Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
13105/18.2T8SNT.L1-8
Relator: AMÉLIA PUNA LOUPO
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
EXECUÇÃO DE CONTABILIDADE
INCUMPRIMENTO CONTRATUAL
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
RESPONSABILIDADE PELOS ACTOS DE AUXILIARES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: INum contrato pelo qual uma sociedade que se dedica à actividade de contabilidade se obriga a executar a contabilidade de uma outra sociedade comercial assumindo a responsabilidade pela regularidade técnica, nas áreas contabilística e fiscal, e do qual consta que a responsabilidade pela regularidade técnica é assumida directamente por TOC/Contabilista Certificado ali identificado, tem apenas como contraentes as duas sociedades outorgantes, importando apenas a assunção de que as funções exclusivas de TOC/Contabilista Certificado serão pessoalmente executadas através daquela pessoa singular que preenche os requisitos legais exigidos.

IIEntre o cliente dos serviços e o referido TOC/Contabilista Certificado não existe qualquer relação contratual, este tão só executa as tarefas próprias e exclusivas da sua profissão a que pelo contrato a sociedade prestadora do serviço se obrigou perante o seu cliente.

IIIA Lei confere aos TOC/Contabilistas Certificados a exclusividade do exercício, além de outras, da função de planificar, organizar e coordenar a execução da contabilidade, o que respeita a estabelecer um plano (um “iter” ou caminho), programar e, finalmente, dirigir uma estratégia conjunta para melhor alcançar uma finalidade.

IV“Executar a contabilidade” não respeita apenas à organização e arquivo de documentos contabilísticos e fiscais, classificação de documentos e seu lançamento nos respectivos livros contabilísticos e no sistema informático e apuramento de impostos a pagar, mas também projectar e estabelecer medidas que, do mesmo passo, assegurem que as entidades sujeitas aos impostos sobre rendimentos cumpram as suas obrigações em matéria de execução da contabilidade e nas suas relações com a Administração Fiscal e que sejam simultaneamente convergentes com a melhor satisfação dos interesses dessas entidades.

VUm pedido de reembolso de IVA, direito que a Autoridade Fiscal, designadamente no espaço económico comum europeu, reconhece ao agente económico, enquadra-se na planificação da “execução da contabilidade”.

VIActuando a 1ª R. através do 2º R. (TOC) no desenvolvimento da prestação a que contratualmente se obrigou perante a A., aquela é responsável pelos actos dele como se por ela mesma fossem praticados conforme resulta do artº 800º do Código Civil, respondendo pelos actos lesivos no cumprimento da obrigação por aquele praticados.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–RELATÓRIO


Trans....., Unipessoal, Lda”, sociedade comercial com o NIPC 5.......9 e com sede na Avª. ... ..., Lote ..., 1º ..., em A____, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma única de processo comum, contra
“Conta M..... – Contab...... e Fiscal....., Lda”, sociedade comercial com o NIPC 5.......8 e sede na Avª. ... ..., nº ..., Loja ..., M____ A____, em S____,
e
João ….., contribuinte fiscal 1.......1 e com domicilio na Rua ... Dr. ..... ....., nº …, 4º..., Q____ – S____, alegando, em síntese, que é uma sociedade comercial que se dedica à actividade comercial de transporte de mercadorias em Portugal e outros países europeus, e que em 01/07/2015 celebrou um contrato de prestação de serviços com a 1ª R. pelo qual esta se obrigou a executar a contabilidade da A., assumindo o 2º R., que é TOC, a responsabilidade pela regularidade técnica da mesma, mediante a contrapartida do pagamento pela A. de € 3.360,00 (três mil trezentos e sessenta euros) anuais fraccionado em duodécimos, tendo acontecido que em razão de diversos serviços de transporte de mercadorias realizados em Espanha em 2014 a A. ali suportou a quantia de €12.674,28 a título de IVA, pelo que, enquanto sujeito passivo de IVA em Portugal, procedeu, através dos RR., ao pedido de reembolso do IVA junto da Autoridade Tributária Portuguesa em 28.09.2015, tendo a Agência Tributária Espanhola em 23.01.2016 notificado a A., através dos RR., para no prazo de um mês proceder a correcção porquanto faltava documentação de suporte, indicando como e onde deveria a documentação ser entregue electronicamente e advertindo que findo aquele prazo consideraria o pedido de reembolso do IVA cessado por desistência, sendo definitivamente extinto o procedimento ao fim de três meses; e os RR., ao invés de procederem da forma indicada pela AT Espanhola, submeteram “novo” pedido junto da AT Portuguesa, pelo que a AT Espanhola em 10.06.2016 procedeu ao arquivamento do pedido de reembolso de IVA por desistência, situação que se mostrou irreversível, pese embora a posterior intervenção da Câmara de Comércio e Indústria Luso Espanhola, frustrando-se definitivamente a possibilidade de a A. se ver reembolsada da quantia entregue ao Estado Espanhol a título de IVA e a cuja devolução tinha direito.
Alegou ainda que essa situação deixou a A. com graves dificuldades de tesouraria que a forçou a recorrer a um empréstimo bancário de que não necessitaria se tivesse sido reembolsada do montante de IVA a que tinha direito, empréstimo esse que importou para A. despesas e encargos de € 2.072,64.
Com tais fundamentos conclui pedindo a condenação dos RR. a pagarem-lhe a quantia de € 12.674,28 a título de indemnização pelos prejuízos sofridos devido às omissões dos RR. e, ainda, a quantia de € 2.072,64  a título de indemnização pelos encargos com o empréstimo que teve que contrair para colmatar aqueles prejuízos.
Os RR. contestaram excepcionando a ilegitimidade do 2º R. por o contrato de prestação de serviços ter sido celebrado com a 1ª R.; e impugnaram com fundamento, em suma, em que o contrato celebrado entre a A. e a 1ª R. não integra pedidos de devolução de IVA, nem a 1ª R. se comprometeu a pedir a devolução do IVA que constitui a causa de pedir; mais alegam que o preenchimento dos respectivos impressos foi pedido pela A. por não ter conhecimentos ou não o querer fazer e que o 2º R., por simpatia, sem qualquer compromisso e gratuitamente, em nome e sem representação da A., fez quanto lhe foi possível, não tendo o mesmo agido no âmbito das competências técnicas e profissionais de TOC e que, quem submeteu os pedidos ou correcções do reembolso do IVA foi a A. não nenhum dos RR..
Concluíram, assim, pela procedência da excepção da ilegitimidade do 2º R. e pela improcedência da acção; tendo ainda o 2º R., cautelarmente, requerido a intervenção acessória provocada da Companhia de Seguros Allianz, SA.
O incidente de intervenção foi deferido na modalidade requerida, (acessória provocada) e a Companhia de Seguros Allianz, SA admitida a intervir na qualidade de associada do 2º R..
A Interveniente contestou alegando a sua ilegitimidade processual e aduziu várias excepções peremptórias que vieram a ser julgadas improcedentes, por legalmente inadmissíveis atenta a qualidade de interveniente acessória em que a mesma foi admitida a intervir.
Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a alegada excepção dilatória de ilegitimidade processual do 2º R..
O processo seguiu os seus regulares termos, tendo após audiência de julgamento sido proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, decidiu:
«1.Condenam-se os RR. a, solidariamente, pagar à A. a quantia de €12.674,28 (doze mil, seiscentos e setenta e quatro euros e vinte e oito cêntimos) a título de indemnização pelos prejuízos sofridos por conta das omissões dos RR.;
2. Condenam-se os RR. a, solidariamente, pagar à A. a quantia de €2.072,64 (dois mil euros e setenta e dois euros e sessenta e quatro cêntimos) a título de indemnização pelos encargos com o empréstimo que teve que contrair para colmatar os prejuízos sofridos por conta das omissões dos RR. (…».

Inconformados, vieram os RR. interpor o presente recurso de apelação sustentando que deve ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância (depreendendo-se que pretendem a sua substituição por outra que os absolva dos pedidos formulados).

Para tanto, das suas alegações, extraíram os RR. as seguintes
CONCLUSÕES
«1.Recorre-se da douta sentença que julgou procedente a acção intentada contra si por Trans....., Unipessoal, Lda., e condenou os RR solidariamente a pagar a titulo de indemnização por prejuízos sofridos por conta de omissões dos RR 12.674,28 euros e a quantia de 2072,64 euros por indemnização pelos encargos com o empréstimo que teve que contrair para colmatar os prejuízos sofridos por conta das omissões dos RR.
2. O Douto Tribunal a quo considerou erroneamente que por força do contrato de prestação de serviços validado como documento de prova e como facto provado em 1, 2 e 3 da cláusula primeira do mesmo de que os RR estavam obrigados:
1.A executar a contabilidade da A de acordo com os princípios e normas contabilísticas e as exigências legais em vigor, assumindo a responsabilidade pela regularidade técnica, nas áreas contabilística e fiscal, nos termos definidos pelo artigo 6º do estatuto da OTOC, aprovado pelo DL 452/99 de 5 novembro com as alterações introduzidas pelo DL 310/09 de 26 de Outubro;
2.Os serviços incluídos no numero anterior incluem o encerramento das contas do exercício, o preenchimento e envio das declarações fiscais e seus anexos, supervisão dos actos declarativos para a segurança social e para efeitos fiscais relacionados com o processamento de salários, organização do dossier fiscal e o fornecimento de balancetes como periodicidade (conforme solicitado pelo cliente, sendo desde já aceite a periodicidade trimestral)
3.Em erro de julgamento o douto tribunal recorrido considerou que por força do contrato de prestação de serviços supra, que os RR estavam obrigados enquanto obrigação contratualizada no domínio daquele contrato, ao procedimento junto da autoridade tributária espanhola ao procedimento do reembolso do IVA, e daí na falta de êxito do procedimento presumiu a culpa dos RR no sucedido, subsumindo-lhe a responsabilidade contratual e a falta de cumprimento, ao disposto nos artigos 798º e 799º do CC.
4.De acordo com o direito e o bem enunciado na douta sentença, e considerando a factualidade levada aos autos pelos RR, e de acordo com as regras da prova e por forma a aquilatar da existência ou não de tal responsabilidade contratual e a falta de cumprimento da obrigação, importa socorrer do contrato, o que Tribunal “a quo” fez, donde se verifica que o contrato e respectivo objecto fazem parte dos factos provados (factos. III e XLI
5.E, não fazem parte do contrato rigorosamente estabelecido por escrito e assinado pelas partes a obrigação dos RR aqui apelantes de proceder aos pedidos de reembolso do IVA, no estrangeiro.
6.Havendo por conseguido nos autos de que a obrigação dos RR de alegar e provar que o reembolso do IVA de Espanha não faz, nem fazia parte do contrato foi conseguida, alegando-o em sede dos factos extintivos, impeditivos ou modificativos da obrigação, invocada pela A pressuposto em que assenta o erro de julgamento que estabeleceu a presunção daquele facto.
7.Mal tendo andado a douta sentença que julgou verificados os requisitos do incumprimento da obrigação resultante do contrato constitutivos da responsabilidade civil e da culpa dos RR.
8.Extraindo, como fez o douto tribunal recorrido, a presunção de que os serviços contratados por escrito, acordados e assinado pelas partes, incluem a execução do pedido de reembolso do IVA no estrangeiro – Espanha – não acautelou que de tal presunção resultaria a existência de simulação relativa no contrato, e que nesses termos, pela natureza formal do negócio, a sua validade sempre estaria dependente da forma exigida pela Lei, “ex-vi” 223º n.º 1 do CC tornando-a por isso impossível e ilegal à luz do disposto no artigo 241º n.º2 do CC tal simulação. E a presunção dela extraída naturalmente impossível e inválida.
9.A ilação que o douto tribunal recorrido retirou do contratado para firmar como facto a obrigação dos RR na execução do procedimento de reembolso do IVA é contrária à motivação expressa na douta sentença que presidiu na formação da convicção do tribunal recorrido relativamente ao contrato de prestação de serviços em referência aos serviços contratados nele descritos e o acordo das partes aquando da feitura e assinatura do contrato escrito e assinado, que a respectiva descrição e que a própria sentença recorrida contém.
10.Censura-se que o douto tribunal recorrido tenha entendido que do facto de se ter frustrado o reembolso do IVA tenha resultado automaticamente prejuízo para a A no valor do IVA entregue pela A ao Estado Espanhol e não reembolsado de 12.674,28 euros, sem que tenha sido provado pela A ser aquele o valor real do IVA a que tinha direito a ser reembolsada.
11.Não consta na douta sentença recorrida qualquer facto provado que de algum modo considere verdadeiro, nem presumir ser verdadeiro o valor de 12.674,28 euros como sendo o valor real que o Estado Espanhol haveria de reembolsar a A.
12.O valor real do reembolso do IVA e o direito dele ser reembolsado não logrou a A fazer prova e inexiste na douta sentença em recurso tal facto provado que face à alegação de 35 da PI impugnada em 60 e 61 da contestação, tornou o facto controvertido e por isso sujeito a prova pela A não conseguida, nos termos legais.
13.Do mesmo modo e fundamentos censura-se a decisão de considerar aquele valor de 12.674,28 euros como valor real do direito ao reembolso do IVA, sendo facto controvertido e não provado também em erro de julgamento, foi considerado como sendo o valor do prejuízo da A a que os RR foram condenados a pagar como valor da indemnização.
14.Pela mesma ordem de razões de direito, devidamente adaptadas, falece o valor atribuído pelo Tribunal a quo de 2.072,64 euros como encargos do empréstimo suportado relativamente ao não conseguido ónus da prova por parte da A e que esta alegou ter direito em 36 a 45 e foi impugnado na contestação em 61 a 65 que tornou aqueles factos controvertidos.
15.A douta sentença violou assim o artigo 342º n.º1 do CC admitindo ter a A feito a prova dos factos que alegou, e mal interpretou e aplicou quanto às RR o artigo 342º n.º2 do CC, fazendo ainda errada interpretação do disposto no artigo 349º e 351º do CC.».

A Recorrida contra-alegou, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
«1.ª- O presente recurso dos RR. vem alicerçado exclusivamente no facto de considerarem que a tarefa geradora do pedido da A (e da condenação pelo tribunal), a saber, a devolução do IVA pelo Estado Espanhol, não estava contida no escopo do contrato celebrado entre as partes.
2.ª- Os RR não atacam a matéria de facto dada como provada, onde consta claramente
a.-que os RR se obrigaram a prestar o serviço gerador da responsabilidade assacada nos presentes autos (reembolso do IVA à Autoridade fiscal Espanhola),
b.-que assumiram a prestação desse serviço,
c.-que o fizeram em dois anos seguidos,
d.-que, no primeiro ano que o prestaram, o fizeram deficientemente,
e.-que tal gerou o indeferimento do pedido de reembolso,
f.-o que privou a A. de receber o montante em causa (€ 12.674,28)
g.-o que obrigou a A. a recorrer a empréstimo bancário por se ter visto privada daquele valor que iria receber,
h.-o que gerou um acréscimo de custo / despesa referente aos encargos suportados com o referido empréstimo bancário, no montante de € 2.072,64)
3.ª- Os RR não impugnaram/recorreram da matéria dada como provada, pelo que a mesma se considere assente.».

Colhidos os vistos, importa apreciar e decidir.
***

É sabido que, nos termos dos artºs 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam (neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil” 5ª Ed., Almedina, 2018, pp. 114-117), certo que esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica quanto à qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º n.º 3 do CPC).
Assim, a questão a decidir consiste em saber se o pedido de devolução de IVA à Autoridade Tributária de outro estado membro da UE (no caso o Reino de Espanha) estava incluído no contrato celebrado entre A. e 1ª R. cuja execução cabia ao TOC 2º R. e, em consequência, se o prejuízo decorrente de omissão relativa a tal pedido importa responsabilidade dos RR..

II–FUNDAMENTAÇÃO

A factualidade considerada pelo Tribunal a quo foi a seguinte:

«A- Factos provados:
i.-A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à atividade comercial de transporte de mercadorias em Portugal e outros países europeus.
ii.-Os Réus, por seu turno, dedicam-se à atividade de contabilidade, sendo o segundo Réu TOC.
iii.-Nesse sentido e nessas qualidades e circunstâncias, a A. e a primeira R. assinaram em 01 de Julho de 2015 um contrato de prestação de serviços;
iv.-Em que a primeira R. se obrigava a executar a contabilidade da A.;
v.-Assumindo perante aquela, a responsabilidade pela regularidade técnica nas áreas contabilísticas e fiscais,
vi.-Mediante a contrapartida do pagamento de € 3.360,00 (três mil, trezentos e sessenta euros) anuais.
vii.-Mais ficou estabelecido naquele contrato que quem assumia diretamente a responsabilidade pela regularidade técnica era o segundo R., enquanto TOC, inscrito na OTOC sob o n.º 1...3.
viii.-No decorrer do ano de 2014 a A. efetuou diversos serviços de transporte de mercadorias em Espanha,
ix.-Tendo ali suportado a quantia de €12.674,28 (doze mil, seiscentos e setenta e quatro euros e vinte e oito cêntimos) a título de IVA,
x.-Nesse sentido, enquanto sujeito passivo de IVA em Portugal, procedeu, através dos RR., ao pedido de reembolso do IVA apresentado junto da Autoridade Tributária Portuguesa (AT) em 28/09/2015,
xi.-Dando origem ao n.º de identificação do pedido PT0.........1....6,
xii.-Em 23 de Janeiro de 2016, a Agência Tributária Espanhola notificou a Trans..... Unipessoal, Lda, através dos RR. para corrigirem, no prazo de um mês, o pedido de reembolso de IVA porquanto lhe faltava documentação de suporte,
xiii.-Devendo, para tanto, submeter a documentação em falta, através do site eletrónico da Agência Tributária Espanhola, com o endereço www.a..................gob.es;
xiv.-Considerando-se como cessado por desistência o processamento do pedido de reembolso de IVA caso tal documentação não fosse entregue dentro daquele prazo,
xv.-Sendo definitivamente extinto o procedimento ao cabo de três meses.
xvi.-Os RR. submeteram “novo” pedido corrigido de reembolso em 15/02/2016, através do site da AT Portuguesa, www.portal............g...pt..
xvii.-Em 10 de Junho de 2016 a Agência Tributária Espanhola notificou a A. de despacho de arquivamento por desistência do processamento do pedido de reembolso de IVA entregue em 28/09/2015,
xviii.-Porquanto, na sequência de notificação para correção daquele pedido pela Agência Tributária Espanhola, nada terá sido feito dentro do prazo estipulado.
xix.-Em 16/11/2016 a Câmara de Comércio e Indústria Luso Espanhola, através da Dr.ª Laura ….., intercedeu em nome da A., enviando um recurso à Agência Tributária Espanhola,
xx.-Invocando que a A. – na pessoa dos seus TOC – não entendendo a língua espanhola, não percebeu que teria que enviar a correção ao pedido de reembolso através do portal eletrónico da Agência Tributária Espanhola,
xxi.-Pelo que vinham desta feita satisfazer as solicitações da Autoridade Espanhola, juntando a documentação solicitada e esclarecendo as dúvidas colocadas,
xxii.-Solicitando que fosse dado como sanadas as incorreções do pedido apresentado em Setembro de 2015 e Fevereiro de 2016, e pedido a conclusão do processo e consequente reembolso do IVA referente ao exercício de 2014.
xxiii.-Por despacho datado de 13/12/2016, veio a Agência Tributária Espanhola decidir não admitir o recurso apresentado em 16/11/2016,
xxiv.-Porquanto a decisão de arquivamento do pedido de reembolso do IVA havia sido notificada a 24/06/2016, e, nos termos do artigo 223.1 da Lei Geral Tributária Espanhola o “recurso administrativo deve ser apresentado no prazo de um mês a partir do dia seguinte à receção da notificação”,
xxv.-O recurso foi apresentado fora do prazo.
xxvi.-Mais resulta daquela notificação que, não se conformando o recorrido com a decisão, deveria apresentar uma reclamação económico-administrativa diretamente ao Tribunal Económico-Administrativo Central Espanhol, no prazo de um mês a partir do dia seguinte à receção da notificação de não admissão do recurso administrativo.
xxvii.-Esta decisão foi notificada à Câmara de Comércio e Indústria Luso Espanhola em 29/12/2016,
xxviii.-Tendo a Dr.ª Laura ….. dado imediato conhecimento ao segundo R..
xxix.-Na verdade, a Dr.ª Laura …… também já havia alertado os RR. de que o recurso apresentado em 16/11/2016 poderia ser efetivamente recusado uma vez que já iria ser apresentado fora de prazo.
xxx.-Facto que os RR. conheciam, uma vez que, acedendo à área da A. no portal AT, lá constava a informação de que o processo do pedido de reembolso havia sido indeferido, sendo a data da decisão de 10/06/2016.
xxxi.-Foi apresentada reclamação da decisão de 13/12/2016 junto do Tribunal Económico e Administrativo, tendo aquele considerado como data de apresentação do mesmo do dia 02/02/2017,
xxxii.-O mesmo foi liminarmente rejeitado.
xxxiii.-Frustrando-se definitivamente todas as expectativas da A. se ver reembolsada da quantia de € 12.674,28 (doze mil, seiscentos e setenta e quatro euros e vinte e oito cêntimos), entregue ao estado Espanhol.
xxxiv.-Face ao não reembolso dos € 12.674,28 (doze mil, seiscentos e setenta e quatro euros e vinte e oito cêntimos), a A. viu-se a braços com graves dificuldades de tesouraria, uma vez que, inesperadamente deixou de poder contar com aquela quantia.
xxxv.-E vendo-se na eminência de já não conseguir cumprir as suas obrigações perante os seus trabalhadores e fornecedores, a A. foi forçada a recorrer a um empréstimo bancário junto do Banco BCP,
xxxvi.-Tendo aquela entidade concedido à A. um empréstimo de €10.000,00 em Setembro de 2016,
xxxvii.-Cujo pagamento teve início em 09 de Setembro de 2016 e terminará em 09 de Setembro de 2020,
xxxviii.-Encontrando-se presentemente a ser pago em 48 prestações mensais de €248,85 cada,
xxxix.-A que acresce o respetivo imposto de selo,
xl.-Além do capital mutuado no valor de €10.000,00, e das despesas de abertura de crédito no valor de €50,00, a A. ainda terá que despender mais cerca de €2.072,64 (dois mil e setenta e dois euros e sessenta e quatro cêntimos) em juros e imposto de selo.
xli.-Da cláusula primeira do “Contrato de Prestação de Serviços” celebrado entre A. e R. resulta que:1.- Pelo presente contrato, o primeiro outorgante obriga-se a executar a contabilidade do segundo outorgante de acordo com os princípios e normas contabilísticas e as exigências legais em vigor, assumindo a responsabilidade pela regularidade técnica, nas áreas contabilística e fiscal, nos termos definidos pelo artigo 6.º do Estatuto da OTOC, aprovado pelo Decreto-Lei 452/99 de 5 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 310/09, de 26 de Outubro. 2.- Os serviços referidos no número anterior incluem o encerramento das contas do exercício, o preenchimento e envio das declarações fiscais e seus anexos, supervisão dos actos declarativos para a segurança social e para efeitos fiscais relacionados com o processamento de salários, organização do dossier fiscal e o fornecimento de balancetes com periodicidade (conforme solicitado pelo cliente, sendo desde já aceite a periodicidade trimestral). 3.- Para os efeitos previstos no n.º 1, assumirá directamente a responsabilidade pela regularidade técnica, o TOC João ….. inscrito na OTOC sob o nº1...3. 4.O TOC responsável técnico registado na OTOC é o Sr. João ….. na qualidade de Responsável Técnico inscrito na OTOC sob nº 1...3.”.
xlii.-Entre a Ordem dos Contabilistas Certificados e a Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A. foi celebrado um contrato de seguro de grupo obrigatório de responsabilidade civil dos contabilistas certificados, titulado pela apólice n.º 2.......3, através do qual a ora contestante assumiu para si transferido, nos termos, com os limites e exclusões aí mencionados, o risco de «… responsabilidade civil que, ao abrigo da legislação aplicável, seja imputável ao Segurado na sua qualidade de Contabilista Certificado.».
xliii.-Nas Condições Gerais, Capítulo I, Definições, Objecto e Garantias do Contrato, Art.º 1º, alínea d) pode ler-se que o segurado é «a pessoa singular, titular do interesse seguro na qualidade de Contabilista Certificado, que exerça efectivamente a profissão. Considera-se que exerce efetivamente a profissão, o contabilista certificado que, à data do erro, ato ou omissão gerador(a) de responsabilidade, se encontre identificado como responsável pela contabilidade da(s) entidade(s) a que o sinistro respeita, nos termos do disposto no artigo 10º do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados;».
xliv.-O contrato de seguro celebrado entre a OCC e a Allianz entrou em vigor, às 00:00 horas do dia 01/04/2016, e tem sido a partir daí sucessiva e anualmente renovado.

B)Factos não provados:
a.- O preenchimento dos impressos respetivos foi pedido pela A por esta não ter conhecimento ou não os querer fazer que o R JR ..... por simpatia e gratuitamente enveredou contactos e fez quanto lhe foi possível.».

De Direito

O presente recurso sustenta-se na circunstância de os RR. considerarem que a tarefa relativa ao pedido de devolução de IVA à Autoridade Tributária Espanhola, em que se fundou o pedido da A. e a condenação pelo Tribunal a quo, não estava contida no contrato celebrado entre as partes e, consequentemente, não existe, no seu entender, o dever de indemnizar.
É certo que os RR. nas suas conclusões 10ª a 14ª também se insurgem quanto aos valores indemnizatórios, defendendo, em suma, que da sentença sob recurso não consta qualquer facto provado quanto aos valores em que foram condenados, os quais constituíam matéria controvertida.
Na verdade, como referem, os factos relativos aos valores reclamados pela A. foram impugnados e portanto constituíam matéria controvertida; mas precisamente por isso essa matéria, atenta essa qualidade, foi objecto de julgamento constando tais factos da sentença sob recurso no item dedicado aos factos provados : cfr. factos ix, xxxiii a xl.
Não tendo os RR. impugnado em sede de recurso a decisão sobre a matéria de facto, ela mostra-se estabilizada, pelo que improcedem as ditas conclusões 10ª a 14ª.
A Autora é uma sociedade que se dedica à actividade comercial de transporte de mercadorias em Portugal e noutros países europeus, e os Réus, por seu turno, dedicam-se à actividade de contabilidade, sendo o 2º Réu TOC (cfr. factos i. e ii.).
A A. e a 1ª R. subscreveram em 01 de Julho de 2015 o escrito junto aos autos que intitularam “contrato de prestação de serviços” pelo qual a 1ª R. se obrigou a executar a contabilidade da A., assumindo a responsabilidade pela regularidade técnica nas áreas contabilística e fiscal, mediante a contrapartida do pagamento anual de € 3.360,00 (cfr. factos iii. a vi.).
Esse acordo de vontades, de índole negocial, foi considerado na sentença sob recurso como contrato de prestação de serviços, tal como as contraentes o denominaram, qualificação que não mereceu qualquer crítica das partes e efectivamente não merece reparo face ao conceito estabelecido no artº 1154º CCivil.

Da cláusula primeira desse contrato consta que:
1. Pelo presente contrato, o primeiro outorgante [a 1ª R.] obriga-se a executar a contabilidade do segundo outorgante [a A.] de acordo com os princípios e normas contabilísticas e as exigências legais em vigor, assumindo a responsabilidade pela regularidade técnica, nas áreas contabilística e fiscal, nos termos definidos pelo artigo 6.º do Estatuto da OTOC, aprovado pelo Decreto-Lei 452/99 de 5 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 310/09, de 26 de Outubro.
2. Os serviços referidos no número anterior incluem o encerramento das contas do exercício, o preenchimento e envio das declarações fiscais e seus anexos, supervisão dos actos declarativos para a segurança social e para efeitos fiscais relacionados com o processamento de salários, organização do dossier fiscal e o fornecimento de balancetes com periodicidade (conforme solicitado pelo cliente, sendo desde já aceite a periodicidade trimestral).
3. Para os efeitos previstos no n.º 1, assumirá directamente a responsabilidade pela regularidade técnica o TOC João ….. inscrito na OTOC sob o nº 1...3 [o 2º R.].
4. O TOC responsável técnico registado na OTOC é o Sr. João ……. na qualidade de Responsável Técnico inscrito na OTOC sob nº 1...3.”. (cfr. facto xli.).

Como se vê, a 1ª R. vinculou-se perante a A., nos termos acima referidos, a executar-lhe a contabilidade assumindo a responsabilidade pela regularidade técnica nas áreas contabilística e fiscal, ou seja, a desenvolver para a A. uma actividade que implicava a prática de funções exclusivas de um Técnico Oficial de Contas nos termos do artº 6º do DL nº 452/99, de 5/11, com as alterações introduzidas pelo DL nº 310/09, de 26/10, diplomas para os quais, aliás, o contrato remete [pois à data da sua celebração ainda não tinha sido publicada a Lei nº 139/2015, de 07/09 (entrada em vigor 30 dias após a sua publicação - cfr. seu artº 7º), que procedeu à alteração e republicação do Estatuto Profissional que havia sido aprovado pelo citado DL nº 452/99].
E por isso mesmo consta do contrato que a responsabilidade pela regularidade técnica era assumida directamente pelo TOC 2º R., João ….. inscrito na OTOC sob o nº 1...3, o qual era o responsável técnico registado na OTOC e nela inscrito (cfr. nºs 3 e 4 da clª 1ª do contrato), donde resulta patente que, sendo apenas contraentes a 1ª R. e a A., aquela assumiu perante esta que as funções exclusivas de TOC eram pessoalmente executadas através da pessoa singular 2º R., que preenchia os requisitos legais exigidos.
Assim, entre a A., cliente da 1ª R., e o referido TOC 2º R. não existe qualquer relação contratual; as relações contratuais existentes são entre a A. e a 1ª R., e entre esta e o referido Técnico Oficial de Contas, o qual executa as tarefas próprias e exclusivas da sua profissão a que pelo contrato a 1ª R. se obrigou perante a A., ou seja, a 1ª R. utilizava o 2º R. para o cumprimento da respectiva obrigação contratual sendo, por isso, responsável pelos actos dele como se por ela mesma fossem praticados, conforme resulta do artº 800º do Código Civil, certo que á data do contrato em causa os TOC (o que, aliás, se mantém) podiam exercer a sua actividade por conta própria, como profissionais independentes ou como empresários em nome individual; como sócios, administradores ou gerentes de uma sociedade profissional de técnicos oficiais de contas ou de uma sociedade de contabilidade; e no âmbito de um contrato individual de trabalho celebrado com outro técnico oficial de contas, com uma sociedade de profissionais, com outra pessoa colectiva ou com um empresário em nome individual; em qualquer dos casos assumindo, pessoal e directamente, a responsabilidade pela contabilidade a seu cargo (cfr. artº 7º nº 1 als. a), b) e d) e nº 2 do DL nº 452/99, de 5/11, com as alterações introduzidas pelo DL nº 310/09, de 26/10).
Não podemos esquecer que de acordo com o artº 3º nº 1 do DL nº 452/99, de 05/11 – em redacção ainda vigente – “As entidades sujeitas aos impostos sobre o rendimento que possuam ou devam possuir contabilidade regularmente organizada, segundo os planos de contas oficialmente aplicáveis, são obrigadas a dispor de técnico oficial de contas”, por isso quando as entidades sujeitas a impostos sobre o rendimento contratam serviços de um TOC - seja como profissional independente ou integrado numa estrutura societária - esperam dele competência e diligência no exercício das respectivas funções, como aliás demanda a respectiva deontologia profissional.
Acerca das suas funções, o artº 6º nº 1 daquele diploma com as alterações que lhe foram introduzidas pelo DL nº 310/2009, de 26/10, à semelhança do que dispõe actualmente o seu artº 10º nº 1, confere aos TOC/Contabilistas Certificados a exclusividade do exercício, além de outras, das seguintes funções: a)- planificar, organizar e coordenar a execução da contabilidade das entidades que possuam, ou que devam possuir, contabilidade regularmente organizada segundo os planos de contas oficialmente aplicáveis ou o sistema de normalização contabilística, conforme o caso, respeitando as normas legais, os princípios contabilísticos vigentes e as orientações das entidades com competências em matéria de normalização contabilística; b)- assumir a responsabilidade pela regularidade técnica, nas áreas contabilística e fiscal, das entidades referidas na alínea anterior; entendendo-se por regularidade técnica, para os efeitos do disposto na alínea b) do nº 1, a execução da contabilidade nos termos das disposições previstas nos normativos aplicáveis, tendo por suporte os documentos e as informações fornecidos pelo órgão de gestão ou pelo empresário, e as decisões do profissional no âmbito contabilístico, com vista à obtenção de uma imagem fiel e verdadeira da realidade patrimonial da empresa, bem como o envio para as entidades públicas competentes, nos termos legalmente definidos, da informação contabilística e fiscal definida na legislação em vigor (cfr. nº 3 do normativo)- (destacados nossos).

Desde há muito vem a Jurisprudência dos Tribunais Superiores elucidando que as expressões planificar, organizar e coordenar respeitam a estabelecer um plano (um “iter” ou caminho), programar e, finalmente, dirigir uma estratégia conjunta para melhor alcançar uma finalidade, e que com o desenvolvimento das técnicas de gestão, a contabilidade já não é apenas entendida como um elemento de simples recolha e interpretação dos dados históricos de uma empresa privada, ou mesmo de um departamento da administração pública, é além disso uma técnica eficiente de gestão (cfr., a título de exemplo, Ac. STJ de 21/06//2011, proc. 1065/06.7TBESP.P1.S1).

Nem se compreenderia que o legislador tivesse imposto às entidades sujeitas aos impostos sobre o rendimento, que possuam ou devam possuir contabilidade regularmente organizada, a obrigatoriedade de disporem de um TOC, determinando para esse desempenho uma maior exigência da sua formação académica e profissional com a necessidade de formação superior e a instituição de estágio e de exame, para os confinar a puras tarefas de guarda-livros na organização e arquivo de documentos contabilísticos e fiscais, seu lançamento nos respectivos livros contabilísticos e no sistema informático, e apuramento de impostos a pagar.

Portanto, “executar a contabilidade” – tal como ficou previsto no contrato em apreço – não respeita apenas à organização e arquivo de documentos contabilísticos e fiscais, classificação de documentos e seu lançamento nos respectivos livros contabilísticos e no sistema informático e apuramento de impostos a pagar, mas também projectar e estabelecer medidas que, do mesmo passo, assegurem que as entidades sujeitas aos impostos sobre rendimentos cumpram as suas obrigações em matéria de execução da contabilidade e nas suas relações com a Administração Fiscal e que sejam simultaneamente convergentes com a melhor satisfação dos interesses dessas entidades.

Por isso, do mesmo modo que não suscitará dúvidas que cabe ao TOC/Contabilista Certificado, por conta do sujeito passivo de IVA com contabilidade organizada e cuja contabilidade tem a seu cargo, proceder ao preenchimento e entrega da declaração periódica do IVA, não restarão dúvidas de que um pedido de reembolso do IVA, direito que a Autoridade Fiscal, designadamente no espaço económico comum europeu, reconhece ao agente económico, se enquadra na planificação da “execução da contabilidade”, e, por conseguinte, tratar-se de tarefa incluída no âmbito do contrato sob apreciação.

Aliás, os RR. disso não tiveram dúvidas porquanto, relativamente à quantia de €12.674,28 suportada pela A. a título de IVA dos diversos serviços de transporte de mercadorias que efectuou em Espanha, os RR. procederam ao pedido de reembolso do IVA, apresentando-o junto da Autoridade Tributária Portuguesa em 28/09/2015 (cfr. factos viii a x), não tendo resultado demonstrado que tenha sido por simpatia e gratuitamente que o R. JR ..... procedeu ao preenchimento dos impressos e encetado contactos, a pedido da A por esta não ter conhecimento ou não o querer fazer (cfr. facto não provado a.). O que aconteceu é que os procedimentos destinados a alcançar esse desiderato foram pelo R. TOC mal executados.

Ora, nas relações com as entidades a que prestem serviços têm os TOC/Contabilistas Certificados o dever de “desempenhar conscienciosa e diligentemente as suas funções(cfr. al. a) do nº 1 do art. 54º do pretérito Estatuto dos TOC e actual artº 72º nº 1 al. a) do DL nº 452/99), não correspondendo a um exercício de funções diligente as ineficiências e omissões que os factos xii a xviii revelam terem-se verificado quanto ao pedido de reembolso do IVA em causa, quando é certo que a A. teria direito a esse reembolso. E o respectivo montante era expressivo na dimensão da actividade da A., tanto assim que a mesma teve dificuldades de tesouraria por inesperadamente não poder contar com aquela quantia (cfr. facto xxxiv), tendo, portanto, aquelas ineficiências e omissões tido impacto no equilíbrio financeiro da A. enquanto agente económico (na exposição que antecede louvamo-nos no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/10/2016, proc. 2177/13.6TVLSB.L1-6, versando precisamente uma situação de pedido de reembolso de IVA à AT de Espanha).

Não tendo o 2º R. cumprido os seus deveres funcionais enquanto TOC/Contabilista Certificado no tocante á contabilidade da A. que estava a seu cargo, pela qual, como acima mencionado, assume, pessoal e directamente, a responsabilidade, tal importou para a A. dificuldades de tesouraria face ao não reembolso dos € 12.674,28; e a mesma, para cumprir as  obrigações perante os seus trabalhadores e fornecedores, teve de recorrer a um empréstimo bancário que em juros e imposto de selo a fez despender € 2.072,64 (cfr. factos xxxiv a xxxvi), despesas em que não teria de incorrer não fora a necessidade daquele empréstimo bancário, necessidade directamente decorrente dos apontados erros e omissões do 2º R..

Portanto a A. provou que o 2º Réu incumpriu os seus deveres profissionais/funcionais a que estava adstrito para realização da prestação contratual a que a 1ª R. se obrigou perante a A., e que esse incumprimento foi causa de danos por ela sofridos (nexo causal).

Actuando a 1ª R. através do 2º R. no desenvolvimento da prestação a que contratualmente se obrigou perante a A., ela responde, como inicialmente mencionámos, pelos actos lesivos no cumprimento da obrigação por aquele praticados, e porque nos encontramos no domínio da responsabilidade contratual sobre ela incide uma presunção de culpa como decorre das disposições conjugadas dos artºs 1154º, 1165º, aplicável por força do artº 1156º, 800º nº 1 e 799º nº 1, todos do CCivil; presunção que a mesma não afastou.

Assim, aqui chegados, somos a concluir pelo incumprimento contratual da 1ª R., por actuação do seu auxiliar no cumprimento da prestação, sendo a mesma responsável por indemnizar a A. pelos danos sofridos (cfr. artº 798º CCivil), os quais, face ao disposto pelos artºs 562º e 564º nº 1 CCivil, se reconduzem à quantia de € 12.674,28, a cujo reembolso tinha direito enquanto sujeito passivo de IVA e que não recuperou, e à quantia de € 2.072,64 relativa a despesas em que teve de incorrer para colmatar o não recebimento daquele outro montante.

Deste modo, em consequência de tudo quanto antecede, deve a 1ª R. ser condenada naqueles moldes e o 2º R. absolvido, o que importa a revogação parcial da sentença de 1ª instância e a sua substituição por outra que assim o decida.


IIIDECISÃO

Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se parcialmente a sentença recorrida, a qual se substitui por outra que condena a 1ª R. a pagar à A. as quantias de € 12.674,28 e de € 2.072,64, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos pelo incumprimento contratual imputável à 1ª R., e absolve o 2º R. dos pedidos.
Custas da acção e do recurso a cargo da A. e da 1ª R., na proporção de 50% para cada.
Notifique.



Lisboa, 14/12/2023



Amélia Puna Loupo - (Relator)
Maria Carlos Calheiros - (1ª Adjunta)
Carla Senna Mendes - (2ª Adjunta)