Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6234/10.2TBALM-D.L1-6
Relator: ANTÓNIO MARTINS
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
ARROLAMENTO
DEVER DE COOPERAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I) A entidade bancária notificada nos termos do art.º 861º-A, do CPC, tem especiais obrigações de colaboração, pelas quais é remunerada, nomeadamente as de comunicar o montante dos saldos existentes, ou a inexistência de conta ou saldo, com referência concreta ao requerido.
II) Não cumpre tal obrigação a entidade bancária que se limita a uma informação automática, sem indicar a quota-parte do saldo do requerido, uma vez que a diligência se reporta necessariamente apenas a essa quota-parte.
III) Tendo a instituição bancária comunicado que tinha procedido ao arrolamento do saldo de uma conta bancária, indicando o concreto montante do mesmo, sem esclarecer tratar-se de uma conta conjunta, é responsável por esse saldo bancário, assim arrolado, nos termos do nº 11 do art.º 861º-A, do CPC ou, em última análise, pela aplicação subsidiária do dever de apresentação dos bens móveis penhorados, a cargo do depositário, estabelecido no art.º 854º, do mesmo diploma.
IV) Recusando a entrega, pode ser ordenado o arresto em bens próprios do banco, sem prejuízo de procedimento criminal e comunicação ao Banco de Portugal.(AAC)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I- RELATÓRIO

1. Nos autos de arrolamento[1] preliminar de acção de divórcio a que estão apensos, em que são requerente e requerido os supra identificados, na sequência de requerimento da requerente, com vista a que o interveniente fosse notificado para dar cumprimento ao acordo homologado nos autos de divórcio por mútuo consentimento, nomeadamente que este lhe procedesse à entrega de “metade do saldo da conta, ou seja, concretamente 93 693,28 GBP da conta 000/0000000” e da audição do interveniente, foi proferido o despacho certificado a fls. 61/3 em que, além do mais, é decidido ordenar a notificação do Banco… para dar cumprimento ao solicitado a fls 330. 

2. É desta decisão que, inconformado, o interveniente supra identificado vem apelar, pretendendo a revogação do despacho proferido.

Alegando, apresenta aquilo que designa por conclusões[2], que mais não são do que a reprodução dos nºs 6 a 57 das alegações, agora sem numeração, que abaixo se transcrevem:

A instituição bancária, B…, ora recorrente, foi notificada a 12 de Outubro de 2010 do oficio que dava indicação ao Banco… que, nos termos do disposto no artigo 861.2-A do CO digo de Processo Civil, ficavam arrolados e a ordem dos autos os saldos de todas as contas de depósito a ordem e a prazo que o requerido L… fosse titular ou co-titular nesta instituição.

Em conformidade com o ordenado, e assim que recebida tal notificação, no dia 12 de Outubro de 2010 foram de imediato arroladas todas as contas detidas por este junto desta instituição bancária a partir dessa data.

O banco, ora recorrente, deu indicação deste mesmo facto por ofício expedido e dirigido aos autos, o qual foi remetido no dia 29 de Dezembro de 2010, e recebido pela Secretaria do Tribunal no dia 4 de Janeiro de 2011.

Em 3 de Novembro de 2011, o ora recorrente, foi notificado do despacho proferido nos autos a fls._, tendo procedido em conformidade com o ordenado pelo tribunal e procedido a redução no montante de € 10.000,00 (dez mil euros) ao arrolamento decretado por sentença.

Tendo indicado que, e até indicação em contrário, manter-se-ia arrolado a ordem do Tribunal o montante remanescente que se encontrava depositado na Conta Cliente nº 0000/00000000000.

Em 30 de Abril de 2012 foi o Banco… notificado do teor do despacho de 18 de Abril de 2012,do qual constava o acordo homologado nos autos de Divórcio por Mútuo Consentimento e ordenava que “Os saldos bancários de contas tituladas por ambos os cônjuges objecto de arrolamento em 07-10-2010 (...) bem como as contas tituladas apenas pelo cônjuge marido, serão entregues na proporção de metade à Requerente e ao Requerido, ficando de imediato autorizados no levantamento da referida quantia, na proporção de metade a cada um”

Na sequência de douto despacho, o ora recorrente, procedeu de imediato em conformidade com o ordenado, disponibilizando de imediato, reitera-se em conformidade com o ordenado, os saldos existentes nas contas arroladas à Requerente e ao Requerido.

Conforme resulta da sentença homologatória do Divórcio por Mútuo Consentimento, tanto o Requerente como a Requerida tinham direito a metade dos valores depositados no Banco…, independentemente de a conta pertencer a um ou a ambos os cônjuges.

Conforme resulta dos autos, a instituição bancária, ora recorrente, não foi notificada pelo douto tribunal recorrido para vir informar os autos da existência e identificação das contas tituladas pelo Requerente e pela Requerida, conjunta ou separadamente;

Na verdade, a aqui recorrente foi notificada pelo douto tribunal recorrido para proceder ao arrolamento de saldo de conta bancária à ordem dos autos de todas as contas de depósito à ordem e a prazo que o requerido L… fosse titular ou co-titular nesta instituição;

Conforme resulta do ofício remetido pelo douto tribunal recorrido foram previamente indicadas pelas partes oito contas tituladas ou co-tituladas pelo Requerido;

Ora, daqui resulta que terão sido as partes a indicar as contas existentes nesta instituição;

Tendo esta instituição sido notificada para proceder ao arrolamento dos saldos bancários de todas as contas bancárias detidas junto desta instituição,

Ora, o Banco… cumpriu escrupulosamente com o ordenado tendo, de imediato, procedido ao arrolamento das contas bancárias existentes, e tendo dado indicação aos autos deste mesmo facto através de comunicação expedida a 29/12/2010.

Acresce que, o Banco… foi notificado, por ofício expedido a 17/10/2011 para “com a maior brevidade possível identifique o número de contas e respectivos montantes que se encontram arrolados à ordem deste tribunal.”

O Banco... mais uma vez agiu em conformidade com o ordenado, tendo informado os autos, através de carta datada de 20/10/2011, o número das contas tituladas pelo requerido e respectivos montantes.

Salvo melhor opinião, não era exigível ao Banco... a indicação da co-titularidade da conta nº 000/000000000,

Desde logo, por recair sobre esta instituição bancária o dever de segredo, nomeadamente, quanto aos nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.

Acresce que, o segredo bancário tem em vista a salvaguarda de duas ordens de interesses: por um lado, o regular funcionamento da actividade bancária e, por outro lado, a reserva da intimidade da vida privada de cada um dos clientes da banca.

Ora, a revelação pelas próprias partes das contas tituladas pelas mesmas junto desta instituição bancária, indicam que abdicaram dessa reserva da intimidade da vida privada,

Mas não significa, salvo melhor opinião, que era exigível ou oponível a esta instituição presumir que a livre revelação efectuada pelas partes não tivesse sido clara relativamente à conta nº 000/0000000, designadamente, quanto à titularidade da mesma e que, por essa razão, tivesse de ceder o dever de segredo.

Ao Banco… não era exigível revelar factos e elementos cobertos pelo dever de sigilo,

Mas antes, limitar-se a cumprir o ordenado pelo tribunal, prestando a sua colaboração, facultando o que fosse requisitado e praticando os actos que fossem determinados.

O que sempre fez.

Ademais, não pode ser imputada responsabilidade a esta instituição bancária, pelo que, rejeita veementemente, que tenha sido com base no saldo das contas arroladas que as partes lograram chegar a acordo no processo de divórcio,

Desde logo, porque as contas bancárias não eram os únicos bens que compunham o inventário objecto de partilha, conforme resulta de sentença homologatória de divórcio por mútuo consentimento, do qual foi a ora recorrente notificada,

Pelo que, não poderá o douto despacho entender que apenas as contas bancárias arroladas foram determinantes na formação da vontade das partes para o entendimento, posteriormente, homologado;

Reitera-se, uma vez mais, que as partes conheciam, não podendo desconhecer sem culpa, a co-titularidade da conta bancária nº 000/0000000000;

Sendo certo, que tal informação veio a revelar-se indispensável no âmbito dos autos, motivo pelo qual a ora recorrente se penitencia não ter desde logo informado de que a titularidade da conta nº 000/0000000000 era detida em conjunto com o irmão do requerido,

E que o interesse público na realização da justiça teria de ceder perante a manutenção do segredo,

A verdade é que as partes, a data do acordo de divórcio, tinham conhecimento de tal facto.

Quando confrontada com o esclarecimento dos montantes a disponibilizar a Requerente e ao Requerido, o Banco… informou as correspondentes percentagens que caberiam a cada um, aguardando instruções para a disponibilização dos montantes

Não podendo resultar qualquer responsabilidade desta instituição bancária pelo sucedido,

Da mesma forma que não poderá ser exigível a esta instituição bancária o cumprimento do douto despacho que ordena a entrega de metade do montante depositado na conta bancária nº 000/0000000000 à Requerida, mas apenas 25% desse montante, por ser esse o montante a que a Requerida tem direito.

A conta à ordem nº 000/0000000000 trata-se de uma conta com pluralidade de titulares, não sendo apenas titulada pelo Requerido, mas também pelo seu irmão,

Acresce que, tratando-se de uma conta colectiva a mesma é uma conta conjunta e não uma conta solidária,

Significa isto, que tratando-se de uma conta colectiva conjunta todos os titulares são obrigados a assinar por forma a autorizar a movimentação,

Contrariamente ao que sucede numa conta colectiva solidária onde é suficiente a assinatura de um dos titulares para a movimentação da conta, não sendo necessária a prévia autorização dos restantes titulares para qualquer movimentação da conta.

Aos depósitos são aplicáveis os princípios da solidariedade activa estatuídos nos artigos 513º e 516º do Código Civil, que estabelecem, em síntese, a presunção de comparticipação em partes iguais no crédito,

Ou seja, presume-se, enquanto não se fizer prova em contrário, que cada um dos depositantes é titular de metade da conta,

Neste sentido já se pronunciou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 1999, disponível em www.dgsi.pt;

Sendo certo, que a presunção de comparticipação em partes iguais da titularidade do crédito pode ser ilidida, mediante prova em contrário,

Não resulta, salvo melhor opinião, nem na sentença que homologou o divórcio, nem nos despachos judiciais de que o Banco foi notificado, que estivesse ilidida a presunção de co-titularidade da conta do Requerido e do seu irmão.

Ora, havendo uma titularidade conjunta com um terceiro, que esta instituição contratualmente terá de respeitar, o Banco..., em conformidade com douta sentença, disponibilizou 25% dos valores depositados em GBP nesta conta à requerente A…, ou seja, precisamente metade daquele valor que pertencia ao requerido L….

Resulta, salvo melhor opinião, que o Banco sempre cumpriu com o ordenado pelo tribunal, tendo permitido ordem de movimentação das contas após levantamento do arrolamento de acordo com a titularidade das contas.

Não estando ilidida a presunção de co-titularidade da conta detida pelo requerido e pelo seu irmão, não existe a obrigação de restituir, e determinando-se que existe, terá de ser a Requerida a accionar os meios judiciais ao seu alcance com vista a satisfação da sua pretensão,

Já que o Banco nunca estaria obrigado à restituição dos montantes mas apenas à disponibilização da quota-parte pertencente à requerida, ou seja, 25%, o que fez,

Ao que acresce que, não poderá o Banco proceder a entrega de valores que não estão na sua disponibilidade por já não se encontrarem depositados.

Entende o ora Recorrente que, por um lado, sempre agiu de acordo com o teor das notificações que lhe foram dirigidas e, por outro lado, com as disposições legais aplicáveis.

3. A requerente apresentou contra-alegações, nas quais considera que o recurso não deve ser admitido e que, na hipótese de ser apreciado, deve ser-lhe negado provimento, mantendo-se na íntegra o despacho recorrido.

4. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


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II- FUNDAMENTAÇÃO

1. De facto

A factualidade relevante para a decisão do presente recurso é a seguinte, documentalmente comprovada:

1. Por sentença de 07.10.2010 proferida nos autos de providência cautelar foi decidido, com dispensa do contraditório, determinar o arrolamento “dos saldos das contas bancárias, títulos, direitos de crédito, acções, obrigações e/ou aplicações financeiras, tituladas pelo requerido, que existam no Banco … e C…, nomeadamente as contas identificadas no requerimento inicial, devendo-se para tanto oficiar aos referidos bancos, para proceder ao arrolamento”;

2. Na sequência desta sentença foi oficiado em 08.10.2010 ao recorrente, notificando-o nos termos do art.º 861º-A do CPC, de que fica arrolada, entre outras, e à ordem deste Tribunal e processo, o saldo da conta nº 000000000000, de que seja titular ou co-titular o requerido;

3. Por carta de 29.12.2010 o interveniente/recorrente veio aos autos informar que procedeu “ao arrolamento de todas as contas desde 12-10-2010, em que o executado é titular junto desta Instituição de Crédito”;

4. Na sequência de pedido posterior do tribunal, para identificar o nº de contas e respectivos montantes que se encontram arrolados à ordem deste Tribunal, o interveniente/recorrente veio em 20.10.2011 informar, além do mais, que procedeu “ao arrolamento das seguintes contas em que o executado é titular junto desta Instituição”, conta DO em Moeda Estrangeira, nº 000/000000, no valor de GBP 187 756,09;

5. Na sequência de oposição à providência cautelar foi proferida sentença, em 27.10.2011 que reduziu em € 10 000,00 o arrolamento anteriormente decretado, o que foi comunicado ao interveniente/recorrente;

6. No âmbito do processo de divórcio, o aqui requerido e ali A e aqui requerente e ali R, acordaram, em 24.02.2012, convolar o divórcio para “mútuo consentimento” e, ainda, em consideram como bens comuns a partilhar, além de outros, o “Saldo das contas bancárias existentes nos bancos B… e C… objecto de arrolamento no apenso A.”, bem como acordaram em ficarem o “Autor e a Ré autorizados ao levantamento da referida quantia na proporção de metade cada um”;

7. Este acordo foi homologado por sentença proferida na mesma data, que nessa altura transitou em julgado, dado que A e R prescindiram do prazo de interposição de recurso;

8. Na sequência de a requerente ter vindo aos autos dar conta de se defrontar com dificuldades, junto do interveniente/recorrente, para receber a sua metade dos saldos bancários oportunamente arrolados, o Tribunal solicitou ao interveniente/recorrente, em 30.04.2012 e em 09.07.2012, que tomasse providências para proceder à entrega à requerente “de metade do valor dos saldos arrolados”, conforme valores e contas que indicou, nomeadamente quanto à conta nº 0000000000, metade de GBP 187 756,09, ou seja, GBP 93 878,045;

9. Nesta sequência, por carta de 19.07.2012, o interveniente/recorrente veio informar que aguardava instruções por parte da “requerida”, quanto ao destino a dar ao montante de GBP 45 272,20 da conta nº 000-0000000, correspondente à sua quota-parte de 25%, dado que esta conta “possui 2 titulares pelo que, a quota-parte pertencente de L… deverá respeitar a 50% daquele saldo”;

10. Pronunciando-se sobre o informado por aquela carta de 19.07.2012, a requerente, além do mais, veio reiterar e requerer a notificação do interveniente/recorrente para dar cumprimento à sentença e que assim proceda à entrega de metade do saldo arrolado na conta nº 000/0000000, na sequência do que foi proferido o despacho recorrido.              


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2. De direito

Sabe-se que é pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, como decorre do estatuído nos art.ºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil.[3]

Decorre daquelas conclusões, pese embora a sua prolixidade, que é apenas uma a questão que importa dilucidar e resolver, a qual pode equacionar-se da seguinte forma:

Não é exigível ao recorrente o cumprimento do despacho recorrido, que ordena a entrega de metade do montante depositado na conta bancária nº 000/00000 à requerente, dado que se tratava de uma conta conjunta, titulada pelo requerido e por um irmão, presumindo-se a comparticipação em partes iguais no crédito, presunção esta que não foi ilidida, pelo que a requerente terá apenas direito a ser-lhe entregue 25% daquele saldo, correspondente a metade do valor que pertencia ao requerido? 

Vejamos.

Previamente cumpre deixar claro que as questões suscitadas nas contra-alegações da recorrida, da admissibilidade do recurso e da sua tempestividade, já foram resolvidas por despacho antecedente do relator, tendo-se aí decidido que o recurso era admissível e tempestivo.


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        Ao arrolamento de saldos de contas bancárias são aplicáveis “as disposições relativas à penhora” em tudo o que não for contrariado pela diversa natureza do arrolamento e da penhora e pelo estabelecido na subsecção VII, da secção II, do Capítulo IV, do título I, do Livro III, do CPC, que regula a providência cautelar de arrolamento, atento o estatuído no art.º 424º nº 5.

         Nesta medida, ao arrolamento de saldos de contas bancárias é aplicável o procedimento previsto no art.º 861º-A, que foi o que aliás ocorreu no caso sub judicio, como decorre dos nºs 1 e 2 da fundamentação de facto (f.f.). Ainda que com as devidas adaptações, pois não intervém aqui o agente de execução nem a comunicação electrónica, antes o tribunal a notificar directamente o banco, por oficio, para proceder ao arrolamento, invocando precisamente aquele preceito legal.

        Perante uma notificação desta natureza a entidade bancária tem especiais obrigações de colaboração, pelas quais aliás é remunerada (cfr. nº 12 deste art.º 861º-A), ao contrário do que acontece com o comum devedor interveniente, que igualmente tem obrigações similares, mas sem qualquer remuneração (cfr. art.ºs 856º e segs, especialmente art.º 860º).

Entre as obrigações que incumbem à entidade bancária contam-se as de comunicar o montante dos saldos existentes, ou a inexistência de conta ou saldo (cfr. nº 8 do art.º 861º-A). Claro que para proceder a esta comunicação a entidade bancária não tem que se limitar, automaticamente, a informar qual é o saldo numérico da conta na data da notificação, mas deve informar qual é o saldo do executado (ou requerido), no caso de a conta bancária não ser titulada apenas por aquele. Aliás, por isso mesmo é que se estabelece no nº 2 do preceito que se vem analisando que “sendo vários os titulares do depósito, a penhora incide sobre a quota-parte do executado na conta comum, presumindo-se que as quotas são iguais”.

Perante este quadro legal, tão minuciosamente regulamentado (aliás aquele art.º 861º-A era composto por 14 números, o que é indiciador da preocupação do legislador em ser exaustivo), compreende-se muito mal a argumentação do recorrente, vertida nas alegações, nomeadamente de que “cumpriu escrupulosamente com o ordenado” e de que “não [lhe] era exigível” a indicação da co-titularidade da conta nº 000/0000000000”.

É óbvio que o interveniente/recorrente só tinha que cumprir com as suas obrigações legais e não de forma “cega”, pois só assim se pode qualificar o “escrupulosamente” invocado. Com efeito, da mesma forma que se for indicado um determinado número de conta de um requerido e esta conta não pertencer a este, a entidade bancária não tem que proceder ao arrolamento do saldo, mas antes indicar que a conta em causa não é titulada pelo requerido, também perante uma conta que tenha vários titulares a entidade bancária não tem que proceder ao arrolamento do saldo, na sua totalidade, mas apenas da “quota-parte” do arrolado, “presumindo-se que as quotas são iguais”.

No caso, perante a notificação inicial, sendo a conta em causa uma conta conjunta, titulada pelo requerido e por outra pessoa, o interveniente e ora recorrente só tinha que proceder ao arrolamento de metade do saldo e comunicar que assim procedia por aquele motivo e ao abrigo do nº 2 do art.º 861º-A citado. Nem se invoque, como desculpa, que o recorrente tem o dever de segredo bancário, pois comunicar que o requerido é apenas um dos co-titulares da conta não é violação desse dever. Para aquele efeito o interveniente não precisava de identificar qual era o outro co-titular da conta e isso sim é que seria violação do dever de sigilo bancário, o que aliás o recorrente fez posteriormente, pela carta de 19.07.2012 (cfr. nº 9 da f.f.), aí sem essas preocupações.

Se tivesse procedido do modo descrito a instituição bancária não só teria cumprido, escrupulosamente, com os seus deveres perante os clientes, como com as suas obrigações legais. Por outro lado, teria também possibilitado que a requerente, sabendo desse facto, tivesse requerido no arrolamento as diligências de prova necessárias a provar-se que todo o dinheiro depositado na referida conta bancária era um bem comum do casal, ilidindo assim a presunção de comparticipação, em quotas-iguais, no valor do saldo daquela conta bancária.

Ao invés, tendo a instituição bancária, ora recorrente, comunicado que tinha procedido ao arrolamento do saldo da conta bancária em causa, pelo referido montante, não esclarecendo que era uma conta conjunta, inviabiliza desde logo que a questão de todo o dinheiro depositado na conta possa ser esclarecida em termos de ser ou não um “bem comum” do casal. Acresce que o comportamento do interveniente ainda é mais grave, pois não só não procede àquele esclarecimento como, pelo contrário, induz a pensar que estávamos perante uma conta única porquanto na carta de 20.10.2011 informa, além do mais, que procedeu “ao arrolamento das seguintes contas em que o executado é titular junto desta Instituição” (cfr. nº 4 da f.f.).

Nestes termos e perante a comunicação do arrolamento efectuado, naqueles termos, não pode deixar de se concluir que o interveniente é responsável por esse saldo bancário, assim arrolado. Essa responsabilidade afigura-se-nos que pode ser fundada, directamente, no nº 11 do art.º 861º-A ou, em última análise, pela aplicação subsidiária do dever de apresentação dos bens móveis penhorados, a cargo do depositário, estabelecido no art.º 854º, aplicável subsidiariamente à penhora de direitos por via da remissão estabelecida no art.º 863º e devidamente adaptado.

Compreende-se facilmente a razão de ser desta responsabilidade, bem patente no caso sub judicio, pois foi precisamente com base nos diversos pressupostos de facto, entre os quais, que o saldo das contas bancárias, pelos referidos montantes, eram “bens comuns”, que as partes chegaram a um acordo sobre esses bens comuns a partilhar e, assim, autorizaram-se, reciprocamente, ao levantamento desses saldos na proporção de metade para cada um, acordo este que foi homologado por decisão judicial.              

Nem se diga, como o faz o recorrente, que “as partes conheciam, não podendo desconhecer sem culpa, a co-titularidade da conta bancária” em causa. Não só isso não está provado quanto à requerente como, pelo contrário, o que ressalta dos autos é que o comportamento do interveniente teve como resultado ou consequência induzir a requerente à conclusão contrária, ou seja, que o requerido era o único titular da conta bancária cujo saldo foi arrolado. Consequentemente a não requerer e fazer prova de que o dinheiro dessa conta era apenas o dinheiro que o requerido tinha antes transferido de uma conta, no mesmo banco, titulada solidariamente pela requerente e requerido, ou seja, que era um “bem comum”(cfr. o requerimento de fls 121/4, em resposta à carta do interveniente de 19.07.2012 - v. nºs 9 e 10 da f.f.).

Finalmente, cumpre deixar claro que a tese do interveniente/recorrente, invocada na parte final das conclusões, de que “não poderá … proceder à entrega de valores que não estão na sua disponibilidade por já não se encontrarem depositados”, não passa por ora disso mesmo, uma tese sem qualquer fundamento fáctico, dada a fungibilidade do dinheiro, de que ficou depositária.

Com efeito, não se espera naturalmente, dada aquela fungibilidade do bem arrolado e a gravidade do que está subjacente aquela afirmação - incumprimento dos seus deveres de depositário da quantia arrolada e incumprimento das obrigações enquanto instituição bancária – que o interveniente/recorrente possa pretextar não cumprir a decisão judicial sob a invocação daquele argumento. É que, então, além do mais, ou seja o arresto em bens próprios do banco, haverá fundamento fáctico para procedimento criminal (cfr. art.º 854º nºs 2 e 3, aplicável ex vi art.º 863º) e comunicação ao Banco de Portugal, considerando as funções deste, de supervisão bancária.

    Conclui-se, assim, por uma resposta negativa à questão supra equacionada, improcedendo as conclusões das alegações do apelante, não tendo sido violadas as disposições legais aí invocadas, pelo que se impõe julgar improcedente a apelação e confirmar o despacho recorrido. 


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III- DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que integram a 6ª Secção Cível deste Tribunal em julgar improcedente a apelação e confirmar o despacho recorrido.

Custas a cargo do apelante.


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Lisboa, 3 de Abril de 2014

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(António Martins)

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(Maria Teresa Soares)

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(Ana Lucinda Cabral)


[1] Proc. nº 1938/10.2TBMTJ do 3º Juízo do Tribunal Judicial do Montijo 
[2] As quais não dão cumprimento ao estatuído no art.º 639º nº 1 do CPC, pois não indicam, “de forma sintética”, os “fundamentos por que pede a alteração … da decisão”, tendo-se no entanto optado por não formular o convite previsto no nº 3 do mesmo preceito porquanto a experiência demonstra, perante norma similar do anterior CPC (art.º 685º-A nº 3), a inutilidade e ineficiência desse convite, em regra apenas gerador de perda de tempo.    
[3] Aprovado pelo DL 44 129 de 28.12.1961, com sucessivas alterações posteriores, diploma legal a que pertencerão os preceitos a seguir citados sem qualquer outra indicação, na redacção em vigor quando da tramitação destes autos em 1ª instância, Código aquele entretanto revogado pelo art.º 4º al. a) da Lei nº 41/2013 de 26.06, mas que não é aplicável “procedimentos cautelares instaurados” antes de 01.09.2013, considerando o disposto nos art.ºs 7º nº 2 e 8, ambos da citada Lei nº 41/2013.