Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ONDINA CARMO ALVES | ||
Descritores: | TEMAS DA PROVA EXCESSO DE PRONÚNCIA MATÉRIA DE FACTO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/23/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | SUMÁRIO (da relatora): 1. A sentença não é nula por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d) do nCPC, se o juiz dá como provado determinado facto que o recorrente considera não ter sido alegado ou não constar dos Temas da Prova. 2. É hoje admissível que a enunciação dos Temas da Prova prevista no nº 1 do artigo 596º do nCPC assuma um carácter genérico e por vezes aparentemente conclusivo - ao invés do que sucedia com a Base Instrutória elaborada, nos termos do artigo 511º do aCPC – encontrando-se apenas balizada pelos limites decorrentes da causa de pedir e das excepções invocadas na lide. 3. A decisão da matéria de facto não deverá, todavia, conter formulações genéricas, de direito ou conclusivas, impondo o artigo 607º do nCPC, no seu nº 4, que na sentença o julgador declare provados ou não provados os factos e não os temas da prova. 4. Perante uma enunciação conclusiva dos temas da prova, cabe ao julgador, na fase de julgamento, considerar provada ou não a concreta matéria de facto a que eles se reportam. 5. Sendo fundamento da acção a denúncia de um contrato de arrendamento rural para o termo do prazo da sua renovação, a validade e eficácia dessa declaração unilateral pressupõem a alegação de factos que são constitutivos do direito do autor, e cuja prova a este incumbe, nos termos do nº 1 do artigo 342º do Código Civil. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I. RELATÓRIO ... – UNIPESSOAL LDA., com sede na Rua ….. intentou, em 26.04.2014, contra JACINTO ……., residente na Rua do ……, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, através da qual pede que seja declarada a caducidade do contrato de arrendamento a partir de 1 de Novembro de 2013, bem como a condenação do réu a despejar imediatamente o prédio objecto do arrendamento, com as demais consequências legais. Fundamentou, a autora, esta sua pretensão nos seguintes termos: Citado, o réu apresentou contestação, em 20.05.2014, na qual impugnou alguns factos alegados pelo autor, invocando, em suma, o seguinte: Foi levada a efeito a audiência prévia, em 22.10.2014, na qual foi proferido o despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os Temas da Prova, tendo as partes declarado que nenhuma reclamação tinham a fazer. Na audiência prévia, a autora apresentou prova documental, sobre a qual o réu se pronunciou, através do requerimento de 23.10.2014. Foi levada a efeito a audiência final, em 13.11.2014, e nesta o mandatário do réu ditou para a acta o seguinte requerimento: “Considerando que a carta de denúncia do contrato de arrendamento é datada do dia 30/10/2012, sendo que o prazo limite para a denúncia é de 31/10/2012, temos dúvidas que esta carta tenha sido recebida, ainda no mês de Outubro, e como dos autos não consta o aviso de recepção, foi solicitado pelo Réu aos serviços dos CTT o documento comprovativo da entrega dos serviços ao destinatário. A este pedido do réu responde os CTT a dizer que o pedido formulado foi enviado e recebido com sucesso, respondendo que prometemos ser breves à resposta à sua mensagem, pelo que requer que tão depressa obtenha a resposta venha juntar a mesma aos autos. O mandatário da autora pronunciou-se nos seguintes termos: A Autora opõe-se ao requerimento de prova apresentado pelo Réu, por o mesmo não se enquadrar em qualquer um dos temas de prova e, bem assim, por representar factos novos que não foram alegados na contestação e, por isso, são os mesmos extemporâneos, requerendo, assim, que esta prova não seja admitida. Sobre o requerimento do réu incidiu o seguinte Despacho: Compulsados os autos, constata-se que o requerimento probatório ora apresentado pelo Réu tem em vista, no fundo, a ulterior junção aos autos de um documento emitido pelos CTT com vista a comprovar a factualidade aludida em tal requerimento, ou seja, e no fundo, qual a data de eventual recepção pelo Réu da alegada carta de denúncia enviada pela sociedade Autora. Assim, torna-se claro que o Réu pretende produzir prova documental adicional, caso viesse a ser admitido o requerimento ora a apresentar. Não obstante, como vimos, a A. opôs-se ao requerimento probatório ora apresentado, opondo-se assim, consequentemente, também à ulterior junção aos autos do documento que viesse a ser emitido pelos CTT, no âmbito das diligências do Réu expostas no seu requerimento. Ora, conforme resulta do disposto no n.º 2 do art.º 423º do CPC, os documentos podem ser apresentados até vinte dias antes da data em que se realiza a audiência final, resultando do disposto no n.º 3 do mesmo normativo que, após essa data, e a título excepcional, só poderão ser admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior. Ora, não obstante a eventual relevância das diligências ora empreendidas pelo Réu para a decisão da causa, a que se alude no seu requerimento, torna-se manifesto que as mesmas já poderiam ter sido efectuadas em data bem anterior ao presente momento, nomeadamente durante o decurso do prazo legal para contestar os presentes autos, ou até à realização da audiência prévia ou, no limite, até aos aludidos vinte dias antes da data da realização do presente julgamento. Não existindo, assim, face ao exposto, fundamento para considerar admissível a junção aos autos do documento probatório a que a diligência de prova ora requerida conduziria, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 423º, do CPC. Assim, face ao exposto, a diligência probatória ora requerida mostra-se impertinente e inútil, tendo em conta que o documento dos CTT que venha a ser emitido não poderá ser admitido nos autos, face à expressa discordância por parte da Autora à junção. Deste modo, atento o supra exposto, não se poderá senão indeferir o ora requerido. Notifique. Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação, relativamente ao aludido Despacho. São as seguintes as CONCLUSÕES do recorrente: Pede, por isso, o apelante, que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se o despacho em causa e, em consequência, se julgue inepta a petição inicial. O autor não contra-alegou. Após a Audiência Final, o Tribunal a quo, proferiu decisão, em 02.01.2015, constando do Dispositivo da Sentença o seguinte: Nos termos expostos, julgo o pedido integralmente improcedente e, em consequência, absolvo o Réu JACINTO …….. dos pedidos contra si deduzidos nos autos pela Autora ... – UNIPESSOAL LDA.. Inconformada com o assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada. São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente: O réu não apresentou contra-alegações. O Tribunal a quo pronunciou-se sobre a nulidade da sentença invocada pelo recorrente, nos seguintes termos: (…) Compulsados os autos, torna-se evidente, a nosso ver, a improcedência do invocado pela recorrente e a inexistência de qualquer nulidade da sentença proferida nos autos. Com efeito, o facto provado 5) da matéria factual da sentença, em conjunto com o facto provado 4), resultam da resposta restritiva do tribunal à factualidade invocada pela Autora no artigo 5.º da petição inicial (aliás de forma imperfeita posto que conclusiva), no sentido de que a Autora, no dia 30/10/2012, teria denunciado o contrato de arrendamento em causa para o seu termo, através de carta enviada ao Réu (missiva essa para a qual remete o referido art. 5.º da petição). Encontrando-se tal matéria factual claramente controvertida entre as partes, e de tal circunstância foram as partes oportunamente advertidas pelo tribunal, tanto que no despacho saneador proferido nos autos foi enunciado o tema da prova n.º 3 (cfr. fls. 51 dos autos), em cujo âmbito tal matéria factual se integra e subsume de forma perfeita. Pelo que inexiste qualquer conhecimento de factos pelo tribunal que não tenham sido oportunamente alegados pelas partes, e, logo, não houve violação do princípio do dispositivo. Quanto ao mais, o tribunal não se encontra limitado à apreciação das questões de direito suscitadas pelas partes, detendo plenos poderes de indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. art. 5.º, n.º 3 do CPC). Sendo que para apreciar da procedência ou não do pedido da Autora no sentido da declaração de caducidade do contrato de arrendamento com fundamento na denúncia do senhorio, tornava-se evidentemente indispensável verificar se a referida denúncia da Autora se mostrava válida e eficaz à luz das normas legais aplicáveis, independentemente da concreta defesa apresentada nos autos pelo demandado, sendo que a alegação e prova de todos os factos constitutivos do invocado direito de denúncia do contrato por parte da Autora cabiam exclusivamente a esta (cfr. art. 342.º, n.º 1 do Código Civil). Pelo que, em suma, o tribunal não conheceu de questões de que não pudesse tomar conhecimento, inexistindo qualquer nulidade da sentença proferida nos autos. Assim, face ao exposto, indefiro a arguida nulidade. Porém, os Exmos. Srs. Juízes Desembargadores melhor decidirão. Notifique. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. *** II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação dos recorrentes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Considerando que o recurso interposto pelo réu, não obstante o disposto nos artigos 644º, nº 2, alínea d) e 645, nº 2, ambos do nCPC, não subiu a este Tribunal autónoma e separadamente, mas acompanhou o recurso da decisão final, dada a proximidade temporal em que foram proferidas as decisões sob recurso, terá aqui igualmente aplicação o preceituado no artigo 660º do nCPC, pelo que apenas se dará provimento ao recurso da decisão interlocutória, caso a mesma se mostre relevante, alterada que seja a decisão final proferida pelo Tribunal a quo, igualmente sob recurso. Em face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões: i) DA NULIDADE DA SENTENÇA AO ABRIGO DO DISPOSTO NA ALÍNEA D) DO N.º 1 DO ARTIGO 615.º DO CPC; ii) DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO, QUER QUANTO À FACTUALIDADE DADA COMO PROVADA, QUER QUANTO À SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA. E caso se entenda ser de julgar procedente o recurso de apelação da autora, apreciar então o recurso deduzido pelo réu, consistente: Û NA ADMISSIBILIDADE DO PRAZO REQUERIDO PELO RÉU NA AUDIÊNCIA FINAL PARA JUNTAR PROVA DOCUMENTAL. *** III . FUNDAMENTAÇÃO
*** B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO i) DA NULIDADE DA SENTENÇA AO ABRIGO DO DISPOSTO NA ALÍNEA D) DO N.º 1 DO ARTIGO 615.º DO CPC Qualquer acto jurisdicional, nomeadamente uma sentença ou mesmo um despacho, pode atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra do qual é decretado e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615º, nº 1 do novo Código de Processo Civil. A este respeito, estipula-se no apontado normativo, sob a epígrafe de “Causas de nulidade da sentença”, aplicável aos despachos ex vi do artigo 613º nº 3 do mesmo diploma que: “1 - É nula a sentença: a) Quando não contenha a assinatura do juiz; b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.....” A recorrente visa imputar à sentença a nulidade decorrente da alínea d) do citado normativo, a qual se reconduz a um vício de conteúdo, na enumeração de J. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, III, 1980, 302 a 306, ou seja, vício que enferma a própria decisão judicial em si, nos fundamentos, na decisão, ou nos raciocínios lógicos que os ligam. A nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 615º, nº 1 do nCPC terá de ser aferida tendo em consideração o disposto no artigo 608.º, n.º 2 do nCPC. Não pode, na verdade, o Tribunal conhecer senão das questões suscitadas pelas partes, excepto se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento de outras, pelo que a referida nulidade tem de resultar da violação do referido dever. As questões a que alude a alínea em apreciação, como bem esclarece A. VARELA, RLJ, Ano 122.º, pág. 112, embora reportado ao anterior regime processual civil, mas que nesta parte se mantém inalterável são “(...) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …”. Esclarece M. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, 1997, 220 e 221, que está em causa “o corolário do princípio da disponibilidade objectiva (art. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parte) o que significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões “. Como escreve ALBERTO DOS REIS, CPC Anotado, Vol. V, 143, a propósito da omissão de pronúncia, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte”. E, refere ainda ALBERTO DOS REIS, ob. cit., 54, a propósito do que deverá entender-se por “questões suscitadas pelas partes”, que “para caracterizar e delimitar, com todo o rigor, as questões postas pelas partes, não são suficientes as conclusões que elas tenham formulado nos articulados; é necessário atender também aos fundamentos em que elas assentam. Por outras palavras: além dos pedidos propriamente ditos, há que ter em conta a causa de pedir. Na verdade, assim como uma acção só se identifica pelos seus três elementos essenciais (sujeitos, objecto e causa de pedir), ..., também as questões suscitadas pelas partes só ficam devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos) e qual o objecto dela (pedido), senão também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)”. E, refere ainda ALBERTO DOS REIS que: “uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão”.
No caso em apreciação, invoca a apelante que a sentença padece da nulidade prevista na aludida alínea d) do citado normativo, visto entender que o Tribunal a quo conheceu de factos que não poderia conhecer. Como resulta do que acima ficou dito, questão a decidir não é a argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os factos que para elas concorrem. Apreciar e rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência ou a improcedência da acção, bem como a circunstância de lhes fazer, ou não, referência, não determina a nulidade da sentença por excesso ou omissão de pronúncia. Situação diversa da nulidade da sentença é a de saber se houve erro de julgamento, pois como se refere no Ac. do STJ de 21.05.2009 (Pº 692-A/2001.S1), acessível no supra citado sítio da Internet Se a questão é abordada mas existe uma divergência entre o afirmado e a verdade jurídica ou fáctica, há erro de julgamento, não “errore in procedendo”. E, no caso em apreciação, infere-se da alegação de recurso que a recorrente discorda da matéria de facto que o Tribunal a quo deu como provada, maxime, do enunciado de facto nº 5, por entender que o mesmo não integra os Temas da Prova, para além de que se trata de matéria de excepção, que teria de ser alegada pelo réu. O aludido vício de conteúdo a que se refere o artigo 615º, n.º 1, alínea d) do Código do Processo Civil, não se verifica, por conseguinte, na sentença recorrida, pelo que improcede o que, relativamente ao qualificado vício da sentença, consta das conclusões da alegação da apelante. Importa, então, apurar se há errore in judicando ou erro judicial, o que implica a análise das concretas questões suscitadas no recurso, ainda que erradamente qualificadas como integrando nulidade da sentença, posto que, designadamente, o enunciado de facto que a apelante considera indevidamente tido em consideração pelo Tribunal recorrido apenas poderá, eventualmente, relevar no âmbito da valoração e aplicação das regras de direito. ** ii) DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO, QUER QUANTO À FACTUALIDADE DADA COMO PROVADA, QUER QUANTO À SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA. Como é sabido, a Base Instrutória elaborada ao abrigo do aCPC deveria conter, consoante previa a alínea e) do n.º 1 do artigo 508.º-A e do artigo 511º, a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias situações plausíveis da questão de direito e sobre a qual iriam incidir as diligências instrutórias. Tais preceitos harmonizavam-se com a disposição contida no artigo 513.º sob a epígrafe “Objecto da prova”, no qual se consagrava que a instrução tinha por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devessem considerar-se controvertidos ou necessitados de prova. Ao invés, no novo Código de Processo Civil, na enunciação dos temas da prova, não está em causa a quesitação de cada um dos enunciados de facto controvertidos, mas tão-somente apontar genericamente a controvérsia entre as partes sobre as matérias principais, deixando para a decisão sobre a matéria de facto a descrição dos factos que, relativamente a cada grande tema, tenham sido provados ou não provados. Os temas de prova, tal como o objecto do litígio, são fixados pelo juiz, em despacho subsequente ao despacho saneador. E, à semelhança do regime anterior, o despacho que identifica o objecto do litígio e enuncia os temas da prova, poderá ser alvo de reclamação pelas partes e de posterior impugnação com o recurso interposto da decisão final. Será, pois, admissível que a enunciação dos temas da prova, actualmente prevista no n.º 1 do artigo 596.º do nCPC, assuma um carácter genérico e até, por vezes, aparentemente conclusivo, apenas devendo ser balizada pelos limites que decorrem da causa de pedir e das excepções invocadas, nos exactos termos que a lide justifique. Todavia, no que concerne à decisão da matéria de facto, a mesma já não deverá conter formulações genéricas, de direito ou conclusivas, ali se exigindo que o juiz se pronuncie sobre os factos essenciais e ainda os instrumentais que assumam pertinência para a questão a decidir. Não obstante a redacção dada ao artigo 410º do nCPC, nos termos do qual a instrução tem por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha havido lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova, é sobre os factos constante dos articulados apresentados pelas partes que a produção de prova e respectivos meios incidirão, como se infere dos artigos 452.º, n.ºs 1 e 2, 454.º, 460.º, 466.º, n.º 1, 475.º, 490.º ou 495.º, n.º 1, do nCPC, e não sobre os respectivos temas de prova enunciados. São de igual modo os enunciados de factos, e não os temas de prova, que o artigo 607.º do nCPC impõe que sejam discriminados e declarados provados e/ou não provados pelo julgador, na sentença. Acresce que decorre do artigo 413.º do nCPC, que reproduziu sem alteração o artigo 515.º do aCPC, que o Tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, mantendo-se, assim, intocável o princípio da aquisição processual. Nos termos do aludido princípio, as provas acumuladas no processo consideram-se adquiridas para o efeito da decisão de mérito, pouco importando saber por via de quem foram trazidas para os autos. É certo que os temas da prova enunciados pelo julgador derivam necessariamente da alegação das partes, nos termos do artigo 5.º do nCPC, seleccionados em função do objecto do litígio que haja sido definido. De resto, o princípio do dispositivo, não obstante a ele o nCPC não fazer qualquer expressa referência, continua a ser uma regra basilar, traduzindo-se na liberdade das partes, de decisão quanto à propositura da acção, e quanto aos limites do seu objecto, quer quanto à causa de pedir e pedidos, quer quanto às excepções. Corolários deste princípio encontram-se no artigo 3.º, n.º 1 do nCPC, onde se estatui: “O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.” e ainda no artigo 5.º, n.º 1 que estabelece: “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.” Às partes continua, assim, a caber a alegação dos factos essenciais ou principais - causa de pedir e excepções – cabendo, quer ao juiz, quer às partes, fazer com que sejam adquiridos para o processo os factos instrumentais. Com efeito, os factos essenciais ou principais que constituem a causa de pedir devem ser alegados pelo autor na petição inicial, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 552.º do nCPC, mantendo-se o princípio de que toda a defesa deve ser deduzida na contestação, o que significa que também o réu está obrigado a alegar nesta peça processual, os factos essenciais que consubstanciam as excepções, conforme decorre dos artigos 572.º, al. c) e 573.º, n.ºs 1 e 2, ambos do nCPC. Como é sabido, na terminologia do nCPC, os factos não principais dividem-se, em factos instrumentais, concretizadores e complementares. E, de acordo com o artigo 5.º, n.º 2, alíneas b) e c), os factos instrumentais e os factos complementares e concretizadores podem ser adquiridos para o processo, mediante a alegação das partes, ou através de iniciativa oficiosa do juiz, o que deverá ocorrer até ao encerramento da discussão, na medida em que é este o momento que encerra a instrução do processo. Assim, os factos principais têm de ser alegados na fase inicial, nos articulados, conquanto os factos instrumentais podem ser alegados ou adquiridos oficiosamente até ao fim do julgamento. Também os factos complementares e concretizadores podem ser adquiridos até ao fim do julgamento. Tem sido entendimento doutrinário que os factos complementares e concretizadores, apesar de poderem ser considerados factos que se incluem na previsão da norma - constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos - apenas constituem parte dessa previsão, pelo que, a prova parcial dos mesmos impede a procedência da acção, mas não impede a sua admissibilidade, sendo passível de correcção até ao fim da produção de prova – v. a este propósito, MARIANA FRANÇA GOUVEIA, O princípio dispositivo e a alegação de factos em processo civil: a incessante procura da flexibilidade processual”, Estudos em Homenagem aos Profs. Palma Carlos e Castro Mendes”, 595-617, acessível também em: http://www.oa.pt/upl/%7Bede93150-b3ab-4e3d-baa3-34dd7e85a6ef%7D.pdf Após a perfunctória análise sobre estas novas alterações processuais decorrentes da aplicação do nCPC, importa ponderar o que sucedeu no caso vertente. A autora propôs uma acção tendente à obtenção da declaração da caducidade de um contrato de arrendamento rural, do qual o réu é arrendatário, a partir de 01.11.2013, invocando ter denunciado o contrato, em 30.10.2012, juntando carta, datada dessa mesma data, subscrita por uma advogada. O réu, por seu turno, e em suma, admite ter recebido a carta, alegando ter questionado se a dita advogada teria poderes para fazer a referida denúncia em nome da sociedade autora. Foi enunciado como Temas da Prova, e com o carácter genérico a que acima se aludiu, o seguinte: Em resultado da prova produzida – testemunhal e documental – e assente na motivação constante da sentença, o Tribunal a quo deu como provado, traduzindo os nºs 1 e 2 dos Temas da Prova, na concreta factualidade vertida nos Nºs 1 a 3 dos Factos Provados; os nºs 3 a 5 dos Temas da Prova, na factualidade vertida nos Nºs 4 a 6 dos Factos Provados e, o nº 6 dos Temas da Prova, na factualidade vertida no Nº 7 dos Factos Provados. Ora, o Tribunal a quo, ao integrar nos factos dados como provados, a questão do recebimento pelo réu da carta de denúncia enviada pela autora, formulou a seguinte motivação: Os factos provados 4) e 5) resultaram da conjugação do depoimento da testemunha Pedro …… – filho da sócia-gerente da sociedade Autora, Maria …… (cfr. certidão comercial de fls. 74 a 77 dos autos) –, com a carta de 30/10/2012 enviada pela Dr.ª R.P.para o Réu, em representação da Autora, junta a fls. 12 e 13 dos autos, e respectivo comprovativo de registo e envio pelos CTT de fls. 14 dos autos, e a procuração outorgada pela sócia-gerente da Autora em benefício da Dr.ª R.P. de fls. 48 e 49 dos autos. Com efeito, a testemunha Pedro …. informou credivelmente os autos como tomou conhecimento de que a sua mãe, enquanto dona da Autora, mandatou a Dr.ª R.P., em representação da Autora, para enviar aos rendeiros do prédio rústico em causa nos autos, incluindo o Réu, cartas de denúncia do contrato de arrendamento, o que foi feito, não tendo, no entanto o Réu desocupado a parte por si ocupada após o termo do contrato, o que confirmou deslocando-se ao local. Ora, da prova documental junta aos autos pela Autora, nomeadamente o comprovativo de registo e envio pelos CTT de fls. 14 dos autos, apenas se retira que a carta datada de 30/10/2012 e junta a fls. 12 e 13 dos autos, foi remetida por correio registado para o Réu, pela Dr.ª R.P. em representação da Autora, no dia 30/10/2012, não existindo, no entanto, qualquer comprovativo documental da data da sua recepção pelo Réu. Com efeito, do alegado pelo Réu na sua contestação (cfr. artigos 6.º e 7.º), retira-se que o Réu recebeu a carta datada e remetida pela Autora no dia 30/10/2012, não existindo, no entanto, qualquer prova documental nos autos quanto à data concreta em que foi recebida tal carta pelo Réu, nem a Autora produziu quanto a tal matéria qualquer outro tipo de prova nos autos, razão pela qual apenas se provou que o Réu recebeu tal carta, mas em data não concretamente apurada. Importa, pois, concluir que o Nº 5 dos Facto Provados se insere no âmbito do 3º Tema da Prova, já que, como resulta do que acima ficou dito, uma coisa são os temas de prova, outra bem diferente são os factos concretos que, na sentença final, têm de ser dados como provados para que a acção possa ser julgada procedente. Ora, a autora alegou e provou, o envio ao réu da carta de denúncia, datada de 30.10.2012. Tal carta foi recebida pelo réu como, de resto, este confessa na sua contestação. Porém, como é sabido, a denúncia consiste numa declaração unilateral receptícia, através da qual uma das partes põe termo ao contrato, quer vigore por tempo indeterminado, quer para o termo do prazo estipulado, quando há renovação automática, fazendo cessá-lo unilateralmente, por mera manifestação de vontade discricionária. Define, PEDRO PAES DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 2.ª Edição, 2003, 773, a denúncia, como a “declaração unilateral que uma das partes faz à outra e pela qual põe termo a uma relação contratual duradoura para a qual não fora estipulado um termo”, não exigindo o acordo das partes, podendo ser feita contra a vontade da outra, não exigindo tão pouco um fundamento legal ou contratual, não possuindo eficácia retroactiva e demandando uma comunicação feita com a antecedência reclamada pelo próprio negócio em concreto e pelo princípio da boa fé no cumprimento dos contratos. Na definição de JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol 2.°, 246, é a declaração feita por um dos contraentes, em regra com certa antecedência sobre o termo do período negocial em curso, de que não quer a renovação ou a continuação do contrato renovável, ou fixado por tempo indeterminado.” Segundo BAPTISTA MACHADO, RLJ, 120, 87, “Denúncia é um negócio jurídico unilateral receptício (ou recipiendo), e uma declaração unilateral dirigida a certa pessoa que se torna eficaz quando for levada ao conhecimento dessa pessoa, não podendo ser condicionada, salvo se a condição depender pura e simplesmente da vontade do destinatário.
1. A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada. 2. É, também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.” As duas espécies de declaração previstas no nº 1 são correntemente designadas por recipiendas e não recipiendas. As primeiras, como se dirigem a alguém, não podem ser eficazes pela simples emissão da declaração, é o caso das propostas contratuais e dos negócios unilaterais receptícios, v.g. a ratificação dos negócios ineficazes, a revogação do mandato ou a denúncia do arrendamento. No caso em apreço, decorre do artigo 14º, nº 1 do Decreto Legislativo Regional nº 29/2008/A, de 24 de Julho de 2008 que: 1 – Os contratos de arrendamento a que se refere este diploma consideram-se sucessiva e automaticamente renovados se não forem denunciados nos termos seguintes: a) O arrendatário deve avisar o senhorio, mediante comunicação escrita, com a antecedência mínima de um ano, relativamente ao termos do prazo ou da sua renovação; b) O senhorio deve avisar também o arrendatário pela forma referida na alínea anterior, com a antecedência mínima de um ano, relativamente ao termos do prazo ou da sua renovação. Por outro lado, são as regras do ónus da prova que definem o critério que o juiz deve adoptar para proferir a decisão. Esclarece MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 196, que, O ónus probandi respeita aos factos da causa, distribuindo-se entre as partes segundo certos critérios. Traduz-se para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os autos não contiverem prova bastante desse facto, trazida ou não pela mesma parte. A parte sobre a qual impende o ónus da prova tem de alegar o facto e de trazer ao processo os respectivos elementos de prova, que sejam suficientes para formar a convicção do juiz. Se não alcançar tal objectivo, o juiz decidirá contra ela. O regime jurídico da repartição do ónus da prova encontra-se consagrado nos artigos 341º e seguintes do Código Civil e 414º do nCPC. No direito português o ónus da prova é, tal como defende RITA LYNCE DE FARIA, A Inversão do Ónus da Prova no Direito Civil Português, 2001, 12. “(…) não um ónus subjectivo, mas um verdadeiro ónus objectivo, traduzindo-se, portanto, para a parte a quem compete, na necessidade de sofrer as consequências da falta de prova do facto visado, caso os autos não contenham a prova bastante desse facto. (…) O ónus da prova encontra-se, deste modo, directamente associado a um risco processual: o risco de, sendo insuficiente a prova produzida, a parte ver desatendida a sua pretensão. Perguntar quem suporta o ónus da prova corresponde, assim, em saber quem suporta o risco processual. É, de resto, o que resulta do art. 516.º do Código de Processo Civil, único artigo respeitante ao ónus da prova que, inexplicavelmente, permanece neste código”. Não deixa o n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil qualquer margem para dúvidas quanto à sua interpretação e aplicação: àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
Atento o factualismo apurado, forçoso é concluir que não logrou a autora fazer tal prova, como lhe incumbia. O ónus da prova a cargo da autora/recorrida não se mostra satisfeito, já que por demonstrar ficou que a declaração unilateral da denúncia do contrato haja chegado ao conhecimento do réu antes da data em que o contrato se renovaria. De salientar que a autora opôs-se mesmo à eventual junção do documento, a emitir pelos CTT, comprovativo da data em que a carta de denúncia foi recebida pelo réu – v. Relatório supra – pg. 4 deste Acordão. Concluiu-se, portanto, no caso em apreço, que: Perante uma enunciação puramente conclusiva dos temas da prova, cabe ao juiz, na fase de julgamento, ao considerar provada ou não provada a concreta matéria de facto a que eles se reportam, de especificar e densificar tal factualidade concreta, fundamentando a sua decisão, não podendo limitar-se a considerar provada ou não provada a matéria, puramente conclusiva, que na fase de saneamento e condensação havia sido enunciada. E foi precisamente o que sucedeu in casu. Nestes termos, julga-se improcedente o recurso interposto pela autora, confirmando-se a decisão recorrida. * Conforme já se fez menção no ponto II. deste acórdão, a apelação do réu, incidente sobre uma decisão interlocutória, por força da alínea d) do nº 2 do artigo 644º do nCPC, admitia recurso imediato e em separado. Porém, a proximidade temporal entre a decisão interlocutória e a decisão final, possibilitou a sua apreciação conjunta. Sucede que, perante a confirmação da sentença recorrida, entende-se, por identidade de razões, ser de aplicar analógicamente o preceituado no artigo 660º do nCPC. Este preceito que, ao cabo e ao resto, dispõe sobre as condições de procedência da impugnação de decisões interlocutórias, veio repor o que se dispunha no artigo 710º do CPC, revogado por força das alterações decorrentes da reforma dos recursos operada pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24/8 (artigo 9º, alínea a)). E, como salienta ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 218, em anotação ao aludido artigo 660º, ainda que as decisões interlocutórias estejam eivadas de erros de facto ou de direito, a manutenção do interesse na sua impugnação depende, em primeiro lugar, da subsequente evolução processual e do resultado que vier a ser declarado a final. Atenta a confirmação da decisão da 1ª instância que pôs termo à causa, a decisão interlocutória proferida pelo Tribunal a quo, em 13.11.2014, no decurso da audiência final, e que foi impugnada pelo réu, acabou por se mostrar irrelevante para este, uma vez que a autora não logrou obter vencimento na acção. Destarte, e uma vez que nunca seria de dar provimento à aludida impugnação dessa decisão interlocutória, dela não se tomará conhecimento. * A autora/apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Novo Código de Processo. *** IV. DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida. Condena-se a autora/apelante no pagamento das custas respectivas. Lisboa, 23 de Abril de 2015 _________________________________ Ondina Carmo Alves - Relatora
_________________________________ Eduardo José Oliveira Azevedo
_________________________________ Olindo dos Santos Geraldes |