Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
183/2008-3
Relator: DOMINGOS DUARTE
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
ALCOOLÉMIA
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/20/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Sumário: Verifica-se o vicio a que alude a alínea c) do n.º 2 do art.º 410º CPP – erro notório na apreciação da prova – quando na sentença se indica como taxa de alcoolemia de que se encontrava afectado condutor de veiculo automóvel um valor inferior, resultante de correcção por aplicação de margem de erro dos alcoolímetros divulgada por oficio da DGV, ao valor apresentado pelo alcoolímetro no momento da realização do teste de alcoolímetro.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.

I – No âmbito do processo comum singular n.º 511/05.1PTLRS, do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Loures foi o arguido F…., aí devidamente identificado, julgado e condenado, como autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível, pelo art. 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo a multa global de € 420,00 (quatrocentos e vinte euros) e, ainda, ao abrigo do art. 69.º, n.º 1, al. a), do mesmo diploma legal, na proibição de condução de veículos motorizados, pelo período de 3 meses e 15 dias (três meses e meio).
***
II – Inconformado com a predita decisão, dela recorreu o Digno Magistrado do Ministério Público tendo formulado as seguintes (transcritas) conclusões:
1º - A M.ma Juíza ao entender dar como provada a taxa de álcool no sangue de 1,67 g/l, evocando a dedução do valor de erro máximo admissível, nos termos de ofício emanado da D.G.V., afastando a aplicação da T.A.S. apurada no teste pericial junto aos autos de 1,81 g/l, imputados ao arguido na acusação do Ministério Público, proferiu decisão sem suporte legal.
2º - Com efeito, a Portaria n.º 748/94, de 13 de Agosto, em que se apoia a directiva da D.G.V., e que visava regulamentar o Decreto Regulamentar n.º 12/90, de 14 de Maio, caducou face à expressa revogação do Decreto Regulamentar n.º 12/90, pelo Decreto Regulamentar n.º 24/98, de 30 de Outubro.
3º - É o Instituto Português da Qualidade (I.P.Q.) e não a D.G.V., que garante e superintende as actividades de normalização, certificação e metrologia, aí se incluindo os aparelhos para exame de pesquisa de álcool nos condutores de veículos.
4º - E, ainda que se possa considerar em vigor a aludida Portaria n.º 748/94, de 13.08, e que devam ser ponderadas as margens de erro constantes da norma NF X 20-701, da Organização Internacional de Metrologia Legal, não pode o julgador, esquecendo que os níveis máximos de erro admissíveis já foram tomados em consideração nos sucessivos ensaios, aprovação e verificações a que foi sujeito o concreto alcoolímetro a que se reporta os autos, de marca «Drager Alcotest», devidamente aprovado e em normais condições de funcionamento, oficiosamente, e sem quaisquer elementos sérios de prova que o permitam, efectuar, de forma automática, correcções da T.A.S. efectivamente apurada.
5º - Não tendo o tribunal aduzido qualquer elemento probatório, de carácter técnico-científico, capaz de abalar a fidedignidade do exame pericial, limitando-se a invocar que o teste não reveste certeza, pois que «o mecanismo usado na sua medição é passível de erro», a M.ma Juíza, ao divergir do juízo técnico-científico inerente à prova pericial, não alicerçou a sua discordância numa critica material da mesma natureza, assim ultrapassando as suas competências, e violando o disposto nos art.ºs 127º e 163º, ambos do C.P.P.
6º - Dispondo os art.ºs 153º, n.º 2, e 170º, n.º 4, do Código da Estrada, que o resultado de exame de pesquisa de álcool no ar expirado, obtido por alcoolímetro aprovado, constitui prova plena, haverá de concluir que, inexistindo qualquer outra prova técnico-científica que contradiga o juízo técnico inerente ao teste pericial junto aos autos, a M.ma Juíza, ao postergar a especial força probatória da T.A.S. encontrada de 1,81 g/l violou, também, as mencionadas normas legais.
7º - A conduta do arguido enquadra a mais grave e censurável das modalidades da infracção da condução sob a influência do álcool, com muito grave violação das regras de trânsito rodoviário, e do tipo incriminatório previsto no art.º 292º, do C.P., que tutela juridico-penalmente, como seu núcleo central, a segurança da circulação rodoviária, mas estende a sua teleologia à protecção do bem jurídico mais elevado – a vida, e para cuja defesa, a sociedade, representada nos órgãos de soberania, legitimados democraticamente, define penas com capacidade dissuasora e intimidatória suficiente.
8º - Impondo-se que a pena de multa constitua uma efectiva expiação para o condenado, não pode suceder que ela se transforme em simulada forma de atenuação, nem numa forma de punição bagatelar.
9º - A pena de multa deve reflectir o tratamento justo do caso concreto, adequado à defesa do ordenamento jurídico, garantindo a manutenção da confiança da comunidade nos valores juridico-penais violados e produzindo no arguido e nos potenciais infractores a necessária dissuasão.
10º - Conduzindo o arguido com a taxa de álcool no sangue de 1,81 g/l, mais de três vezes a taxa de alcoolémia permitida, assim potenciando o perigo para a segurança rodoviária, foi interveniente em acidente de viação numa artéria da Ramada, Loures, encontrando-se descritas, no auto de noticia elaborado pelo agente participante, concretas consequências negativas para o tráfego rodoviário, e não constando dos autos qualquer justificação para o facto, em termos de diminuir o juízo de reprovação de que é merecedora, sem esquecer que não tem antecedentes criminais, deveria ter-lhe sido fixado um número de dias de multa não inferior a 80 dias.
11º - A pena de multa de 70 dias que lhe foi aplicada não exprime suficientemente o grau de ilicitude elevado, manifestado na T.A.S. apurada, nem a censurabilidade que lhe cabe, atento o grave incumprimento dos deveres inerentes ao exercício da condução, e configura uma sanção de eficácia preventiva insuficiente, quer no plano da dissuasão do arguido, quer no domínio das exigências de prevenção geral.
12º - Pese embora sejam exíguos os elementos disponíveis relativos à situação económica e financeira do arguido, a fixação do quantitativo de cada dia de multa, dentro dos limites estipulados pela lei, deve orientar-se, também, pela necessidade de acompanhar a evolução socio-económica da comunidade que se reflecte em vários indicadores, como sejam a progressão do salário mínimo nacional ao longo dos anos e a capacidade económica da média da população.
Assim, constando apenas dos autos que o arguido é pedreiro, vive só, tem mulher e dois filhos em África a quem ajuda economicamente, a taxa diária de 8 euros, muito próxima do mínimo possível, apresenta-se mais adequada à consciencialização do arguido de que a pena de multa, enquanto verdadeira pena criminal, tem um carácter expiatório e constitui um sacrifício.
13º - Se porventura, o arguido tivesse conduzido veículo automóvel na via pública acusando uma T.A.S. de 0,8g/l, cometendo uma contra-ordenação, teria sido punido com uma coima mínima de € 500,00.
14º - Sendo o provado comportamento do arguido, conduzindo um veículo automóvel na via pública influenciado pelo álcool, em estado de intoxicação de elevada perigosidade, objecto de norma penal, é absurdo e de efeito criminógeno fixar-lhe uma multa cujo quantum encontrado de 420,00 euros, em vez de o dissuadir, nele produz a falta de consciência do seu efeito punitivo e a estimula a ultrapassar o limite previsto para o crime, de 1,2 g/l, pois que dessa forma bem poderá, como foi, ser sancionada com uma multa de montante inferior ao cominado para simples contra-ordenações.
15º - Vigorando no âmbito da aplicação do direito o princípio da igualdade, que, além do mais impõe que todos estão sujeitos de igual forma aos deveres impostos pela lei, e exigindo o princípio da proporcionalidade que a gravidade das sanções seja proporcional à gravidade das infracções, tem o juiz o dever de zelar, por forma a que, na concretização dos juízos sobre as exigências de prevenção que condicionam a individualização das penas, os casos análogos tenham um tratamento análogo.
16º - A gravidade da violação jurídica praticada pelo arguido e as circunstâncias do facto ilícito, demonstrativas de irresponsabilidade e impreparação para conformar a sua conduta de forma a evitar situações de risco para si e para os restantes utentes da via pública, não se reflecte na diminuta pena de proibição de condução pelo período de 3 meses e meio que lhe foi aplicada, pelo que o arguido deverá ser condenado por período não inferior a 4 meses e meio.
17º - Ao condenar o arguido na pena de multa de 70 dias, à taxa diária de € 6,00, e na pena de proibição de condução pelo período de 3 meses e meio, a Mma Juíza, premiando indevidamente o arguido, frustrou as finalidades punitivas que o Direito Penal atribui à norma incriminatória da condução de veículo em estado de embriaguez e não teve na devida consideração os princípios da unidade, da lógica, da igualdade e da proporcionalidade do sistema jurídico e os critérios legais vinculativos na determinação da medida da pena, dessa forma violando os artºs 40º n.º 1, 47º, n.ºs 1 e 2, 69º, 71º e 292º, todos do Código Penal.
Concluiu pedindo a revogação da douta sentença recorrida, e a sua substituição por douto acórdão que condene o arguido em conformidade com a tese defendida.
***
III – Notificado da interposição de recurso – cfr. fls. 112-, arguido não respondeu.
***
IV – Admitido o recurso – cfr. despacho de fls. 113 - subiu o mesmo a esta Relação, onde, a Ilustre Procuradora-Geral-Adjunta se limitou a apor o seu visto.
***
V - Efectuado o exame preliminar, colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
- No dia 14 de Agosto de 2005, cerca das 00h30, na Rua C ……, R … , área desta comarca de Loures, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com a matrícula XX-XX-XX, após ter ingerido bebidas com teor alcoólico, sendo interveniente em acidente de viação.
- Submetido ao teste de alcoolémia no aparelho DRAGER ALCOTEST, modelo 7110 MKIII-P, Artl-0078, acusou uma taxa de álcool de 1, 81 g/l., correspondendo a uma taxa real mínima de 1,67g/l.
- Agiu o arguido, voluntária e conscientemente, bem sabendo que conduzia um veículo, na via pública, após a ingestão de bebidas alcoólicas.
- Mais sabia que a sua conduta não era permitida por lei.
- O arguido vive no país sozinho, tem mulher e dois filhos em A.. a quem presta ajuda económica.
- Trabalha como pedreiro, ainda que sem emprego certo.
- Possui carta de condução desde 86/87.
- Não tem antecedentes criminais.

Factos não provados
Não existem.

O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão quanto à matéria de facto, pelo seguinte modo:
«O Tribunal assentou a sua convicção na confissão integral e sem reservas do arguido, relativamente às circunstâncias em que conduziu o veículo, com apoio no talão de alcoolímetro relativamente à taxa de álcool corrigido de acordo com as margens de erro dos alcoolímetros divulgadas pelo oficio enviado pela DGV. Existindo uma possibilidade de erro na medição efectuada pelos alcoolímetros - que não obsta à sua aprovação, por ser admissível e obedecer às Recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal - só é possível, com base no valor registado por esses aparelhos, apurar que o examinando apresenta uma TAS compreendida entre x e y, sendo x o valor correspondente à TAS registada menos a margem máxima de erro e y o valor correspondente à TAS registada mais a margem de erro máxima admissível.
Por aplicação do princípio in dubio pro reo, só o valor x - resultante da dedução da margem máxima de erro ao valor registado pelo alcoolímetro - pode ser dado como assente, por apenas ser possível assegurar que a TAS efectiva não é inferior a tal valor, face ao aparelho de medição utilizado e ao controle metrológico conducente à sua aprovação.
Mais nos louvamos no Certificado de Registo Criminal.»

O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão de direito, nos seguintes termos:
Vem o arguido acusado da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.°, n.º 1 do Código Penal.
Conforme resulta da factualidade provada, o arguido, agindo livre voluntária e conscientemente, conduzia um veículo automóvel na via pública quando submetido ao teste de alcoolémia apresentou uma taxa de álcool de 1,81 g/1., correspondente, no mínimo, a uma taxa real de 1,67 g/l..
Como é por todos sabido, a DGV fez circular pelos Tribunais um oficio no qual dá conta das margens de erro admissíveis para os alcoolímetros aprovados nos termos legais e regulamentares usados pelas nossas entidades policiais na fiscalização da condução sob influência do álcool – [TAS <0.92 g/l…erro máximo admissível de + - 0,07 g/l; TAS>0,92 < 2.30 g/l...erro máximo admissível de + - 7,5%; TAS > 2.30 g/l < 4.60 g/l...erro máximo admissível de + - 15% ; > 4,60 g/l < 6.90 g/l …erro máximo admissível de + - 30%.]
Tendo em conta o erro máximo admissível para aquele tipo de equipamento de fiscalização, a taxa de álcool no sangue pode situar-se num intervalo, para mais ou para menos, em relação ao valor registado, o que quer significar, que através dos alcoolímetros aprovados nos termos legais e regulamentares, só é possível, com rigor, apurar que o condutor apresentava uma TAS compreendida entre "X" e "Y", sendo "X" a TAS registada menos a margem máxima de erro e "Y" a TAS registada mais a margem máxima de erro admissível.
Cabendo ao Instituto Português da Qualidade criado pelo Dec. Lei n.º 183/86, de 12/7, a responsabilidade pelas actividades de normalização, certificação e metrologia, incluindo os aparelhos para exame de pesquisa de álcool nos condutores de veículos e, não à DGV, questionou-se a legitimidade deste organismo para emitir tal aviso.
O Código da Estrada, visando a segurança dos utentes das vias, faz a previsão de controlos de alcoolémia, estabelecendo uma diferenciação de penalidades em função do valor da alcoolémia - cfr. art. 81.º, do Código da Estrada. Daí ser de extraordinária importância para o arguido a taxa de álcool (realmente) apurada.
Os meios a utilizar para a determinação da alcoolémia são os apontados pelo art. 153° do Código da Estrada. Tais aparelhos estão sujeitos ao disposto no Dec. Lei n.° 291/90 e 20/90 e à Portaria 962/90.
Em conformidade com o disposto nesses diplomas, aqueles aparelhos - instrumentos de medição - estão submetidos a um conjunto de operações com vista à sua regular utilização.
Contudo, ainda assim, qualquer resultado de medição está sempre associada uma incerteza de medição, uma vez que não existem instrumentos de medição absolutamente exactos, conforme apontam os critérios científicos controlados pela Organização Internacional de Metrologia Legal.
Donde, as normas legais e regulamentares aplicáveis ao controlo metrológico dos alcoolímetros admitem a possibilidade de erro, estando os limites máximos desse erro, para mais ou para menos do valor efectivamente registado, estabelecidos em Recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal.
Assim, os Erros Máximos Admitidos (EMA) são definidos convencionalmente em função não só das características dos instrumentos, como das suas finalidades. No caso dos alcoolímetros, existem dois tipos: uns designados de qualitativos e outros de quantitativos. Apenas estes últimos têm características metrológicas susceptíveis de serem utilizados para medir a alcoolémia dentro dos EMA definidos. Sendo estes EMA, precisamente, os apontados no aludido oficio da DGV.
E é esta a primeira conclusão relevante a que chegamos: os erros máximos admitidos a que se faz referência no tal ofício da DGV correspondem a uma realidade insofismável, porquanto não existem instrumentos de medição absolutamente exactos.
Transpondo tal realidade para o caso que nos ocupa, ficamos a saber que o valor da taxa de alcoolémia apontado na acusação, afinal, não é rigoroso, antes, por força do mecanismo usado na sua medição, é passível de erro.
Então, como decidir? Ignorar tal erro em prejuízo do arguido? Realizar o exame de contraprova mostra-se agora impossível...
Temos para nós que a resposta só pode passar por aplicar aqui, como nas demais situações em que se suscita a dúvida sobre determinado facto, o princípio in dubio pro reo.
O exame a que foi sujeito o arguido é um elemento de prova que deve ser apreciado segundo a regra plasmada no art. 127.º do Código Penal, i.é., segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador.
Assim sendo, tal erro apenas pode funcionar em benefício do arguido e nunca em seu prejuízo.
Aqui chegados, concluímos que estão preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do ilícito em apreço.
Medida da pena
Apurada que está a prática pelo arguido do crime de condução em estado de embriaguez, importa agora proceder à escolha da pena, visto ser punido, em alternativa, com pena privativa e não privativa da liberdade.
Aplicando o critério de escolha da pena estabelecido pelo art.º 70.º do Código Penal, optamos pela aplicação da pena de multa na convicção que esta satisfaz as exigências de prevenção e reprovação do crime.
Cumpre, agora proceder à determinação da medida da pena, respeitando a moldura penal abstracta em causa - multa até 120 dias - com recurso aos critérios do art. 71.º n.º 1 do Código Penal, ou seja, em função do binómio culpa do agente e das exigências de prevenção especial e geral, e ainda atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (n.° 2).
Segundo o princípio plasmado no art. 40.º do Código Penal, a aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos, entendida como tutela da crença e confiança da comunidade na sua ordem jurídico-penal e a reintegração social do agente.
Neste contexto, no caso em apreço, atenta a frequência da prática deste ilícito, são elevadas as exigências de prevenção geral impostas para a defesa da ordem jurídica penal, por forma a estabilizar as expectativas comunitárias na validade da norma violada.
Considerando que o arguido é primário estão mais atenuadas as exigências de prevenção especial.
A culpa do arguido é elevada tendo em conta o dolo da sua actuação. A ilicitude do facto é mediana por referência à taxa de álcool apresentada.
Tudo visto e ponderado, o tribunal entende por adequada a pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 6 euros [É a taxa que se nos afigura ajustada à situação económica apresentada pelo arguido, em obediência ao disposto no art. 47.º do Código Penal, independentemente, do total da multa assim obtido ser inferior à multa mínima fixada pelo Código da Estrada. Salvo o devido respeito por opinião contrária, sob pretexto da unidade do sistema jurídico, "obedecer", cegamente, ao disposto no Código da Estrada, quanto ao valor da coima mínima, transpondo-a, sem mais, para o processo criminal, não só nos repugna como nos parece solução não querida pelo legislador. Se o legislador quisesse que o juiz estivesse assim limitado tê-lo-ia deixado expresso. Mas não foi isso que pretendeu, antes pelo contrário, atribuiu ao juiz o poder de, dentro dos critérios legais fixados, poder decidir, em consciência e de modo adequado e equilibrado, a pena concreta a aplicar, ponderando, para além do mais, a situação financeira, económica e familiar do arguido e fixar a pena que então se lhe afigurasse mais justa, sem qualquer constrangimento, seja de que ordem for, mormente da pena encontrada ser inferior à fixada pelo Código da Estrada... (possibilidade, que, aliás, o legislador não podia ignorar em resultado da concedida liberdade de julgamento).] - art. 47.º n.º 2, na redacção vigente à data da prática dos factos por manifestamente mais favorável ao arguido - ou seja, na multa de 420 euros.
Acrescerá a pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados, estabelecida no art. 69.º n.º 1 al. a) do Código Penal, por período a fixar entre três meses e três anos, a qual se determina, atentos os fundamentos já invocados em três meses e meio.»
***
VI – De acordo com o disposto no art. 412°, n.º 1, do Código de Processo Penal, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado.
Como resulta da acta de audiência de julgamento (cfr. fls. 82 e segts.) procedeu-se à documentação das declarações prestadas oralmente em audiência e, assim sendo, considerando o estatuído no art. 428º, n.º 1, do mesmo diploma legal, este tribunal ad quem conhece de facto e de direito, sem prejuízo de conhecer oficiosamente dos vícios elencados no n.º 2, do art. 410°, do diploma legal em apreço de acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19/1 0/95 in D.R., I-A de 28/12/95 «

O recorrente, sem o mencionar de uma forma expressa, clara e, porque não dizê-lo, correcta, alega a existência do vício estatuído na alínea c), do n.º 2, do art. 410º, do CPP, ou seja, o erro notório na apreciação da prova (cfr. conclusões 5ª e 6ª) e insurge-se quanto à medida da pena principal e acessória (cfr. conclusões 7ª a 16ª) pedindo o agravamento de ambas.

Antes do mais, importa situar temporalmente a factualidade em questão (14 de Agosto de 2005) para se assentar que o Código da Estrada – Decreto-Lei n.º 114/94, de 03/05 - ao tempo vigente era o decorrente da alteração que ao mencionado diploma legal foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 44/2005 de 23/02, pelo que as menções a fazer a normas do Código da Estrada terão por suporte tal diploma legal.

Retomando o objecto do presente recurso.
O ilustre recorrente fundamenta a existência do supra mencionado vício no facto do tribunal a quo ter aplicado uma margem de erro à taxa de alcoolemia detectada na pessoa do arguido quando, para tal, foi interpelado pelos agentes da autoridade.
Afirma o recorrente que a Mm.ª Juiz para tal efeito - dedução do valor de erro máximo admissível - se ancorou na directiva emanada da D.G.V mas, tal directiva que tinha o seu apoio na Portaria n.º 748/94, de 13/08, que visava regulamentar o Decreto Regulamentar n.º 12/90 de 14/05, caducou face à expressa revogação do aludido Decreto Regulamentar e, portanto, ao afastar a aplicação da TAS apurada no teste pericial junto aos autos de 1,81 g/l, imputada ao arguido na acusação, proferiu decisão sem suporte legal.
O n.º 2 do art. 410º, do CPP é uma norma muito clara quando diz que os vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova (que ao caso importa) têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, o que significa a impossibilidade de recurso a outros elementos, ainda que constantes do processo (depoimentos e declarações prestados, quer durante o inquérito, instrução, quer até na audiência de julgamento, relatórios, perícias, etc.), como a jurisprudência não se tem cansado de sublinhar.
Vejamos se in casu a sentença enferma do alegado vício.
A menos que a lei disponha diversamente – casos de prova vinculada – o Tribunal aprecia a prova segundo as regras da experiência e a sua livre convicção – art. 127.º, do CPP.
E, com a materialidade factual assim averiguada se conformará este tribunal ad quem podendo, todavia, considerá-la menos apta para a decisão, por consubstanciar vício que resulte, à evidência, do texto da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras de experiência comum, como já o referimos.
Da sentença sob censura consta como facto provado que «Submetido ao teste de alcoolémia no aparelho DRAGER ALCOTEST, modelo 7110 MKIII-P, Artl-0078, acusou uma taxa de álcool de 1, 81 g/l., correspondendo a uma taxa real mínima de 1,67g/l.»
Consta da fundamentação da matéria de facto provada «…com apoio no talão de alcoolímetro relativamente à taxa de álcool corrigido de acordo com as margens de erro dos alcoolímetros divulgadas pelo ofício enviado pela DGV.»
Diremos, desde já, que não constando do processo o mencionado ofício emanado pela DGV não se compreende muito bem a razão de ser de tal fundamentação.
Cremos (!?) que a Mm.ª Juiz se reportaria a um despacho do Sr. Director Geral de Viação, que a respectiva Direcção fez divulgar pelos tribunais, através do Conselho Superior da Magistratura, em Agosto de 2006.
Só que tal despacho consubstancia orientações de procedimento para as autoridades administrativas e tão só.
Não havia na legislação então vigente e não há na actual qualquer norma legal a estabelecer qualquer margem de erro para aferir (corrigir) os resultados obtidos pelos analisadores quantitativos de avaliação do teor de álcool no sangue.
Dispõe o n.º 3, do art. 170º, do Código da Estrada, que «O auto de notícia levantado e assinado nos termos dos números anteriores faz fé sobre os factos presenciados pelo autuante, até prova em contrário.» e o seu n.º 4, dispõe que «O disposto no número anterior aplica-se aos elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos aprovados nos termos legais e regulamentares.»
Não consta dos autos que tenha sido questionada pelo arguido a taxa de alcoolemia, obtida pelo analisador quantitativo, de que o mesmo era portador.
Não consta, também, dos autos que tenha sido posta em causa a fiabilidade do aparelho que detectou que o arguido, no dia 14/08/2005, conduzia, na via pública, um veículo automóvel sendo portador de uma TAS de 1,81 g/l. – cfr. talão de fls. 6.
Caso tal tivesse acontecido competiria ao tribunal, na altura própria, maxime em sede de audiência de julgamento e assegurado o contraditório, tomar posição quanto à valoração desse elemento de prova (aparelho “Drager Alcotest 7110MKIII”), após averiguação da sua aprovação pelo Instituto Português da Qualidade (IPQ) mas, como se disse, tal não aconteceu e, assim, estava a Mm.ª Juiz perante uma prova vinculada (TAS) – art. 163.º, n.º 1, do CPP – subtraída à sua livre apreciação.
A propalada «directiva» emanada da DGV, que não consta dos autos, como já o referimos, não é suporte legal que possa permitir ao julgador infirmar um juízo técnico/pericial decorrente do analisador quantitativo em referência.
Muito menos o é “subordinada” ao princípio do in dubio pro reo.
Com o devido respeito, diremos que o aludido princípio é, no caso que nos ocupa, invocado sem qualquer sentido, pois, a aplicação do mesmo, como corolário do princípio constitucional da presunção de inocência, pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto, o que não ressalta da sentença recorrida.
Ocorre na sentença sob censura um manifesto erro na apreciação da prova.
Erro notório na apreciação da prova é, no fundo e como referem Simas Santos e Leal-Henriques, “Recursos em Processo Penal” 5ª edição, 2002, pág. 66/67 «…a desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência (decidiu-se contra o que se provou ou não provou ou deu-se como provado o que não pode ter acontecido).»
No caso, o tribunal a quo (uma vez que não foi questionada a autenticidade do valor registado pelo aparelho de análise quantitativo de avaliação do teor de álcool no sangue, e mesmo sobre a fiabilidade deste último) estava vinculado, nos termos do n.º 1, do art. 163.º, do CPP, ao valor encontrado pelo aparelho de pesquisa de álcool no sangue, ou seja, 1,81 g/l – cfr. fls. 6.
Houve uma correcção a este valor, correcção subjectiva e infundamentada que contende com a prova técnica existente nos autos relativamente à qual a Mm.ª Juiz não explicitou adequadamente a sua discordância – art. 163.º do CPP -, remetendo vagamente para uma directiva da DGV que, como critério, não é aceitável até porque criaria insegurança e desequilíbrios na ordem jurídica.
Nesta conformidade, resulta à evidência do texto da sentença recorrida, por si só, que outra deveria ter sido a decisão sobre a matéria de facto, no que concerne à TAS de que o arguido era portador aquando da interpelação que lhe foi feita pelas autoridades policiais.
Dispõe o n.º 1, do art. 426.º, do CPP que «Sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410º, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento…»
Tal reenvio não ocorrerá no caso em apreço, pois, este tribunal ad quem dispõe de todos os elementos para suprir o aludido vício.
Assim, o facto provado em segundo lugar passa a ter a seguinte redacção:
«Submetido ao teste de alcoolémia no aparelho DRAGER ALCOTEST, modelo 7110 MKIII-P, Artl-0078, acusou uma taxa de álcool de 1, 81 g/l.»
***
Resolvida esta questão, passemos a analisar a outra vertente do recurso e que se prende com a determinação concreta das penas principal e acessória.
O arguido foi julgado e condenado, como autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível, pelo art. 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo a multa global de € 420,00 (seiscentos euros) e, ainda, na proibição de condução de veículos motorizados, pelo período de 3 (três) meses e 15 (quinze) dias.
O recorrente pugna pelo agravamento das penas principal e acessória, propondo uma condenação não inferior a 80 dias de multa à taxa diária de € 8,00 e a proibição de condução de veículos motorizados por período não inferior a 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias.

Considerando estar a matéria de facto assente, resolvida que foi a questão atinente à TAS que foi posta em causa no presente recurso, importa, desde já, dizer que a condenação do arguido, como autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelo art. 292.º, n.º 1, do Código Penal, não merece qualquer reparo, pois que, «Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.»
O mencionado crime é também punível com a sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, por força do disposto no art. 69.º, n.º 1, al. a), do mesmo diploma legal, na redacção introduzida pela Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho, nos termos do qual, «É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido: a)- Por crime previsto nos artigos 291.º ou 292.º.»
Esta sanção acessória é uma decorrência do preceituado no art. 65.º do Código Penal, designadamente do seu n.° 2, nos termos do qual, «A lei pode fazer corresponder a certos crimes a proibição do exercício de determinados direitos ou profissões.»

Posto isto, vejamos as questões colocadas.
Não se questionando no presente recurso a opção do julgador pela pena de multa analisemos, então, a dosimetria encontrada bem como a respectiva taxa diária.
Estatuía o n.º 1, do art. 47º do Código Penal (anterior à revisão do CP operada pela Lei n.º 59/2007, de 04/09 e aplicável ao caso em apreço por objectivamente mais favorável ao arguido) «A pena de multa é fixada em dias, de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 do art. 71.º …» estatuindo o n.º 2 do mesmo preceito que «Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre €. 1 e €. 498,80, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.»
Na fixação concreta de uma pena de multa o tribunal deve agir segundo os princípios gerais do doseamento da pena, isto é, deve considerar o grau de ilicitude e culpa, as exigências de prevenção e de reprovação, devendo ainda considerar quaisquer outras circunstâncias que não fazendo parte do crime em apreço resultem a favor ou contra o arguido, sendo que destas circunstâncias a decorrente da situação económica e financeira do arguido, desde que não tenha reflexo nos elementos de culpa e ilicitude (ver por exemplo a situação de um crime de furto cometido em estado de necessidade) só deve ser considerada para a determinação do quantitativo diário.
O tribunal a quo fundamentou a determinação concreta da pena, bem como a fixação da taxa diária, nos termos seguintes:
«…Neste contexto, no caso em apreço, atenta a frequência da prática deste ilícito, são elevadas as exigências de prevenção geral impostas para a defesa da ordem jurídica penal, por forma a estabilizar as expectativas comunitárias na validade da norma violada.
Considerando que o arguido é primário estão mais atenuadas as exigências de prevenção especial.
A culpa do arguido é elevada tendo em conta o dolo da sua actuação. A ilicitude do facto é mediana por referência à taxa de álcool apresentada.
Tudo visto e ponderado, o tribunal entende por adequada a pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 6 euros [É a taxa que se nos afigura ajustada à situação económica apresentada pelo arguido, em obediência ao disposto no art. 47.º do Código Penal, independentemente, do total da multa assim obtido ser inferior à multa mínima fixada pelo Código da Estrada. Salvo o devido respeito por opinião contrária, sob pretexto da unidade do sistema jurídico, "obedecer", cegamente, ao disposto no Código da Estrada, quanto ao valor da coima mínima, transpondo¬-a, sem mais, para o processo criminal, não só nos repugna como nos parece solução não querida pelo legislador. Se o legislador quisesse que o juiz estivesse assim limitado tê-lo-ia deixado expresso. Mas não foi isso que pretendeu, antes pelo contrário, atribuiu ao juiz o poder de, dentro dos critérios legais fixados, poder decidir, em consciência e de modo adequado e equilibrado, a pena concreta a aplicar, ponderando, para além do mais, a situação financeira, económica e familiar do arguido e fixar a pena que então se lhe afigurasse mais justa, sem qualquer constrangimento, seja de que ordem for, mormente da pena encontrada ser inferior à fixada pelo Código da Estrada... (possibilidade, que, aliás, o legislador não podia ignorar em resultado da concedida liberdade de julgamento).] - art. 47.º n.º 2, na redacção vigente à data da prática dos factos por manifestamente mais favorável ao arguido - ou seja, na multa de 420 euros.»

No caso concreto o tribunal recorrido não tendo feito na fundamentação que se transcreveu uma expressa alusão à TAS (a tê-lo feito seria necessariamente a constante do facto provado sob o n.º 2, ou seja, 1,81 g/l) não deixou de a classificar de mediana, considerou, ainda, que o arguido agiu com dolo directo e, portanto, com um elevado grau de culpa e não deixando de invocar as necessidades de prevenção, considerou que a de ordem especial não se mostrava premente.
Mais se apurou que o arguido foi interveniente num acidente de viação, ainda que não se tivesse apurado o nexo causal entre este e a circunstância de o arguido conduzir sob a influência do álcool.
Talvez por a considerar de um valor muito relativo (e sem dúvida que o é) não considerou especificamente a confissão integral e sem reservas que o arguido fez dos factos.
A factualidade é omissa quanto à capacidade do arguido percepcionar o desvalor da sua conduta decorrendo daí, necessariamente, a não determinação da existência, ou não, de arrependimento.
Perante o referido quadro factual, cremos assistir razão ao recorrente, o quantum da pena de multa peca por defeito.
Quem conduz na via pública qualquer tipo de veículo sob a influência de tão elevada TAS (1,81 g/l), como o fez o arguido, terá sempre uma diminuição no exercício de tal actividade e essa diminuição é, na maior parte das vezes, geradora de um maior perigo numa actividade que, por sua natureza, já é de risco.
Quem conduz em tais condições manifesta sempre desprezo pela sua própria segurança e, sobretudo, pela segurança dos outros.
O Prof. Figueiredo Dias in «Temas Básicos da Doutrina Penal», Coimbra Editora, pág. 111, ensina que «Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial; A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; dentro deste limite máximo ela determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.»
A culpa não é susceptível de uma medição exacta e assim sendo é dado ao julgador uma margem significativa para a sua apreciação.
Neste contexto, ao emitir o juízo de culpa e determinar a pena, o julgador, apesar de dispor de um poder discricionário, como ensina o Prof. Figueiredo Dias - cfr. Liberdade Culpa Direito Penal, pág. 184 - , «não pode furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita e, assim, o critério essencial da medida da pena.»
A grande amplitude das molduras penais abstractas (prisão e/ou multa) cominadas para o crime cometido pelo arguido contém a virtualidade de contemplar todos os elementos atendíveis para fixar com justiça a medida da pena que o caso concreto em apreciação reclama.
No caso, como já atrás se mencionou, fez-se a opção não questionada pela pena de multa.
Como é jurisprudência dominante, diríamos unânime, dos Tribunais superiores a aplicação de uma pena de multa não pode consistir numa forma disfarçada de absolvição.
O fim último das penas é a incessante procura de ressocialização dos delinquentes e esta terá sempre que começar no julgamento pela criteriosa apreciação da conduta, subsunção legal adequada e, quando for caso disso, com aplicação de uma pena proporcional à medida da culpa.
Só a conjugação destes parâmetros contribuirá para uma assunção e interiorização da culpa por parte do arguido e, aceite esta, a sua recuperação e integração social será com certeza melhor conseguida.
Atendendo a todas as circunstâncias apuradas a fixação da pena de multa em 80 dias, como pugna o recorrente, mostra-se mais consentânea com a factualidade apurada e, portanto, adequada e proporcional à culpa do arguido.
Resta apreciar a taxa diária fixada.
Tendo presente que a pena de multa é uma verdadeira sanção, com os inerentes custos para quem a suporta, na fixação da sua taxa diária o tribunal não poderá nunca olvidar as circunstâncias essenciais para a sua determinação e, estas, são primordialmente as decorrentes da situação económica e financeira do arguido e os reflexos na sua vida familiar, quando a haja.
Sobre tal temática a sentença é muito parcimoniosa, na medida em que só apurou que o arguido vive sozinho no nosso país estando a sua mulher e os dois filhos em África.
Que o arguido lhes presta ajuda económica, entenda-se financeira e, finalmente, que trabalha como pedreiro, ainda que sem emprego certo.
Com esta menção genérica dos encargos familiares e da precariedade da situação profissional do arguido foi fixada a taxa diária de € 6,00 (seis euros).
Perante os elementos disponíveis nos autos temos tal taxa diária por ajustada e, assim, nesta parte o recurso improcederá, na medida em que neste particular, sufragamos a posição da Mm.ª Juiz sobre a “não transposição” para o direito penal do valor mínimo da coima a que se reporta a alínea b), do n.º 5, do art. 81.º, do Código da Estrada.

A sanção acessória de proibição de conduzir.
Como é consabido a sanção acessória de natureza penal prevista no art. 69.º do Código Penal não pode ser dispensada, atenuada especialmente, substituída por caução de boa conduta nem, finalmente, está previsto no citado diploma legal a suspensão na sua execução.
E estas condicionantes de ordem jurídica encontram o seu fundamento na cada vez maior necessidade de sensibilização dos condutores para uma circulação rodoviária segura para os próprios e para os demais utentes da via, por outras palavras, à sensibilização exercida pelas mais variadas formas, a pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados para os autores de crimes de condução sob o efeito do álcool garante uma maior eficácia preventiva.
E a esta necessidade de uma maior eficácia preventiva já o Prof. Figueiredo Dias, "Direito Penal Português - Consequências Jurídicas do Crime", Editorial Notícias, pp. 164/165, aludia quando preconizava que o sistema sancionatório português devia dispor de uma verdadeira pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, em termos de direito penal geral e não somente de direito penal da circulação rodoviária, «...à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa. Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano».
Se é inquestionável a condenação do arguido em sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados, a qual, conforme o atrás referido está balizada entre 3 meses e 3 anos, cumpre tão só averiguar do quantum aplicado em concreto (3 meses e 15 dias).
Quanto à duração da pena acessória prevista no art. 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, que pode ser proporcionalmente diferente da concretamente encontrada para a pena principal por via, desde logo, da diversidade dos objectivos de política criminal ligados à aplicação de cada uma delas, entendemos que a determinada na decisão recorrida, como bem assinala o recorrente, não cumpre o fim visado, ou seja, não é suficientemente dissuasora da posterior conduta do arguido.
Perante a elevada TAS de que o arguido era portador (1,81 g/l) a sanção acessória aplicada peca por defeito.
A qualquer condutor deve exigir-se cada vez mais a prática de uma condução segura.
Quem conduz com tão elevada taxa de álcool no sangue manifesta um enorme desprezo pela sua própria segurança e, sobretudo, pela segurança dos outros.
Ponderando tudo quanto se expôs e, sem necessidade de outro tipo de considerações, por fastidiosas ou redundantes, temos por certo que a finalidade da punição só se alcança, no caso em concreto, com a elevação da sanção acessória de proibição de conduzir, para o limite mínimo pugnado pelo recorrente, ou seja, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias.
***
Por todo o exposto, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Digno Magistrado do Ministério Público e, em conformidade, decidem:
A) Revogar a sentença recorrida no que concerne à matéria de facto e, assim, o ponto 2 (2º parágrafo) da matéria de facto provada passará a constar com a seguinte redacção:
«Submetido ao teste de alcoolémia no aparelho DRAGER ALCOTEST, modelo 7110 MKIII-P, Artl-0078, acusou uma taxa de álcool de 1, 81 g/l.»
B) Consequentemente, e de acordo com o supra exposto, revogar a sentença recorrida no que concerne ao quantum da pena de multa e da sanção acessória de proibição de conduzir e, nesta conformidade, condena-se o arguido F… , como autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelo n.º 1, do art. 292.º, do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €. 6,00, o que perfaz a multa global de €. 480,00 (quatrocentos e oitenta euros) e, ao abrigo do estatuído na alínea a), do n.º 1, do art. 69.º, do mesmo diploma legal, condena-se o identificado arguido na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias.
Sem custas – alínea a) do n.º 1, do art. 2º do CCJ.
***
Lisboa, 20/02/2008 (processado e revisto pelo relator)

Domingos Duarte
Rui Gonçalves