Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6351/2007-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
ÓNUS DA PROVA
PROPRIEDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/18/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I- Nos embargos de terceiro, provando o embargante que os bens penhorados são sua propriedade, os embargos não podem deixar de proceder (artigo 821.º do Código de Processo Civil), não se impondo ao embargante ainda o  ónus de provar a que título tais bens se encontravam no estabelecimento do executado.

II- Ao embargado é que cumpria provar algum facto modificativo impeditivo ou extintivo do direito de propriedade do embargante sobre os referidos bens que justificasse a sua penhora (artigo 342.º/2 do Código Civil)

(SC)

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa


D. […] Lda deduziu embargos de terceiro contra S. […]  SA pedindo que seja ordenado o levantamento da penhora, alegando ser a proprietária dos bens penhorados.

A embargada contestou impugnando a factualidade alegada pela embargante.

Realizou-se julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou os embargos improcedentes, ordenando o prosseguimento da execução.

Foi dado como provado que:
A) No dia 4/1/2006 foi efectuada penhora dos bens constantes de fls. 182.
B) Os bens penhorados haviam sido adquiridos pela embargante, através de compras efectuadas ao representante dos respectivos fabricantes, nos termos constantes das facturas juntas a fls. 7 a 12 dos autos.
C) A sociedade executada vende, no seu mercado, em exclusividade, produtos fornecidos pela embargante.

                                                             *

                                                                                                                                                 Inconformada, recorre a embargante, concluindo que:
–  Os bens penhorados são pertença da recorrente e não da executada.
–  Como prova de tal aquisição, a recorrente juntou diversos documentos que comprovam o seu direito de propriedade.
–  Porque a executada vende no seu estabelecimento, em regime de quase exclusividade, produtos fornecidos pela embargante e também porque a mesma executada atravessa sérias dificuldades económicas, a embargante emprestou os bens ora penhorados à executada.
–  Mediante um contrato de comodato que titula a posse da executada.
–  De facto, a recorrente, de forma gratuita, entregou à executada vários bens móveis, para que esta se servisse deles, com a obrigação de os restituir.
–  Seja como for, o ónus da prova da inexistência do direito de propriedade da recorrente cabia à embargada.
–  E tendo a embargante provado o seu direito de propriedade sobre os bens penhorados, cabia à embargada provar a existência de qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da recorrente.

                                                                    *
Cumpre apreciar.

O que está em causa na presente apelação é apenas o saber se, tendo o embargante provado o seu direito de propriedade sobre os bens penhorados, lhe cabia igualmente o ónus de provar que tais bens se achavam na posse da executada mediante um empréstimo gratuito.

De facto, a embargante alegou ter feito tal empréstimo de equipamentos à executada, uma vez que esta vendia, em regime de quase exclusividade produtos da mesma embargante. Uma vez que a executada se encontra numa situação económica muito difícil, esse empréstimo gratuito fora o único modo de garantir à embargante que a executada pudesse continuar a sua actividade, escoando os produtos da mesma embargante.

Esta provou que havia comprado os equipamentos penhorados mas não logrou provar que os mesmos se encontrassem no estabelecimento da executada a título de tal empréstimo.


                                                                                                                                                      Põe-se assim a questão de saber se, tendo a embargante provado o seu direito de propriedade sobre os bens penhorados, lhe cabia ainda o ónus de provar que a presença desses bens no estabelecimento da executada não resultava de qualquer transmissão de tal direito mas sim de mero empréstimo gratuito.

Na decisão recorrida, entendeu-se que o ónus probatório incumbia à embargante, na medida que era ela que tinha de provar qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da embargada.

Não discordamos desse critério, mas discordamos do modo como foi feita a sua aplicação ao caso dos autos.
                                                                                                                                                      
A partir do momento em que o tribunal deu como provado que os bens penhorados haviam sido adquiridos pela embargante, ou seja, que esta era a proprietária de tais bens mediante contratos de compra e venda, fica preenchida a exigência probatória no que à embargante respeita.

Com efeito, o art.º 821º nº 1 do CPC estipula que “estão sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda”.

Sendo apenas permitida a penhora de bens de terceiro nos casos especialmente previstos na lei e desde que a execução tenha sido movida contra ele (art.º 821º nº 2). Esta situação não ocorre nos presentes autos, uma vez que a execução não foi dirigida contra a ora embargante.

Por outro lado, dispõe o art.º 351º nº 1 do CPC que, “se a penhora (...) ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”.

O direito de propriedade de quem não é parte na causa, é incompatível com a penhora, exactamente porque esta só pode recair sobre bens do devedor (salvo a acima mencionada excepção).

Como salienta Lebre de Freitas - “Código de Processo Civil Anotado”, 3º, p. 341 - “nunca poderão ser penhorados senão bens do executado, seja este o devedor principal, um devedor subsidiário ou um terceiro. Esta regra não tem excepções” (sublinhado do próprio autor).

  
    Ora, tendo a embargante comprovado que o equipamento penhorado fora adquirido por ela e em seu nome, temos de concluir que salvo prova em contrária é ela a proprietária desse equipamento.

Tal prova em contrário incumbia à exequente: uma vez que só é permitida a penhora de bens de quem na execução figure como executado, e tendo sido feita a prova de que os bens penhorados eram pertença de terceiro não parte na execução, a embargada teria de alegar e provar algum facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da embargante.

E não o fez.

O facto de os bens penhorados se encontrarem no estabelecimento da executada não releva, só por si, a partir do momento em que a embargante comprovou ser a proprietária dos mesmos. O artº 351º nº 1 do CPC permite a quem não seja parte nos autos defender o seu direito – desde que este seja incompatível com a penhora – sendo que tal direito não se resume à posse, englobando outros direitos reais e acima de todos, o direito de propriedade.

E a penhora, como vimos, é incompatível com o direito de propriedade sobre os bens penhorados de que seja titular quem não é executado.

Assim e pelo exposto, acorda-se julgar procedente a apelação.

Custas pela apelada.

LISBOA,  18 de Outubro de 2007

(António Valente)

(Ilídio Sacarrão Martins)

(Teresa Pais)