Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6321/2006-7
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
EXECUÇÃO
COMPETÊNCIA MATERIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/29/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Sumário: I - O conceito de execução de sentença a assumir relevo no domínio administrativo é necessariamente diferente do que se desfruta no âmbito do direito processual civil, uma vez que não se mostra eficaz utilizar a execução forçada judicial contra a Administração.
II -Com a entrada em vigor do DL 256-A/77, de 17 de Junho, foi instituído um sistema efectivo de garantia do particular ao direito à execução das sentenças administrativas a fim de fazer face às situações de inexecução, sistema esse que se consubstancia, na sua essência, numa forma de acatamento voluntário pelas autoridades administrativas das sentenças proferidas pelos tribunais administrativos, prevendo uma série de expedientes jurídicos (garantias) que visam reagir eficazmente contra as inexecuções ilícitas das decisões administrativas.
III - Tais garantias, para além da publicação das sentenças e da utilização das vias hierárquicas e tutelar, consistem: na faculdade de impugnar contenciosamente os actos de inexecução; na responsabilização dos penal dos agentes da administração; na responsabilidade civil da administração e seus agentes; na interferência do tribunal na realização dos pagamentos devidos.
IV – Tendo os exequentes obtido decisão anulatória, declaração de inexistência de causa legítima de inexecução e declaração judicial de especificação dos actos, operações e prazo para reconstituição da situação, e persistindo o incumprimento da C, impunha-se-lhes, em termos de via executiva administrativa, a acção indemnizatória a requerer no tribunal administrativo, os termos do art.º 11, do DL 256-A/77.

(GA)
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa,

I – Relatório

1. Em 20.05.97, aA requereram execução com processo ordinário e liquidação prévia contra C M/M DE L, pedindo que o Executado seja condenado a pagar aos Exequentes as quantias já liquidadas pela autarquia (prosseguindo de imediato a acção relativamente às mesmas), bem como as quantias que liquidam nos termos de anexos juntos ao requerimento inicial (fls. 174 a 432), acrescidas de juros de mora, bem como o pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, não inferior a 100.000$00/dia por cada Exequente, por cada dia de incumprimento.
     Invocam como título executivo decisões judiciais e documentos assinados pelo devedor. A saber:
- Decisões judiciais:
Ø Acórdãos (três) do STA (de 17.07.80, que deu provimento ao recurso de anulação que os aqui Exequentes interpuseram contra o despacho do MAI que lhes havia aplicado a pena de demissão do respectivo cargo; de 14.06.85 que considerou inexistir causa legítima de inexecução do acórdão anulatório; de 11.05.93, que determinou à C os seguintes prazos – 30 dias para deliberar no sentido da reintegração dos aqui exequentes nos cargos de cantoneiros eventuais assalariados, 3 meses para proceder à prática de todos os actos e operações necessários à reconstituição das carreiras, 3 meses para pagar aos exequentes os vencimentos e demais prestações de natureza pecuniária correspondentes à reconstituição da respectiva carreira);
- Documentos assinados pelo devedor:
Ø Despacho n.º 106/P/93, de 24/06/93, que determinava: a notificação dos Exequentes para retomarem as suas funções e respectivos postos de trabalho; a sua reintegração como cantoneiros de limpeza assalariados eventuais, no 1º escalão; as acções necessárias à reconstituição das carreiras e ao pagamento dos vencimentos;
Ø Cartas enviadas pela C anunciando aos Exequentes o pagamento dos montantes que indicava;
Ø Aviso publicado no DR de 16.04.94 declarando estar a pagamento quantias indicadas;
Ø Mapa de liquidação dos montantes devidos(fls. 147 dos autos)

2. Em 15 de Julho de 1997, os Exequentes e o Executado vieram juntar transacção (fls. 466 a 473) na qual este e em termos de acordo parcial, se obrigou, independentemente de homologação judicial, a pagar as quantias devidas já liquidadas (indicadas em 1). No n.º 2 do ponto 7 encontra-se consignado: “Declara a C que o presente acordo não implica o reconhecimento da competência do Tribunal para liquidação das restantes quantias nem o reconhecimento de quaisquer outros direitos invocados pelos exequentes”. Acordaram as partes na suspensão da instância até 30.09.1997. O acordo foi objecto de homologação por sentença de 16.07.97 (fls. 475/476).

3. De acordo com os termos da referida transacção a execução foi suspensa até 30.09.97.

4. Face ao falecimento de A R e após ter sido requerida a respectiva habilitação, foram julgados habilitados para prosseguirem os termos da execução E DA C, N R e J R (despacho de fls. 637).

5. Por despachos de fls. 655/659 foi concedido apoio judiciário aos Exequentes, com excepção de A M, A A, E T, R L, A A, A M e J D.

6. Os Exequentes vieram requerer (fls. 673/677) que a liquidação levada a cabo no requerimento inicial fosse considerada indiscutível por falta de oposição do Executado, bem como a devolução do direito de nomearem bens à penhora.

7. Em resposta (fls. 686/696) o Executado requereu a declaração da incompetência material do tribunal para a execução e o indeferimento do requerido pelos Exequentes com a extinção da instância face ao pagamento da quantia exequenda. 

8. Os Exequentes mantiveram o posicionamento assumido, pronunciando-se pelo indeferimento das nulidades e excepções invocadas pelo Executado (fls. 698/699).

9. Por despacho de fls. 709/710 entendeu-se que a citação do Executado para contestar a execução se mostrava desnecessária dada a sua intervenção expontânea nos autos, tendo sido ordenada a notificação da mesma para se opor à liquidação apresentada pelos Exequentes. Foi ainda decidido que o requerimento de fls. 686/696 se mostrava intempestivo e processualmente inadequado.

10. Por despacho de fls. 723 foi julgado procedente o incidente de liquidação deduzido pelos Exequentes, tendo sido fixada em 613.366.361$00 a quantia exequenda.

11. Arguida pelo Executado a nulidade do despacho de fls. 723 (que decidiu o incidente de liquidação) foi o referido incidente julgado procedente por despacho de fls. 865/867 que declarou a nulidade do despacho de 723 na parte que liquida o valor da quantia exequenda.

12. Realizada audiência preliminar (fls. 939/941 e 1789/1805) foi determinada a rectificação do requerimento inicial requerida pelos Exequentes no sentido de nela fazer incluir os Herdeiros de A M, tendo sido julgadas improcedentes as excepções suscitadas (incompetência material do tribunal, ineptidão do requerimento inicial, erro na forma de processo, falta de citação no processo administrativo) e proferida sentença que julgou procedente a liquidação e improcedentes os embargos, tendo fixado o pedido exequendo por referência a 31.05.2005 nos seguintes termos:
- – € 175.390,62,  — € 174.947,22,  — € 175.298,91,  — € 175.983,88,  — € 176.128,49, - € 176.237,44, – € 177.838,40,  – € 175.171,86,  – € 176.023,64, – € 175.596,49,  – € 177.597,26,  – € 175.729,71, – € 176.610,49,  – € 175.828,80,  – € 176.596,01, – € 175.175,62,  – € 175.336,29, – € 176.329,56, – € 176.053,97,  – € 178.434,07,  – € 177.601,84, – € 176.346,21 e – € 175.318,08”.

16. Inconformado o Executado veio agravar do despacho que determinou a inclusão dos herdeiros de Á Mo no requerimento executivo (fls. 1889) tendo ainda interposto recurso de apelação da sentença que decidiu a liquidação (fls. 1895).

17. Por despacho de fls. 1918 foi indeferido o pedido de litigância de má fé requerido pelos Exequentes relativamente ao Executado.

18. Conclui o Executado nas suas alegações do recurso de agravo interposto:
1. O douto despacho é nulo.
2. O juiz tomou conhecimento de questão que não podia apreciar uma vez que lhe não foi suscitada por nenhuma das partes, nem é de conhecimento oficioso.
3. A existência de eventual omissão de um exequente no requerimento executivo não afecta a regularidade da instância.
4. O Á M não faz parte do requerimento executivo como exequente, nem como outorgante do termo de transacção, nem foi jamais junta procuração subscrita pelo mesmo.
5. O facto de que o mesmo não era exequente e não devia constar do requerimento executivo foi expressamente declarado pelo subscritor do requerimento executivo como decorre de fls.488 e segs, pontos 4 e 5.
6. O Á M faleceu antes da entrada do requerimento executivo em juízo a 21.8.79, e no mesmo consta a menção de tal falecimento ( fls. 4).
7. Logo, á data da entrada do requerimento executivo em juízo (28.06.97) o referido Álvaro não tinha personalidade judiciária.
8. O mesmo nunca poderia assim ser parte na execução.
9. Não há, assim, qualquer lapso material na sua não inclusão como exequente no requerimento executivo.
10. Não existe qualquer divergência entre a vontade real e a declaração efectuada no requerimento executivo.
11. Para funcionar o disposto no art. 249° do C.Civil, era necessário que fosse ostensivo pela declaração que o mandatário quisesse colocar como exequentes os herdeiros de Á M, nada jamais tendo declarado acerca disso.
12. Não há elementos que possam indicar tratar-se sequer de um lapso, quanto mais um lapso ostensivo, susceptível de rectificação nos termos do art. 249° do C.Civil.
13. A inclusão no decorrer da execução de novas partes (exequentes ou executados) contraria o princípio da estabilidade da instância ( art. 268° do C.P.C.).
14. O processo executivo não se compadece com a inclusão no seu decurso de novas partes com a qualidade de exequentes ou de executados, a pretexto de erro material na redacção do requerimento inicial.
O douto despacho agravado violou os arts 249° do C.Civil, 56°, 264° n°2, 265°, 268° e do C.P.C.

19. Na apelação o Executado concluiu:
1. O tribunal comum é materialmente incompetente para apreciar e julgar a presente causa;
2. O Acórdão anulatório, e o que fixou á Administração Pública os actos, operações e prazo de execução, apenas constituiu o Apelante no dever de prestar factos infungíveis;
3. Integrando os Acórdãos do STA uma condenação para prestação de facto infungível, o eventual incumprimento do Apelante tem como consequência a conversão em direito a indemnização;
4. A que acrescem as de âmbito disciplinar e penal (cfr. art 11° n°1 e 3 do D-L n° 256/77 de 17 de Junho);
5. No processo que correu os seus termos no Supremo Tribunal Administrativo sob o n° 11.027, não foi deduzido qualquer pedido de indemnização pelos apelados;
6. E, em consequência, inexiste condenação do Apelante no pagamento de quantia certa, liquida ou por liquidar;
7. O Acórdão do STA de 11.5.93, dado à execução, não condena o Apelante no pagamento de qualquer quantia, mas, tão só, fixa as operações e actos a praticar por este;
8. O STA, em Acórdão de 25.2.97, confirma este entendimento de que a condenação em quantia inexiste e, igualmente, não existe nenhum pedido indemnizatório contido no Acórdão de 11.5.93 dado á execução;
9. Declarou, por outro lado, finda a instância executiva, afirmando que esta, in casu, se encontrava realizada;
10. E ainda que não há execução de execução;
11. Os tribunais comuns não são instâncias de recurso das decisões proferidas em processo executivo pelo Supremo Tribunal Administrativo;
12. O Tribunal Administrativo é o único competente para apreciar o eventual incumprimento dos Acórdãos acima referidos por aplicação das normas de competência que lhe são cometidas pela alínea n) do artigo 26° e alínea n) do artigo 51° do Decreto-Lei n.° 129/84, de 27 de Abril, no caso do pedido correr por apenso, consoante a acção de anulação corra no Supremo Tribunal Administrativo ou no Tribunal Administrativo de Círculo; alínea h) do artigo 26 º do Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, no caso de acção de indemnização autónoma;
13. Mesmo que se considerasse existir uma condenação em quantia certa, a competência seria do Tribunal Administrativo por aplicação da alínea n) do art. 51° do Decreto-Lei n.° 129/84, de 27 de Abril, ou por via do artigo 90° do C.P.C., aplicável ex vi artigo 1° do Decreto-Lei n.° 267/85, de 16 de Julho, conjugado com a alínea j) do artigo 51° do Decreto-Lei n.° 129/84, de 27 de Abril.
14. A norma do art. 74° do D-L 267/85 de 16 de Julho é inconstitucional, se com ela se pretende fixar a competência dos tribunais comuns, por violação da reserva de competência exclusiva da Assembleia da Republica na organização e competência dos tribunais (art. 165°n°1 al.p) da CRP) e (cfr Ac STA de 14.11.96 in Cadernos de Justiça Administrativa, n°5, 1997, pag 13 e segs);
15. É inconstitucional o art. 66° do C.P.C. e o art. 18° da Lei n°3/99 de 13 de Janeiro, interpretada, como na sentença apelada, no sentido de permitir que sejam objecto de execução nos tribunais comuns, acórdãos (ou sentenças) pro0feridos pelos tribunais administrativos anulatórios e de especificação dos actos, operações e prazos de execução desses actos e operações quer condenem, ou não, em quantia certa;
16. .A incompetência absoluta em razão da matéria, é uma excepção dilatória que determina a absolvição da instância e fundamento de indeferimento liminar do requerimento executivo (art° 811-A do C.P.C.);
17.  Os pretensos títulos executivos apresentados são inexequíveis, por o seu eventual incumprimento apenas poder ser objecto de apreciação em acção de indemnização autónoma ou por apenso;
18. Os mesmos não contêm qualquer condenação no pagamento de quantia certa, liquida ou por liquidar;
19. Indicam, tão só, e nos termos da lei, que actos e operações deviam ser praticados pelo Apelante;
20. Os Apelados bem sabiam e sabem que os referidos Acórdãos não contêm os pedidos que formularam na execução, de actualização monetária, juros, etc.;
21. Eles próprios o afirmaram em 8.11.96 (fls. 42 a 45 do processo 11.027-B do STA) e que iriam, para tal, formular tais pedidos em acção indemnizatória autónoma, o que nunca chegaram a fazer;
22. Os apelados tinham três anos para requerer a indemnização que entendessem (D-L n° 256-A/77 de 17 de Junho, art.11° n°1, art. 71 n°2 e 96 al.b) do D-L 267/85 de 16 de Julho e 498° do C.Civil); O Acórdão de 11.5.93 transitou em Julgado em Maio de 1993, pelo que em Fevereiro de 1997, já havia caducado tal direito;
23. O Acórdão de 11.5.93 transitou em julgado em Maio de 1993, pelo que em Fevereiro de 1997, já havia caducado tal direito;
24. Os apelados nunca pediram no processo administrativo o que ora peticionaram sob a capa de liquidação;
25. Nunca antes houve o contraditório dos mesmos;
26.  O Apelante nunca interveio no processo administrativo, até à prolação do Acórdão de 11.5.93, que fixou os actos, operações e prazos a que o mesmo devia dar cumprimento;
27. Pelo que, o pretenso título que dão à execução (Ac STA de 11.5.93), nunca os poderia conter, como não contém;
28. Nunca foi verificada a impossibilidade de cobrança através da requisição prevista no n°2 do art. 12° do D-L 267/85 de 16 de Julho;
29. Mesmo que se entendesse ser aplicável e constitucional a norma do art. 74° do D-L 267/85 de 16 de Julho, falta aquele pressuposto processual para que o título seja exequível;
30. A inexequibilidade do título implica o indeferimento liminar da execução (art. 811-A do C.P.C.);
31. A sentença é nula (art. 668° n°1 als b) e c) do C.P.C.);
32. Na medida em que não contém a fundamentação porque entende que o acórdão do STA de 11.5.93 não está cumprido;
33. Sendo que o mesmo foi já proferido em execução administrativa;
34. E como referido pelo STA, não há execução de execução;
35. Ao dizer que a competência para julgar a causa é do tribunal administrativo e decidir aplicar o art.66° do C.P.0 referente á competência residual dos tribunais, resulta a oposição manifesta entre os fundamentos e a decisão;
36. O Acórdão do STA de 11.5.93 foi integralmente cumprido pelo Apelante;
37. Os pagamentos efectuados pelo Apelante são os que resultam como o acto a praticar por este conforme o douto Acórdão do STA de 11.5.93 e em total observância do que lhe foi imposto no mesmo, ou seja, nos termos do n°4 do art. 538° do C.Administrativo, e exactamente no valor quantificado pelos apelados em 2.4.96 (req. de fls. 2 a 5 do Proc.11.027-B do STA);
38. O Apelante pagou o que tinha de pagar e consumiu integralmente a obrigação que constava dos Acórdãos do STA;
39. O pagamento é uma excepção peremptória que determina a absolvição do pedido e a extinção da execução;
40. Não estão contidas nos Acórdãos as quantias ilíquidas que permitam a liquidação constante dos pedidos referidos no requerimento executivo, pelo que a execução dever ser rejeitada por manifesto excesso;
41. Ao deferir o pedido do requerimento executivo, a sentença condenou para além do determinado no Acórdão do STA de 11.5.93; A sentença apelada erra ao deferir a actualização monetária nos termos dos arts 551° e 562° do C.Civil, por não estar prevista legalmente qualquer excepção que a permita, e por nunca ter sido determinada a responsabilidade civil do Apelante, nomeadamente, quanto aos pressupostos do dano e da culpa;
42. A sentença apelada erra ao deferir a actualização monetária nos termos dos arts. 551º e 562 do C. Civil, por não estar prevista legalmente qualquer excepção que a permita, e por nu nunca ter sido determinada a responsabilidade civil do Apelante, nomeadamente, quanto aos pressupostos do dano e da culpa; 
43. O Acórdão do STA de 11.5.93, apenas define os actos, operações e prazos a praticar e determina como se faz a reconstituição da situação hipotética se o acto ilegal não tivesse sido praticado;
44. Inexiste acto posterior que defina em que consiste tal reconstituição;
45. O Acórdão do STA formou caso julgado quanto à forma de proceder á reconstituição, não podendo os limites que ali definiu, serem ultrapassados;
46. 6.0 Apelante colocou de imediato e notificou os exequentes para o recebimento das quantias, pelo que não houve lugar a mora e consequentemente de obrigação de pagamento de juros;
47. Não há lugar a capitalização de juros, conforme decidiu a sentença, pois não foram requeridas nem realizadas anualmente as necessárias notificações ao Apelante obedecendo ao prazo previsto no n°2 do art. 560° do C.Civil, onde constasse a vontade de capitalizar e se concedesse, em alternativa, a possibilidade de pagar. ( cfr. art. 560° n°1 do C.P.C.);
48. Os apelados bem sabiam que os pedidos executivos que formulam nesta execução (actualização monetária, juros etc), não tinham sido por eles pedidos no processo administrativo e que o acórdão do STA de 11.5.93 não os contemplava;
49. Deduziram, assim, pretensão cuja falta de fundamento não ignoravam;
Por conseguinte,
A douta sentença recorrida violou os arts.165° n°1 al.p), (anterior art. 168° n°1 al.q), 212° n°3 (anterior art. 214°) da Constituição da República Portuguesa; art. 51° als. j) e n), do D-L n° 129/84 de 27 de Abril, arts 7° a 12° do D-L n° 256-A/ 77 de 17 de Junho, art. 74° do D-L- n° 267/85 de 16 de Julho, art. 538° n°4 do C.Administrativo, art. 18° da Lei 3/99 de 13 de Janeiro, art. 551° e 560° n°s 1 e 2, 562° do C.Civil, arts. 3°n°1 e 2, 66°, 90°, 493° n°2, 661°, 673°, 668° n°1 als b) e c), 811° n°1 als a) e b) todos do C.P.C.

20. Em contra alegações os Exequentes pronunciam-se pela manutenção da sentença de liquidação requerendo a condenação do Exequente como litigante de má fé.

II – Enquadramento fáctico

Para além do que consta do relatório e de acordo com os elementos documentais constantes dos autos, consignam-se as seguintes ocorrências com relevância para o conhecimento do recurso:
Ø Os Exequentes requereram a anulação do despacho de 03.07.1977, proferido pelo Ministro do MAI que lhes aplicou a pena de demissão das funções de cantoneiros de limpeza (processo n.º 11.027);
Ø Por acórdão de 17.07.1980, o STA deu provimento ao recurso, anulando o despacho recorrido por vício de forma;
Ø Em face do decidido neste acórdão e com fundamento na manutenção das razões que levaram à apreciação da conduta dos funcionários, por despacho do MAI de 30.09.1980 foi determina a instauração de processo disciplinar aos Exequentes, suspendendo-os preventivamente das respectivas funções;
Ø Por apenso ao referido acórdão, os Exequentes requereram a declaração de inexistência de causa legítima de inexecução do respectivo acórdão;
Ø Por acórdão de 14.06.1985, o STA, nos termos do art.º 9, n.º1, do DL 256-A/77, de 17.06, julgou não existir causa legítima da inexecução do acórdão de 17.07.1980;
Ø Em 03.06.1986, os Exequentes, ao abrigo do art.º 9, n.º1 (2ª parte), do DL 256-A/77, de 17.06, requereram a efectivação de actos e operações para a execução do acórdão;
Ø Por acórdão de 11.05.1993, o STA, em execução do acórdão de anulação de 17.07.1980, determinou à C que praticasse os seguintes actos e operações:
     “a) No prazo de 30 dias contado da notificação do presente acórdão, delibere no sentido de reintegrar os 23 primeiros dos ora requerentes nos cargos de cantoneiros eventuais assalariados que exerciam em 3.7.75 e de dar sem efeito a suspensão de exercício e vencimento por 90 dias aplicada aos 2 últimos daqueles por despacho do Ministro da Administração Interna de 3.7.75.
b) no prazo de 3 meses contado do prazo referido na alínea anterior, proceder à prática de todos os actos e operações necessários à reconstituição das carreiras dos 23 primeiros requerentes, por forma a que elas venham a corresponder às que existiriam se o acto do Ministro da Administração Interna de 3.7.75 não tivesse sido praticado.
c) Pagar aos 23 primeiros requerentes, no prazo assinalado na alínea anterior, os vencimento e demais prestações de expressão pecuniária correspondentes à reconstituição das respectivas carreiras feita nos termos da mesma alínea, pagando ainda no mesmo prazo aos 2 últimos requerentes, os vencimentos pelo tempo de 90 dias que estiveram suspensos de exercício e vencimento, por força do aludido despacho ministerial de 3.7.75.”;
Ø Em 24.06.1993, foi publicado no Diário Municipal o despacho n.º 106/P/93, do vereador V (em delegação do Presidente) que, em execução do referido acórdão, determinou ao Departamento de Gestão de recursos Humanos da C que procedesse entre outros, aos seguintes actos: notificação dos cantoneiros de limpeza para, no prazo máximo de 20 dias úteis, retomassem as respectivas funções no seus postos de trabalho; promoção das acções necessárias à reconstituição da carreira e pagamento dos vencimentos, até 29 de Setembro de 1993;
Ø Em Março de 1994, a C enviou as cartas que constam de fls. 109 a 121 dos autos, notificando-os de que se encontravam a pagamento os montantes (que indica) dos vencimentos em dívida;
Ø Com o mesmo propósito e relativamente a alguns dos aqui exequentes (tidos por ausentes em parte incerta), a C fez publicar em DR 2ª série, avisos de estarem a pagamento as quantias relativas aos vencimentos em divida;
Ø  Os Exequentes requereram em tribunal a intimação da C para proceder à passagem de certidão da deliberação ou do despacho que, em execução do acórdão do STA, procedeu ao apuramento e liquidação individualizada dos vencimentos e quantias com direito a receberem, tendo o tribunal, em deferimento do requerido, ordenando a passagem da pretendida certidão, no prazo de dez dias;
Ø Em 2.04.1996, os Exequentes, por apenso ao processo n.º 11027, nos termos do art.º 12, do DL 256-A/77, vieram requerer que o pagamento dos seus vencimentos fosse feito mediante requisição ao Conselho Superior da Magistratura (descriminando as quantias a pagar a cada um);
Ø Em resposta a C alega a total falta de fundamento da pretensão dos Requerentes, afirmando ter procedido ao cumprimento do determinado no acórdão de 11.05.1993. Referiu ainda que o expediente utilizado não constituía o meio processual próprio para a dedução de pedido de indemnização;
Ø O STA indeferiu o requerido por acórdão de 25.02.97 ponderando: “Proferido que foi o acórdão de fls. 327 e segs entretanto transitado em julgado, que fixou os actos e operações nos termos do n.º2 do DL 256-A/77, de 17 de Junho, a praticar pela CM em sede de execução do acórdão de 17.7.80 (rec n.º 11.027), extinguiu-se a instância executiva respectiva. Não há, pois, execução de execução. As consequências do incumprimento, por parte da Administração, do determinado em sede executiva pelo tribunal, são apenas no âmbito disciplinar, penal ou de responsabilidade civil (art. 11, n.º1 e 3 daquele DL 256-A/77), a extrair pelo interessado através do meio próprio e não da instância executiva que se encontra realizada no caso. Não têm pois, fundamento legal, no presente processo, as diligências que os requerentes pretendem que o tribunal – uma vez proferido o acórdão a fixar os actos e operações de julgado do ac. 17.07.80 – venha a realizar, em ordem a indagar se a entidade requerida (C.M Lx) praticou ou não, nos prazos que naquele primeiro aresto foram consignados, os actos e operações nele discriminados. (…) Termos em que se indefere o requerimento de fls. 2 e segs.

III – Enquadramento jurídico

Encontram-se submetidos à apreciação deste tribunal dois recursos interpostos pelo Executado:
- agravo despacho que determinou a inclusão dos herdeiros de A M no requerimento executivo
- apelação da sentença que decidiu a liquidação.
Não obstante o disposto no art.º710, n.º1, do CPC, uma vez que na apelação o Executado suscita a questão da competência material do tribunal para o conhecimento da execução, por se tratar de um pressuposto processual indispensável para o conhecimento das demais questões, caberá conhecê-la em primeiro lugar.
     Conforme resulta do processo, a questão da (in)competência material do tribunal comum para a presente acção executiva foi desde logo suscitada pelo Apelante na resposta (em 19.02.2003) ao requerimento dos Exequentes solicitando o prosseguimento da execução[1] e, posteriormente, na oposição à execução.
      O tribunal a quo considerou-se materialmente para conhecer da execução ponderando a esse respeito:
     “Por acórdão proferido em 11.05.93, o Supremo Tribunal Administrativo condenou a C Municipal de Lisboa a pagar aos ora exequentes, no prazo de três meses contados da notificação do acórdão os vencimentos e demais prestações de expressão pecuniária correspondentes à reconstituição da respectiva carreira.
A execução de tal decisão seria da competência dos tribunais administrativos. Todavia, por acórdão proferido em 25.2.97, junto a fls. 167-173, o Supremo Tribunal Administrativo declarou que a instância executiva administrativa encontrava-se finda. E tomou tal decisão sem que o acórdão de 11.5.93 estivesse integralmente cumprido. Consequentemente, finda a via executiva administrativa, resta a via executiva comum, por força da regra da competência residual dos tribunais comuns – art.º 66 do Código de Processo Civil e art.º 18º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro. Repare-se que a via executiva comum não pode ser negada porque a todo o direito corresponde uma acção – art.º 2º, n.º2 do Código de Processo Civil. Por forma a evitar uma situação de denegação de justiça. Repare-se que se trata de um princípio com assento constitucional – art.º 20º da Constituição da República Portuguesa. Pelo exposto, julgo improcedente a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria.
     Defende o Apelante a incompetência material do tribunal comum para a execução, sustentado nos seguintes argumentos:
- por os Exequentes não disporem de qualquer condenação em quantia certa (líquida ou por liquidar), integrando os acórdãos proferidos pelo STA (o anulatório e o que fixou à C actos e operações e prazo de execução) uma condenação de facto infungível;
- por o eventual incumprimento dos mesmos apenas ter como consequência (para além das de âmbito disciplinar e penal) a conversão em direito a indemnização, por força do disposto no art.º 11, n.º1, do DL 256-A777, de 17.06, cabendo apenas aos tribunais administrativos a competência para julgar tal pedido (art.º 26, alínea h), do DL 129/84, de 27.04);
- por se encontrar finda a instância executiva nos tribunais administrativos e os  tribunais comuns não serem instâncias de recurso das decisões proferidas em processo executivo pelo Supremo Tribunal Administrativo;
- ainda que se entendesse existir uma condenação em quantia certa, a competência para a execução caberia sempre ao tribunal administrativo por força do disposto no art.º 51, alínea n), do DL 129/84, de 27.04, ou por via do art.º 90, do CPC, aplicável ex vi artigo 1º do DL 267/85, de 16.07, conjugado com a alínea j) do art.º 51 do DL 129/84, de 27.04.
- não poder a norma constante do art.º 74 do DL 267/85, de 16 de Julho, fundamentar a competência dos tribunais comuns por a mesma se mostrar inconstitucional por violação da reserva relativa de competência legislativa.
     Por sua vez os Apelados argumentam no sentido da manutenção da decisão recorrida invocando:
- encontrar-se a questão da competência material do tribunal comum definitivamente decidida e ultrapassada com o proferimento da sentença homologatória do acordo celebrado entre as partes (quer porque precludiu o momento processual próprio para arguição da excepção, quer porque o Apelante renunciou à impugnação, ainda que tacitamente);
- estar em causa nos autos uma situação de competência residual (em segunda linha) do tribunal comum para apreciar a execução nos termos do art.º 74, por se tratar de uma execução por quantia certa e por se encontrar demonstrado que foi esgotada a possibilidade de cobrança através da requisição prevista no n.º2 do art.º 12º do DL 265-A/77, de 17.06, isto é, a possibilidade da via executória administrativa.
     Vejamos:

1. Conforme decorre do art.º 211, da CRP, o nosso sistema judicial não é unitário sendo constituído por várias categorias de tribunais que e de acordo com as normas constitucionais (art.ºs 210 a 214), são distintas entre si, com estruturas e regimes próprios.
     Nas categorias constitucionalmente previstas e tendo presente o que aqui nos interessa face à questão sob análise, refira-se a dos tribunais judiciais e a dos tribunais administrativos e fiscais que, abrangendo, em ambos os casos, um conjunto mais ou menos vasto de tribunais entre si estruturados hierarquicamente, são independentes e autónomas uma da outra o que passa, para além do mais, pela repartição de competências assente, à partida, em critérios objectivos que se reportam consequentemente à natureza das questões submetidas à apreciação.
     A categoria dos tribunais judiciais caracteriza-se não só por dela fazerem parte os tribunais comuns em matéria cível e criminal, como também por estes deterem uma competência jurisdicional residual que se traduz no estender da sua competência a todas as áreas que não sejam atribuídas a outras categorias de tribunais[2].
O art.º 212º, da CRP (o anterior 214º de teor idêntico), vem delimitar o âmbito de competência dos tribunais administrativos referindo expressamente que aos mesmos compete dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas.
     Desde logo, e face às normas constitucionais, e na sequência da revisão constitucional operada pela LC1/89, a competência dos tribunais administrativos deixou de ser especial ou excepcional face aos tribunais judiciais, tidos tradicionalmente como tribunais comuns, podendo desta forma serem considerados como os tribunais ordinários de justiça administrativa[3], cabendo-lhes assim o julgamento de quaisquer acções (ou recursos) que tenham por objecto a resolução de litígios resultantes de relações jurídicas administrativas, pelo que uma questão de natureza administrativa pertencerá sempre à ordem judicial administrativa a não ser que esteja atribuída outra jurisdição[4]
     Surge-nos assim como bom o entendimento que a competência dos tribunais administrativos abrange todos os litígios com origem em relações jurídicas que nascem e se desenvolvem à luz do direito administrativo, numa dupla vertente, um dos sujeitos, pelo menos, é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público administrativo, ou a relação jurídica é regulada pelas normas do direito administrativo, na vertente material, ficando de qualquer das formas excluídos os conflitos puramente privados, ou de cariz meramente juridico-civilísta[5].
     A mesma conclusão se pode retirar do disposto nos art.ºs 3, 4, n.º1, al. f), do ETAF.
     Refira-se ainda que as relações jurídicas administrativas reportam-se essencialmente, e em termos gerais, às relações jurídicas entre a Administração e os particulares, desde que públicas, ou reguladas pelo direito administrativo, isto é, aquelas em que pelo menos um dos sujeitos actua investido de autoridade pública, visando a realização de um interesse público que se encontra legalmente definido ou protegido.
     Todavia, o recurso contencioso enquanto instrumento para a função que se lhe encontra destinada – fiscalizar a legalidade dos actos administrativos, anulando-os se forem contrários à lei – só poderá cabalmente cumprir a sua tarefa se as respectivas sentenças forem respeitadas e cumpridas pelas autoridades administrativas.

2. No domínio da jurisdição administrativa, a problemática relativa à executoriedade das decisões assumiu desde sempre grandes dificuldades, especialmente no que se refere às sentenças anulatórias, atendendo o facto de estar em causa a imposição de uma entidade munida de autoridade pública e em que a executoriedade das decisões depende essencialmente de factores extrajurídicos[6].
Nessa medida, o conceito de execução de sentença[7] a assumir relevo no domínio administrativo é necessariamente diferente e não assume a importância do que se desfruta no âmbito do direito processual civil, que é o da execução forçada, pela simples razão de que não é eficaz utilizar a execução forçada judicial contra a Administração pois que o emprego da força não pode ser dirigido contra quem o detém nas mãos[8].     
Com a entrada em vigor do DL 256-A/77, de 17 de Junho (regime aplicável à situação sob apreciação[9]), foi instituído um sistema efectivo de garantia do particular ao direito à execução das sentenças administrativas a fim de fazer face às situações de inexecução, sistema esse que, obviamente, não passa pela lógica do conceito de execução do direito processual civil (o da execução forçada) em virtude da especificidade das relações jurídicas que estão em causa e que têm por subjacente a qualidade de autoridade pública de um dos sujeitos. 
Desta forma, o conceito de execução no domínio da jurisdição administrativa, de acordo com o regime estabelecido no citado diploma, consubstancia-se, na sua essência, numa forma de acatamento voluntário pelas autoridades administrativas das sentenças proferidas pelos tribunais administrativos (no citado diploma acentua-se, desde logo, a identidade entre a noção de execução e de cumprimento - cfr. art.ºs 6, n.º2 e 11, n.º3), prevendo uma série de expedientes jurídicos (garantias) que visam reagir eficazmente contra as inexecuções ilícitas das decisões administrativas.
As garantias previstas no nosso sistema (reportado ao DL 256-A/77, que, conforme vimos, é o tem aplicação no caso dos autos) que funcionam como meios de levar a Administração a executar as sentenças dos tribunais administrativos são, para além da publicação das sentenças e da utilização das vias hierárquicas e tutelar:
- a faculdade de impugnar contenciosamente os actos de inexecução (averiguação da existência de causas legítimas de inexecução e declaração judicial dos actos devidos – respectivamente art.ºs 7, n.º1 e 9º, do DL 256-A/77);
- a responsabilização dos penal dos agentes da administração (art.º 11, n.º3, do DL 256-A/77);
- a responsabilidade civil da administração e seus agentes (art.º 11, n.º1, do DL 256-A/77);
- interferência do tribunal na realização dos pagamentos devidos (art.º 12º, do DL 256-A/77).   

O caso sub judice
Tendo-se presente o “regime de execução” a respeitar no âmbito da jurisdição administrativa e compulsados os autos, evidencia-se que o posicionamento dos Exequentes (ao defenderem a competência do tribunal judicial comum para efectiva satisfação das suas pretensões), secundado pela sentença recorrida, assenta num pressuposto incorrecto: assumir o acórdão do STA de 11.5.1993 a natureza de uma decisão de condenação em quantia certa (ainda que ilíquida) e ter sido esgotada a via executiva administrativa.
     Na verdade, tendo obtido a anulação do despacho do então Ministro do MAI, que os havia demitido das funções que exerciam na C (cantoneiros de limpeza), através do acórdão do STA de 17.07.1980, os aqui Exequentes requereram e obtiveram procedência, por meio do acórdão do STA de 16.05.1985, quanto ao pedido de declaração de inexistência de causa legítima de inexecução da decisão de anulação.
     Em 03.06.1986 e ao abrigo do art.º 9, n.º1 (2ª parte), do DL 256-A/77, de 17.06, os Exequentes requereram a efectivação de actos e operações para a execução do acórdão, tendo obtido procedência por acórdão do STA de 11.05.1993, que determinou à C a prática dos actos e operações que se consubstanciavam em deliberar a respectiva reintegração no prazo de 30 dias e no prazo de 3 meses praticar os actos e operações necessários à reconstituição das carreiras e pagar os vencimentos e demais prestações de expressão pecuniária correspondentes à reconstituição das respectivas carreiras.
     Em Abril de 1996, os Exequentes apresentaram requerimento pretendendo que o pagamento dos vencimentos fosse efectuado através do CSM, tendo o STA decidido no sentido de inexistir fundamento para o pretendido pois que as consequências do incumprimento por parte da C teriam de ser levadas a cabo através de meio próprio por serem do âmbito disciplinar, penal ou da responsabilidade civil.
     Verifica-se pois que aos Exequentes, depois de terem obtido decisão anulatória, declaração de inexistência de causa legítima de inexecução e declaração judicial de especificação dos actos, operações e prazo para reconstituição da situação, persistindo o incumprimento da C, impunha-se-lhes, em termos de via executiva administrativa, a acção indemnizatória a requerer nos termos do art.º 11, do DL 256-A/77 (por apenso no processo ou mesmo em processo autónomo).
Antes da obtenção de uma decisão sobre pedido de indemnização por incumprimento (responsabilidade civil da entidade pública), não dispõem os Exequentes de qualquer título de condenação em quantia certa[10], já que o acórdão que os mesmos indicam como título e fundamento da presente execução (datado de 1993), indubitavelmente, impôs à C prestações de facto infungível que só a mesma poderia cumprir.
     Constata-se, assim, que os aqui Exequentes omitiram, de todo, meio processual indispensável no âmbito da jurisdição administrativa pois não deduziram qualquer pedido de indemnização por inexecução da decisão anulatória, não tendo, por isso, obtido decisão judicial quanto aos danos e montante indemnizatório por incumprimento da C (aspecto, aliás, salientado no acórdão de 25.02.1997 proferido na sequência do requerimento apresentado onde solicitavam ordens de pagamento ao Conselho Superior da Magistratura, nos termos do art.º 12 do DL 256-A/77).
     Inexiste pois qualquer condenação da C no pagamento de quantia certa (líquida ou a liquidar) e não foram esgotados os meios ao alcance da via executiva administrativa que, de algum modo[11], pudesse justificar a intervenção da via executiva dos tribunais comuns.
     Falece, por isso, a fundamentação do tribunal a quo para sustentar a competência material do tribunal para o conhecimento do pedido exequendo.
     Por fim e relativamente aos argumentos apresentados pelos Apelados visando a manutenção da decisão recorrida, cumpre fazer referência ao invocado quanto à circunstância da questão da competência material do tribunal comum se encontrar definitivamente decidida e ultrapassada com o proferimento da sentença homologatória do acordo celebrado entre as partes.
Primeiramente, há que fazer salientar que a competência material, neste âmbito, reporta-se a matéria que se encontra subtraída à vontade das partes (cfr. art.º 100, do CPC). Estão assim em causa normas imperativas, de interesse público, que não podem ser afastadas pela vontade das partes, encontrando-se estas impedidas de, relativamente a ela, poderem dispor.
Por outro lado e no que se refere à natureza e extensão dos efeitos da sentença homologatória proferida nos autos, contrariamente ao invocado, a mesma limitou-se a chancelar ou autenticar um acordo estabelecido entre as partes, deixando incólume quaisquer outras questões subjacentes à instauração da presente execução, designadamente a problemática da competência material do tribunal comum para apreciação do pedido exequendo que, aliás, nos termos de cláusula ínsita no referido acordo, a C, expressamente, fez preservar o direito de a poder invocar e discutir no processo.
Desta forma, carecendo as partes de poderem dispor da matéria sobre a competência material do tribunal (designadamente através de renúncia ao direito de a excepcionar) e uma vez que não se verifica no caso o proferimento de decisão transitada em julgado sobre o fundo da causa, não ocorreu qualquer preclusão quanto à possibilidade de arguição e de apreciação da referida excepção de (in)competência material do tribunal, atento ao que estatui o art.º 102, do CPC. 
O Tribunal Administrativo é pois o único materialmente competente para apreciar do alegado incumprimento dos acórdãos proferidos.
Procedem, assim e na sua totalidade, as conclusões das alegações do Apelante, impondo-se declarar o tribunal comum materialmente incompetente para o conhecimento da pretensão dos Exequentes.

IV – Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em dar provimento ao recurso e, julgando procedente a excepção de incompetência material do tribunal arguida pelo Executado, declaram incompetente, em razão da matéria, o tribunal comum, absolvendo a Executada da instância executiva.
     Custas pelos Exequentes, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.       


Lisboa, 29 de Maio de 2007

Graça Amaral
Orlando Nascimento
 Ana Maria Resende
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[1] Não tendo, na altura, sido objecto de apreciação pelo tribunal a quo.
[2] A LOFTJ (quer a actual quer a anterior) atribui aos tribunais judiciais as causas que não sejam concedidas a outras ordens jurisdicionais – art.º 14, da Lei 38/87, de 23.12 e art.ºs 18, da Lei 3/99, de 13.01.
[3] Neste sentido, J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, Coimbra 1993, pág. 813 e seguintes.
[4] Fala-se assim que o legislador constitucional consagrou os tribunais administrativos como tribunais comuns em matéria administrativa, cfr. acórdão do STA (P) de 30 de Maio de 1996, in Jurisprudência Administrativa Escolhida, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, 1999, pág. 831 e Seg.
[5] Cfr .neste sentido J. J. Canotilho e Vital Moreira, obra citada, pág. 815.
[6] A questão da eficácia do sistema de execução das sentenças administrativas passa sobretudo pela possibilidade do órgão jurisdicional poder impor de facto sanções legais para situações de inexecução ilícita da sentença sem que o Poder se sinta capaz de afastar de si próprio e em concreto, a aplicação do Direito – cfr. Diogo Freitas do Amaral, em A Execução Das Sentenças Dos Tribunais Administrativos, 2ª edição Almedina, pág.13.
[7] A palavra execução reportada à sentença pode ser empregue em dois sentidos diferentes – enquanto execução voluntária (sujeito contra quem a sentença foi proferida cumpre voluntariamente a decisão tomada na sentença) e como execução forçada (actividade pela qual se impõe coercivamente a decisão mesmo contra a vontade do respectivo sujeito).   
[8] Tal como faz salientar Freitas do Amaral, dado que são muitas as formas pelas quais a Administração activa pode violar o dever de executar as sentenças contra ela proferidas pelos tribunais administrativos, impunha-se que o direito positivo criasse um sistema uniforme de soluções que redundasse em eficácia para os particulares – cfr. obra citada, pág. 193/194.  
[9] O requerimento de execução deu entrada em juízo em 20.06.1997. A Lei 15/2002, de 22.02 revogou o DL 256-A/77, de 17 de Junho, com efeitos a 01.01.2004. 
[10] Daí e desde logo a inaplicabilidade do art.º 74, do DL 267/85, de 16 de Julho, independentemente da apreciação da sua (in)constitucionalidade.
[11] Nos termos do art.º 66, do CPC, conforme justificou a sentença recorrida.