qual é a certeza, é que esse senhor esteve ali transitoriamente, não sei se 15
dias, se 3 semanas
J: Esteve ali transitoriamemte aonde?
T: Na casa ao lado.. esteve lá a viver não sei quanto tempo, pouco tempo.. e depois alugou a casa à minha comadre (1ª testemunha – Maria Fernanda) e saiu de lá e o movimento acabou.”

Na resposta aos quesitos, o Tribunal deu como não provado o quesito 1º, tendo fundamentado a sua decisão no facto de, em seu entender, nenhuma testemunha ter produzido prova no sentido do afirmado.
Na verdade, o Tribunal não entendeu ao depoimento da 1ª testemunha Maria Fernanda, a qual era proprietária do prédio sito na A. nº xx em Lisboa, vivendo no 4º andar do mesmo e tendo arrendado o 1º andar esquerdo ao Réu, ora recorrido Manuel P., desde Junho de 2002 até Outubro de 2005.
A referida testemunha depôs com toda a isenção e revelou ter total conhecimento da situação.
Igualmente, o Tribunal não relevou o depoimento da testemunha Isaura Fernandes que vive há 40 anos na cave do prédio sito na Avenida dos Estados Unidos da América, nºxxx, onde se situa o andar despejando e trabalhava diariamente durante 40 anos no 3º andar esquerdo do prédio (fracção ao lado da despejanda).
A testemunha revelou conhecimento de décadas acerca da ocupação que vinha sendo feito do 3º andar direito do prédio (andar despejando).
A sentença recorrida para além de conter as fls. 4 e 5, que consubstanciam transcrições de  sentenças doutros processos, fez uma incorrecta interpretação do depoimento das testemunhas arroladas pelas recorrentes e bem assim de prova documental junta aos autos, o que motivou que a resposta ao quesito 1º tivesse sido negativa.
Os recorrentes não se conformam com a decisão da matéria de facto no tocante ao quesito 1º o qual deveria ter respondido da seguinte forma:
Quesito 1º
Em Março de 2005, o réu Manuel P., vivia, dormia, tomava as suas refeições e recebia a sua correspondência e os seus amigos na A. em L....
                                                                ***
Consequentemente o quesito 3º deverá ser respondido da seguinte forma, tendo em conta
o depoimento das testemunhas do recorrido Manuel P.
Quesito 3º
Desde 1999 até Junho de 2002, o Réu vivia com os seus pais no 3º andar direito do prédio sito na Avenida E… nº xxx em L….
                                                                   ***
O quesito 20º deverá igualmente ser dada resposta negativa, o Réu foi viver para a A… com sua mulher e filhos a partir do ano 2002.
É certo que o Réu terá arrendado duas fracções na A.: em 2002 arrendou o 1º andar esquerdo do prédio com o nºxx, conforme contrato de arrendamento junto aos autos e, posteriormente, em 2005, ter-se-á mudado para um R/C da A.  nºyy. (veja-se a fundamentação da resposta aos quesitos a fls. 4).
À data do óbito da arrendatária Maria P., ocorrida em 4 de Março de 2005, vigorava o artigo 85º do D.L. 321- B/90 de 15 de Outubro.
Nos termos do artigo 1051º, nº1 alínea d) do C.C. “o contrato de locação caduca por morte do locatário”...
E, nos termos do supra citado artigo 85º, o arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário ou daquele a quem tiver sido cedida a sua posição contratual, se lhe sobreviver:
b) Descendente com menos de um ano de idade ou que com ele convivesse há mais de um ano.
Reapreciada a prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, urge alterar a matéria de facto dada como provada, passando a ser considerado parcialmente provado o quesito 1º, nos seguintes termos:
“Em Março de 2005, o réu Manuel P. vivia, dormia, tomava as suas refeições e recebia a sua correspondência e os seus amigos no 1º andar esquerdo do prédio urbano sito A., nº XX, em Lisboa”, porquanto o contrato de arrendamento que foi junto em audiência de discussão e julgamento reporta-se ao 1º andar esquerdo do n.º xx da A. e não ao R/C do n.º yy da mesma Avenida, tal como havia sido alegado em sede de P.I.
Deverá ainda considerar parcialmente provado o quesito 3º com a seguinte redacção:
Desde, pelo menos, 1999 até Junho de 2002, o réu Manuel P. com os seus pais no 3º andar direito do prédio sito na Avenida E. nº xxx em Lisboa.
Devendo ainda ser considerado como não provado o quesito 20º.
A sentença recorrida, viola o artº1051º, nº 1 alínea d) do C. C. e ainda o artº 607 nº 4 do C.P.C.
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Não foi apresentada resposta pelo recorrido.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso assentou nos seguintes factos:
A) Nos autos de inventário que, sob o nº 000/88, correram termos no Tribunal Judicial da Comarca de Alcácer do Sal, por óbito de A. Alberto F., a fracção designada pela letra “G”, correspondente ao 3º andar direito do prédio sito na Avenida dos Estados Unidos da América, nºxxx, em Lisboa, (…), foi adjudicada ao falecido autor, por sentença homologatória transitada em julgado em 22.01.1996.
B) Através de contrato de arrendamento escrito, o anterior proprietário deu de arrendamento a Jorge P., para sua habitação exclusiva, o 3º andar direito e garagem nº 1, do prédio identificado em A), pela renda mensal de esc. 1.280$00, com início no dia 01 de Março de 1953 e pelo prazo de seis meses, sucessivamente renovado, conforme consta da cópia de fls. 46/47 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
C) O primitivo arrendatário, Jorge P. faleceu a 10.11.2003.
D) Àquela data, o arrendamento transmitiu-se a Maria P., cônjuge do falecido inquilino.
E) Em … faleceu Maria P..
F) O falecimento de Maria P. foi comunicado ao autor pelo filho daquela, Manuel P., ora réu, através de carta datada de 24.03.2005, conforme cópia constante a fls. 48 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
G) O autor enviou ao ora réu, e este recebeu, carta datada de 11.04.2005, cuja cópia consta a fls. 49 dos autos, e cujo teor se dá por reproduzido.
H) Em Março de 2005, a renda mensal referente ao contrato identificado em B) estava fixada em €65,45;
I) O réu Manuel P. é filho de Jorge P. e de Maria P..
J) Diogo P., nascido a 25.00.1981, é filho do réu (…).
L) Em 00 de Setembro de 2000, o réu contraiu matrimónio com N. Dias.
M) Em 2005 os AA pretendiam arrendar o 3º andar identificado em A).
N) Pelo menos, desde o ano 2000, o Réu e seu filho Diogo viviam com os pais daquele e avós deste no 3º andar direito identificado em A), ali pernoitando, tomando as suas refeições, recebendo a sua correspondência e os seus amigos (resposta aos quesitos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 20º, 21º, 22º, 23º e 24º).
O) Posteriormente ao casamento do Réu com N. Dias, esta passou a viver com aquele no imóvel referido em A), ali passando a viver depois o outro filho do Réu, nascido deste casamento.         P) O Réu enviou em 26/11/2003 ao falecido autor a carta que constitui o documento de fls. 65, que no mais se dá aqui integralmente por reproduzido.
            Q) O locado sofria de infiltrações através do tecto.
R) E a sua canalização estava degradada.
S) E tinha os rebocos das paredes e do tecto a cair, apresentando o vigamento “à mostra”.
T) As varandas exteriores também se encontravam degradadas.
U) Ainda antes de Abril de 1999, os arrendatários deram conta aos senhorios das situações referidas em 11º e 13º [ora em Q) e S)], instando-os a proceder a obras no locado.
V) Os senhorios nunca realizaram qualquer obra no locado, apesar da comunicação dos arrendatários referida em 15º [ora em U)].
X) Por impossibilidade económica de seus pais, o 1º Réu despendeu a quantia de €2.470,00 com a impermeabilização do terraço com vista a evitar as infiltrações referidas no facto 11º [ora em Q)].
Z) E teve que despender a quantia de €732,50 para instalação do gás.
AA) O 1º Réu procedeu no imóvel referido em A) à reparação de tectos, substituição de armários de cozinha, substituição de canalização das casas de banho e respectivas loiças sanitárias, bem como procedeu à reparação da instalação eléctrica afectada pelas infiltrações referidas supra, suportando o correspondente custo, em valor não concretamente apurado.
                                                              ***
Âmbito do recurso:
     Preliminarmente cumpre assinalar que no decurso da audiência de discussão e julgamento o mandatário dos autores declarou ter recebido a chave do locado no dia 22 de Maio de 2013, declaração que foi corroborada pelo primitivo réu.
            Em face dos termos do litígio e pese embora a entrega do locado aos AA na pendência da causa, cumpre dilucidar se o direito ao arrendamento do andar em litígio se transmitiu, por morte da inquilina Maria P., a favor do réu Manuel P., tese que é posta em crise tanto pelos AA. como pelo oponente, filho do réu, patrocinado pelo mesmo advogado que a sustentara na contestação, em representação do pai!  
            Por conseguinte, o objecto do presente recurso desdobra-se na análise e decisão dos seguintes temas:
I) Impugnação da matéria de facto condensada no facto enunciado na alínea N;
II) Sobre a verificação da excepção estabelecida no artigo 86º do RAU;
III) Direito a indemnização dos AA pela utilização do andar.
                                                                       ***
Análise do recurso:
         Nenhuma dúvida foi colocada sobre a transmissão a favor da mãe do réu do arrendamento relativo ao andar, celebrado pelo primitivo arrendatário, Manuel P. e por isso se diz certeiramente na sentença, ao delimitar o objecto da acção, que “a questão fulcral a dirimir nos autos reside somente em apurar se com a morte desta arrendatária tal arrendamento caducou ou se nele sucedeu seu filho ou poderá suceder seu neto”.
            Incontroverso também é o regime legal por que se rege tal transmissão, pois como na sentença se refere “em vista do disposto no art. 12º, nºs 1 e 2, do Código Civil, há que considerar a lei vigente à data do óbito da referida arrendatária, ou seja, em …/…/…, por conseguinte, é ao caso aplicável o preceituado no RAU, aprovado pelo DL 321-B/90, de 15 de Outubro, na redacção introduzida pelo DL 287/2003, de 12 de Novembro.
Nos termos do disposto no art. 1051º, nº 1, alínea d); do Código Civil, aplicável por remissão do art. 66º, nº 1, do RAU, por regra, o arrendamento caduca por morte do arrendatário.
Porém, prescreve o art. 85º, nº 1, alínea b), do mesmo Regime, com relevo para o caso, que “o arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário ou daquele a quem tiver sido cedida a sua posição contratual, se lhe sobreviver descendente com menos de um ano de idade ou que com ele convivesse há mais de um ano”.
Reiterado assim o regime legal in casu aplicável, logo se constata que o cerne do litígio se prende com o facto de saber se o réu (excluída ficou a “candidatura” do oponente à titularidade do direito que seu pai se arroga) “conviveu com a arrendatária desde há mais de um ano”, ou seja, se o réu Jorge Peixoto viveu no locado com sua mãe desde data anterior a 4/3/2004 e até ao seu decesso em 4/3/2005.
Sendo também inquestionável que é sobre o réu que impende o ónus de demonstrar que o decesso de sua mãe não determinou a caducidade do arrendamento, por se lhe ter transmitido o direito, resta então conferir se ele logrou fazer tal demonstração, reapreciando as respostas dadas aos “quesitos” enunciados pelos recorrentes.
                                                      ***
I) Quanto à impugnação da decisão de facto:
            Questiona o recorrente a resposta dada aos “quesitos” 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 20º, sendo manifesta a imperfeição na formulação dos quesitos a qual se projecta nos termos da própria impugnação deduzida pelos recorrentes.
            Assim, levou-se à base instrutória o seguinte facto:
            “Desde, pelo menos, 1999, o réu Manuel P. vivia com seus pais no 3º andar direito identificado em A?” (ou seja, o andar arrendado).
            O recorrente propõe que se responda nos termos seguintes:
            “Desde 1999 até Junho de 2002, o réu vivia com seus pais no andar locado”.
  Claro que o alcance do quesito era apurar se o réu “desde antes de …/…/…  e até à morte de sua mãe (ocorrida em …/…/…) tinha vivido com ela no andar arrendado, sendo óbvio que se apenas tivesse ficado demonstrado que tal convivência cessara em Junho de 2002, a resposta devia ser pura e simplesmente negativa, pois indemonstrado ficara o facto nuclear recolhido no “quesito”.
    Poderia pretender-se que, subjacente à formulação do “quesito” está implícita a ideia de que a convivência no locado perdurou desde 1999 até à morte da mãe do réu, o que abarcando o lapso temporal juridicamente relevante para a transmissão do direito (antes de 4/3/2004 até 4/3/2005), conferiria à resposta afirmativa a virtualidade de dar consistência à alegação do réu.
  Mas claro que, tendo o primitivo inquilino falecido em 10/11/2003, era intuitivo que tal hipotética resposta significaria que o réu teria vivido com ambos os progenitores até ao óbito do pai e, falecido este, teria continuado a viver no locado até à morte da mãe.
     Para a decisão da causa é rigorosamente indiferente averiguar se o réu viveu no locado até ao óbito do pai, porquanto para se operar a transmissão do direito a seu favor, bastava-lhe demonstrar que antes de …/…/… vivia no andar com a mãe e ambos ali continuaram a viver até ao óbito desta.
      Como acima se referiu, a base instrutória não coloca o enfoque sobre este lapso temporal, imperfeição que decorre da incipiente alegação do réu que em lado algum da contestação apresentada produz tal alegação de modo peremptório (ou sequer implícito).
        Com efeito, refere que “desde pelo menos 1999 sempre viveu com os pais na fracção arrendada”, que no ano seguinte o seu filho Diogo veio viver com ele e que posteriormente passaram a viver no locado a sua mulher e o seu outro filho” (artºs 10º a 13º).
            Todavia, ainda assim, alega a seguir o facto essencial para a sua pretensão: “vivia com os seus pais há vários anos e, após a morte do pai continuou a viver com a mãe e com o seu agregado familiar” (artigo 19º).
            Antes, porém, havia afirmado (artº15º) que “por vicissitudes várias, de carácter pessoal e que levaram à separação judicial de pessoas e bens do réu, este esteve por alguns períodos fora do local arrendado”, sem todavia os situar no tempo.
    Naturalmente, se tal falta de residência no locado tiver ocorrido antes de 3/3/2004 isso em nada afecta o direito que se arroga.
       Vejamos então o teor da resposta dada pelo tribunal recorrido ao facto nuclear do processo acima transcrito:
“Pelo menos, desde o ano 2000, o Réu e seu filho, Diogo viviam com os pais daquele e avós deste no 3º andar direito identificado em A), ali pernoitando, tomando as suas refeições, recebendo a sua correspondência e os seus amigos” (resposta aos quesitos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 20º, 21º, 22º, 23º e 24º).
Faz-se notar que em lado algum da contestação o réu alega ter vivido com a progenitora no locado até ao óbito desta, pois limita-se a dizer que “após a morte do pai continuou a viver com a mãe e com o seu agregado familiar”, alegação que de modo algum preenche os requisitos legais da pretendida transmissão do arrendamento, pelo menos na versão por nós perfilhada e adiante exposta.
Daí que, em nosso entender, a insuficiência da alegação assinalada tivesse condenado a pretensão do réu ao insucesso, pois, não especificando ter vivido no locado com a progenitora durante o ano que precedeu a sua morte, a sua pretensão tinha fatalmente de naufragar.
 Por isso também, tendo-se dado por provado que “pelo menos desde o ano 2000, viviam com os pais daquele e os avós deste”, é intuitivo que na resposta não está abrangido o lapso temporal subsequente a 10/11/2003, por razões óbvias, pois o primitivo inquilino faleceu na referida data.
E, sendo a seguir dado por provado (resposta ao quesito 9º) que “posteriormente ao casamento do réu com N. Dias, esta passou a viver com aquele no imóvel referido em A), ali passando a viver depois o outro filho do Réu, nascido deste casamento com N. Dias”, continua sem se saber o tempo da vivência do réu no locado, uma vez que o casamento ocorreu em 8 de Setembro de 2000.
Carece assim de melhor explicação a afirmação exarada na sentença de que “no caso concreto, lograram o Réu e o Opoente seu filho fazer prova de que, pelo menos, desde o ano 2000, o Réu e seu filho Diogo viviam com os pais daquele e avós deste no 3º andar direito identificado em A), ali pernoitando, tomando as suas refeições, recebendo a sua correspondência e os seus amigos (…), sendo certo que os Autores, por seu turno, não lograram provar a factualidade por si alegada e constante do quesito 1º da base instrutória, a saber, que o Réu à data da morte da sua mãe vivia, dormia, tomava as suas refeições e recebia a sua correspondência e amigos noutro concreto local que não o arrendado sito na A., yy, r/c dto, em L…”. 
    Como acima se disse, não é aos autores que cabe demonstrar os factos que obstam à caducidade do direito ao arrendamento, sendo certo que tal caducidade é mero corolário do decesso da inquilina.
      Por outro lado, a prova de que o réu desde o ano de 2000 viveu com os pais no locado é equívoca e não é bastante para se concluir que também ali viveu com a mãe no lapso temporal que lhe confere o direito que se arroga, ou seja, desde data anterior a 4/3/2004 até à morte da mãe, um ano depois.
     Não é por acaso que os próprios recorrentes, pugnando embora pela improcedência do direito invocado pelo réu, propõem também que a resposta ao quesito 3º seja nos termos seguintes:
        “Desde, pelo menos, 1999 até Junho de 2002, o réu vivia com os seus pais no 3º andar direito do prédio sito na Avenida E. nº xxx, em Lisboa”.
Ou seja, entendem que foi feita prova de que o réu desde 1999 (e não apenas 2000) passou a viver com os pais na fracção arrendada, mas querem que seja dado por provado que tal só ocorreu até Junho de 2002, pois nessa data o réu celebrou um contrato de arrendamento para habitação própria e do seu agregado familiar, referente ao primeiro andar esquerdo do nºxx da A..
Justificar-se-á a restrição temporal pretendida?
Em abstracto não, pois a alegação do réu desenvolvia-se por vários artigos (artigos 10 a 19), onde relatava ter vivido na fracção com os pais desde 1999, acrescentava que no ano seguinte também o filho Diogo e a esposa ali passaram a viver e rematava, dizendo que “após a morte do pai continuou a viver com a mãe e com o seu agregado familiar”.
Esta última alegação não foi levada à base instrutória, fosse porque, desacompanhada do elemento temporal, é rigorosamente irrelevante, fosse por qualquer outra razão e, assim sendo, a interpretação da resposta não pode ser no sentido de abarcar o lapso temporal que medeia entre 2000 e a dedução da contestação.
Ou seja, quando o réu alega que “desde 1999 sempre viveu com os seus pais” não está a significar que continuou a viver com eles no locado até ao seu decesso e muito menos que continua a viver (seja porque à data da contestação já tinham falecido, seja porque o próprio contestante, assumidamente, passara a residir na sua actual morada desde fins de 2005.
   O tribunal a quo formou a sua convicção com base nos depoimentos das testemunhas Raquel C., Ricardo P. e Gustavo D., desconsiderando em absoluto os depoimentos das testemunhas arroladas pelos AA.
            Diga-se desde já que o depoimento daquelas testemunhas justifica cabalmente a resposta dada pelo tribunal, ou seja, que o réu e o filho, a partir de 2000 fixaram residência no andar.
A tal propósito que disseram as testemunhas sobre cujo depoimento o tribunal formou a sua convicção:
            Raquel C.:
            “Nunca fui lá a casa”.
            “Tenho ideia de o Diogo ter vivido com o pai”.
          “Quando casaram (o réu e a esposa Nélia) ficaram a viver na casa arrendada (a dos autos).
            Mas até quando?
            “Eu tenho ideia de que até à morte da mãe do réu, ou um pouco antes da morte, também não sei precisar”.
           Perguntada pela Mma Juíza se quando a mãe do réu faleceu eles (o réu e o filho Diogo) ainda lá moravam a testemunha respondeu:
            “O réu penso que já não morava na casa”.
            Como é que, com base num depoimento que vai em sentido oposto, ainda que vago, o tribunal poderia ter adquirido a convicção de que o réu viveu com a mãe no andar locado até à morte desta?
     Aliás, a testemunha Maria Rosete (cujo depoimento a Srª Juíza qualificou de especialmente coerente e sincero) declarou que a inquilina foi para um lar, afirmação corroborada pelas testemunhas Maria Fernanda e Isaura Fernandes, sendo que esta última vive no mesmo prédio e especificou que a mãe do réu teria ido para um lar no aeroporto, justificando o facto com a circunstância de o pai do réu “ter trabalhado no aeroporto”.
       Assinala-se que esta afirmação não foi contraditada no âmbito da instância feita à testemunha.
            “Ex adverso” quando a testemunha Ricardo P. afirmou que “o Diogo continuou a viver lá com a namorada”, pretendeu a Ilustre mandatária dos AA., no uso da instância, que ele esclarecesse se a mãe do réu antes de morrer vivia num lar, tendo a Mma Juíza reputado a questão impertinente por configurar “uma alteração da causa de pedir”, porquanto “ninguém suscitou o facto de a inquilina já lá não morar”.
    Ou seja, o tribunal perdeu de vista que nesta acção não se cuida de averiguar sobre se o réu teve residência permanente no locado (facto que ficou provado de modo bastante), mas antes se tal situação ocorreu no ano que precedeu a morte da progenitora e, cumulativamente, se esta também vivia no locado.
          Por isso e com ressalva do devido respeito, a pergunta a que o tribunal obstou era perfeitamente legítima, pois se inscreve manifestamente no tema essencial da prova!
            Ou seja, muito embora o nº2 do artigo 76º do RAU presuma que o filho vive em economia comum com a arrendatária, sua mãe, a referida norma só faz sentido quando a inquilina permanece no locado, o que decisivamente não sucede se os seus familiares mantiverem a sua residência na casa arrendada e a inquilina passar a viver em permanência num lar (ou em qualquer outra habitação).
            Importa dizer também que, embora já se tivesse defendido que a convivência por um ano a que a lei se refere respeita ao “primitivo inquilino” (Ac. R. C. de 20/1/1987), julgamos que, tendo havido transmissão, é pacífico o entendimento de que a norma se refere ao cônjuge sobrevivo, sob pena de se reconhecer o direito a quem, tendo vivido com o primitivo inquilino, nunca mais teve ligação ao locado.
            Compulsada a petição e a contestação, constata-se que os AA e o réu partem de bases diferentes para ancorar as respectivas pretensões: assim, enquanto os primeiros alegam que o réu “embora filho dos anteriores arrendatários (…) não residia com a mãe, à data do óbito desta” (artigo 9º da p.i), o réu alega que “vivia com o primitivo arrendatário há mais de um ano contado desde a morte deste” (artigo 9º da contestação), parecendo acolher-se no entendimento sufragado pelo acórdão citado.
          Ora, muito embora o réu alegasse depois (artº19º) que “após a morte do pai continuou a viver com a mãe e com o seu agregado familiar”, o tribunal desconsiderou tal alegação e formulou os “quesitos” 3 a 9, sem qualquer interesse para a decisão da causa, uns (3º, 8º e 9º) porque incidem sobre a convivência do réu no locado, mas reportada aos anos de 1999 e 2000 e os demais também porque estão cobertos pela presunção do nº2 do artigo 76º do RAU.
      Por isso, a prova oferecida pelo réu esteve sempre focalizada sobre a vivência do réu no locado durante os anos de 2000 a 2003, a ponto de a reiterada alusão trazida à audiência pela testemunhas de que a mãe do réu antes de falecer residia num lar, não ter merecido qualquer importância ao tribunal com o argumento de que “ninguém suscitou o facto de a inquilina já lá não morar!
   Ora é isso que explica a resposta recolhida no ponto N de factos provados, centrada no início da fruição do locado pelo réu, mas negligenciando em absoluto qualquer indagação sobre a convivência do réu com a mãe no locado durante o ano que precedeu o seu decesso.  
  Seja como for, a comprovação dos pressupostos da transmissão do arrendamento impendia sobre o réu e não podia bastar-se com a mera prova de que “desde o ano 2000, o Réu e seu filho viviam com os pais daquele e avós deste no 3º andar direito identificado em A)”, pois tal facto só teria consistência se a situação se tivesse protraído até à morte da inquilina.
Em face da prova oferecida pelo réu, coerentemente focalizada na demonstração da residência permanente, e em ordem a coarctar qualquer possível ambiguidade, altera-se a resposta recolhida no ponto N de factos provados o qual passará a ter a seguinte redacção:
“Provado que em 2000 e até data não apurada o réu e seu filho Diogo viviam com os pais daquele e avós deste no 3º andar direito identificado em A)”.
No tocante ao “quesito” 1º não há elementos probatórios que justifiquem a alteração intencionada pelos recorrentes.
Por um lado, não há qualquer dúvida de que em Março de 2005 o réu não tinha arrendado a casa identificada no quesito, o que só veio a fazer no final do ano.
 Por outro, porque embora as testemunhas Isaura Fernandes, Maria Fernanda e Maria Rosete declarassem de modo convicto – e convincente! - ver habitualmente o réu no 1º andar esquerdo do nºxx da A. (que não é a aludida no quesito), não foi feita prova de que no mês mencionado no quesito (o do óbito da inquilina) o réu vivesse efectivamente na morada em questão.
Além do mais, o interesse da questão estava confinado a saber se em 4/3/2005 o réu não vivia com a mãe, facto que podia encontrar justificação na separação decretada em 19 de Novembro de 2004 e que cessou em 18 de Março de 2005 (fls 84).
Em suma e decisivamente, nenhum dos depoimentos convocados pelos recorrentes (e transcritos na alegação) nos habilitam a dar resposta afirmativa ao quesito 1º.
Resta por fim avaliar se, em face dos elementos probatórios invocados pelos recorrentes, o quesito 20º deve ser respondido negativamente.
Indagava-se nele se “desde 2001 que o interveniente Diogo vivia com a sua avó, Maria P,, na fracção identificada em A”.
O tribunal a quo como se viu, elaborou base instrutória onde incluiu 24 questões, mas depois aglutinou onze na resposta condensada no facto N já acima analisado.
É irrelevante sindicar o acerto da decisão de facto no tocante ao oponente, pois tendo a sua pretensão sido desatendida e transitado em julgado, toda a actividade jurisdicional tendente a avaliar o acerto da decisão seria em pura perda.
      Em suma, altera-se o facto constante da alínea N que passará a ter a redacção acima indicada.
                                                        ***
II) Sobre a verificação da excepção prevista no artigo 86º do RAU:
    Mas os AA, contra o invocado direito do réu, não se limitaram a impugnar a convivência com a progenitora no locado, pois, louvando-se no disposto no artigo 86º do RAU (por lapso referem artigo 85º), alegam que ao réu não assiste o direito que se arroga, uma vez que à data do óbito do primitivo inquilino, ele tinha residência na A..
      Na contestação, o réu (artigo 17) diz “ser falso o alegado nos artigos 9º e 10º da petição”, impugnando assim aquele facto impeditivo do direito que se arrogara.
    Ora, também esse facto essencial foi omitido na base instrutória e nem mesmo quando foi junto aos autos o contrato, o tribunal procedeu à ampliação da base instrutória em harmonia com o disposto na alínea f) do nº1 do artigo 650º do CPC, na redacção à data em vigor.
            É certo que a alegada residência não corresponde à morada mencionada na petição, pois como se colhe do documento de fls 549 a 552, o réu e a esposa tomaram de arrendamento para sua habitação, com início em 1/6/2002, o primeiro andar esquerdo do nºxx da A., arrendamento que perdurou até 2005, e não como vem alegado o rés do chão direito do nºyy da mesma avenida, para onde apenas se mudaram em finais de 2005.
            Só que, tal divergência é irrelevante para o funcionamento da excepção estabelecida no artigo 86º do RAU, que se basta com a mera possibilidade de o interessado “ter residência” na comarca de Lisboa e suas limítrofes.
  Na audiência, procurou o réu demonstrar que a referida habitação se destinou à residência dos filhos e da esposa, continuando ele a ir pernoitar em casa dos pais.
   Mesmo que assim fosse (e decididamente não foi feita prova de tal facto), para o caso seria rigorosamente indiferente, pois tendo ele celebrado um contrato de arrendamento em vida do primitivo inquilino e subsistindo tal contrato à data da morte deste, não lhe assiste o direito que nestes autos se arroga.
Mas, aqui chegados, poderia pôr-se a questão da cognoscibilidade nesta sede da invocada excepção, uma vez que na confusa enunciação das conclusões, os AA apenas convocam o contrato de arrendamento, para com base nele infirmarem a decisão de facto e não para reiterar a excepção que certeiramente e por antecipação, haviam invocado.
  O argumento não colhe pois, regendo-se esta decisão pelo NCPC tem de levar em conta o alargamento dos poderes de cognição consagrado no seu artigo 5º, o qual assenta na ideia de que “ao juiz devem ser facultados os meios tidos por necessários para produzir uma decisão de mérito que atinja, quanto possível, o ideal da justiça material”.
            Mas mesmo no domínio do anterior Código a conclusão não podia ser diversa, pois invocando o recorrente o contrato de arrendamento para efeitos probatórios, não estava vedado ao tribunal relevá-lo na sua dimensão exceptiva, porquanto estaria a conceder a um facto invocado pela parte um diverso efeito jurídico, plenamente legitimado pela primeira parte do artigo 664º do CPC.
            Assim e em suma, a apelação não pode deixar de proceder no tocante à questão em título.
                                                                           ***
III) Sobre a indemnização:
     Nos presentes autos não se cuida já da restituição da fracção aos autores uma vez que a mesma foi feita na pendência da causa, cumprindo no entanto conferir a licitude da retenção feita pelo réu, o que envolve a apreciação do direito à transmissão que se arroga.
O próprio tribunal a quo convoca o ensinamento do Ac do STJ de 8/6/2002 para assinalar que “o direito ao arrendamento só se transmite para um descendente com mais de um ano de idade, se este tiver convivido efectivamente com o transmitente mais de um ano, à data da morte”.   Todavia, muito embora nem sequer esteja alegado que o réu vivia com a mãe há mais de um ano, à data da morte desta, julgou transmitido o direito ao arrendamento a favor do réu, considerando lícita a não entrega do locado.
            Atento o que ficou dito, é óbvio que não acompanhamos tal entendimento, pois consideramos que o contrato de arrendamento caducou com a morte da inquilina, em 4/3/2005.   Os AA deduziram pedido de indemnização pelo prejuízo decorrente da não entrega do andar, à razão de €850,00/mês, desde o terceiro mês subsequente ao óbito da arrendatária e até à entrega efectiva do locado.
     Alegaram para justificar tal pedido que “o valor locativo do andar é de, pelo menos, €850,00 mensais” (artigo 13º).
O tribunal a quo desconsiderou também esse facto não o incluindo na base instrutória (dado que foi impugnado pelo réu no artº36º da contestação).
Em vez de submeter a demonstração o facto mencionado, o tribunal a quo formulou um quesito com a seguinte redacção:
“Em 2005, os autores pretendiam dar de arrendamento o 3º andar identificado em A) pela renda mensal de €850,00?”.
Compulsados os articulados, não se vislumbra onde surpreendeu o tribunal tal intenção, a qual, todavia, veio a ser dada por provada, expurgada embora do valor da renda supostamente pretendida pelos AA.
Obviamente que é diferente submeter a prova a intenção dos AA (posto que nem sequer alegada!), ou o próprio valor locativo da fracção que dava suporte ao pedido de indemnização formulado, o qual, com se disse, estava alegado com precisão na petição inicial.
Será que o senhorio – ou em termos mais gerais, qualquer proprietário de um imóvel ocupado indevidamente – só tem direito a ser ressarcido se lograr provar que ele próprio tencionava habitá-lo ou pretendia dá-lo de arrendamento como parece estar implícito no “quesito” 2º “gerado” pelo próprio tribunal?
Repare-se que uma das obrigações do locatário é “restituir a coisa locada findo o contrato” [alínea i) do artigo 1038º do CC], o que naturalmente implica a entrega das chaves, pois estas são parte integrante do imóvel.
Mas será necessário fazer tal prova de qualquer das referidas intenções?
O Acórdão do STJ tirado em 9/1/2003 (Miranda Gusmão) diz-nos que “este Supremo Tribunal de Justiça tem reconhecido o direito de indemnização com fundamento na simples privação do uso normal do bem”, invocando o teor dos acórdãos de 9/5/96 e 29/4/2001 (este último sobre a ocupação de um imóvel) e convocando também a abalizada opinião do Conselheiro Abrantes Geraldes (Indemnização do Dano da Privação do Uso, pág. 9) e do Prof. Henrique Mesquita (RLJ, ano 125, pág. 129)”.
  Tratando-se de imóveis, é intuitivo que a medida da indemnização é o valor locativo do imóvel, independentemente de o dono pretender ou não dá-lo de arrendamento, pois esse é o montante do enriquecimento do ocupante.
            Posto isto e face à deficiente selecção da matéria de facto, justificar-se-ia, em tese, a anulação da sentença em harmonia com o disposto na alínea c) do nº2 do artigo 662º do NCPC.
            Porém, no caso dos autos o prejuízo dos AA é um facto notório e, por outro lado, é igualmente incontroverso que o réu, embora desde 1/6/2002 mantivesse um arrendamento (primeiro na A., xx, 1º esquerdo e, desde finais de 2005, no nº yy, r/c dtº da mesma avenida), está rigorosamente balizado o tempo da privação indevida do uso, que se estendeu de 5 de Junho de 2005 a 22 de Maio de 2013 (fls 554).
    Neste contexto, cumprindo tão somente quantificar o prejuízo sofrido pelos AA pela privação da posse do andar, no lapso temporal que medeia entre as referidas datas, justifica-se a condenação genérica do réu, deferindo-se para ulterior liquidação a sua quantificação, nos termos previstos no nº2 do artigo 609º do NCPC.
                                                                           ***
Decisão:
Nos termos expostos, julga-se a apelação procedente e revoga-se a sentença na parte em que deu parcial provimento à reconvenção, condenando-se agora o réu a pagar aos AA indemnização pelo atraso na entrega do andar, referente ao período de 5/6/2005 a 22/5/2013, em montante a liquidar com base no respectivo valor locativo, por referência à data em que o locado devia ter sido entregue e com o limite máximo de €850,00/mês peticionado.
            Custas em ambas as instâncias a cargo do réu.
Lisboa, 10 de Abril de 2014
Gouveia Barros
Conceição Saavedra
Cristina Coelho