Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3625/2004-1
Relator: FERREIRA PASCOAL
Descritores: PRESTAÇÃO DE CONTAS
SOCIEDADE COMERCIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/08/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I - O meio processual adequado para pedir contas aos gerentes de sociedades não é a acção especial de prestação de contas prevista nos artigos 1014.º e seguintes do C.P.C., mas sim o inquérito previsto na parte final do n.º 1 do art.º 67.º do Código das Sociedades Comerciais.
II - Não é possível aproveitar a petição inicial da acção especial de prestação de contas quando o meio processual adequado é o referido inquérito, sendo por isso de anular todo o processo e de absolver os réus da instância, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, al. b), do C.P.C.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

(A) propôs esta acção especial de prestação de contas contra:
1. (B);
2. (F);
3. SOCIEDADE DE PESCAS S. JULIÃO, LDA.
Alegou, em síntese, o seguinte:
O A. e o 1.º R. são os únicos sócios da 3.ª R.
O 2.º R. foi nomeado gerente desta
A referida sociedade (3.ª R.) procedeu ao abate de uma determinada embarcação, vindo a receber por isso a quantia de Esc. 73.774.097$00, sendo uma parte a título de Ajuda Nacional e a outra da Comunidade Europeia.
O A. e os RR. fizeram uma reunião onde estes se comprometeram a convocar uma assembleia geral com vista a apresentar contas de tal montante, o que até à presente data não sucedeu, não obstante as inúmeras tentativas do A. junto dos RR. a esse propósito.

Os 1.º e 2.º réus contestaram, invocando erro na forma de processo e alegando que o processo próprio para a prestação de contas é o inquérito previsto no art. 67.º do Código das Sociedades Comerciais.

Na resposta o autor alegou que os réus têm de prestar contas porque ficaram na posse das quantias pertencentes à sociedade e que esta está desactivada e não possui património.

Foi proferida decisão que declarou nulo todo o processado por ocorrer erro na forma de processo, tendo os réus sido absolvidos da instância.

Inconformado com a decisão, dela interpôs o autor este recurso de agravo, tendo nas suas alegações pedido que se revogue o despacho recorrido e que, considerando-se adequada a forma processual escolhida, se ordene o prosseguimento dos autos.
Apresentou para o efeito as seguintes conclusões:
1- O A./agravante com a presente acção pretendia a prestação de contas de uma determinada quantia, e só dessa quantia, mencionada na p.i. e que correspondeu ao valor total do abate da única embarcação de pesca que a Ré Sociedade de Pescas S. Julião, Lda., possuía.
2- Os restantes RR. apoderaram-se desta quantia, nos termos expostos na p.i..
3- A Acção não foi contestada pela Ré Sociedade, mas apenas pelos restantes RR..
4- A aludida quantia não foi contabilizada nem sequer declarada ao Fisco, tendo-se os restantes RR. apoderado da mesma.
5- A Ré Sociedade está desactivada há muitos anos.
6- O meio processual previsto no Art.º 67.º não se enquadra na pretensão do A., não pretendendo este que a Sociedade preste contas do exercício, mas tão só que os restantes RR. prestem contas da Ré Sociedade, de que se apoderaram.
7- Também a dita pretensão não se enquadra no leque de acções previstas nos Arts. 75.º, 77.º e 78.º do C.S.C..
8- A única forma processual que se adequa é a presente acção.
9- Caso, porém, o M. Juiz “a quo” entendesse por bem que o A. aperfeiçoasse o seu articulado, podê-lo-ia ter ordenado, no termos do disposto no n.º 1 alínea b), n.º 2 e 3 do Art.º 508.º do C. P. Civil, mas não considerar, salvo melhor opinião, erro na forma do processo.
10- Salvo o devido respeito por melhor opinião, a douta decisão violou o disposto no Art.º 1014.º do C. P. Civil.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Meritíssimo Juiz sustentou o despacho recorrido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1. Encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Ponta Delgada com o n.º 01254/881129, a fls. 106 C-VI, a Sociedade de Pesca S. Julião, Lda..
2. Pela Ap. 11/881129 encontra-se inscrito, para além do mais, o facto de serem sócios (A) e (B).
3. Pela Ap. 17/910322 encontra-se inscrita a nomeação de gerentes (S) e (F).
4. A referida sociedade era proprietária de uma embarcação de pesca costeira denominada “S. Julião”.
5. A sociedade requereu em determinada altura o abate da referida embarcação, ao IFADAP, através do Programa Propesca, Proc. n.º 93.916028.9.
6. Na sequência desse abate, a dita sociedade veio a receber, em dada altura, determinada quantia, que compreendia a Ajuda Nacional de Esc. 18.443.544$00 e a da Comunidade Europeia de Esc. 55.330.573$00.
7. Logo a seguir ao recebimento desta quantia o A. reuniu com os RR..

Apreciemos agora, perante estes factos, o mérito do recurso.

O recorrente suscita duas questões: a da inexistência de erro na forma de processo; e a de que, existindo esse erro, a petição inicial podia ser corrigida nos termos do art.º 508.º, n.º 1, alínea b), do C.P.C.

1. Quanto à inexistência de erro na forma de processo:

A jurisprudência vem entendendo – e não se vê razão para seguir outra orientação - que o meio processual adequado para pedir contas aos gerentes de sociedades não é o da acção especial de prestação de contas previsto nos artigos 1014.º e seguintes do C.P.C., mas sim o inquérito previsto na parte final do n.º 1 do art.º 67.º do Código das Sociedades Comerciais. Neste sentido decidiu o acórdão de 29-6-1999 do STJ, de que foi relator o Conselheiro Dr. Aragão Seia, cujo sumário é, em www.dgsi.pt, o seguinte: I - “Desde a entrada em vigor do Código das Sociedades Comerciais, passaram a estar nele contidos todos os meios legais necessários para que os sócios vejam protegidos os seus interesses relacionados com essa sua qualidade. II – Assim, à apresentação provocada das contas das sociedades comerciais, pelos gerentes, administradores ou directores, é aplicável o procedimento previsto no n.º 2 do art.º 67.º daquele Código, e não o indicado no artigo 1014.º do Cód. Proc. Civil”. No mesmo sentido decidiu o acórdão de 26-9-1995 do STJ (www.dgsi.pt).
Assim, não tem o recorrente razão, quanto a esta questão.

2. Quanto à possibilidade de aperfeiçoamento da petição inicial:

O erro na forma de processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei (n.º 1 do art.º 199.º do C.P.C.), não devendo, porém, aproveitar-se os actos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu (n.º 2 do mesmo artigo). No caso em apreço, sendo o inquérito o meio processual adequado para pedir contas aos gerentes da sociedade ré, e não o da acção especial de prestação de contas, não é possível aproveitar a petição inicial, pelo que se impunha a anulação de todo o processo e a absolvição da instância, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, al. b), do C.P.C.
O recorrente carece, pois, de razão, também quanto a esta questão.

Nestes termos, nega-se provimento ao agravo, confirmando-se a douta decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Tendo o agravante alegado que não foi declarada ao Fisco a quantia a que os autos se referem (vide fls. 160 e a conclusão 4.ª das alegações do recorrente – fls. 161), abra vista ao M.º P.º.

Lisboa,8/7/04

Ferreira Pascoal
Pereira da Silva
Pais do Amaral