Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6127/06-2
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: PRORROGAÇÃO DO PRAZO
ALEGAÇÕES
JUSTO IMPEDIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/21/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I As alegações de recurso, bem como outros requerimentos, não se integram no conceito de articulado, sendo que a Lei admite neste caso a prorrogação, desde que haja impossibilidade ou anormal dificuldade de organização da defesa.
II Os normativos insertos nos artigos 486º, nº5 e 504º do CPCivil, não admitem interpretação extensiva nem interpretação extensiva analógica, como normas excepcionais que são, não sendo aplicáveis aos prazos de apresentação de alegações de recurso.
III A prorrogabilidade do prazo no caso de justo impedimento, só é admissível nas situações específicas consignadas na lei e pressupõe que o prazo para a prática do acto já tenha expirado, pelo que não pode a parte vir requerer a concessão de novo prazo, com fundamento em justo impedimento, se o prazo ainda se encontra a correr.
(APB)
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


I J, nos autos de acção declarativa com processo ordinário que lhe são movidos por M, requereu a prorrogação de prazo para apresentação das suas alegações, no âmbito do recurso de Apelação que interpôs da sentença proferida nos mesmos, por justo impedimento da sua Mandatária, o que lhe veio a ser indeferido.

Inconformado com tal despacho, agravou, apresentando as seguintes conclusões:
- A Advogada Signatária requereu ao Tribunal nos termos do disposto no n° 5 do art°. 486° do CPC, aplicável ex vi do disposto no art°. 504° do mesmo diploma legal, a prorrogação do prazo para apresentar as alegações do recurso interposto da sentença proferida, cuja admissão lhe foi notificada pela secretaria em 17-10-05.
- Alegou para o efeito que padece de retinopatia diabética, tendo no dia 10 do mês de Novembro de 2005, sido submetida com urgência a uma intervenção cirúrgica ao olho esquerdo, encontrando-se nessa altura incapacitada para ler ou escrever, entre outras tarefas que necessitassem da visão.
- Alegou, ainda, ter sido intervencionada cirurgicamente ao olho direito no dia 25 de Agosto ultimo (2005), e ainda estar em fase de recuperação.
- Concluiu, por fim, existir justo impedimento para a prorrogação do prazo legal da elaboração das Alegações de Recurso.
- Em 18 de Novembro de 2005 a Advogada Signatária juntou aos autos a Declaração Médica que protestara juntar, na qual é referido o seguinte: “I, submetida a cirurgia vitrectomia no dia 10-11-05, deve ser dispensada das suas funções laborais por um período de 1 (um) mês.".
- Não obstante, o Tribunal decidiu que não existia fundamento legal para deferir a prorrogação do prazo para apresentação das alegações de Recurso, alegando, para mais, que não houve acordo da outra parte, e antes, haveria, eventualmente fundamento para a prática extemporânea do acto atenta a declaração médica apresentada, porém, como não foi isso o requerido, indeferiu-o, atenta a falta de fundamento legal.
- No entendimento do Tribunal os art°s. 486°, n°s. 4 e 5 e 504° do CPC não são aplicaveis ao caso presente.
- No entanto e não se concedendo tal, sempre existiria justo impedimento à prática atempada do acto, nos termos previsto no artº 146°, n° 1 do CPC na redacção do Decreto-Lei 329-A/95 de 12 de Dezembro.
- Devendo, salvo melhor entendimento, o Tribunal, em obediência ao Principio da Adequação Formal, previsto no artº 265°-A do CPC, determinar a prática dos actos que entendesse melhor se ajustavam ao fim requerido pelo R.
- Além de que, segundo jurisprudência formada, com a reforma do CPC o justo impedimento se relaciona com o principio da cooperação estabelecido no art°. 266° do CPC.
- No entanto sempre se dirá que o art°. 504° do CPC sendo especial em relação ao regime geral do artº 147° do CPC, admite a possibilidade de prorrogação do prazo para apresentação dos articulados subsequentes à contestação, ao contrário do que é entendido pelo Tribunal.
- Sendo que tal prorrogação não se verificou, não porque o Tribunal entendesse que a mesma não era justificável, mas porque, não foi requerida nos termos legais devidos.
- Sofrendo a advogada do Réu de retinopatia diabética, que envolve sempre, nas situações agudas da doença a intervenção cirúrgica devido ao sangramento do olho, aquela ficaria sempre sem visão, tal como ficou e, por conseguinte incapacitada para as suas funções laborais.
- Pelo que, existia motivo ponderoso que impedia a advogada do Réu da prática do acto.
- A decisão recorrida viola o disposto nos arts. 146°, n°1, 147° n° 2, 176°, n°s 5 e 6, 265°-A, 266°, 486°, e n° 5 do 504°, todos do CPC.

Nas contra alegações a Autora pugna pela manutenção do despacho recorrido o qual foi sustentado.

II A única questão que se coloca no âmbito do presente recurso é a de saber se há ou não fundamento legal para a prorrogação do prazo de apresentação das alegações por banda do Réu, face à doença da sua Ilustre Mandatária.

Mostram-se provados, no que à economia do presente recurso concerne, os seguintes factos:
- O Agravante interpôs recurso da sentença proferida nos presentes autos.
- Tal recurso foi admitido, tendo o despacho de admissão sido notificado ao Agravante em 17 de Outubro de 2005.
- Antes de expirado o prazo de apresentação das alegações (data não perfeitamente visível pelo carimbo do Tribunal, afigurando-se-nos ser 15 de Novembro de 2005), a Ilustre Mandatária do Agravante dá entrada do requerimento cuja cópia faz fls 37, no qual requer a junção aos autos de um substabelecimento a seu favor, que lhe seja concedida a prorrogação do prazo de apresentação das alegações de recurso e invoca para o efeito o justo impedimento, uma vez que sofre de rinopatia diabética, tendo sido submetida a uma intervenção cirúrgica de urgência no passado dia 10 de Novembro, que a incapacitou de ler e de escrever, tendo na altura protestado juntar declaração médica no prazo de cinco dias.
- No dia 18 de Novembro (último dia do prazo para apresentação das alegações de recurso) a Ilustre Mandatária do Agravante requereu a junção aos autos da declaração médica que protestara juntar, cuja cópia faz fls 38, datada desse mesmo dia, na qual se pode ler «(…)Isabel Maria Ferreira Silva submetida a cirúrgia…no dia 10-11-05 deve ser dispensada das suas funções laborais por um período de 1 (um) mês.(…)».

Vejamos então.

Pretende a Ilustre Mandatária do Réu, fazer aplicar à apresentação das alegações de recurso, a prorrogação de prazo que a Lei prevê para a apresentação dos articulados na acção, isto é, o disposto nos artigos 486º, nº5 e 504º do CPCivil.

Todavia, falece-lhe a razão.

Aqueles dois normativos que estatuem a possibilidade de prorrogação do prazo até ao limite do prazo inicial, constituem normas especiais, aplicáveis apenas nas situações nelas prevenidas.

Ora, as alegações de recurso, bem como outros requerimentos, não se integram no conceito de articulado, sendo que a Lei admite neste caso a prorrogação , desde que haja impossibilidade ou anormal dificuldade de organização da defesa (bem como dos articulados posteriores à contestação), o que se compreende, pois aqui está-se na fase inicial do processo onde vigora o princípio da preclusão, cfr artigo 489º do CPCivil.

Mesmo que se questionasse se aquelas normas poderiam ser susceptíveis de aplicação analógica ou de interpretação extensiva analógica (que não podem, nos termos do artigo 11º do CCivil enquanto normas especiais que são), a resposta decorre directamente do preceituado no artigo 147º, nº1 do CPCivil que diz expressamente «O prazo processual marcado pela lei é prorrogável nos casos nela previstos.» e os casos previstos são, excepcionalmente, os dos articulados (contestação e subsequentes).

Fora desta situação, a Lei prevê ainda, no nº2 do artigo 147º, que o prazo em curso, seja qual for a situação, possa vir a ser prorrogado , desde que haja acordo das partes nesse sentido (por uma vez e por período igual ao da sua duração inicial e o acordo tem de ter lugar antes de estar esgotado o prazo para o acto, uma vez que a consequência do seu decurso é a extinção do direito a praticá-lo, cfr Lebre de Freitas, in Código De Processo Civil Anotado, vol I/261).

Questão diversa desta, é a da prorrogabilidade dos prazos nas situações de justo impedimento a que aludem os artigos 145º, nº4 e 146º do CPCivil.

Pretende o Agravante, na sua tese, ver-lhe aplicados os supra mencionados normativos, já que, a situação médica da respectiva Mandatária (sujeita a uma intervenção cirúrgica de urgência) não lhe permitia desenvolver, durante um mês e a partir de 10 de Novembro de 2005 (data em que foi intervencionada), a sua actividade como Advogada.

Mas, também por aqui lhe falta a razão.

Se não.

Dispõe o segmento normativo insíto no nº1 do artigo 146º do CPCivil que se considera «…justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto.», (…À luz do novo conceito, basta, para que estejamos perante o justo impedimento, que o facto obstaculizador da prática do acto não seja imputável à parte ou ao mandatário por ter tido culpa na sua produção. Tal não obsta à possibilidade de a parte ou o mandatário ter tido participação na ocorrência, desde que, nos termos gerais, tal não envolva um juízo de censurabilidade.(…)», cfr Lebre de Freitas, ibidem, 258).

Decorre do nº 2 de tal normativo, que a parte deverá requerer a prática do acto extemporâneo, mediante a alegação e prova do justo impedimento, logo que cesse a causa impeditiva, cfr neste sentido o Ac STJ de 31 de Maio de 2005 (Relator Cons Lucas Coelho), in www.dgsi.pt.

A situação que se configura no caso sub judice é sui generis: a Ilustre Mandatáriado Agravante, ainda no decurso do prazo para as alegações e durante a causa que argui de impeditiva para desenvolver a sua actividade enquanto Advogada, vem suscitar o incidente de justo impedimento e requerer a prorrogação daquele prazo, para além de que, com esse mesmo requerimento, faz juntar aos autos substabelecimento a seu favor.

Quer dizer, não obstante a Ilustre Mandatária ter sido sujeita a uma intervenção cirúrgica no dia 10 de Novembro de 2005, que a deveria dispensar do seu serviço, no dizer do atestado que faz fls 38, tal não a impediu de formular o requerimento de prorrogação de prazo por justo impedimento.

É que, tendo-se como boas as afirmações produzidas e o teor do atestado junto, a Ilustre Mandatária não estaria em condições de ler ou escrever e muito menos de suscitar incidentes, mas não foi o caso.

E, se o seu estado de saúde lhe permitiu vir aos autos, por si, deduzir o justo impedimento por via dessas mesmas razões de saúde, não existem motivos para concluir que o seu estado fosse de tal maneira grave, que lhe não permitisse, quiça, apresentar atempadamente as alegações de recurso.

Por outra banda, sempre se diz que a final, o que se quis pedir ao Tribunal, foi um novo prazo de trinta dias para apresentar as alegações de recurso (ainda durante o decurso do prazo legal para o efeito o qual expirava em 18 de Novembro, sem os três dias a que se refere o artigo 145º do CPCivil), sob a forma de um incidente de justo impedimento, quando este pressupõe a prática efectiva do acto fora de prazo: a Ilustre Mandatária do Agravante não pratica o acto que deveria praticar (o qual a ser praticado na data em que deu entrada do seu requerimento, estaria em prazo, quando o justo impedimento implica por si a apresentação da parte a praticar um acto fora de prazo, cfr Ac STJ de 4 De Maio de 2005 (Relator Cons Sousa Peixoto), in www.dgsi.pt), o que se fez foi pedir ao Tribunal que a considerasse impedida para apresentar as alegações durante mais trinta dias, sendo que tal pedido transcende toda a interpretação a dar ao conceito de justo impedimento e que, a ser deferido, seria uma forma de violar o preceituado no artigo 147º do CPCivil.

Em último lugar, acentue-se, que sem embargo de se considerar, tal como fez a decisão recorrida (neste sentido também o Ac STJ de 31 de Maio de 2005 supra citado) que o acto a praticar (apresentação de umas alegações de recurso) deverá sê-lo, tendencialmente, pela Mandatária da parte (porque, por um lado se presume que esta tenha um conhecimento mais aprofundado do processo e por outro, devido à ligação pessoal e de confiança à parte que representa) não se pode deixar de estranhar que esta, com o requerimento apresentado, faça juntar um substabelecimento a seu favor, o que significa que o Agravante até então, tenha sido representado por outro Mandatário, de onde, face à situação de doença súbita daquela, e pela mesma conhecida, deveria ter substabelecido noutro Advogado.

As conclusões estão, assim, condenadas ao insucesso.

III Destarte, nega-se provimento ao Agravo, mantendo-se o despacho recorrido.

Custas pelo Agravante.

Lisboa, 21 de Setembro de 2006


(Ana Paula Boularot)


(Lúcia de Sousa)


(Luciano Farinha Alves)