Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5670/2007-8
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL COMUM
TRIBUNAL DO TRABALHO
ACORDO DE EMPRESA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/11/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: Compete aos tribunais do trabalho, e não aos tribunais comuns, conhecer do pedido deduzido pela entidade patronal de restituição de adiantamento da pensão de reforma que foi efectuado ao abrigo de cláusula constante de acordo de empresa

(o texto actual resulta de rectificação do anterior)

(SC)
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa :



1.   Transportes Aéreos Portugueses, SA, propôs, contra L. […] , acção seguindo forma sumária […]  pedindo a condenação do R. a restituir-lhe a quantia de 2.349.833$00, acrescida de juros legais, alegadamente àquele entregue, a título de adiantamento de pensão de reforma, no termo de contrato de trabalho existente entre ambos.

Contestou o R., excepcionando, nomeadamente, a incompetência do tribunal em razão da matéria - e concluindo pela sua absolvição da instância.
     
No despacho saneador, foi proferida decisão, considerando improcedente a excepção invocada.
   
Inconformado, dessa decisão, veio o R. interpor o presente agravo, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões :

-    Em consonância com a A., para a decisão que julga improcedente a excepção de competência em razão da matéria, é determinante a forma como o autor formula o pedido e os respectivos  fundamentos.

-    Contudo, não se pode levar tão longe este respeitável princípio doutrinário, sem interpretar o sistema e o sentido da lei, a atribuição da competência dos tribunais especializados, como é o Tribunal de Trabalho, sob pena de determinarmos a competência em razão de matéria fiscal como cível ou de família, porque o autor formulou o pedido e os fundamentos nesse sentido.
-  No presente caso, teremos que admitir e a própria
decisão assim o faz, que não é normal qualquer empréstimo ou mútuo, senão houvesse uma relação laboral entre os intervenientes.
      -   O que houve, não por força de contrato, boa vontade ou acordo de mútuo, foi um adiantamento, porque o mesmo está previsto no n° 7 da cláusula 1 e do regulamento de remunerações, reformas e garantias, inserto no Acordo de Empresa entre a TAP e o Sindicato de Pilotos da Aviação Civil.

     -  É, pois, um direito convencionado pelas partes, vinculadas, neste caso pelo respectivo AE, que deu obrigatoriamente direito a esse adiantamento, independentemente de qualquer outro acordo - sendo, para o efeito em causa, o mesmo totalmente irrelevante, mesmo que válido e sem vicissitudes, ao contrário do sucedido.

    -   Acontece que, posteriormente, para o encontro de contas, de parte a parte, é preciso que as mesmas cheguem a acordo sobre dívidas, pois caso não cheguem, conforme prescrito no art. 38º da Lei Geral de Trabalho - DL 49.408, de 24/11/69, qualquer das partes tem um ano a partir da cessação do contrato de trabalho para interpor a respectiva acção.
 
     -   E não pode existir qualquer dúvida, salvo melhor opinião, que a acção no presente caso tinha que ser interposta, nesse prazo e no Tribunal de Trabalho, conforme prevêem várias alíneas do art. 85º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, como as al. a), b) e o).

    -  Conforme documentos referidos, mais de um ano depois da indicada data de cessação da relação laboral, ainda havia dúvidas, que persistem, sobre o valor dos pagamentos efectuados por força de convenção de trabalho e sobre descontos indevidos e ajudas de custo relativos à mesma relação laboral.

   -   E não se venha, prescrita a acção em Tribunal de Trabalho, interpor em 2/5/2001, ou seja, praticamente quatro anos depois, uma acção por dívidas em Tribunal Cível fundamentando a competência deste tribunal em razão de matéria, com a figura de um "contrato de mútuo", ou "acordo de empréstimo", mesmo apoiando-se em acórdãos que nada tem a ver com a matéria em causa no caso presente

   -   Não fosse a relação laboral entre as partes e o prescrito na referida cláusula do Acordo de Empresa e a propalada "prática usual na empresa" de "mútuo ou "empréstimo" nunca existiriam, apenas e porque não têm qualquer razão de facto ou de direito em matéria cível mas única e exclusivamente laboral.

   -   Motivos  porque deve o presente agravo proceder, decidindo-se pela não competência do Tribunal Cível em razão de matéria, no caso concreto, o qual é estritamente resultante de uma relação laboral e da interpretação da cláusula de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho acima referida - o que, a não acontecer, obriga a discutir matéria laboral em foro de audiência cível para posterior prova do valor dos adiantamentos e restantes encontros de contas do foro laboral.

    Não foram apresentadas contra-alegações.

    Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    2.   Nos termos dos arts. 684º, nº3, e 690º, nº1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente.  
   
      A questão a decidir resume-se, assim, à apreciação da alegada incompetência material do tribunal recorrido.

    Em conformidade com o disposto no art. 85º b) da Lei 3/99, de 13/1 (LOFTJ), compete aos tribunais de trabalho o conhecimento das questões emergentes de relações de trabalho subordinado.

     De acordo com o entendimento jurisprudencial corrente (ac. STJ, de 18/11/2004, in www.dgsi.pt - SJ200411180038477),  a competência do tribunal em razão da matéria, no confronto do tribunal do trabalho com o tribunal de competência genérica ou a vara ou juízo cível é, pois, “essencialmente determinada à luz da estrutura do objecto do processo, envolvida pela causa de pedir e pelo pedido formulados na petição inicial, independentemente da estrutura civil ou laboral das normas jurídicas substantivas aplicáveis”.

   No caso concreto, constitui objecto da acção a restituição à A., ora agravada, de quantia entregue ao R. agravante, a título de adiantamento de pensão de reforma, no termo de contrato de trabalho existente entre ambos.

  Da própria petição inicial, desde logo resulta tratar-se aqui do reembolso, não de montante entregue a título de mútuo civil, mas antes - como claramente se intui do clausulado constante do acordo de empresa por aquela subscrito (cfr. doc. junto, a fls. 8) - de prestação efectuada no âmbito de relação, de natureza laboral, estabelecido entre as partes.

   Prestação essa, cuja ausência de restituição constitui, pois, a causa de pedir da pretensão por aquela formulada no processo.

   Ao invés do decidido, impor-se-ia, assim concluir que, derivando a questão submetida à apreciação do tribunal de relação de trabalho subordinado, se acha a mesma subtraída ao conhecimento da jurisdição comum.

3.   Pelo acima exposto, se acorda em, concedendo provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e, julgando o tribunal recorrido incompetente em razão da matéria,  absolver o R. da instância.
      Custas pela agravada.

Lisboa, 11 de Outubro de .2007

(Ferreira de Almeida - relator)
(Salazar Casanova - 1º adjunto)
(Silva Santos - 2º adjunto)