Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
22317/09.9T2SNT.L1-1
Relator: MANUEL RIBEIRO MARQUES
Descritores: DEVER DE FIDELIDADE
DISSOLUÇÃO
CASAMENTO
FACTOS INSTRUMENTAIS
FACTOS ESSENCIAIS
RECURSO
DANO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/09/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1- Decorre do estatuído nos arts. 506º, n.º 1, e 663º, do CPC, que, após o encerramento da discussão em 1ª instância, só podem ser atendidos os factos instrumentais e os que interessem à verificação dos pressupostos processuais, que não os factos principais.
2- Consequentemente, a junção de documentos para prova de factos principais ocorridos posteriormente ao encerramento da discussão em 1ª instância não é admissível na fase de recurso.
3- Consubstancia uma violação do dever de fidelidade, a mera ligação sentimental do cônjuge marido para com outra mulher, pois que este dever tem por objecto a dedicação exclusiva e sincera, como consorte, de cada um dos cônjuges ao outro.
4- Com a redacção dada ao art. 1792º, n.º 1, do CC, pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, a reparação dos danos causados ao “cônjuge lesado”, resultantes da própria dissolução do casamento e dos factos que conduziram à ruptura da vida em comum e ao divórcio, passou a ser feita nos meios comuns e não na acção de divórcio.
5- Como o STJ tem vindo a observar, perante o paradigma de uma sociedade em constante e contínua evolução quanto aos seus valores dominantes, como é a sociedade actual, o conceito da “perenidade do matrimónio durante toda a vida dos cônjuges” deixou de constituir um factor de absoluta e suprema relevância no domínio das relações matrimoniais, pelo que a idealizada pretensão da autora do casamento ser para toda a vida, não configura, por si só, a ocorrência de uma situação cuja frustração se mostrasse passível de ressarcimento pela via indemnizatória.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. E.S… instaurou a presente ACÇÃO DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO, SOB A FORMA DE PROCESSO ORDINÁRIO, contra (o então ainda seu marido) L.R…, pedindo a condenação deste a pagar-lhe:
a) a quantia de €25.000,00 a título de reparação de danos morais pela violação dos deveres conjugais;
b) a quantia de €25.000.00 a título de danos não patrimoniais pela dissolução do casamento; e
c) os juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento sobre a quantia de €50.000.00.
Alegou, em síntese, que a A. e R. casaram em 21 de Abril de 19…, sem convenção antenupcial, tendo do casamento nascido dois filhos em 26 de Janeiro de 19… e 15 de Janeiro de 20…; que o Réu foi trabalhar para Angola, sendo que o relacionamento entre A. e R. processou-se normalmente até Abril de 200…, altura em que o R. veio de férias para L…; que no dia da chegada, o mesmo anunciou à A. que já não gostava dela porque tinha outra mulher e queria fazer a vida com ela; que um dia depois o réu saiu de casa e passou o resto das férias com a amante de nome H…; que desde então o casal está separado de facto; que a ruptura conjugal constituiu um choque brutal para a A. e para os filhos; que o R.. voltou para Angola onde actualmente se encontra e aufere um vencimento mensal em Angola de 6.333,33 €, com todas as despesas pagas; que o réu fez saber à A. que a partir de Abril de 200… deixaria de fazer a transferência do seu vencimento para a A., a fim de assegurar as despesas familiares; que o Réu já mantinha a relação extraconjugal no Natal de 2008, altura em que praticamente se recusou a ter relações sexuais com a A., apesar da disponibilidade desta, tendo, porém, omitido deliberadamente que mantinha uma relação de adultério com outra mulher; que o choque sofrido pela A. foi de tal forma grande que a mesma está a receber tratamento psicológico e a sujeitar-se a medicamentação e terapia para aguentar o abalo; que se sente vexada e humilhada pelo facto e ter sido enganada pelo R. e atingida na sua honra e dignidade pelo seu comportamento, tendo vergonha de enfrentar os amigos e os próprios filhos; que a angústia da A. agravou-se ainda pelo facto de o R. ter reduzido drasticamente o apoio que concedia para as despesas familiares; que a A. tem direito a uma indemnização pela violação dos referidos deveres conjugais, no montante não inferior a €25.000,00; que já instaurou acção de divórcio contra o R. com o fundamento ao abrigo do disposto no n.° 3 do art. 1773° e alínea d) do art. 1781° ambos do Código Civil; que a ruptura do casamento abalou as mais profundas convicções da A., católica praticante; a A. considerava que o casamento era para toda a vida; que a manutenção da família constituía o desígnio mais profundo da A. que vivia para o marido e para os filhos; que a dissolução do casamento provocou-lhe urna depressão profunda; que a A. tem direito a ser ressarcida pelos danos não patrimoniais resultantes da dissolução do casamento, que estima em montante não inferior a €25.000,00.
O réu contestou, tendo impugnado vários dos factos articulados na p.i., alegando que é falso que o casamento com a A. se tenha processado normalmente até Abril de 2009, pois que na verdade já tinha acabado, limitando-se a ser urna relação formal; que eram frequentes as discussões entre o casal e praticamente inexistente o relacionamento sexual; que a A. muitas vezes já havia sugerido ao R. que "(...) era melhor cada um ir para seu lado", chegando mesmo a proferir tal afirmação à frente dos filhos de ambos; que com a sua deslocação para Angola, o R. constatou que não sentia a falta da presença da sua mulher, e sentia que também esta não sofria da "saudade" que deveria caracterizar este tipo de separação de um casal; que concluiu que o casamento havia chegado "ao fim" para ambos, pois a relação que deve estar subjacente a um casamento deixara de existir; que não teve qualquer relação extraconjugal durante os períodos temporais alegados na petição inicial; que porque nutre o máximo respeito pela A.. o R. entendeu que apenas lhe deveria comunicar pessoalmente a decisão de por termo ao casamento quando regressasse a Portugal, o que aconteceu em Abril de 2009, e não por mail ou por telefone; que foi por esse motivo que, regressando a Portugal de férias em 09 de Abril de 2009, o R. comunicou à A. que, depois de muito reflectir, concluíra que o sentimento de amor entre ambos já há muito terminara de parte a parte, e, que, desta forma, não fazia sentido manter este casamento; que na mesma altura em que comunicou à A. a sua decisão, esta impôs ao R. que retirasse da casa de morada de família os seus bens pessoais, entre os quais a sua roupa, tendo acedido a esta imposição, por entender e respeitar o estado de espírito da A.; que A. e R. combinaram então, nesse mesmo dia, que seria o R. a explicar aos filhos de ambos a decisão de separação, e a fim de minimizar o impacto nos menores; que, enquanto permanecesse em Portugal, o R. iria todos os dias à noite deitar os menores e levá-los ao colégio de manhã; que, a partir do dia seguinte, por imposição da A., o R. passou a dormir na casa dos seus pais; que o contrato de trabalho do R. invocado cessou, por imposição da sua entidade patronal, em 01/07/2009, tendo ficado em situação de desemprego a partir dessa data; que já instaurou um processo para que seja decretado o seu divórcio e para que sejam reguladas as responsabilidades parentais; que no dia útil seguinte ao do regresso do R. a Portugal. e de este lhe ter comunicado a sua intenção de divórcio, a A. saldou todas as contas bancárias conjuntas do casal ao levantar a totalidade dos valores aí depositados (cerca de €50.000.00), sem dar conhecimento ao R.. e sem que até hoje lhe tenha prestado contas do destino que deu aos valores depositados nas contas bancárias de ambos; que teve que pedir dinheiro aos pais para comer e para satisfazer as suas mais básicas necessidades de sobrevivência; que ao mesmo tempo, foram subtraídos da posse do ora R. as chaves da casa de morada de família, os cartões Multibanco e os cartões de crédito; que foi então que o R. comunicou à A. que, em virtude de ser ela a detentora do dinheiro de ambos, passasse a retirar daí o valor necessário para fazer face ao sustento dos filhos de ambos e que quando a A. decidisse prestar-lhe contas dos saldos bancários que levantara, todos os valores relacionados com o sustento e educação dos menores entrariam em linha de conta no acerto de contas final, que ambos terão que fazer ainda que por via judicial; que o R. veio mais tarde a descobrir que em 16 de Abril a R. fez a doação de uma quota social que era bem comum, com o único objectivo de a retirar do património comum do casal; que o fim do casamento entre A. e R. deu-se sem culpa de qualquer dos cônjuges " apenas chegou "ao fim”.
Na contestação o réu deduziu ainda reconvenção, peticionando a condenação da A. no pagamento de uma indemnização no montante de €30.000,00 a título de reparação dos danos morais, acrescida dos juros de mora desde a citação até integral pagamento.
Peticionou por último a condenação da autora numa a indemnização no valor de €5.000 por litigância de má fé.
A autora replicou e pediu a condenação do Réu como litigante de má fé em, multa e indemnização não inferior a €5.000.
O Réu treplicou.
Realizada audiência preliminar, foi admitido o pedido reconvencional formulado, admitido o articulado de réplica e o articulado de tréplica, no que toca ao teor dos arts. 9° a 14°. 25°. 26° 28° 29° a 35° 41°. 47° e 51°.
Foi proferido despacho saneador, seleccionados os factos assentes e elaborada a base instrutória.
Realizado o julgamento foi proferida sentença, na qual se rectificou a resposta dada ao quesito 74º (substituindo-se o valor de €5.50.37 pelo valor de €5.550.37) e se decidiu:
“Em face do exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção e decido condenar o Réu em indemnização a favor da Autora por danos morais, por violação dos deveres conjugais e dissolução do casamento, no valor de €12.000, no mais absolvendo o Réu do peticionado.
Julgo improcedente o pedido reconvencional deduzido, dele absolvendo a Autora.
Decido não condenar qualquer das partes como litigante de má fé.
Custas pela Autora e Réu. na proporção do respectivo decaimento e ainda considerando o disposto no art. 663°. n° 3. do Código de Processo Civil, sendo que a própria dissolução do casamento. facto jurídico relevante para a indemnização atribuída, só sobreveio no decurso da própria acção – art. 446°. n°s 1 e 2. e 663°. n° 3. do Código de Processo Civil – que fixo em 90% para a Autora e 10% para o Réu”.
Inconformados a autora e o réu interpuseram recurso de apelação.

Nas suas alegações a autora formulou as seguintes conclusões:
1. (…)

De sua vez, nas suas alegações de recurso, o réu formulou conclusões com o seguinte teor:
(…)
A autora apresentou contra-alegações, nas quais se propugna pela improcedência do recurso interposto pelo réu.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria de facto:
(…)

***
III. Nos termos dos art.ºs 684º, n.º 3, 685º-A, n.º 1, e 685º-B, do C.P.Civil, o objecto dos recursos acha-se delimitado pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 660º do mesmo Código.
Assim, as questões a decidir resumem-se em saber:
Quanto à apelação do réu:
- se é admissível a junção aos autos dos documentos apresentados com as alegações;
- se é caso de alterar a matéria de facto considerada provada em 1ª instância;
- se os danos não patrimoniais provados são merecedores da tutela do direito.
Quanto à apelação da autora:
- se a indemnização pelos danos não patrimoniais deve ser aumentada para o montante de €25.000,00.

*
IV. Da questão de mérito:

Da apelação interposta pelo réu:
Da admissibilidade da junção aos autos de documentos com as alegações:
Com as alegações o réu juntou os seguintes documentos:
- declaração da sua situação de desemprego (datada de 6/08/20…);
- autuação em 28/08/20… de um processo de insolvência da soc. P…, SA, em que é requerente o ora réu;
- inscrição deste no Centro de Emprego (datada de 13-08-20…);
- requerimento de instauração de uma execução por parte da ora autora contra o ora réu, para pagamento de pensões de alimento dos filhos, acrescidas de juros de mora, no valor global de €34.175,03;
- notificação da realização de uma penhora do direito a ½ sobre dois imóveis pertencentes ao réu (notificação datada de 18/09/20…, no âmbito do proc. n.º …/09.8T2SNT-F).
Em matéria de junção de documentos no tribunal de recurso, dispõe o art. 693º-Bº, do CPC:
“As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 524, no caso da junção se tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância e nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2, do artigo 691º”.
Assim, e para além do mais, podem ser juntos documentos às alegações quando se destinem a provar factos posteriores aos articulados.
Todavia, como decorre do estatuído nos arts. 506º, n.º 1, e 663º, do CPC, após o encerramento da discussão em 1ª instância, só podem ser atendidos os factos instrumentais e os que interessem à verificação dos pressupostos processuais, que não os factos principais – cfr. Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 2º, pag. 426 e vol. 3º, pag. 84.
Ora, os factos que os documentos juntos se destinam a provar - alteração da situação laboral do apelante – assumem relevo em sede de fixação do montante da indemnização por danos não patrimoniais (arts. 494º e 496º, n.º 3, do C.C.), integrando assim a causa de pedir.
Deste modo, e destinando-se os recursos ordinários ao controlo da decisão impugnada, a junção de documentos para prova de factos principais ocorridos posteriormente ao encerramento da discussão em 1ª instância não é admissível,
Ordenar-se-á, por isso, o seu desentranhamento e entrega ao apelante.

Da impugnação da matéria de facto:
Nas alegações de recurso o réu tece considerações sobre a matéria de facto considerada provada em 1ª instância, manifestando discordância quanto a tal.
E nas conclusões diz o réu que a autora não provou:
- que o seguimento desta ultima por um clínico fosse consequência do anúncio da vontade do réu em se separar;
- que à data de 9/04/200… o réu estivesse a fazer vida com outra pessoa;
- que o réu se negasse a partir de então a fazer mais transferências do seu vencimento para a autora fazer face às despesas com os menores;
- que o levantamento pela autora dos saldos bancários se devesse ao justo receio de não conseguir fazer face às despesas com a família;
- que a crença da autora no catolicismo levam-na a considerar que o casamento era para toda a vida;
- que a constituição e manutenção da família era o seu desígnio mais profundo, vivendo para o marido e filhos.
Vejamos se lhe assiste razão.
Prescreve o art. 685º-B, do CPC, que:
1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 522º -C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
Assim, a lei impõe ao recorrente o ónus de indicar, de forma precisa, quais os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios que imponham decisão diversa, com a indicação das passagens da gravação dos depoimentos prestados em que funda a sua discordância.
Ora, nada disto fez o réu apelante.
Sob o ponto de vista formal, este não cumpriu minimamente o que lhe era legalmente exigido para poder atacar a decisão de facto da 1.ª instância, a qual, de acordo com a respectiva motivação, se fundou na conjugação da prova testemunhal e documental produzida.
Deste modo, a entender-se ter o apelante pretendido impugnar a decisão sobre a matéria de facto com fundamento do erro na apreciação das provas gravadas, sempre aquela omissão conduziria, por si só, à rejeição liminar do presente recurso, no segmento em apreço, nos termos do n.º 2, do art. 685º-B do CPC.
Certo é que, nas suas conclusões, em prol da alteração da factualidade considerada provada, o apelante invocou ainda o facto da autora ter doado a seus pais uma quota de que era titular na sociedade F…, Lda (facto documentalmente comprovado), inferindo daí que a mesma não estaria preocupada com as condições económicas da família.

Resta, assim, verificar se os elementos fornecidos pelo processo impõem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas (cfr. al. b) do n.º 1, do art. 712º, do CPC).
Na previsão do citado normativo abarcam-se as situações em que o tribunal se defronta com elementos cuja força probatória plena não tenha sido abalada (v.g. documento autêntico cuja falsidade não tenha sido invocada, confissão reduzida a escrito ou produzida nos articulados, acordo das partes), com factos relativamente aos quais o tribunal recorrido tenha desrespeitado a prova legal ou com outros factos submetidos a regimes probatórios específicos, mas que não tenham sido assumidos pelo tribunal recorrido.
Ora, manifestamente, o documento invocado pelo apelante, não constitui prova plena quanto à não verificação dos factos considerados provados em 1ª instância.
Sendo assim, e uma vez que os elementos fornecidos pelo processo (documentos) não têm a virtualidade para imporem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, conclui-se que não se mostra verificado qualquer dos fundamentos tipificados no n.º 1 do art.º 712.º do CPC, mantendo-se, por isso, a matéria de facto considerada provada em 1ª instância.

Da reparação dos danos não patrimoniais:
Na apelação sustenta o apelante que na presente acção apenas podem ser ressarcidos os danos resultantes da violação dos deveres conjugais.
Vejamos.
A autora e o réu contraíram matrimónio entre si no dia 21/04/19….
Esse casamento foi dissolvido por sentença proferida dia 7/10/2.., transitada em julgado em 15/11/20.. (no âmbito dos autos de divórcio sem consentimento n.º 19…./09.8T2SNT, que correu termos na 4a secção do Juízo de Família e Menores de Sintra, instaurados pela aqui Autora contra o aqui Réu), que, aplicando o novo regime jurídico do divórcio, resultante da Lei n.º 61/2008, de 31/10, e considerando verificada ruptura da vida em comum com carácter efectivo, consolidado e duradouro, decretou o divórcio.
A Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, entrou em vigor dia 30 de Novembro de 2008, ou seja em data anterior à instauração da presente acção (esta foi proposta dia 28/07/2009).
Essa lei conferiu nova redacção ao art. 1792º do CC, passando a estipular que:
1. O cônjuge lesado tem o direito de pedir a reparação dos danos causados pelo outro cônjuge, nos termos gerais da responsabilidade civil e nos tribunais comuns.
2. O cônjuge que pediu o divórcio com fundamento na alínea b) do artigo 1781 deve reparar os danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento; este pedido deve ser deduzido na própria acção de divórcio.
Assim, com excepção dos casos em que a ruptura do casamento deriva da alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, a lei deixou de fazer a distinção entre os danos directamente resultantes da própria dissolução do casamento (únicos que eram previstos na anterior redacção do artigo 1792.º do Código Civil) e os danos resultantes dos factos que conduziram à ruptura da vida em comum e ao divórcio.
Quer numa situação, quer noutra, a reparação desses danos causados ao “cônjuge lesado” (n.º 1) passou a ser feita nos meios comuns e não na acção de divórcio.
Como se refere na exposição de motivos do Projecto de Lei de alteração do regime de Divórcio (n.º 509/X): “Os pedidos de reparação de danos serão, em qualquer caso, julgados nos termos gerais da responsabilidade civil, nas acções próprias; este é um corolário da retirada da apreciação da culpa do âmbito das acções de divórcio”.
Como se refere na sentença recorrida, “a ideia do legislador foi impor uma ponderação conjunta de todos os danos, evitando por um lado a sua ponderação truncada ou mesmo a sua dupla valoração, tutelando nos termos gerais a violação dos direitos do cônjuge que viu dissolvido o casamento por divórcio e olhando para a repercussão do divórcio na esfera jurídica de um dos elementos do casal dissolvido na sua globalidade apenas no pressuposto de lhe estar subjacente a violação culposa de deveres conjugais ou outros direitos de personalidade”.
A reparação desses danos está sujeita ao regime geral da responsabilidade extracontratual do artigo 483.º do Código Civil.
Cumpre, por isso, ao cônjuge lesado demonstrar a violação de um ou de vários deveres conjugais por parte do outro cônjuge (facto ilícito) e a culpa deste nessa violação.
Nesta matéria, considerou-se na sentença recorrida que:
“Isto posto, versando o caso concreto, em vista da materialidade apurada, podemos afirmar que na origem da dissolução do casamento entre a A. e o Réu, (…) esteve apenas a conduta do Réu, nada se apurando do relacionamento conjugal que apontasse anteriormente para uma impossibilidade de vivência em comum, pelo contrário, apurou-se que o relacionamento entre a Autora e o Réu se processou normalmente até 9 de Abril de 2009, data em que o Réu chegou de Angola, onde trabalhava, para gozar férias, e comunicou à Autora com frieza que já não gostava dela porque tinha outra mulher e queria fazer a vida com ela e que o seu casamento com a Autora chegara ao fim, data a partir da qual o Réu não mais quis saber da autora nem se interessou em acompanhar as consequências que a ruptura significou para a mulher e para os filhos, tanto em termos materiais como psicológicos, sendo certo que o Réu se envolveu em relacionamento, pelo menos, emocional de cariz de namoro com H…, e que era correspondido, em momento anterior à ruptura e comunicação referida (J. D, E. K. M,O e II).
Ocorreu, pois, violação dos deveres de fidelidade e de assistência, que deram causa ainda a todo o sofrimento psicológico da Autora relatado supra de Q) a DD), ponderando ainda que a Autora acredita nos valores do catolicismo e considerava ser o casamento para toda a vida, constituindo a manutenção da família o seu desígnio mais profundo, vivendo para além do trabalho para o marido e filhos (EE, FF. GG).
Não há que sancionar, fazendo relevá-la enquanto conduta violadora do correspondente dever conjugal, a retirada de casa por parte do Réu, cessando a coabitação, posto que a mesma foi imposta pela própria Autora, no circunstancialismo provado e justificado da comunicação de que o Réu já não gostava da mesma e tinha outra pessoa com quem pretendia fazer vida em comum que não a própria Autora e que o casamento de ambos chegara ao fim.
Por outro lado, no que tange à falta de apoio económico, diremos ainda que é certo que ocorreu o levantamento por parte da Autora de todos os valores referidos em F), na sequência do que o Réu ficou sem dinheiro, vendo-se obrigado a pedir dinheiro aos pais, e é certo também a actuação apurada em H). Porém, cremos que tais condutas, mormente a primeira, única com consequência apuradas, definitivas na posição do Réu, surgem como reacção directa à conduta do próprio Réu e justificada pelo anúncio pelo mesmo efectuado no sentido de que a partir daquele Abril deixaria de fazer a transferência do seu vencimento para a Autora, a fim de assegurar as despesas familiares e, por conseguinte, fruto do receio gerado por tal comunicação de a Autora não conseguir prover a essas mesmas despesas. Certo é, de resto, que não obstante tais movimentações e decorrência da situação de depressão em que caiu, com as repercussões em termos de despesas que a mesma teve, a Autora tem tido necessidade de ser auxiliada financeiramente por seu pai, alheando-se o Réu de tal situação e das inerentes necessidades de sua ainda mulher e filhos (v. factos apurados supra em YY. XX, ZZ, AAA. BBB e CCC), não tendo aqueles deveres conjugais cessado com a comunicação que efectuou em Abril de 2009, mas apenas e só com o decretamento do divórcio”.
Na sentença considerou-se, assim, ter o réu violado os deveres conjugais de fidelidade e assistência.
Na apelação o réu sustenta não ter violado tais deveres e que não deve ser considerada justificada a imposição da autora na sua saída da casa de morada da família e o levantamento de todo o dinheiro feito pela autora, em reacção directa pela conduta levada a cabo pelo réu.
No que tange ao dever de fidelidade, os factos apurados – ligação sentimental do réu para com outra mulher - consubstanciam a violação daquele dever conjugal, pois que este dever tem por objecto a dedicação exclusiva e sincera, como consorte, de cada um dos cônjuges ao outro, abrangendo não só os casos de infidelidade material (adultério), mas também os de infidelidade moral (mera ligação sentimental ou platónica com outrem) - cfr. Ac. do S.T.J. de 12-12-96 in Col. S.T.J., t.3, pag. 131; Antunes Varela, Direito da Família, 1º vol., 5ª edição, pag. 343.
Tendo tal ligação sentimental ocorrido durante a plenitude da vida em comum, a mesma reveste-se de particular gravidade, pois que foi sem qualquer dúvida a circunstância do réu se ter passado a relacionar afectivamente com outra mulher que determinou a cessação da vida em comum, não se tendo apurado o alegado pelo réu no sentido da crise matrimonial ter ocorrido anteriormente (vide resposta negativa aos quesitos 26º, 27º e 28º).
Sem se pretender formular juízos de valor morais sobre a conduta do réu, o certo é que, do ponto de vista normativo, o comportamento do mesmo, durante o período da vivência em comum, é merecedor de forte censurabilidade do direito.
A comunicação do réu efectuada a sua mulher no dia 9/04/20.., ainda que sincera, não deixou espaço para uma (eventual) futura reconciliação.
Conclui-se, pois, pela violação pelo réu, de forma culposa, do dever de fidelidade, o qual constituiu a causa da ruptura do casamento.
Efectivamente, tudo o ocorrido posteriormente àquela comunicação (saída do réu do lar conjugal; declaração deste de que a partir desse mês deixaria de fazer transferências do seu vencimento para a autora, a fim de assegurar as despesas familiares, levantamento dos saldos bancários por parte desta e a realização pela mesma da doação de uma quota numa sociedade) mais não foi do que uma decorrência da ruptura do casamento.

No que toca à saída do réu do lar conjugal, apurou-se que foi a autora quem impôs ao réu que saísse da casa de morada de família, ao que este acedeu, por entender e respeitar o estado de espírito da autora.
Significa isto que embora tenha partido desta a pretensão da cessação da coabitação, o réu anuiu a tal, acabando a mesma por ser consensual.
De resto, não seria a permanência do réu na casa de morada da família que obstaria à cessação da coabitação, nomeadamente ao nível de partilha de leito, face à ruptura definitiva da vida conjugal ocorrida no dia 9 de Abril de 200.. e à cessação do afecto e respeito recíprocos entre os cônjuges, tendo o casamento perdido a sua razão de ser.
Deste modo, entendemos que também o réu pretendeu a cessação da coabitação, pois que, conforme declarou à autora, queria fazer vida com outra mulher.

Quanto à violação dos deveres conjugais de assistência e respeito:
O dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar, recaindo essa obrigação durante o período de separação de facto, em princípio, apenas sobre o cônjuge culpado – art. 1675º, do C.C.
O dever de respeito abrange as liberdades individuais do consorte, os seus direitos conjugais e, dum modo geral, a sua integridade física e moral.
Apurou-se que no dia 9 de Abril de 200… o réu comunicou à autora que deixaria de fazer a transferência do seu vencimento para a mesma, a fim de assegurar as despesas familiares.
Esta declaração, por si só, não traduz a violação do dever conjugal de assistência, apenas significando que a partir daquele mês o réu deixaria de fazer a transferência do seu vencimento para a conta conjunta do casal.
E, como é sabido, assiste a cada um dos cônjuges o direito a depositar o respectivo vencimento numa conta em seu nome exclusivo e a movimentá-la livremente – cfr. art. 1680º do CC.
Assistia, por isso, ao réu o direito de deixar de depositar o seu vencimento na conta conjunta do casal, o que, de resto, em face das realidades da vida, fazia todo o sentido, atenta a ruptura do casamento.
Acontece, porém, que, perante aquela declaração, a autora, no primeiro dia útil seguinte, “apressou-se” a levantar todas as quantias existentes nas contas bancárias do casal, no valor global de €46.910,58, tendo deixado o réu sem dinheiro. Este viu-se então obrigado a pedir dinheiro aos pais, sentindo-se surpreso, ultrajado, vexado e tratado como um burro pela autora.
E, segundo se apurou, esta transferiu aquele dinheiro para uma conta da titularidade de seu pai, tendo-lhe este posteriormente restituído todo, com ressalva para €12.000,00, que aceitou como forma de pagamento dos valores que anteriormente tinha entregue à autora para a auxiliar no sustento da família nos períodos em que o réu esteve desempregado.
A autora fez ainda sua a quantia de €5.550,37 relativo ao reembolso do IRS de 20….
Ainda que se aceite que a autora agiu daquele modo com receio que o réu no futuro não contribuísse para os encargos da vida familiar, incluindo as despesas com os filhos menores, ainda assim a colocação de todas aquelas quantias pertencentes ao casal sob a sua exclusiva disponibilidade, para além de desproporcionada ao fim visado, é irrazoável, ao ponto de deixar o réu sem dinheiro para a sua subsistência, não podendo, nessa medida, deixar de constituir uma atitude violadora do dever conjugal de respeito, sendo merecedora de um juízo ético de censura.
Todavia, a acção da autora deva ser valorado no âmbito da crise matrimonial e como “resposta” à conduta do réu, não tendo tido qualquer relevo na ruptura conjugal e no comprometimento da vida em comum, o qual à data já tinha ocorrido.

Apurou-se ainda que a partir do dia 9 de Abril de 200…, o réu nunca mais contribuiu para as despesas da autora e dos filhos, nem sequer para a amortização da casa; e que a partir de Junho de 200.., a autora e os filhos do casal passaram a beneficiar de ajuda financeira prestada pelo pai da autora, que passou a pagar o colégio dos menores e a amortização da casa.
Tendo a presente acção sido intentada dia 28/0../200.., o que resulta provado é que desde o dia 9 de Abril de 200.. até ao dia 28/07/200.., ou seja, durante cerca de 3 meses e 19 dias, o réu não contribuiu para aquelas despesas.
Certo é que, pelo menos até receber o vencimento referente ao mês de Abril, o que ocorreu no final desse mês, o réu não tinha meios económicos para o poder fazer.
Ademais, é bom não esquecer, que durante aquele período a autora, de forma voluntária, passou a administrar em exclusivo valores monetários pertencentes ao casal, no montante global de pelo menos €40.460,95 (€46.910,58 + €5.550,37-€12.000,00).
Fê-lo, para além da sua quota no património comum, e, alegadamente, para fazer face aos encargos da vida familiar.
Mas se assim foi, então importa retirar todas as ilações que o facto comporta, considerando-se justificada a conduta do réu em não entregar à autora outras quantias para o mesmo efeito, inclusivamente para alimentos aos filhos menores, pois que, à data, ainda não se encontrava judicialmente fixada qualquer pensão de alimentos a favor destes.
De resto, seria razoável que o réu entendesse que a sua contribuição se realizaria através da afectação daqueles recursos comuns.
Ademais, a autora não pode pretender ter direito a dispor das economias do casal para fazer face aos encargos da vida familiar e simultaneamente pretender que o seu consorte contribua com outras quantias para as mesmas despesas.
Não se provou assim a violação pelo réu do dever conjugal de assistência e muito menos que o tivesse sido de forma culposa.

Concluindo:
Analisando o comportamento apurado dos cônjuges, à luz do senso comum e da razão lógica, conclui-se que foi o réu – ao manter um relacionamento amoroso com outra mulher durante o período de vivência em comum e ao anunciar à sua consorte que queria fazer vida com esta – quem, mediante a violação de um dos deveres conjugais (de fidelidade), deu causa à ruptura da vida em comum e ao divórcio.
Recai, por isso, sobre o mesmo o dever de indemnizar os danos causados à autora.

Dos danos não patrimoniais:
Constitui pressuposto do dever de indemnizar a demonstração do dano, cumprindo ao cônjuge inocente alegar e provar factos imputáveis ao culpado e que se traduzam num dano/desgosto/ prejuízo anímico relevante em termos de gerar a obrigação de indemnizar.
Na apelação sustenta o réu/apelante que autora não fez prova dos concretos danos por si sofridos.
Dispõe o art. 496º, n.º 1, do CC que “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam tutela do direito”.
Antunes Varela, depois de considerar que só em face da gravidade do dano se justifica a satisfação pecuniária do lesado, sublinha que “a indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente” – cfr. Das Obrigações em geral, vol. I, 9ª ed., pág. 630.
E, como se observa no Ac. do STJ de 8 de Setembro de 200…, relatado pelo Cons.Sebastião Povoas (in www.dgsi.pt), o termo do casamento representa sempre o ruir de um projecto de vida em comum, sendo o sofrimento normal, o que só por si não merece a tutela do direito, tanto mais que, na actual sociedade, com diferente visão da dimensão afectiva da vida, o divórcio deixou de ser um “drama” e nem traduz “o descrédito do casamento” ou uma humilhação social, (cf., a propósito, as considerações da exposição de motivos que acompanhava o Projecto de Lei n.º 509/X de 10 de Abril de 2008), mas apenas o fracasso de uma relação específica, em que o afecto acabou e é lícita a busca de outros projectos de vida.
De resto, foi a própria autora quem intentou a acção a pedir o decretamento do divórcio.
Na minha linha de pensamento, sustenta-se no Ac. STJ de 11 de Janeiro de 2011 (relatado pelo Cons. Sousa Leite, in www.dgsi.pt), perante o paradigma de uma sociedade em constante e contínua evolução quanto aos seus valores dominantes, como é a sociedade actual, o conceito da “perenidade do matrimónio durante toda a vida dos cônjuges” deixou de constituir um factor de absoluta e suprema relevância no domínio das relações matrimoniais, pelo que a idealizada pretensão da autora do casamento ser para toda a vida, não configura, por si só, a ocorrência de uma situação cuja frustração se mostrasse passível de ressarcimento pela via indemnizatória.
Acontece, porém, que, no caso em apreciação, para além da dor de ver ruir um projecto de vida em comum com o réu, o qual perdurou durante quase 18 anos, sobressai a patologia depressiva profunda que a autora sofreu –passando a sofrer de impulso para comprar roupas e outros objectos para seu uso pessoal, como forma de compensação, sofrendo assim descontrolo de gastos -, e o consequente acompanhamento clínico e terapêutico, tendo aquela deixado de dormir e passado a sentir-se vexada, humilhada, enganada e atingida na sua honra, dignidade e auto-estima, tendo vergonha de enfrentar os amigos e os próprios filhos.
Estes factos constituem, sem dúvida, sofrimento moral, merecedor da tutela do direito, verificando-se um nexo de causalidade evidente entre o facto ilícito praticado pelo réu e os aludidos danos – art. 563º do CC.

Do montante da indemnização:
Na sentença recorrida fixou-se a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela autora no montante de €12.000,00.
Na apelação o réu baseou a sua defesa na falta de prova dos factos em que o tribunal a quo fundou a sua decisão ao fixar a indemnização naquele montante, o que não logrou fazer.
Assim, não tendo o réu/apelante impugnado o montante indemnizatório com fundamento no seu carácter excessivo, não cumpre a esta Relação apreciar essa questão.

Improcede, assim, a apelação interposta pelo réu.

Da apelação interposta pela autora:
Na sentença recorrida entendeu-se que:
“Ora, à luz destes critérios e face ao que se deixou expresso supra, vimos que ocorreu violação de deveres conjugais por parte cio Réu, a qual deu causa a sofrimento sério e grave da Autora, com repercussões no seu descanso e alegria de vida, gorando a possibilidade de uma vida em conjunto, a qual esta perspectivava enquanto manutenção da família como seu desígnio mais profundo, simultaneamente atentando o Réu contra a dignidade e respeito devido à Autora, enquanto sua mulher, com aquela violação do dever de fidelidade. Há que ponderar ainda o facto de o casamento perdurar há quase 10 anos, com dois filhos do mesmo nascidos, sem olvidar ainda que se o facto da traição da Autora foi conhecido de terceiros, foi-o apenas por acção da própria Autora e não por exibição ou comunicação do próprio Réu a terceiros (P e QQ).
O sofrimento moral da Autora e mesmo físico (pois que deixou de dormir e sujeitou-se a medicação, fruto de situação de depressão profunda em que caiu) advém exclusivamente da violação daqueles deveres conjugais e não da violação de quaisquer outros direitos da Autora (ex. integridade física, direito ao bom nome, etc...), pelo que não é possível distinguir nestes aqueles que são os danos decorrentes tout court da dissolução do casamento e os decorrentes da violação dos deveres conjugais, sendo uns e outros os mesmos e só sendo aqueles indemnizáveis na medida em que comportem violação destes. Razão por que há que fixar um único quantum indemnizatório de tais danos, o qual, atentos os critérios supra explanados, ponderando nas apuradas condições económicas do Réu, se afigura justo e adequado se situado no montante de €12.000”.
Na apelação sustenta a autora que, face à extensão dos danos por si sofridos a fixação de uma indemnização no montante de €12.000.00, correspondente a menos de dois meses de vencimento do R., é manifestamente insuficiente para responder ao comportamento do R., causador da ruptura do casamento, não devendo as indemnizações ser nem miserabilistas nem simbólicas.
Propugna pela fixação da indemnização no montante de €25.000,00
Vejamos.
“O montante da indemnização correspondente aos danos não patri­moniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser propor­cionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.” – cfr. Professores Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág.501.
No caso em apreciação, e tendo presente as considerações acima expostas, os danos indemnizáveis assentam na patologia depressiva profunda que a autora sofreu ao ver ruir um projecto de vida em comum com o réu, o qual perdurou durante quase 18 anos, e o consequente acompanhamento clínico e terapêutico, tendo aquela deixado de dormir e passado a sentir-se vexada, humilhada, enganada e atingida na sua honra, dignidade e auto-estima, tendo vergonha de enfrentar os amigos e os próprios filhos.
No que tange à situação económica do lesante e da lesada, apurou-se que, na data do encerramento da discussão em 1ª instância, o réu auferia um vencimento mensal de €6.333.33. com todas as despesas pagas, e que a autora vivia do seu salário no valor líquido de €2.275,00.
Tendo presente os parâmetros que se deixam assinalados, afigura-se-nos que a compensação fixada em 1ª instância (€12.000,00) não é passível de ser classificada de “miserabilista” nem de “simbólica”, como apelida a recorrente, antes de prefigura como razoável e, a pecar, não será, por certo, por defeito.

Improcede, por isso, a apelação interposta pela autora.


V. Decisão:
Pelo exposto, decide-se:
1. Não admitir a junção aos autos dos documentos juntos pelo apelante com as alegações de recurso, ordenando-se o seu desentranhamento e entrega àquele;
2. Condenar o apelante nas respectivas custas, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC;
3. Julgar improcedentes as apelações interpostas pela autora e pelo réu, confirmando-se a sentença recorrida;
4. Custas de cada uma das apelações pelo respectivo apelante;
5. Notifique.

Lisboa, 9 de Abril de 2013

Manuel Ribeiro Marques - Relator
Pedro Brighton – 1º adjunto
Teresa Sousa Henriques – 2ª adjunta
Decisão Texto Integral: