Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | SALAZAR CASANOVA | ||
| Descritores: | HABILITAÇÃO INCERTOS CASO JULGADO DEVER DE COLABORAÇÃO DAS PARTES | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 06/29/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Sumário: | I- A acção proposta contra incertos não faz caso julgado quanto àqueles que não foram demandados. II- Um tal entendimento mantém-se actual. III- Daqui resultava bastar que o A. afirmasse - as pessoas a citar são incertas, ou não há interessados certos, ou a acção é dirigida contra incertos - para que o juiz devesse ordenar a citação por éditos, pois a lei dispensa a justificação, por parte do autor, de que as pessoas a citar são incertas, precisamente porque não impõe, como caso julgado, a quaisquer interessados, a sentença que vier a ser proferida na acção. IV- No entanto, a partir da revisão de 1995/1996, foi aditado no artigo 16.º, n.º1 do C.P.C., a expressão “ por não ter o autor possibilidade de identificar os interessados directos” e, assim sendo, nas acções contra incertos já não basta ao A. invocar o desconhecimento da identidade desses interessados incertos, impõe-se-lhe ainda o ónus de provar que efectuou diligências no sentido de identificar tais interessados. V- Pretende-se, assim, viabilizar o contraditório efectivo dada a quase inutilidade prática de, por via da citação edital, se conseguir o acesso ao processo desses interessados | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1. O Banco […] SA face ao falecimento de José […] veio deduzir a habilitação da sua viúva Maria […] e dos demais herdeiros incertos. 2. O Tribunal convidou o A. a apresentar novo requerimento inicial, justificando a incerteza dos sucessores da pessoa falecida. 3. O Banco […] recusou-se. 4. O Tribunal, considerando que incumbe ao requerente identificar os herdeiros da parte falecida nos termos do artigo 467.º.n.º1, alínea a) do Código de Processo Civil, afirmou o ónus do requerente averiguar “ se existem ou não descendentes ou ascendentes vivos de José […], bem como se este faleceu ou não com testamento”. 5. Face ao não preenchimento do ónus da prova, o requerimento inicial foi indeferido por inepto. 6. O A. recorre da decisão sustentando que “ o despacho recorrido, ao não ordenar assim, face ao que dos autos consta, o normal e regular prosseguimento do incidente de habilitação de herdeiros em que sobe o presente recurso, violou o disposto no artigo 156.º,n.º 1 do Código de Processo Civil, o disposto também, face ao prévio convite, do artigo 508.º,n.º1, alínea b) e nºs 2 e 3 do Código de Processo Civil e, também e sempre, o disposto no artigo 64.º da Lei Geral Tributária, donde impor-se a procedência do presente recurso e, assim, a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por acórdão que determine o normal e regular prosseguimento dos autos, ou seja, consequentemente, a notificação e citação que requeridas foram no requerimento ou petição inicial do incidente de habilitação. Apreciando: 7. A questão a resolver nestes autos é a de saber se o Tribunal deve ordenar a citação edital de sucessores incertos da parte falecida com base na declaração do A. que diz ignorar se o falecido[…] deixou descendentes ou ascendentes vivos, bem como se faleceu ou não com testamento”. 8. Face ao óbito de quem quer que seja, que haja sido demandado em processo, o normal é que a contraparte ignore se o falecido deixou descendentes ou se deixou ascendentes vivos, bem como se faleceu ou não com testamento. 9. No caso em apreço, o A. não pode invocar ignorância tão absoluta pois não ignora que a Ré é viúva do falecido réu e, assim sendo, ela é herdeira nos termos da lei. 10. Por aqui se vê que o A. podia com toda a facilidade diligenciar junto da própria viúva saber se há outros herdeiros para além dela, pois é isso que está em causa. 11. A verdade, porém, é que, no caso de ausência do citando em parte incerta, a lei manda, antes de se ordenar a citação edital, efectuar diligências no sentido de se determinar o seu paradeiro (artigos 244.º e 247.º,n.º4 do Código de Processo Civil); tratando-se de citação contra incertos não há necessidade de efectivar quaisquer diligências. 12. A razão está em que a acção contra incertos (artigo 16.º do Código de Processo Civil) tal como a habilitação no caso de incerteza de pessoas, não faz caso julgado em relação àqueles que não foram demandados, ou seja, a sentença é, quanto a eles, res inter alios acta. 13. Por tal motivo o Prof. Alberto dos Reis referia, justificando tal entendimento, que a citação por éditos é um meio pouco eficaz e seguro para fazer chegar aos interessados o conhecimento da proposição da acção. Se o processo é dirigido contra pessoas certas e a citação destas se faz pessoalmente, os RR não podem alegar ignorância a respeito da existência da acção. Por isso, embora não compareçam a defender-se, ficam sujeitos às consequências: a sentença que julgar a acção procedente constitui para eles caso julgado. Se não se defenderam., se não fizeram valer os seus pretensos direitos, foi porque não quiseram. O caso é muito diferente, quando a acção é intentada contra incertos. Os Réus são citados por éditos; esta forma de citação é precária: não dá garantias seguras de que quaisquer interessados em contrariar a pretensão do autor fiquem informados da existência da acção e do convite que lhes é feito para deduzirem oposição. É pelas afixação de editais e pela publicação de anúncios que a citação se efectua; que certeza pode haver de que os interessados leiam ou editais ou os anúncios, ou de que sejam avisados do seu conteúdo por alguém que os tenha lido?... Acresce uma outra circunstância. Ao passo que a citação edital com o fundamento de ausência em parte incerta só se emprega depois de feita a justificação da ausência...a citação edital com o fundamento da incerteza da pessoa não é precedida de justificação alguma. O artigo 247º do CPC manda fazer uso da citação edital quando as pessoas a citar forem incertas; mas não faz depender de qualquer espécie de demonstração ou justificação o emprego, em tal caso, da citação edital. Quer dizer, basta que o A. afirme - as pessoas a citar são incertas, ou não há interessados certos, ou a acção é dirigida contra incertos - para que o juiz deva ordenar a citação por éditos […] A lei dispensa a justificação, por parte do autor, de que as pessoas a citar são incertas, precisamente porque não impõe, como caso julgado, a quaisquer interessados, a sentença que vier a ser proferida na acção[…] ( Ver “Revista de Legislação e de Jurisprudência” 80º Ano, pág. 66/67). 14. A razão parece, pois, estar com o recorrente tanto mais que, face ao disposto no artigo 57.º do Código de Processo Civil, a execução fundada em sentença pode ser promovida contra o devedor e também contra as pessoas em relação ás quais a sentença tenha força de caso julgado, o que, como se vê, não será seguramente o caso de sucessores que não tenham intervindo no processo, não valendo contra eles o facto de se ter procedido à habilitação de sucessores incertos da parte falecida (artigo 375,º,n.º 1 do C.P.C.). 15. No entanto, no Código de Processo Civil, a partir da revisão de 1995/1996, foi alterado o artigo 16.º. n.º 1 de modo que onde anteriormente se dizia “ quando a acção seja proposta contra incertos, são estes representados pelo Ministério Público[…]” agora diz-se “ quando a acção seja proposta contra incertos, por não ter o autor possibilidade de identificar os interessados directos em contradizer, são aqueles representados pelo Ministério Público”. 16. Esta alteração não tem qualquer interferência no entendimento de que a acção contra incertos não faz caso julgado em relação àqueles que não foram demandados. 17. A razão de ser desta modificação do texto legal foi a de precisamente proporcionar ou, pelo menos, contribuir para o exercício efectivo do contraditório, sabendo-se que dificilmente se consegue, mediante a citação de incertos, atingir esse objectivo quer porque a intervenção do Ministério Público é inevitável e compreensivelmente improfícua (salvo se houver mera questão de direito que possa invocar) quer porque é raríssimo que os sucessores intervenham para deduzir a sua habilitação, alertados pela citação edital. 18. O objectivo desse n.º1 com a actual redacção resulta do seguinte entendimento: Na verdade, a propositura de uma acção contra incertos não pode representar uma forma de o pretenso titular de uma relação jurídica controvertida se furtar ao contraditório de quem contesta o seu direito - mas como uma via para assegurar o acesso aos tribunais, mesmo nos casos em que inexiste ou é desconhecido o titular do interesse directo em contradizer a pretensão. Nos casos de mera dificuldade ‘subjectiva’ do autor na identificação dos interessados em contradizer susceptível de ser, porventura, ultrapassada com a cooperação do tribunal, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 266.º- deverá o tribunal determinar a realização das diligências pertinentes para se conseguir a identificação de tais interessados, facultando-lhes o contraditório e evitando a relativa inutilidade prática de acções contra incertos, quando se entenda que o caso julgado formado no seu confronto não é oponível a sujeitos determinados e individualizados” (Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I. 2º edição. 2004, anotação ao artigo 16.º). 19. Assim, por força da aludida disposição, conjugada com o disposto no artigo 467.º.n.º1, alínea a) do C.P.C., o ora recorrente não pode deixar de tentar identificar, de forma diligente, os interessados directos em contradizer, diligência que, no caso, se revela facílima visto que pode sempre, para o efeito, contactar a viúva que demandou em acção declarativa. 20. Já não lhe é lícito, contrariamente ao que dantes sucedia, declarar a mera ignorância; por outro lado, não se afigura que a referida disposição da Lei Geral Tributária obste a que o recorrente seja bem sucedido, pois a identificação dos sucessores do falecido demandado não é matéria que se prenda com a confidencialidade atinente ao sigilo sobre os dados recolhidos quanto à situação tributária dos contribuintes e elementos de natureza pessoal. 21. Seja como for, o recorrente terá sempre, neste domínio, de comprovar que efectuou diligências nesse sentido junto das entidades tributárias e só se houver recusa, com base na confidencialidade ou sigilo, é que lhe será legítimo recorrer à cooperação do próprio tribunal. 22. Refira-se que o acórdão junto aos autos pelo recorrente não trata desta questão; nesse acórdão o que estava em causa era algo diverso: efectuada já a citação da requerida e incertos, só então o tribunal proferiu despacho subsequente a fim de serem identificados pelo requerente os herdeiros do falecido, 23. Saliente-se ainda que o ora recorrente já viu a presente questão tratada em seu desfavor no Supremo Tribunal de Justiça por acórdão de 6-7-2005 (Moitinho de Almeida) publicado em www.dgsi.pt onde se refere: “De facto, conjugando o disposto no art.375°, n°1 com o art.16°, n°1 ambos do CPC, a citação dos requeridos como incertos só se justifica quando o autor não tem possibilidade de os determinar e identificar, não sendo suficiente a mera dificuldade “subjectiva” na obtenção de tais informações, dificuldade essa susceptível de (ser) ultrapassada, se for caso disso, com a cooperação do tribunal, nos termos no art.266°, n°4 do CPC.” Para esta fundamentação se remete (artigos 713°, n°5, 726° e 749°, do Código de Processo Civil), salientando ainda que está em conformidade com a jurisprudência deste Supremo segundo a qual a acção contra incertos só se justifica, quando o demandante não tem possibilidade de os determinar e identificar (acórdãos de 21 de Julho de 1983, processo n°71259, no BMJ, n°829, p.501 , e de 16 de Julho de 1987, processo n°75104). 24. Resta finalmente referir que não se nos afigura preferível que o despacho em causa seja o de aguardarem os autos que o ora recorrente comprove diligenciar no sentido de identificar os demais sucessores do falecido José […] sem prejuízo do decurso do prazo de interrupção da instância à semelhança do que ocorreu no processo apreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça, a que nos referimos, em vez de pura e simplesmente indeferir o requerimento inicial. 25. Nega-se , pois, provimento ao recurso salvo no que respeite à decisão proferida que se substitui por outra, também de indeferimento da pretensão do recorrente de os autos prosseguirem de imediato com a citação edital de incertos tal como requerera, no sentido de os autos ficarem a aguardar que seja comprovado pelo ora recorrente as diligências efectuadas tendo em vista identificar os sucessores do falecido marido da ré ora habilitada. Concluindo: I- A acção proposta contra incertos não faz caso julgado quanto àqueles que não foram demandados. II- Um tal entendimento mantém-se actual. III- Daqui resultava bastar que o A. afirmasse - as pessoas a citar são incertas, ou não há interessados certos, ou a acção é dirigida contra incertos - para que o juiz devesse ordenar a citação por éditos, pois a lei dispensa a justificação, por parte do autor, de que as pessoas a citar são incertas, precisamente porque não impõe, como caso julgado, a quaisquer interessados, a sentença que vier a ser proferida na acção. IV- No entanto, a partir da revisão de 1995/1996, foi aditado no artigo 16.º, n.º1 do C.P.C., a expressão “ por não ter o autor possibilidade de identificar os interessados directos” e, assim sendo, nas acções contra incertos já não basta ao A. invocar o desconhecimento da identidade desses interessados incertos, impõe-se-lhe ainda o ónus de provar que efectuou diligências no sentido de identificar tais interessados. V- Pretende-se, assim, viabilizar o contraditório efectivo dada a quase inutilidade prática de, por via da citação edital, se conseguir o acesso ao processo desses interessados. Decisão: nega-se provimento ao recurso salvo no que toca à decisão em si de indeferimento liminar que se substitui por esta outra de os autos ficarem a aguardar que o ora recorrente comprove as diligências pertinentes tendo em vista a identificação dos demais sucessores sem prejuízo dos actos consequenciais, designadamente a interrupção da instância. Custas pelo recorrente Lisboa, 29 de Junho de 2006 (Salazar Casanova) (Silva Santos) (Bruto da Costa) |