Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4971/16.7T8LSB.L1-7
Relator: HIGINA CASTELO
Descritores: FIANÇA
FORMA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. A norma que exige que a vontade de prestar fiança seja expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal não significa que essa declaração expressa tenha de ser feita através do termo «fiança» ou outro da sua família; o que está em causa na norma é a expressa declaração de garantir a satisfação do crédito e de ficar pessoalmente obrigado perante o credor, independentemente dos vocábulos utilizados.

II. A adequada qualificação de um facto conhecido e sobre o qual as partes puderam pronunciar-se não constitui jamais uma decisão-surpresa; a circunstância de as partes não terem eventualmente pensado na possibilidade de uma dada qualificação adequada aos factos conhecidos e sobre os quais puderam pronunciar-se apenas às partes é imputável e não constitui decisão-surpresa.

Sumário elaborado ao abrigo do disposto no artigo 663º, nº 7, do CPC).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa*.


I.Relatório:


RAL – ... DO ... LITORAL, A.C.E., 2.º réu no processo indicado à margem, em que é co-ré  IMOBILIÁRIA ... – PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA. (1.ª ré), e autora ... PORTUGAL – COFRAGENS E ANDAIMES, DLA., notificado da sentença condenatória, proferida em 15 de março de 2017, e com ela não se conformando, interpôs o presente recurso.

A compreensão do litígio e do objeto do recurso impõe um pequeno excurso pelos autos:
A autora intentou a ação pedindo a condenação solidária dos réus a pagar-lhe a quantia de 119.124,10 euros, acrescida de juros de mora vencidos desde 19/02/2016, calculados sobre 115.088,18 euros, até integral e efetivo pagamento.

Alegou para tanto e em síntese que a 1.ª ré, subempreiteira da 2.ª ré na obra denominada «subconcessão do ... Litoral»; entre finais de 2014 e finais de 2015, contratou com a autora o fornecimento de diverso material auxiliar de construção e cofragem que, nos termos que foram sendo acordados, a autora forneceu, ora disponibilizando o seu gozo temporário, mediante remuneração (alugando), ora vendendo, em alguns casos integrando os materiais em cofragens que executou e andaimes que montou; esses serviços, alugueres e vendas estão discriminados em faturas juntas aos autos, com o valor global de 115.088,18 euros, correspondente a preços acordados e não pagos; em dezembro de 2014, aquando da contratação da autora para fornecer aqueles materiais, autora e réus acordaram expressamente que o 2.º réu, na qualidade de empreiteiro geral, garantiria o cumprimento das obrigações pecuniárias da 1.ª ré para com a autora, podendo para o efeito reter as verbas necessárias e entregá-las diretamente a esta; este acordo foi reduzido a escrito pelo 2.º réu com data de 12.01.2015 e a respetiva minuta foi aprovada por todas as partes; a autora assinou e carimbou aquele acordo em 22.01.2015 e entregou-o à 1.ª ré na mesma data, a fim de recolher as assinaturas dos réus; apesar de várias conversações e interpelações, nenhum dos réus pagou à autora os valores ora peticionados.

A 1.ª ré contestou, impugnando a quase totalidade da matéria alegada pela autora; alegou que, não obstante os fornecimentos lhe tenham sido faturados, que quem efetivamente fez as encomendas e beneficiou dos bens foi o 2.º réu que contratou e encomendou à autora as quantidades e qualidades de materiais que quis e como bem entendeu e utilizou a 1.ª ré de forma instrumental, imputando-lhe a faturação do aluguer ou compra de bens e acessórios para construção civil relativamente a esse material que encomendou e de que beneficiou. Concluiu pedindo a sua absolvição do pedido.

O 2.º réu contestou, impugnando parte da matéria alegada pela autora, sustentando que não interveio em qualquer acordo tripartido ou de garantia, e pedindo a sua absolvição.

O processo seguiu o normal curso e, após julgamento, foi proferida sentença que condenou solidariamente os réus a pagar à autora a quantia de euros 115.088,18 (cento e quinze mil e oitenta e oito euros e dezoito cêntimos) de capital em dívida, acrescida de juros de mora, às taxas sucessivas em vigor para operações comerciais, a calcular sobre as quantias parcelares desde o vencimento de cada fatura.

Desta sentença recorre o 2.º réu, ACE.

O recorrente termina as suas alegações de recurso, concluindo:
«1.O Tribunal a quo, ao ter considerado que o Acordo Tripartido traduziu a assunção de uma posição de fiador por parte do Recorrente ACE, valorou erradamente a prova produzida, designadamente, por ter considerado a existência de fiança, em violação dos artigos 627.º e seguintes do Código Civil, das regras de interpretação constantes dos artigos 236.º e seguintes do Código Civil e, bem assim, no que respeita a matéria processual, ao artigo 3.º, n.º 3 do Código do Processo Civil (proibição de decisões surpresa).
2.O texto do Acordo Tripartido e os factos que rodearam a sua negociação e preparação não permitem que se extraia a interpretação de que o Recorrente ACE pretendeu prestar uma fiança em benefício da Autora Recorrida.
3.O Tribunal a quo deveria ter considerado que o Recorrente, a 1.ª Ré ... e a Autora Recorrida pretenderam constituir uma garantia legalmente atípica (com o clausulado do Acordo Tripartido) e não uma garantia típica de fiança, porque essa qualificação não só implicou a “escolha”, por parte do Tribunal, de um tipo de garantia sem correspondência com a vontade real das partes, como implicou a qualificação dos factos por forma a que a garantia prestada fosse de cariz mais oneroso para o Recorrente ACE.
4.O Tribunal de Primeira Instância não deveria ter promovido uma qualificação dos factos referentes à garantia prestada (i.e., ao Acordo Tripartido) que implicasse a assunção, por parte do ACE, de uma posição de garantia mais forte do que aquela que aquela que decorreria do texto do Acordo Tripartido.
5.O Acordo Tripartido discutido e analisado em sede de Primeira Instância corresponde a uma garantia atípica, sendo, por conseguinte, regulado pelas regras contratuais nele estabelecidas pelas partes contratantes.
6.No Acordo Tripartido não existe qualquer referência ao conceito de “fiança”.
7.Ficou provado, no âmbito da sentença recorrida, que o ora Recorrente, a Recorrida a 1.ª Ré ... negociaram a celebração de um Acordo Tripartido, com um determinado conteúdo e clausulado, o qual foi apresentado como fechado em sede de Primeira Instância (conforme minuta junto aos autos pela Autora Recorrida com a respetiva P.I. como como Doc. 37).
8.O conteúdo da minuta de Acordo Tripartido foi amplamente analisado em sede de audiência de discussão e julgamento, tendo o Exmo. Sr. Juiz do Tribunal a quo realizado diversas questões e pedidos de esclarecimento acerca do conteúdo de tal documento e, bem assim, sobre o contexto anterior e posterior à negociação de tal documento.
9.Foi amplamente discutido em Primeira Instância se a não assinatura do Acordo Tripartido seria fundamento para se considerar esse acordo como não celebrado, tendo o Tribunal a quo decidido que tal acordo foi aceite pelo ACE, por força da comunicação de email do ACE de 20/08/2015, junta aos autos a fls. 62 verso.
10.Em nenhum momento da audiência de discussão e julgamento foi levantada a possibilidade de qualificação do Acordo Tripartido como um acordo de fiança.
11.O Tribunal não está sujeito à qualificação que as Partes fazem nos processos, devendo, no entanto, caso pretenda alterar a qualificação dos factos ou discutir uma matéria ou qualificação jurídica não levantada (e desconhecida) pelos sujeitos processuais, dar às partes a possibilidade prévia de se pronunciarem sobre elas, em conformidade com o previsto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC.
12.De acordo com o artigo 628.º, n.º 1 do Código Civil “1. A vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal.”
13.A vontade de prestar fiança de forma expressa significa que a prestação da fiança deve ser realizada nos termos do artigo 217.º, n.º 1 do Código Civil, isto é, não podendo tal garantia ser constituída através de (mera) declaração tácita.
14.O Tribunal de Primeira Instância admitiu, no caso concreto, em violação do artigo 628.º do Código Civil, que a fiança pode ser prestada através de declarações tácitas.
15.Sem prejuízo do que antecede – i.e. de ter inexistido na situação sub judice qualquer vontade de prestação de fiança (expressa ou até mesmo tácita) e da prestação de tal tipo de garantia não corresponder (nem ter correspondido em qualquer momento) à vontade real ou hipotética do ora Recorrente, para que haja fiança numa determinada situação concreta não é suficiente que exista uma declaração expressa por parte do sujeito que pretende assumir a posição de garante; é também essencial que dessa declaração expressa decorra, de forma imediata, o sentido de prestação de fiança para o destinatário de tal declaração de vontade.
16.No caso concreto, não é possível considerar que uma pessoa normal, colocada na posição de destinatário normal (i.e., de beneficiário da garantia decorrente do Acordo Tripartido), pudesse considerar que o Acordo Tripartido se traduzira na assunção de uma posição de fiador por parte do ora Recorrente ACE.
17.Assumindo – para efeitos de raciocínio – que o Acordo Tripartido junto aos autos pela Autora Recorrida como Doc. 37 da P.I. foi celebrado, não poderia deixar de se aplicar as regras constantes desse documento para definir os termos e condições em que a Autora Recorrida (“beneficiária do Acordo Tripartido enquanto garantia legalmente atípica”) poderia exigir do Recorrente ACE as quantias alegadamente em dívida por parte da 1.ª Ré ... à Autora Recorrida.
18.O Acordo Tripartido permitiria que o ora Recorrente pagasse à Autora Recorrida as quantias que estivessem em dívida por parte da Ré ... à Autora Recorrida, se tivesse sido cumprido o procedimento contratualmente previsto nesse Acordo Tripartido, o que não se verificou o caso concreto, conforme resulta inequívoco da prova produzida.

19.Para que o ora Recorrente pudesse estar obrigado a pagar quantias à Autora Recorrida ao abrigo do Acordo Tripartido seria necessário que:
(1)- O ACE tivesse quantias em dívida para com a Ré ... ao abrigo do contrato de subempreitada n.º 515 (celebrado entre o ora Recorrente e a 1. ª Ré ...);
(2)- A Autora ora Recorrida tivesse informado o Recorrente ACE, nos termos e para os efeitos do Acordo Tripartido, das faturas em dívida por parte da 1.ª Ré ... à Autora ... nos termos do Contrato Aluguer e Fornecimento de Cofragens; e,
(3)- O ACE ser devedor à Ré ... ao abrigo do Contrato de Subempreitada n.º 515 no momento em que a Autora Recorrida lhe comunica as faturas em dívida por parte da 1.ª Ré ... à Autora ....

20.O texto do Acordo Tripartido refere de forma clara que os pagamentos a realizar por parte do Recorrente ACE à Recorrida ... serão realizados com as quantias que aquele ACE tivesse que pagar à 1.ª Ré ... ao abrigo do Contrato de Subempreitada n.º 515.
21.O texto do Acordo Tripartido não refere (de forma expressa ou implícita) que a obrigação de pagamento do Recorrente ACE à Autora Recorrida é independente dos valores que estejam (estivessem) em dívida por parte do ACE à 1.ª Ré ....
22.Totalmente pelo contrário – é pressuposto essencial do Acordo Tripartido que os pagamentos a realizar por parte do Recorrente apenas poderiam ser realizados na medida em que houvesse alguma quantia em dívida por parte do ACE à 1.ª Ré ... ao abrigo do referido Contrato de Subempreitada n.º 515.
23.A respeito da interpretação do Acordo Tripartido e valoração dos factos, existiu um erro grave e manifesto na valoração da prova por parte do Tribunal de Primeira Instância que mais não fez do que considerar que o Acordo Tripartido discutido e analisado em julgamento se traduz apenas no supra indicado Considerando H) e no email de 20/08/2015, junto aos autos a folhas 62 verso, desconsiderando o demais clausulado desse acordo.
24.O Tribunal a quo valorou erradamente a prova no que respeita a qualificar o Acordo Tripartido como uma fiança por todas as razões acima indicadas e, bem assim, por ter realizado uma apreciação meramente parcial da prova produzida, em especial, do clausulado do Acordo Tripartido, ao não considerar as regras contratuais dele constantes e, bem assim, a vontade real das partes expressa no texto desse acordo.
25.Resulta da matéria de facto produzida que a vontade real das Partes não foi (nem podia ser porque não possui qualquer ligação com a realidade), uma assunção de responsabilidade plena do Recorrente pelas dívidas da 1.ª Ré ... à Autora Recorrida porque, se tivesse sido essa a vontade das Partes, o texto do Acordo Tripartido teria sido necessariamente outro.
26.Se as partes contratantes tivessem pretendido uma assunção solidária de responsabilidade plena por parte do ACE no que respeitava às dívidas da 1.ª Ré ... para a com a Autora Recorrida, teriam expressado de forma inequívoca que a responsabilidade de pagamento do ora Recorrente seria independente dos valores que esse mesmo Recorrente tivesse de entregar à 1.ª Ré ..., ao abrigo do Contrato de Subempreitada n.º 515.
27.Havendo dúvida interpretativa entre a existência, no caso concreto, de uma garantia legalmente atípica ou uma fiança, deveria o Tribunal ter optado pela qualificação que fosse mais fraca (menos onerosa para o garante).
28.Se o Acordo Tripartido for entendido como uma fiança comercial (o que não se pode equacionar por todas as razões já acima aduzidas), o Recorrente ACE estaria numa situação diametralmente mais desfavorável do que a que resultaria da interpretação de que tal acordo se traduz numa garantia legalmente atípica, que se regula pelos termos e condições dela constantes, e não pelas normas reguladoras da fiança que nenhuma aplicação poderão ter no caso concreto.
a)- Numa fiança comercial, o devedor garante está obrigado perante o credor garantido como devedor solidário: “[t]odo o fiador de obrigação mercantil, ainda que não seja comerciante, será solidário com o respetivo afiançado.” (cfr. artigo 101.º do Código Comercial);
b)- Se a Acordo Tripartido não for entendido como uma “fiança”, o garante apenas estará obrigado a realizar algum pagamento à Autora Recorrida se (i) existissem valores em dívida por parte do Recorrente à 1.ª Ré ... ao abrigo do Contrato de Subempreitado n.º 515 e (ii) a Autora Recorrida ... tivesse solicitado tempestivamente ao Recorrente ACE o pagamento da dívida da 1.ª Ré ... perante a Autora (i.e., por forma a que o ora Recorrente pudesse realizar os pagamentos à Autora Recorrida com os valores que iria reter à 1.ª Ré ... para tal efeito);
c)- Se não se verificassem – como ocorreu no caso concreto – os pressupostos necessários para que o Recorrente ACE pudesse realizar retenções dos valores a entregar à 1.ª Ré ... ao abrigo do Contrato de Subempreitada n.º 515, não poderia estar obrigada a realizar pagamentos à Autora ..., ora Recorrida.
29.Não havendo valores a pagar por parte do Recorrente ACE à 1.ª Ré ... ao abrigo do Contrato de Subempreitada n.º 515, estaremos perante uma situação de impossibilidade objetiva, que impede que sejam realizados pagamentos à Autora Recorrida ....
30.Da prova produzida em Primeira Instância não é possível extrair que o Recorrente ACE tenha tido qualquer intenção de prestação de fiança em benefício da Autora Recorrida. Ou seja, não houve na situação sub judice qualquer animus fideiubendi, i.e., vontade de prestação de fiança.
31.Se fosse intenção das Partes signatárias prestar e beneficiar de uma fiança, tal vontade não teria sido expressa nos moldes que foi no Contrato de Aluguer e Fornecimento celebrado entre a Autora Recorrida e a Primeira Ré ... (Doc. 4 junto pela Autora Recorrida com a respetiva P.I.).
32.Em nenhum lugar do Contrato de Aluguer e Fornecimento celebrado entre a Autora Recorrida e a 1.ª Ré ... se refere ou extraí que o ora Recorrente ACE deverá prestar fiança.
33.Nesse Contrato de Aluguer e Fornecimento os conceitos utilizados para identificar a garantia financeira foram estritamente diferentes dos conceitos típicos e comuns utilizados no âmbito de uma fiança.
34.Do Acordo Tripartido e dos elementos que rodearam a sua preparação não se consegue retirar qualquer referência à vontade de o ACE prestar fiança.
35.O Douto Tribunal fez uma escolha “seletiva” dos elementos do Acordo Tripartido que entendeu necessários para qualificar a posição do ora Recorrente como de fiador.
36.Concretamente, o Douto Tribunal assentou uma parte substancial da sua decisão de condenação do Recorrente ACE no considerando H) da minuta do Acordo Tripartido (não numa cláusula propriamente dita, mas num considerando prévio às estipulações contratuais), não fazendo uma interpretação sistemática e completa do Acordo no seu todo:
37.No caso concreto, de acordo com clausulado do Acordo Tripartido – garantia legalmente atípica e moldada à vontade concreta das partes –, o ACE apenas estaria obrigado a realizar pagamentos à Autora Recorrida na medida em que tivesse valores em dívida para com a 1.ª Ré ... ao abrigo do Contrato de Subempreitada n.º 515 e que a Autora Recorrida lhe tivesse tempestivamente exigido o pagamento de dívida da 1.ª Ré ... ao abrigo do Acordo Tripartido.
38.O Recorrente ACE nunca aceitou – conforme é inequívoco pelo clausulado do Acordo Tripartido – realizar pagamentos à Autora Recorrida ao abrigo de tal Acordo se tais pagamentos não fossem realizados com os valores que teria de entregar à 1.ª Ré ..., nos termos do Contrato de Subempreitada n.º 515.
39.Conforme já indicado supra, nunca, em nenhum momento, a Recorrida ... agiu externamente ao processo judicial como titular de obrigações garantidas por fiança.
40.Sem prejuízo de tudo o que antecede, e qualificação do Acordo Tripartido como fiança viola ainda a proibição de “decisões surpresa”, constante do artigo 3.º, n.º 3 do CPC.
41.Em nenhum momento do processo, o Tribunal a quo colocou analisou ou considerou discutir a qualificação do Acordo Tripartido como um “acordo de fiança”.
42.A proibição de “decisões surpresa” visa impedir que o Tribunal tome decisões sem assegurar que as partes têm a possibilidade de exercer contraditório e se pronunciarem sobre elas.
43.O artigo 3.º, n.º 3 do CPC impõe que o Tribunal adapte a tramitação processual por forma a que as partes tenham possibilidade de tomar de decisão no âmbito de uma possível mudança de qualificação.
44.No caso concreto, não houve qualquer manifestação ou conduta do Exmo. Sr. Juiz a quo da qual se pudesse extrair a possibilidade de classificação do Acordo Tripartido como uma “fiança”.
45.O Tribunal a quo violou assim o artigo 3.º, n.º 3 do CPC, ao não ter permitido o contraditório no que respeita à classificação do Acordo Tripartido como fiança.
46.O douto Tribunal recorrido incorreu em manifesto erro de julgamento, ao ter condenado o ACE ao pagamento de todas as faturas em dívida pela 1.ª Ré ... à Autora Recorrida.
47.Não existe na fundamentação da sentença recorrida quaisquer elementos que permitam sustentar a condenação do ACE no pagamento de faturas vencidas após 20 de Agosto de 2015.
48.A sentença recorrida, ao longo da respetiva fundamentação, considera que a obrigação do ACE em proceder a pagamentos à Autora Recorrida se refere apenas e somente a faturas que se encontrem por liquidar, pela 1.ª Ré ... à Autora Recorrida, em 20 de Agosto de 2015.
49.Não se verifica qualquer conexão lógica entre a fundamentação de facto e de direito da sentença recorrida e a condenação, a final, do ACE ao pagamento de todas as faturas emitidas pela Autora Recorrida em dívida pela 1.ª Ré ..., independentemente de estas, à data de 20 de Agosto de 2015, já se encontrarem emitidas, vencidas ou encontrarem-se ainda por vencer.
50.Esta ausência de conexão revela um vício lógico de raciocínio que distorce a conclusão a que deveria ter conduzido a fundamentação de facto e de direito da sentença recorrida.
51.A contradição da decisão com a sua fundamentação fere a sentença de vício gerador da sua nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), primeira parte, do CPC, a qual deverá ser declarada por esta douta Relação, devendo, em consequência, o ACE ser absolvido dos pedidos formulados na ação.
52.Sem prejuízo, ainda que esta douta Relação considere que a sentença recorrida não deve ser declarada nula, o que, sem conceder, por mero dever de patrocínio se equaciona, sempre deveria a condenação do ACE ser limitada ao pagamento das faturas vencidas à data de 20 de Agosto de 2015, no montante global de EUR. 44.617,03.
53.O douto Tribunal recorrido incorreu em manifesto erro de julgamento, ao ter considerado que o ACE é devedor da 1.ª Ré ..., devido à circunstância de se terem registado, durante a execução do Contrato de Subempreitada n.º 515, períodos em que os trabalhadores e/ou máquinas empregues por esta tenham estado imobilizados por não atribuição de frente de obra pelo ACE (pontos AB e AC da matéria de facto considerada provada pelo Tribunal recorrido).
54.O elemento da prova produzida considerado a título principal pelo Tribunal recorrido - o depoimento prestado pela testemunha Pedro L...S... em sede de produção de prova testemunha -l, não permite sustentar tal conclusão.
55.As conclusões do Tribunal recorrido sobre a circunstância de o ACE não ter aplicado sanções contratuais à 1.ª Ré ... baseadas nas regras da experiência comum, não podem subsistir na ordem jurídica, uma vez que, segundo jurisprudência dominante, a apreciação ou valoração da prova produzida segundo a lógica resultante da experiência comum não pode valer por si só.
56.Nos termos e para os efeitos previstos do artigo 640.º, n.º 1, alínea c) e do artigo 662.º, n.º 1, ambos do CPC, deverá ser proferida por esta douta Relação decisão sobre a matéria de facto que conclua que o ACE não contribuiu para a verificação das situações de incumprimento contratual registadas pela parte da 1.ª Ré ... durante a execução do Contrato de Subempreitada n.º 515, nomeadamente por não ter atribuído frente de obra, não lhe sendo imputáveis quaisquer factos geradores das referidas situações de incumprimento contratual.
57.Desta forma, considerando que a decisão sobre matéria de facto impugnada sustenta a decisão sobre a matéria de direito em relação à existência de uma pretensa dívida do ACE perante a Ré ..., deverá a decisão sobre a matéria de direito ser substituída por decisão em que se conclua pela inexistência de qualquer dívida do ACE perante a Ré ....
58.Adicionalmente, ainda que se considerasse que o Acordo Tripartido produz efeitos em relação ao ACE, o que não se concede, tendo em consideração que este não é devedor, na presente data, de qualquer montante perante a 1.ª Ré ..., não poderá, como é lógico, reter qualquer pagamento a realizar à 1.ª Ré ..., não podendo, em consequência, o ACE realizar qualquer pagamento à Autora Recorrida, tendo em conta o exposto na Cláusula Primeira, n.º 1 do Acordo Tripartido.
59.O douto Tribunal recorrido incorreu em manifesto erro de julgamento, ao ter considerado que o ACE, a Autora Recorrida e a 1.ª Ré ..., acordaram, em Dezembro de 2014, que o ACE garantiria o cumprimento das obrigações de carácter exclusivamente pecuniário da 1ª Ré ... para com a Autora Recorrido, podendo, para o efeito, reter as verbas necessárias e entregá-las diretamente a esta.
60.A prova constante dos autos, em particular a prova testemunhal produzida, não permite sustentar tal conclusão.
61.Decorre da prova testemunhal produzida, designadamente dos depoimentos prestados pela testemunha Pedro L...S... e pela testemunha Nélson S..., que, aquando da negociação do Contrato de Subempreitada n.º 515, a 1.ª Ré ... tinha informado o ACE de que subcontrataria a empresa distinta da Autora Recorrida os trabalhos de fornecimento de material de cofragem e de andaimes.
62.Decorre igualmente da referida prova testemunhal que, aquando das negociações malogradas referentes ao Acordo Tripartido, na minuta que foi discutida pelo ACE e pela Ré ..., se fazia referência a empresa distinta da Autora Recorrida.
63.O Tribunal recorrido incorreu numa incorreta valoração da prova produzida e em manifesto erro de julgamento, que obriga à alteração da decisão sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, alínea c) e do artigo 662.º, n.º 1, ambos do CPC, por decisão que considere que o ACE, a Autora Recorrida e a 1.ª Ré ..., em Dezembro de 2014, não acordaram que o ACE garantiria o cumprimento das obrigações de carácter exclusivamente pecuniário da 1ª Ré ... para com a Autora Recorrido, podendo, para o efeito, reter as verbas necessárias e entregá-las diretamente a esta.
64.O Tribunal recorrido ao decidir nos termos ora recorridos prolatou decisão que enferma de erro e injustiça flagrantes, pelo que não pode permanecer na ordem jurídica.»

A autora, recorrida, contra-alegou.

Pugnou pela improcedência do recurso e, subsidiariamente, prevenindo a necessidade da sua apreciação perante a possibilidade de procedência, requereu de ampliação do âmbito do recurso (art. 636, n.º 1, do CPC) e a impugnação do despacho proferido sobre a reclamação por si apresentada na audiência prévia de 21.09.2016 quanto à fixação dos temas da prova (art. 596, n.º 3, do CPC).

Concluiu da seguinte forma:
«-Ao aceitar “garantir o cumprimento das obrigações de pagamento, com caráter exclusivamente pecuniário, previstas no Contrato de Aluguer e Venda devidas como contrapartida do aluguer de elementos auxiliares de construção e cofragem ao abrigo do Contrato de Aluguer, caso exista incumprimento por parte do Subempreiteiro” (cfr. Considerando H do Acordo Tripartido, junto como Doc. 37 da PI), a Recorrente assume expressa e inequivocamente uma fiança, nos termos dos art. 627º e ss. do CC, o que é igualmente confirmado pelas regras da interpretação dos negócios jurídicos (arts. 236º e ss. do CC).
2ª- A nulidade processual invocada pela Recorrente (decisão surpresa, nos termos art. 3º, nº 3, do CPC) é arguível através de reclamação no prazo de 10 dias. Não tendo sido respeitado a forma e o prazo legalmente estabelecidos em violação dos arts. arts. 195º, 196º e 199º, nº 1, do CPC, a arguição da referida nulidade processual nesta fase é extemporânea.
3ª- Não obstante a referida extemporaneidade, a qualificação jurídica da garantia prestada pela Recorrente no Acordo Tripartido como fiança, efetuada pelo Tribunal em sede de sentença, não constituiu uma decisão surpresa.
4ª- Não existindo qualquer contradição entre a decisão e a respetiva fundamentação, não se verifica a nulidade invocada nos termos do art. 615º, nº 1, c), 1ª parte, do CPC, devendo manter-se a condenação da Recorrida ao pagamento da quantia de € 115.088,18 de capital em dívida, acrescida de juros de mora calculados às sucessivas taxas legais.
5ª- O Tribunal a quo não incorreu em nenhum erro de julgamento ao ter considerado que a Recorrente é devedora da 1ª Ré ... devido ao facto de se terem registado, durante a execução do Contrato de Subempreitada nº 515, períodos em que os trabalhadores e os materiais estiveram imobilizados por falta de atribuição de frente de obra pela Recorrente – confirmam-no, para além do depoimento da testemunha Pedro L...S..., os depoimentos das testemunhas Altino B..., Arlindo P...A..., Vítor M... e Jorge C... e o conteúdo da carta de resolução do Contrato de Subempreitada nº 515, enviada pela 1ª Ré ... à Recorrente (documento de fls. 207 a 214).
6ª- O princípio da livre apreciação da prova (art. 607º, nº 5, do CPC), segundo o qual o que o torna provado um determinado facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo, de acordo com sua experiência e conhecimento, permite que o Tribunal aprecie livremente as provas e fixe a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, exceto se a lei exigir, para a prova desse facto, qualquer formalidade especial (o que não se verifica no caso sub judice).
7ª- O Tribunal a quo não incorreu num erro de julgamento ao ter considerado que a Recorrente, a Recorrida e a 1ª Ré ... acordaram, em dezembro de 2014, que a Recorrente garantiria o cumprimento das obrigações de caráter exclusivamente pecuniário da 1ª Ré ... para com a Recorrida, podendo, para o efeito, reter as verbas necessárias e entrega-las diretamente a esta – é o que resulta da prova carreada ao longo do processo, não existindo meios de prova que permitam concluir que, em dezembro de 2014, a 1ª Ré ... tenha informado a Recorrente de que subcontrataria o fornecimento de materiais de cofragem e andaimes a uma empresa distinta da Recorrida.
8ª- Em caso de procedência do presente recurso, o que por mera hipótese se pondera, deverá ser proferida decisão que condene a Recorrente ao abrigo dos institutos da sub-rogação indireta ou da ação direta.

Nestes termos e nos mais de Direito,
1)- Deve ser indeferido o pedido de fixação de efeito suspensivo ao presente recurso ou, caso assim não se entenda, determinar-se que o valor da caução a prestar seja de € 115.088,18, acrescidos dos juros de mora contados até à presente data nos termos fixados na sentença; e
2)- Deve o presente recurso ser julgado improcedente e, em consequência, manter-se a Sentença de 15.03.2017 que condenou a Recorrente e a 1ª Ré ... a pagarem solidariamente à Autora a quantia de € 115.088,18 de capital em dívida, acrescida de juros de mora calculados nos termos nela referidos.
3)- Caso assim não se entenda, requer-se a ampliação do recurso ao abrigo do art. 636º, nº 1, do CPC e, nos termos referidos nos nºs 46 a 49 das presentes Contra-alegações, a condenação da Recorrente ao pagamento solidário das quantias em que for condenada a 1ª Ré ..., com fundamento nos institutos da sub-rogação ou da ação direta.»
Os n.ºs 46 a 49 das contra-alegações desenvolvem-se por 12 páginas no decurso das quais a autora pede se conheça da responsabilidade solidária do recorrente/2.º réu ao abrigo dos institutos da sub-rogação e da ação direta; e, além disso, invoca uma série de factos que, em seu entender, deviam ter sido contemplados na sentença (por serem relevantes, terem sido alegados e resultarem provados, por acordo ou pela prova produzida), e não foram.

Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.

Objeto do recurso
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (arts. 635, 637, n.º 2, e 639, n.ºs 1 e 2, do CPC).

Tendo em conta o teor daquelas, colocam-se as seguintes questões:
a)- O acordo tripartido foi mal interpretado, não decorrendo dele uma relação de fiança?
b)- A qualificação como fiança constitui uma decisão surpresa?
c)- A sentença enferma de nulidade na medida em que, pelos seus fundamentos, nunca poderia conduzir à condenação no pagamento de faturas posteriores a 20/08/2015?
d)- A prova foi mal apreciada, devendo suprimir-se o facto segundo o qual houve períodos em que os trabalhadores e/ou máquinas estiveram imobilizados por não atribuição de frente de obra pelo ACE?

Da ampliação do objeto do recurso:
e)- O recorrente ACE deve ser responsabilizado abrigo do instituto da sub-rogação e ao abrigo do instituto da ação direta?
f)- O despacho proferido sobre a reclamação apresentada pela recorrida na audiência prévia de 21.09.2016 sobre a fixação dos temas da prova, deve ser revogado, com a consequente procedência da reclamação?

II.Fundamentação de facto.

A 1.ª instância considerou na sua decisão os seguintes factos que, pelos motivos explicados em III.A. e III.D., se mantêm:
A A Autora encontra-se matriculada sob o NIPC 501246274 e tem como objeto social o comércio e montagem de estrutura metálicas e equipamento de apoio à construção civil, nomeadamente cofragens e andaimes –cfr. doc. de fls.11 a 14.
B A 1ª Ré “...” encontra-se matriculada sob o NIPC 507546814 e tem como objeto social a execução de empreendimentos imobiliários promovidos com intervenção dos promotores. A compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim. Construção e reparação de edifícios por conta de outrem. Venda de materiais de construção civil e afins. Terraplanagens e engenharia civil – cfr. doc. de fls. 13 verso a 16.
C A 2ª Ré “ACE” encontra-se matriculada sob o NIPC 50894072, tinha como anterior denominação social “Edifer, Dragados, Tecnovia, Conduril – ... do ... Litoral, ACE (cfr. insc. 1, de ap. 81/20090415), tem a natureza jurídica de agrupamento complementar de empresas constituído e tem como objeto social melhorar as condições de exercício de resultado de cada uma das agrupadas no desenvolvimento das atividades de conceção, projeto, construção e requalificação no âmbito do contrato de projeto e construção (o “Contrato de Empreitada”) das obras integradas na subconcessão de lanços de estrada e conjunto vários associados designada por Subconcessão do ... Litoral” – cfr. doc. de fls. 16 verso a 20.
D A 2ª Ré “ACE” é a entidade responsável pela execução das obras integradas na subconcessão denominada “Subconcessão do ... Litoral” (resposta ao ponto 4º da p.i. – assente por admissão das partes).
E No âmbito da execução das obras referidas em D), a 2.ª Ré contratou a 1.ª Ré, celebrando-se entre elas, em 30/10/2014, o acordo escrito que se encontra junto aos autos a fls. 82 verso a 92, intitulado de “contrato de subempreitada n.º 515”, mediante o qual acordaram, além do mais, no seguinte:
«(…)

Cláusula Segunda
Objeto
1 Pelo presente contrato, o ACE entrega de subempreitada ao Subempreiteiro, que aceita, a execução dos trabalhos de betão armado no Lanço 2.1.h) da Variante de São Lourenço/Troto e no Lanço 2.1.i) do Lanço de Faro, adiante designados de Subempreitada, melhor identificado no Anexo 3.
2 Para além do definido no Anexo 3, incluem-se no objeto contratual e constituem encargo do Subempreiteiro, todos os trabalhos preparatórios, auxiliares, complementares e acessórios que se revelem necessários à Subempreitada, designadamente:
a)- Os que, apesar de não referidos expressamente, sejam, de acordo com as boas regras de arte, complementares ao que são objeto da Subempreitada;
b)- A montagem, desmontagem, manutenção e limpeza do estaleiro e dos locais de trabalho;
c)- Os adequados para garantir a segurança das pessoas empregadas no obra e do público em geral, para evitar danos nos prédios vizinhos e para satisfazer os regulamentos de segurança e de polícia das vias públicas;
d)- O restabelecimento, por meio de obras provisórias, de todas as servidões e serventias que porventura seja necessário alterar ou destruir.
(…);

Cláusula Sexta
Regime da Subempreitada e Preço
1- O regime da Subempreitada é por série de preços.
2- O preço total estimado dos trabalhos objeto da Subempreitada é de 721.765,55 euros, conforme Mapa de Quantidades e Preços (Anexo 4).
As espécies dos trabalhos necessários à execução da Subempreitada são as que constam do Mapa de Quantidades e Preços (Anexo 4).
Todos os outros trabalhos necessários ao cumprimento da Subempreitada serão considerados como trabalhos acessórios e complementares dos indicados no Anexo 4, ficando entendido que o seu custo se encontra implicitamente incluído nos preços unitários. (…);

Cláusula Oitava
Medições, Faturação e Pagamentos
1- Mensalmente proceder-se-á à medição dos trabalhos executados de cada espécie para efeito de pagamento das quantidades apuradas, seguindo-se o mesmo critério de medição adotado pela fiscalização e subconcessionária em relação ao ACE.
2- Os autos de medição serão efetuados até aos dias 25 (vinte e cinco) de cada mês ou no primeiro dia útil que se lhe seguir, em conjunto entre o ACE e o Subempreiteiro ou os seus representantes. Os mesmos identificarão os preços unitários aplicáveis a cada espécie de trabalho.
3- A faturação será mensal, com base nos autos de medição acima referidos. O Subempreiteiro emitirá as faturas após aprovação dos autos pelo ACE, anexando-os àquelas.
4- As faturas emitidas pelo Subempreiteiro que não se encontrem acompanhadas dos autos de medição respetivos, elaborados nos termos dos números anteriores, não serão consideradas e serão devolvidas pelo ACE.
(…)

Cláusula Nona
Planeamento e Prazos de Execução
1- Todos os trabalhos que constituem o objeto da Subempreitada deverão ter início em 17 de novembro de 2014 e encontrar-se concluídos em 17 de maio de 2015.
(…)

Cláusula Décima Segunda
Caução
1- O subempreiteiro garantirá, por caução, o exato e pontual cumprimento das obrigações que assume com a celebração do presente Contrato e eventuais aditamentos ao mesmo.
2- A caução será prestada mediante garantia bancária do tipo “on first demand”, conforme Anexo 6, emitida por instituição bancária aceite pelo ACE.
3- A caução será de valor correspondente a 5% (cinco por cento) do valor do Contrato, no montante de 36.088,28 euros (…).
4- A caução prevista no número anterior deverá ser prestada no prazo máximo de 7 (sete) dias contados da data da assinatura do presente Contrato, sob pena de rescisão unilateral do mesmo pelo ACE.
5- (…).
6- Em cada um dos pagamentos a que se refere a Cláusula Sexta, será deduzida, para garantia do presente Contrato, a percentagem de 5% (cinco por cento) em reforço da Caução prestada, podendo, no entanto, tal desconto ser substituído por garantias bancárias de igual montante, nos termos indicados no número dois supra.
7- A caução prestada e os montantes deduzidos nos termos do número anterior, serão restituídos ao Subempreiteiro após a Receção Definitiva dos trabalhos objeto da Subempreitada.
(…)

Cláusula Vigésima Segunda
Receção Provisória
1- Logo que os serviços objeto deste Contrato estejam concluídos, proceder-se-á, a pedido do Subempreiteiro ou por iniciativa do ACE, à sua vistoria para o efeito de Receção.
2- (…).
3- Os trabalhos executados pelo Subempreiteiro no âmbito do presente Contrato apenas se considerarão provisoriamente recebidos se, quando e na medida em que os mesmos trabalhos foram provisoriamente recebidos pela Subconcessionária no âmbito do Contrato de Empreitada.

Cláusula Vigésima Terceira
Prazo de Garantia
1- O prazo de garantia dos trabalhos objeto do presente contrato será de 5 (cinco) anos, a contar da data da respetiva receção provisória, nos termos previstos no número três da cláusula anterior.
2- Durante o prazo de garantia, o Subempreiteiro obriga-se a reparar qualquer defeito ou imperfeições nos trabalhos objeto do presente contrato e a substituir toda e qualquer peça ou equipamento defeituoso devido à má conceção, defeito ou qualidade inadequada de matérias-primas utilizadas, defeito de fabricação ou erro de montagem.
3- No caso em que o Subempreiteiro não execute, no prazo que para o efeito lhe seja determinado pelo ACE, quaisquer trabalhos de reparação ou correção, de substituição ou demolição dos trabalhos mal executados ou que apresentem defeitos ou patologias ou executados em desconformidade com os documentos contratuais, poderá o ACE, desde logo e sem necessidade de qualquer comunicação ou ação adicional perante o Subempreiteiro, mandar executar tais reparações, correções, substituições ou demolições por terceiros ou por si próprio.
4- No caso previsto no número anterior, o Subempreiteiro suportará integralmente os custos com a realização das reparações, correções, substituições ou demolições de trabalhos, custos esses que poderá ser pagos mediante o acionamento da caução prevista na Cláusula Décima Segunda.
(…).

Cláusula Vigésima Segunda
Rescisão do Contrato
1 (…).
2 Sempre que o ACE pretenda rescindir o presente Contrato nos termos do número anterior, observará o seguinte:
a)- Emitirá notificação prévia ao Subempreiteiro, comunicando-lhe a intenção de rescindir o presente Contrato, identificando o incumprimento em causa, e concedendo-lhe um prazo razoável para que providencie a regularização da situação;
b)- Decorrido esse prazo sem que a situação esteja integralmente resolvida, emitirá nova notificação, nos termos da qual comunica a rescisão do Contrato.
(…)
12 Caso o Subempreiteiro pretenda rescindir o Contrato, procederá como estipulado no número dois da presente Cláusula sob pena de se considerar a rescisão efetuada sem justa causa.
(…)» – cfr. doc. de fls. 82 verso a 92, cujo restante teor aqui se dá por integralmente reproduzido (resposta ao ponto 5º da petição inicial).
F Com vista a executar os trabalhos referidos em E) para a 2.ª Ré no âmbito daquele acordo referido em E), em 09/12/2014, a 1.ª Ré contratou à Autora o transporte e fornecimento, em regime de aluguer e compra, de diverso material auxiliar de construção e cofragem para a obra da Subconcessão ... Litoral – Variante S. Lourenço/Troto, nas condições que se encontram explanadas no documento de fls. 150 a 164, onde, além do mais, Autora e 1ª Ré acordaram, no seguinte: «Faturação: mensal, de acordo com a taxa que respeite os valores por m2/m3 acordados. Forma de pagamento: pagamento a 60 dias após a data de emissão da fatura». E nas condições gerais:
«5 Restituição do Material Alugado.
5.1- O cliente obriga-se a restituir o material alugado logo que, por qualquer modo, finde o contrato ou tal lhe seja solicitado por motivo justificado não imputável à ....
5.2- O material será entregue no armazém da ..., correndo as despesas e o risco da respetiva desmontagem, carga e transporte por conta do cliente salvo se expressamente estabelecido de outro modo.
5.3- Com vista à devolução do material alugado, deverá o cliente notificar a ... por escrito com o mínimo de cinco dias de antecedência da data em que o mesmo se encontrará liberto a fim de proceder à contagem e verificação do material em obra e marcação da data para a desmontagem/entrega em armazém»
 – resposta ao art. 6º da petição inicial e à concretização feita no ponto 4.4 de fls. 268.
G Na execução do acordo referido em F), entre 10/10/2014 e 11/11/2015, a pedido da 1ª Ré, a Autora realizou os transportes de material, alugou o material e vendeu o material que se encontra identificado nas seguintes faturas, nas quantidades, qualidades e preços e nas condições de pagamento nelas referidas, material esse que foi entregue pela Autora na obra designada por “Subconcessão do ... Litoral – Variante S. Lourenço Troto”:
1- fatura n.º VIF 21400759, junta aos autos a fls. 38 verso, emitida em 31/12/2014, com data de vencimento em 28/02/2015, no valor de 1.599,00 euros, respeitante ao preço do transporte do material fornecido pela Autora à 1ª Ré;
2- fatura nº VIF 21400764, junta aos autos a fls. 39, emitida em 31/12/2004, com data de vencimento em 28/02/2015, no valor de 2.061,44 euros, respeitante ao aluguer do material que a Autora fez à 1ª Ré para aquela obra no período de 10 a 31 de dezembro de 2014;
3- fatura n.º VIF n.º 21400070, junta aos autos a fls. 39 verso, emitida em 31/01/2015, com data de vencimento em 31/03/2015, no valor de 50,43 euros, respeitante a material que a Autora vendeu à 1ª Ré para a dita obra;
4- fatura n.º VIF n.º 21500071, junta aos autos a fls. 40, emitida em 31/01/2015, com data de vencimento em 31/03/2015, no valor de 1.599,0 euros, respeitante ao preço do transporte do material fornecido pela Autora à 1ª Ré;
5- fatura n.º VIF n.º 21500072, junta aos autos a fls. 40 verso, emitida em 31/01/2015, com data de vencimento em 31/03/2015, no valor de 5.760,13 euros, respeitante ao aluguer do material que a Autora fez à 1ª Ré para aquela obra no mês de janeiro de 2015;
6- fatura n.º VIF n.º 21500109, junta aos autos a fls. 41, emitida em 27/02/2015, com data de vencimento em 27/04/2015, no valor de 1.599,0 euros, respeitante ao preço do transporte do material fornecido pela Autora à 1ª Ré;
7- fatura n.º VIF n.º 21500133, junta aos autos a fls. 43, emitida em 28/02/2015, com data de vencimento em 30/04/2015, no valor de 6.036,30 euros, respeitante ao aluguer de material que a Autora fez à 1ª Ré para aquela obra no mês de fevereiro de 2015;
8- fatura n.º VIF n.º 21500184, junta aos autos a fls. 43 verso, emitida em 31/03/2015, com data de vencimento em 31/05/2015, no valor de 307,50 euros, respeitante ao preço do transporte do material fornecido pela Autora à 1ª Ré;
9- fatura n.º VIF n.º 21500185, junta aos autos a fls. 44, emitida em 31/03/2015, com data de vencimento em 31/05/2015, no valor de 2.279,60 euros, respeitante a material que a Autora vendeu à 1ª Ré para a dita obra;
10- fatura n.º VIF n.º 21500186, junta aos autos a fls. 44 verso, emitida em 31/03/2015, com data de vencimento em 31/05/2015, no valor de 307,50 euros, respeitante ao preço do transporte do material fornecido pela Autora à 1ª Ré;
11- fatura n.º VIF n.º 21500187, junta aos autos a fls. 45, emitida em 31/03/2015, com data de vencimento em 31/05/2015, no valor de 6.458,84 euros, respeitante ao aluguer de material que a Autora fez à 1ª Ré para aquela obra no mês de março de 2015;
12- fatura n.º VIF n.º 21500262, junta aos autos a fls. 45 verso, emitida em 30/04/2015, com data de vencimento em 30/06/2015, no valor de 799,50 euros, respeitante ao preço do transporte do material fornecido pela Autora à 1ª Ré;
13- fatura n.º VIF n.º 21500265, junta aos autos a fls. 46, emitida em 30/04/2015, com data de vencimento em 30/06/2015, no valor de 6.362,42 euros, respeitante ao aluguer do material que a Autora fez à 1ª Ré para aquela obra no mês de Abril de 2015;
14- fatura n.º VIF n.º 21500314, junta aos autos a fls. 46 verso, emitida em 27/05/2015, com data de vencimento em 27/07/2015, no valor de 807.13 euros, respeitante a material que a Autora vendeu à 1ª Ré para a dita obra;
15- fatura n.º VIF n.º 21500315, junta aos autos a fls. 47, emitida em 27/05/2015, com data de vencimento em 27/07/2015, no valor de 799,50 euros, respeitante ao preço do transporte do material fornecido pela Autora à 1ª Ré;
16- fatura n.º VIF n.º 21500319, junta aos autos a fls. 47 verso, emitida em 31/05/2015, com data de vencimento em 31/07/2015, no valor de 7.789,74 euros, respeitante ao aluguer do material que a Autora fez à 1ª Ré para aquela obra no mês de maio de 2015;
17- fatura n.º VIF n.º 21500398, junta aos autos a fls. 48, emitida em 30/06/2015, com data de vencimento em 31/08/2015, no valor de 8.037,56 euros, respeitante ao aluguer do material que a Autora fez à 1ª Ré para aquela obra no mês de junho de 2015;
18- fatura n.º VIF n.º 21500458, junta aos autos a fls. 48 verso, emitida em 31/07/2015, com data de vencimento em 30/09/2015, no valor de 8.305,48 euros, respeitante ao aluguer do material que a Autora fez à 1ª Ré para aquela obra no mês de julho de 2015;
19- fatura n.º VIF n.º 21500544, junta aos autos a fls. 49, emitida em 31/08/2015, com data de vencimento em 31/10/2015, no valor de 1.599,0 euros, respeitante ao preço do transporte do material fornecido pela Autora à 1ª Ré;
20- fatura n.º VIF n.º 21500545, junta aos autos a fls. 49 verso, emitida em 31/08/2015, com data de vencimento em 31/10/2015, no valor de 9.719,62 euros, respeitante ao aluguer do material que a Autora fez à 1ª Ré para aquela obra no mês de agosto de 2015;
21- fatura n.º VIF n.º 21500495, junta aos autos a fls. 50, emitida em 31/08/2015, com data de vencimento em 31/10/2015, no valor de 4.226,77 euros, respeitante ao preço do material que a Autora vendeu à 1ª Ré para a dita obra;
22- fatura n.º VIF n.º 21500580, junta aos autos a fls. 50 verso, emitida em 30/09/2015, com data de vencimento em 30/11/2015, no valor de 13.447,25 euros, respeitante ao aluguer do material que a Autora fez à 1ª Ré para aquela obra no mês de setembro de 2015;
22’- fatura n.º VIF n.º 21500582, junta aos autos a fls. 51, emitida em 30/09/2015, com data de vencimento em 30/11/2015, no valor de 799,50 euros, respeitante ao preço do transporte do material fornecido pela Autora à 1ª Ré;
23- fatura n.º VIF n.º 21500653, junta aos autos a fls. 51 verso, emitida em 31/10/2015, com data de vencimento em 31/12/2015, no valor de 12.764,78 euros, respeitante ao aluguer de material que a Autora fez à 1ª Ré para aquela obra no mês de outubro de 2015;
24- fatura n.º VIF n.º 21500730, junta aos autos a fls. 52, emitida em 31/11/2015, com data de vencimento em 31/01/2016, no valor de 4.529,44 euros, respeitante ao aluguer de material que a Autora fez à 1ª Ré para aquela obra no período de 01 a 11 de novembro de 2015;
25- fatura n.º VIF n.º 21500737, junta aos autos a fls. 52 verso, emitida em 30/11/2015, com data de vencimento em 31/01/2016, no valor de 5.596,50 euros, respeitante ao preço do transporte do material alugado pela Autora à 1ª Ré, desde a obra até aos armazéns da Autora; e
26- fatura n.º VIF n.º 21600001, junta aos autos a fls. 53, emitida em 11/01/2016, com data de vencimento em 11/03/2016, no valor de 1.445,25 euros, respeitante ao preço do transporte do material alugado pela Autora à 1ª Ré, desde a obra até aos armazéns da Autora – resposta ao ponto 8º da petição inicial.
H A Autora emitiu e enviou à 1.ª Ré as faturas identificadas em G), que não pagou à Autora, total ou parcialmente, qualquer das referidas faturas – resposta ao ponto 9.º da petição inicial.
I A Autora fez diversas tentativas no sentido de obter o pagamento da 1.ª Ré das faturas identificadas em G), tendo-lhe enviado, através dos seus advogados, a carta que se encontra junta aos autos a fls. 54, datada de 16/10/2015, em que a interpela para que pague as faturas já vencidas até 16/10/2015, no montante de 60.960,07 euros, a que acrescem os valores das faturas já emitidas e que se vencem até 31/10/2015, no valor de 15.543,39 euros, e em 30/11/2015, no valor de 14.246,75 euros, mas sem resultado – resposta ao ponto 10º da petição inicial.
J Em 06/11/2015, por mail de fls. 213, a 1.ª Ré informou a Autora que o equipamento que esta lhe tinha alugado na execução do acordo referido em F) e que, então, se encontrava na obra identificada em G), se encontrava disponível para devolução a partir daquela data, tendo, nessa sequência, a Autora arranjado transporte a fim de transportar aquela material desde a referida obra para as instalações da Autora e faturou o custo desse transporte à 1ª Ré nos termos relatados em G.25 e G.26, e faturou à 1ª Ré o custo do aluguer desse material até ao dia 11 de novembro de 2015 nos termos relatados em G.24 – resposta ao ponto 8º da petição inicial, ao ponto 18º da contestação da 1ª Ré e concretizada a fls. 268 nos pontos 4.4, 4.5 e 4.6.
K Em dezembro de 2014, aquando da contratação da Autora para fornecer materiais em obra nos termos relatados em F), foi expressamente acordado entre Autora, 1ª Ré e 2ª Ré, que a 2ª Ré, na qualidade de empreiteiro geral, garantiria o pagamento à Autora do custo dos transportes e do material que esta viesse a aluguer e a vender à 1ª Ré, na execução do acordo referido em F), podendo para o efeito a 2ª Ré reter as verbas necessárias à 1ª Ré e entregá-las diretamente a esta, nos termos e condições que vieram a ser explanadas no documento escrito de fls. 59 a 61 (resposta ao art. 17º da p.i.).
L O acordo referido em K) foi reduzido a escrito nos termos que se encontram explanados no documento de fls. 59 a 61, com data de 12/01/2015, e a respetiva minuta foi aprovada por Autora, 1ª Ré e 2ª Ré, e consta, além do mais, do seguinte teor:
«C)- Que ao Empreiteiro Geral, foi adjudicada a Empreitada designada por Subconcessão do ... Litoral, o qual, por sua vez, subcontratou ao Subempreiteiro a execução da parte dos trabalhos da Empreitada;
D)- O Empreiteiro Geral celebrou com o Subempreiteiro o Contrato de Subempreitada n.º 515 para o fornecimento e execução de cofragens;
E)- Que no exercício da sua atividade, o Fornecedor irá alugar elementos auxiliares de construção e cofragens ao Subempreiteiro, para execução da Subempreitada;
F)- Que o Contrato de Aluguer poderá ser objeto de fornecimento adicionais de equipamento em regime de aluguer e venda de consumíveis;
G)- Que o presente acordo pretende promover o regular pagamento das quantias devidas pelo Subempreiteiro perante o Fornecedor ao abrigo do Contrato de Aluguer;
H)- Que o Empreiteiro Geral aceita garantir o cumprimento das obrigações de pagamento, com caráter exclusivamente pecuniário, previstas no Contrato de Aluguer e Venda devidas como contrapartida do aluguer de elementos auxiliares de construção e cofragens ao abrigo do Contrato de Aluguer, caso exista incumprimento por parte do Subempreiteiro.
(…)

Cláusula Primeira
1- A Empreiteira Geral, nos valores devidos ao Subempreiteiro ao abrigo do Contrato de Subempreitada, poderá reter as verbas necessárias para o pagamento de toda e qualquer quantia comprovadamente devida pelo Subempreiteiro ao Fornecedor que diga respeito a elementos auxiliares de construção e cofragem utilizados pelo Subempreiteiro na Subempreitada.
2- O Empreiteiro Geral só efetuará o pagamento ao Fornecedor mediante a apresentação, por parte desta, das fatura(s) respetiva(s) emitida(s) e validada(s) nos termos legalmente previstos.
3- Para o efeito, sempre que seja solicitado e regulamente no dia 20 de cada mês, ao Fornecedor facultará ao Empreiteiro Geral informação sobre o fornecimento de cofragem ao Subempreiteiro, nomeadamente facultando listagens das faturas emitidas e do seu vencimento, daquelas ainda por liquidar e do equipamento presente em obra.
4- O Subempreiteiro aceita e autoriza, em termos irrevogáveis e incondicionais, o Empreiteiro Geral a proceder ao pagamento das quantias que forem devidas pelo Subempreiteiro ao Fornecedor nos termos previstos nos números anteriores com as verbas que tiver retido nos termos do n.º 1 supra (…)»
- (resposta ao ponto 18º da petição inicial).
M O documento referido em L) foi assinado e carimbado pela Autora em dia não concretamente apurado de janeiro de 2015 e foi por esta entregue, em mãos, à 1ª Ré, a fim de recolher as assinaturas daquela 1ª Ré e da 2ª Ré, tendo a 1ª Ré assinado esse documento e entregue o mesmo, em dia não concretamente apurado de janeiro de 2015, à 2ª Ré, para que esta assinasse, que foi adiando a sua assinatura (resposta ao ponto 19º da petição inicial).
N Em 5 de agosto de 2015, a 1ª Ré solicitou à Autora o envio para a obra referida em F) do material necessário para a montagem do cimbre, a fim de dar continuidade aos trabalhos do encontro oeste da PI6, de modo a que esta montagem pudesse iniciar-se em 24/08/2015 (resposta ao ponto 20º da petição inicial).
O Na sequência do relatado em N), a Autora informou a 1ª Ré que não podia continuar a enviar mais material para a obra sem que lhe fossem realizados os pagamentos das faturas já emitidas pela Autora, vencidas e não pagas pela 1ª Ré relativas aos transportes de material e ao material já fornecido pela Autora para aquela obra, que já totalizavam 44.617,03 euros e enquanto a 2ª Ré não assinasse o documento identificado em M) – resposta ao ponto 21º da petição inicial.
P Em 20/08/2015, Autora, 1ª e 2ª Rés discutiram a situação através de conferência telefónica em alta voz, tendo desta conferência resultado o compromisso do 2º Réu de pagar as faturas que a 1ª Ré devia à Autora e que se vinculava a assinar o documento identificado em M) nos termos explanados no mail de fls. 62 verso.
Q Por mail de 20/08/2015, junto aos autos a fls. 62 verso, o 2º Réu formalizou junto da Autora o acordo alcançado e relatado em P), que consta do seguinte teor:
1- O ACE aceita a formalização do acordo tripartido para as faturas referentes ao aluguer de material para a ... à ..., para a presente Empreitada.
2- Esse acordo pressupõe que a ACE assuma o pagamento das faturas por liquidar pela ..., tendo para isso acesso constante à conta corrente entre ... e ....
3- Esse acordo tripartido, validado pelo Diretor de Construção Eng. Pedro L...S..., em gozo de férias, não pode ser enviado antes de 31/08/2015;
4- Solicitamos que a ... informe se, com o presente email, reúne condições para entrega do material para o cimbre da PI6 à ...;
5- A ... conta dar resposta sobre a data de entrega, até à próxima 2ª feira 24.08.2015;
6- Espera o ACE que o material possa estar em obra até 28/08/2015, pela importância que se reveste para a empreitada;
7- Para conhecimento, anexamos o email atempadamente enviado à ..., datado de 05/08/2015, alertando para a necessidade de colocar todo o material do cimbre em obra para início da montagem do cimbre a 10/08/2015
– resposta ao ponto 23º da petição inicial.
R No mesmo dia 20/08/2015, após a receção do mail identificado em Q), e por causa dele, a Autora comunicou ao 2º Réu que daria continuidade ao processo de fornecimento de material para a obra, o que fez – resposta ao ponto 24º da petição inicial.
S Apesar do relatado em K) a R), a 2ª Ré não pagou à Autora qualquer quantia relativa aos transportes e fornecimentos de material referidos em G) que esta forneceu à 1ª Ré, e continuou a adiar a assinatura do documento referido M) - resposta ao ponto 25º da petição inicial.
T Em 18/09/2015, na sequência de uma reunião que teve lugar em 16 ou 17/09/2015, entre Autora, 1ª Ré e 2ª Ré, que teve lugar a pedido da Autora devido ao relatado em S), em que a Autora reclamava a assinatura do documento referido em M) e o pagamento das faturas identificadas em G) que se tinham vencido e que estavam por pagar, na sequência de pressões exercidas pela 2ª Ré junto da 1ª Ré para que esta procedesse a esse pagamento, recusando-se a pagar e a assinar o documento referido em M), por mail de fls. 66 verso a 67, a 1ª Ré informou a Autora que iria efetuar pagamentos periódicos da dívida existente e por mail de fls. 67 verso, em 23/09/2015, propôs pagar à Autora essa dívida em prestações mensais de dez mil euros, mas nada pagou – resposta ao ponto 31º da petição inicial.
U A Autora enviou à 2ª Ré, a carta de fls. 64 a 65, datada de 16/10/2015, remetendo-lhe cópia da carta que tinha enviado à 1ª Ré e identificada em I) e da relação de faturas de fls. 65, mas não obteve qualquer pagamento da 2ª Autora ou resposta a essa carta – resposta ao ponto 26º da petição inicial.
V Em 30/09/2015, a Autora enviou às Rés o mail de fls. 334 a 335, informando que a Autora não tinha qualquer acordo de pagamento proposto pela 1ª Ré e que esta nada lhe tinha pago e solicitando que no âmbito do acordo tripartido fosse marcada uma reunião para definirem a resolução do pagamento da dívida à Autora, remetendo-lhes, nesse mail, a relação de faturas de fls. 335, mas a 1ª Ré abandonou a obra em 06/11/2015, por a 2ª Ré não lhe atribuir frente de obra – resposta ao ponto 32º da petição inicial.
X Em 10/11/2015, a 2ª Ré informou a Autora que a 1ª Ré abandonara a obra – resposta ao ponto 27º da petição inicial.
Z O 2º Réu consentiu nos fornecimentos referidos em G) e beneficiou dos materiais fornecidos pela Autora – resposta ao ponto 34º da petição inicial.
AA A Autora apenas aceitou efetuar os transportes e os fornecimentos para a obra identificada em G) devido ao acordo identificado em K) e apenas aceitou continuar a fornecer os materiais para a obra devido ao acordo referido em P) e Q), tendo a Autora confiado que a 2ª Ré iria honrar esses acordos – resposta ao ponto 35º da petição inicial.
AB Durante a execução do acordo referido em E) pela 1ª Ré, ocorreram períodos, designadamente, durante os meses de outubro e novembro de 2015, em que a 2ª Ré não atribuiu frente de obra à 1ª Ré, levando a que um número não concretamente apurado de trabalhadores da 1ª Ré, durante um período não concretamente apurado, ficassem paralisados em obra, sem trabalho para executar, e que parte não concretamente apurada do material alugado pela Autora à 1ª Ré e referido em G) ficasse igualmente imobilizado, em obra, sem ser utilizado, o que levou a que a 1ª Ré tivesse abandonado a obra em 06/11/2015 nos termos relatados em V) – resposta ao ponto 37º da petição inicial, concretizada na ata de audiência prévia de fls. 216 a 222 – vide fls. 218 verso - e ao ponto 18º da contestação da 1ª Ré.
AC Na sequência do relatado em AB), a 1ª Ré emitiu a fatura n.º 43, de 26/11/2015, junta aos autos a fls. 209, no montante de 24.051,88 euros, referente ao alegado custo decorrente do período de tempo em que os seus trabalhadores estiveram imobilizados em obra, por não atribuição de frente de obra pela 2ª Ré, bem como a fatura n.º 44, de 26/11/2015, junta aos autos a fls. 211, no valor de 43.785,44 euros, referente aos alegados aluguéis do material alugado à Autora e que esteve imobilizado em obra por não atribuição de frente de obra pela 2ª Ré e enviou à última a carta de fls. 207 a 208, datada de 26/11/2015, contendo essas faturas e os documentos de fls. 210 e 212, em que declara “resolvido com justa causa” o acordo referido em E) e reclama desta o pagamento da quantia 91.832,55 euros, onde estão incluídos 26.400,40 euros, que a 2ª Ré reteve à 1ª Ré no pagamento das faturas a título de caução a que alude a cláusula 12ª do acordo referido em E), valores esses que a 2ª Ré não pagou à 1ª Ré - resposta ao ponto 37º da petição inicial, concretizada na ata de audiência prévia de fls. 216 a 222 (vide fls. 218 verso), e ao ponto 18º da contestação da 1ª Ré, concretizado nos ponto 4º e 5º de fls. 224.
AD A Autora organizou a sua tesouraria e finanças partindo do pressuposto de que iria receber o montante das faturas identificadas em G) na data de vencimento de cada uma daquelas faturas – resposta ao ponto 38º da petição inicial, concretizado a fls. 270.
AE Além de não ter recebido os aluguéis do material referido em G), a Autora viu-se impedida, durante o período em que o material esteve alugado à 1ª Ré, de colocar no mercado, mediante venda ou aluguer, aquele material que tinha entregado à 1ª Ré - resposta ao ponto 38º da petição inicial, concretizado a fls. 270.
AF A Autora dedica-se essencialmente ao aluguer e venda de material de cofragem e andaimes - resposta ao ponto 38º da petição inicial, concretizado a fls. 270.
AG Por via do relatado em AD) e de não ter recebido o montante das faturas identificadas em G) na data de vencimento de cada uma dessas faturas, a Autora viu-se na necessidade de recorrer à conta corrente caucionada até 300 mil euros, que tem aberta junto da Caixa Geral de Depósitos para apoiar a sua tesouraria - resposta ao ponto 38º da petição inicial, concretizado a fls. 270
AH O documento referido em M) nunca chegou a ser assinado pela 2ª Ré por o Conselho de Administração daquela ter adiado sucessivamente a assinatura daquele documento, acabando por recusar a assinatura do mesmo – resposta aos pontos 25º e 32º da contestação da 2ª Ré.
AI Com exceção das relações de faturas referidas em U) e V), a Autora não enviou à 2ª Ré as faturas referidas em G) – resposta ao ponto 41º da contestação da 2ª Ré.
AJ Ainda não ocorreu a receção definitiva dos trabalhos executados pela 1ª Ré para a 2ª Ré no âmbito da execução do acordo referido em E) – resposta ao ponto 13º de fls. 228 verso.

III. Apreciação do mérito do recurso
O presente recurso vem interposto da sentença de 15.03.2017 que, julgando a ação integralmente procedente quanto aos réus, Imobiliária ... – Promoção Imobiliária, Lda. (subempreiteira) e RAL – ... do ... Litoral, ACE (empreiteira), condenou-os a pagarem solidariamente à autora ... (fornecedora de bens e serviços à subempreiteira) a quantia de € 115.088,18 de capital em dívida, acrescida de juros de mora calculados nos termos nela fixados.

O recorrente, ACE, pretende a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que julgue a ação, quanto a si, improcedente e determine a sua absolvição do pedido, estruturando as conclusões das suas alegações da seguinte forma:
1. Discordância da qualificação que o tribunal a quo fez do acordo tripartido como fiança por, em seu entender, o teor do documento dado por provado não conduzir a tal qualificação, consistindo esta, além do mais, numa decisão surpresa (conclusões 1.ª a 45.ª);
2. Nulidade da sentença por oposição entre a decisão – no que respeita à condenação no pagamento de faturas vencidas após 20.08.2015 –, e os seus fundamentos, pois, segundo o recorrente, na fundamentação da sentença não há dados que permitam tal condenação (conclusões 46.ª a 52.ª);
3. Impugnação da matéria de facto consignada em AB e AC, sobre a contribuição da conduta do ACE para a situação de incumprimento contratual (conclusões 53.ª a 57.ª) e erro de julgamento por incorreta valoração da prova com referência à aceitação pelo ACE, em 2014, de que a autora seria fornecedora da 1.ª ré ... (conclusões 59.ª a 63.ª).

A recorrida ... contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e, subsidiariamente, prevenindo uma hipotética procedência, no final das contra-alegações requereu de ampliação do âmbito do recurso (art. 636, n.º 1, do CPC) e a impugnação do despacho proferido sobre a reclamação por si apresentada na audiência prévia de 21.09.2016 sobre a fixação dos temas da prova (art. 596, n.º 3, do CPC).

A. Da interpretação da garantia prestada e sua qualificação
O acordo ora em análise está corporizado num documento escrito com data de 12/01/2015, intitulado «acordo tripartido», cuja cópia se encontra a fls. 59 a 61 dos autos e está descrito, ainda que em parte por remissão para aquelas folhas do processo, nas alíneas K, L e M dos factos assentes. A ele se referem também as alíneas P e Q.
Entendeu o tribunal que tal acordo se qualifica como fiança. Desta qualificação discorda o recorrente. A apreciação do tribunal a quo para efetuar a dita qualificação foi a que se passa a transcrever, avançando-se desde já que com ela se concorda integralmente. Dada a clareza da exposição, escusamo-nos de repetir por diferentes palavras o que da sentença da 1.ª instância consta e que de imediato se transcreve:

«Passando à análise destes acordos, compulsado o documento escrito de fls. 59 a 60, que explana o referido acordo tripartido a que Autora, 1ª e 2ª Rés chegaram em dezembro de 2014, mas que a 2ª Ré não chegou a assinar, percorrido o respetivo clausulado e, bem assim a matéria que a propósito do mesmo se quedou como provada sob as alíneas K) e L) dos factos provados, somos em concluir que no mesmo a 2ª Ré assume uma fiança, ao declarar que “aceita garantir” à Autora “o cumprimento das obrigações de pagamento, com caráter exclusivamente pecuniário, previstas no contrato de aluguer e venda devidas como contrapartida do aluguer de elementos auxiliares de construção e cofragens” ao abrigo do contrato misto, acima caracterizado, celebrado entre Autora e 1ª Ré.

Na verdade, a fiança é o vínculo jurídico pelo qual um terceiro (o fiador) se obriga pessoalmente perante o credor, garantindo com o seu património a satisfação do direito de crédito deste sobre o devedor (cfr. art. 627º, n.º 1 do Cód. Civil), quando, na alínea H) daquele contrato, é precisamente isto que acontece no caso em análise.

Com efeito, a 2ª Ré, na qualidade de empreiteira geral, declara aceitar garantir à Autora o cumprimento das obrigações de pagamento, com carácter exclusivamente pecuniário, que venham a emergir da execução do contrato misto acima caracterizado celebrado entre Autora e 1ª Ré, declarando que caso a última não cumpra com esse acordo, não pagando à Autora o preço dos transportes da mercadoria que esta lhe venha a efetuar ou o preço da venda dos materiais que esta lhe venha a vender e/ou a pagar os aluguéis daquela mercadoria que lhe venha a alugar na execução daquele contrato misto, que aquela 2ª Ré pagará, obrigando-se pessoalmente perante a Autora a satisfazer-lhe aquelas quantias, garantindo-lhe, desta feita, com o seu património a satisfação desses seus direitos de crédito, chamando a si a obrigação de pagamento.

Essa obrigação assumida pela 2ª Ré é acessória daquela que recai sobre a 1ª Ré (a afiançada), como claramente decorre do n.º 2 do art. 627º do Cód. Civil, uma vez que ela apenas garante que a obrigação afiançada do devedor será satisfeita.

A obrigação que a 2ª Ré assume é a obrigação do devedor (a 1ª Ré), de modo que “embora se possa dizer que a garantia patrimonial dada pelo fiador se coloca ao lado da garantia oferecida pelo obrigado (a 1ª Ré), outro tanto se não pode afirmar na obrigação assumida pelo fiador (a 2ª Ré), que está por cima da obrigação contraía pelo devedor (1ª Ré), mas não ao lado dela (…). Após a constituição da fiança passa assim a haver uma obrigação principal, a que vincula o principal devedor (a 1ª Ré) e, por cima dela, a cobri-la, tutelando o seu cumprimento, uma obrigação acessória, a que o fiador fica adstrito” – cfr. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. II, 7ª ed., pág. 479.

No dizer do art. 628º, n.º 1 do Cód. Civil, a vontade de prestar fiança, deve ser expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal, o que significa que é essencial que o fiador chame a si, em termos inequívocos e expressos, a obrigação de realizar a prestação a que o devedor se encontre adstrito se este não cumprir, não podendo, pois, existir dúvidas sobre a vontade daquele afiançar, mas antes carecendo de expressar, de forma clara e inequívoca, ser essa a sua vontade, como, por exemplo, afirmando “eu respondo pelo devedor”, requisito este que se encontra cabalmente observado no caso em análise, em que a 2ª Ré é expressa em afirmar que aceita “garantir o cumprimento das obrigações de pagamento, com caráter exclusivamente pecuniário” previstas no contrato celebrado entre Autora e 1ª Ré.
Por outro lado, ao estatuir-se que essa vontade de afiançar carece de ser expressamente manifestada pela forma exigida para a obrigação principal, significa que se para a obrigação principal não for legalmente exigida forma especial, como acontece no caso, em que essa exigência formal quanto ao contrato misto celebrado entre Autora e 1ª Ré não existe, a vontade de prestar fiança pode ser declarada verbalmente.

Note-se que isto é assim mesmo que as partes do contrato principal tenham voluntariamente adotado para este a forma escrita ou que tenham convencionado a observância dessa forma, nos termos do art. 223º do Cód. Civil, uma vez que não se trata de uma forma exigida para a obrigação principal: tal forma não é exigida pela lei nem o é sequer pelas partes com eficácia para o fiador. A estipulação pelas partes, de uma forma especial para a declaração só a elas vincula, tendo o mero fim de preservação dos seus interesses, nada tendo, portanto, que ver com a prestação de fiança por terceiro. Menos afeta ainda a liberdade de forma da fiança o facto de as partes terem adotado espontaneamente uma forma especial para o seu contrato – Vaz Serra, RLJ, 106º, pág. 203.

Decorre do exposto que, no caso, tendo a 2ª Ré declarado expressamente a sua vontade de afiançar o cumprimento das obrigações que a 1ª Ré viesse a contrair junto da Autora por via da execução do contrato misto entre ambas celebrado, essa obrigação é válida ainda que tenha sido assumida verbalmente, posto que não prescrevendo a lei forma especial para a celebração do contrato misto pactuado entre Autora e 1ª Ré de onde emerge a obrigação principal afiançada, também a vontade de prestar fiança expressa pela 2ª Ré não se encontra submetida a qualquer exigência de forma, podendo ser assumida, como o foi, verbalmente.

Note-se que além de acessória, a obrigação do fiador é, em regra, subsidiária, e daí que lhe assista, em regra, nos termos do disposto no art. 638º do Cód. Civil, o benefício da excussão.

No entanto, porque a subsidiariedade, sendo um direito normal, não é, todavia, contrariamente ao que sucede com a acessoriedade, um requisito essencial da fiança, esse benefício é afastado nas situações enunciadas no art. 640º do Cód. Civil, e em geral, nas obrigações mercantis, conforme decorre do art. 101º do Cód. Com., onde expressamente se estatui que “todo o fiador de obrigação mercantil, ainda que não seja comerciante, será solidário com o respetivo afiançado”.

Significa isto que sendo o contrato misto celebrado entre Autora e 1ª Ré de onde emergem as obrigações afiançadas pela 2ª Ré, subjetiva e objetivamente comerciais, a fiança verbal por aquela assumida perante a Autora, em dezembro de 2014, garantindo-lhe o cumprimento das obrigações de pagamento, com caráter exclusivamente pecuniário, que emergissem daquele contrato comercial para a 1ª Ré e que esta não viesse a cumprir, não goza do benefício da excussão prévia, pelo que a 2ª Ré responde solidariamente com a 1ª Ré pelo cumprimento dessas prestações perante a Autora.

Contudo, caso a 2ª Ré venha a cumprir perante a Autora pelo pagamento daquelas obrigações, por força do vínculo da acessoriedade da fiança em que se traduz a obrigação assumida pela 2ª Ré em relação à Autora quanto àquelas dívidas da 1ª Ré, aquela 2ª Ré conta sempre com a sub-rogação nos direitos da Autora em relação à 1ª Ré, na medida do seu cumprimento no lugar da 1ª Ré – Antunes Varela, in ob. cit., pág. 484.»

Como o recorrente repara, a palavra fiança não foi utilizada no acordo tripartido. Pretende o recorrente que esta circunstância obste à qualificação da garantia prestada como fiança, socorrendo-se para tanto do disposto no art. 628, n.º 1, do CC.

Dispõe este artigo que «a vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal». Segundo entendemos nós, a declaração expressa não tem de ser declaração com a palavra «fiança» ou outra da sua família. O que está em causa na norma é a expressa declaração de garantir a satisfação do crédito e de ficar pessoalmente obrigado perante o credor, independentemente dos vocábulos utilizados, e esta declaração resulta clara e explicitamente do acordo tripartido, nomeadamente quando nele se escreve «que o empreiteiro geral aceita garantir o cumprimento das obrigações de pagamento, com caráter exclusivamente pecuniário, previstas no contrato (…) caso exista incumprimento por parte do subempreiteiro» (considerando H) do acordo tripartido). No texto do acordo tripartido consta, além do mais, que o empreiteiro geral pode reter à subempreiteira as verbas necessárias para o pagamento das quantias devidas pela subempreiteira à fornecedora e, na medida em que fizer pagamentos à fornecedora devidos pela subempreiteira, o empreiteiro geral fica desobrigado de pagar idênticos valores à subempreiteira (cl. 1.ª). Daqui resulta a acessoriedade da obrigação assumida pelo empreiteiro geral que é própria da fiança.

Acresce que o acordo de garantia cuja interpretação e qualificação agora nos cabe não se limita ao texto do «acordo tripartido», sendo antes integrado também pelo conjunto de relações e declarações que o envolveram, e que mais tarde (em agosto de 2016) foram reiteradas e que o tribunal a quo tão bem descreveu na seguinte análise:
«A este propósito, apurou-se que em 2014, aquando da contratação da Autora para fornecer os materiais em obra nos termos do contrato celebrado entre Autora e 1ª Ré e acima já enunciado, foi expressamente acordado entre Autora, 1ª Ré e 2ª Ré, que a última, na qualidade de empreiteiro geral, garantiria o pagamento à Autora do custo dos transportes e do material que esta viesse a alugar e a vender à 1ª Ré, na execução do acordo referido em F), podendo para o efeito a 2ª Ré reter as verbas necessárias à 1ª Ré e entregá-las diretamente à Autora, nos termos e condições que vieram a ser explanadas no documento escrito de fls. 59 a 61 (cfr. alínea K da matéria apurada).

Mais se provou que aquele acordo foi reduzido a escrito nos termos que se encontram explanados no documento de fls. 59 a 61, com data de 12/01/2015, e a respetiva minuta foi aprovada por Autora, 1ª Ré e 2ª Ré e consta do texto que se encontra explanado do documento de fls. 59 a 61 (cfr. alínea L da matéria apurada).

Também se apurou que esse documento foi assinado e carimbado pela Autora em dia não concretamente apurado de janeiro de 2015 e foi por esta entregue, em mãos, à 1ª Ré, a fim de recolher as assinaturas daquela 1ª Ré e da 2ª Ré, tendo a 1ª Ré assinado esse documento e entregue o mesmo, em dia não concretamente apurado de janeiro de 2015, à 2ª Ré, para que esta o assinasse, a qual foi adiando a sua assinatura (cfr. alínea M da matéria apurada).

Mais se apurou que em 05 de agosto de 2015, a 1ª Ré solicitou à Autora o envio para a obra do material necessário para a montagem do cimbre, a fim de dar continuidade aos trabalhos do encontra oeste da PI6, de modo a que esta montagem pudesse iniciar-se em 24/08/2015, mas a Autora informou a 1ª Ré que não podia continuar a enviar mais material para a obra sem que lhe fossem pagas as faturas já emitidas, vencidas e não pagas pela 1ª Ré relativas aos transportes de material e ao material já fornecido pela Autora para aquela obra, que já totalizava a quantia de 44.617,03 euros, e enquanto a 2ª Ré não assinasse o documento identificado em M (cfr. alíneas N e O da matéria apurada).

Também se apurou que em 20/08/2015, Autora, 1ª Ré e 2ª Ré discutiram a situação atrás descrita, através de conferência telefónica em alta voz, tendo desta conferência resultado o compromisso da 2ª Ré de pagar as faturas que a 1ª Ré devia à Autora e que se vinculava a assinar o documento identificado em M) nos termos explanados no mail de fls. 62 verso (cfr. alínea P da matéria apurada).

Ainda se apurou que por mail de 20/08/2015, junto aos autos a fls. 62 verso, a 2ª Ré formalizou junto da Autora aquele acordo alcançado e relatado em P), que consta do seguinte teor: “1- O ACE aceita a formalização do acordo tripartido para as faturas referentes ao aluguer do material para a ... à ..., para a presente Empreitada; 2- Esse acordo pressupõe que a ACE assuma o pagamento das faturas por liquidar pela ..., tendo para isso acesso constante à conta corrente entre ... e ...; 3- Esse acordo tripartido, validado pelo Diretor de construção, Eng. Pedro L... S..., em gozo de férias, não pode ser enviado antes de 31/08/2015; 4- Solicitamos que a ... informe se, com o presente email, reúne condições para entrega do material para o cimbre da PI6 à ...; 5- A ... conta dar resposta sobre a data de entrega até à próxima 2ª feira 24/08/2015; 6- Espera o ACE que o material possa estar em obra até 28/08/2015, pela importância que se reveste para a empreitada; 7- Para conhecimento, anexamos o email atempadamente enviado à ..., datado de 05/08/2015, alertando para a necessidade de colocar todo o material do cimbre em obra para início da montagem do cimbre a 10/08/2015” (cfr. alínea Q da matéria apurada).

Mais se apurou que nesse mesmo dia 20/08/2015, após a receção daquele mail e por causa dele, a Autora comunicou à 2ª Ré que daria continuidade ao processo de fornecimento de material, o que fez (cfr. alínea R da matéria apurada).

Finalmente, apurou-se que apesar do atrás relatado, a 2ª Ré não pagou qualquer quantia relativa aos transportes e fornecimentos de material para a obra que esta forneceu à 1ª Ré e continuou a adiar a assinatura do documento referido em M), que explana o acordo tripartido e acabou por recusar a assinatura do mesmo (cfr. alíneas S e AH da matéria apurada).

Perante a matéria que se acaba de transcrever, contrariamente ao que é afirmado pela 2ª Ré, aquela, em dezembro de 2014, aquando da contratação da Autora pela 1ª Ré para fornecer materiais em obra, acordou expressamente com aquela e a 1ª Ré que, na qualidade de empreiteiro geral, garantiria o pagamento à Autora do custo dos transportes e do material que a mesma viesse a alugar e a vender à 1ª Ré, na execução do contrato misto celebrado entre Autora e 1ª Ré, podendo para o efeito a 2ª Ré reter as verbas necessárias à 1ª Ré e entregá-las diretamente à Autora, nos termos e condições que vieram a ser explanadas no documento escrito de fls. 59 a 61.

Acresce que, na sequência de em agosto de 2015, a Autora se ter recusado a fornecer mais material para a obra enquanto aquele documento escrito não fosse assinado pela 2ª Ré, e enquanto as faturas já vencidas e que não lhe foram liquidadas pela 1ª Ré não fossem pagas, a 2ª Ré, por mail de 20/08/2015, junto aos autos a fls. 61, declarou aceitar a formalização daquele acordo tripartido e declarou assumir o pagamento das faturas que a 1ª Ré tinha por liquidar à Autora.»

Não se nos oferecem dúvidas de que o acordo tripartido que autora e rés pactuaram verbalmente em dezembro de 2014, reiteraram em agosto de 2015, e que está expresso no documento de 12 de janeiro de 2015, integra uma fiança. Tal fiança não tinha de ser acordada por escrito uma vez que tal forma não era exigível ao contrato de fornecimento celebrado entre autora e ré subempreiteira. A alegação do empreiteiro geral no sentido de que o acordo tripartido não foi assinado pelo seu conselho de administração, pretendendo com isso dele desvincular-se, raia a má-fé, como o tribunal a quo notou:
«Oblitera a 2ª Ré que essa fiança não a vincula posto que não foi assumida pelo seu conselho de administração, mas sem razão.
Na verdade, tendo aquelas obrigações sido assumidas perante a Autora pelos representantes da 2ª Ré na obra, veja-se que o mail de fls. 62 verso é enviado à Autora por Álvaro R..., que assume poderes representativos da 2ª Ré e, inclusivamente, escreve que o acordo tripartido foi validado pelo Diretor de Construção, Eng. Pedro L...S..., conforme pondera António Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, vol. I, parte Geral, tomo IV, 2007, págs. 106 e 107, está-se perante uma situação do tipo institucional, “no sentido de surgir enquadrada, numa organização permanente, com trabalhadores ou agentes e serviços diferenciados” em que “a realidade sócio cultural é diversa. Ninguém vai, num supermercado, invocar perante o empregado da caixa o art. 266º, exigindo-lhe a justificação dos seus poderes e isso para evitar a hipótese de uma “representação” sem poderes e não seguida de ratificação (art. 268º/1). A confiança é imediata, total e geral. Compete ao empregador/empresário manter a disciplina na empresa, assegurando-se da legitimidade dos seus colaboradores. Quando não: sibi imputet. Falaremos, então, numa procuração institucional. Esta surge sempre que uma pessoa, de boa-fé, contrate com uma organização em cujo nome atue um “agente” em termos tais que, de acordo com os dados socioculturais vigentes e visto a sua inserção orgânica, seja tranquila a existência de poderes de representação. Trata-se de um prudente alargamento do art. 23º/1 do Decreto-Lei n.º 178/86, o qual, amparado na boa-fé, nada tem de excecional”.

Cremos que a situação sobre que versam os autos é precisamente a tratada e descrita pelo referido autor, quando se verifica que, no caso em análise, a Autora e a 1ª Ré se relacionaram com a 2ª Ré na pessoa do subscritor daquele mail e com o Eng. Pedro L...S..., tendo sido com eles que contactaram e contrataram, em dezembro de 2014, a celebração do acordo tripartido, os quais se assumiram como os representantes da 2ª Ré no obra, perante 1ª Ré e a Autora.

Acresce que ante a recusa da Autora em continuar a fornecer à 1ª Ré material para a obra, em 20/08/2015, Autora, 1ª e 2ª Rés discutiram a situação através de conferência telefónica em alta voz, tendo desta conferência resultado o compromisso da 2ª Ré de pagar as faturas que a 1ª Ré devia à Autora e que se vinculava a assinar o documento identificado em M), em que se explana o acordo tripartido a que as partes tinham chegado em dezembro de 2014, mas cuja assinatura a 2ª Ré vinha adiando e, inclusivamente, aqueles representantes da 2ª Ré puseram esse acordo então alcançado por escrito, no mail junto aos autos a fls. 62 verso.

Nesse mail, conforme se alcança da sua leitura, aqueles representes da 2ª Ré em obra, falam em nome da 2ª Ré, escrevendo: “A ACE aceita a formalização de acordo tripartido …”; “Esse acordo pressupõe que o ACE assuma o pagamento …”; “Espera o ACE que o material …”, assumindo-se como seus representantes e como estivessem devidamente mandatados pela 2ª Ré para representá-la e assumir aquelas vinculações, no que confiou a Autora, levando-a a continuar a fornecer os materiais para a obra (cfr. alínea AA da matéria apurada), confiança essa que se nos prefigura mais que legitima, até porque nada fazia prever que aqueles representantes da 2ª Ré não tinham poderes representativos ou estavam a abusar desses poderes.

Enfatize-se, dentro do quadro da empresa, compete ao empregador/empresário manter a disciplina na empresa, assegurando-se da legitimidade da atuação dos seus colaboradores, pelo que se a 2ª Ré não cuidou em manter mão firme naqueles, obstando a que andassem a assumir perante terceiros, exteriores à organização empresarial, poderes representativos que eventualmente não tinham ou excedendo esses poderes, é ao empresário, ou seja, à 2ª Ré, que incumbe assumir as consequências decorrentes desses atos pretensamente abusivos dos seus colaboradores, em consonância com o preceituado nos arts. 500º, n.º1 e 800º do Cód. Civil, que, aliás, a ser o caso, serão reflexo da indisciplina reinante dentro daquela concreta organização empresarial e não os terceiros enganados, exteriores à mesma, que nenhum poder têm para influenciar e pôr cobro a essa situação de indisciplina reinante e que legitimamente podem, e devem poder confiar que quando se dirigem a uma estrutura empresarial organizada e contactam com quem se assume como representante dessa estrutura empresarial, é porque efetivamente a representa e detém os poderes representativos que assume.

Pretender o contrário, conforme propugna a 2ª Ré, além de não ter fundamento legal, é altamente atentório das mais elementares regras da boa-fé que devem presidir à celebração e à execução dos contratos, constituindo manifesto abuso de direito, que sempre se imporia ser neutralizado nos termos do disposto no art. 334º do Cód. Civil, sob pena de se premiar a má-fé e a incúria e, a breve trecho, levar à paralisação do tráfego jurídico.»

Invocou também o recorrente na ação, e mantém em sede de recurso, que a autora não lhe teria enviado as faturas em dívida pela ré subempreiteira, como devia, no âmbito do acordo tripartido, para que o recorrente pudesse pagá-las. Disse a propósito e com acerto o tribunal a quo:
«Pretende a 2ª Ré que a Autora não lhe enviou as faturas conforme se encontrava obrigada a fazer nos termos da cláusula 1ª, n.º 2 do acordo tripartido que celebrou com aquela, pretendendo com este argumento furtar-se às suas responsabilidades emergentes da fiança que assumiu em benefício daquela, mas, mais uma vez, sem qualquer razão, não passando o comportamento da 2ª Ré, a nosso ver, de um artifício, eivado de má-fé, tanto mais que agora apela ao teor do clausulado desse acordo tripartido, quando, anteriormente, sustentara que não acordara no respetivo teor e que o mesmo não lhe é oponível por não ter sido assinado pelo seu conselho de administração.
Acresce dizer que se é certo que na cláusula 1ª, n.º 2 daquele acordo tripartido ficou pactuado que “o empreiteiro geral só efetuará pagamentos ao fornecedor (ou seja, à Autora) mediante a apresentação, por parte desta, das fatura(s) respetiva(s) emitida(s) e validada(s) nos termos legalmente previstos (cfr. fls. 60), em data posterior, mais concretamente, em 20/08/2015, Autora e Rés chegaram a ulterior acordo em que alteraram o que a esse respeito tinha ficado acordado, estabelecendo que a 2ª Ré passaria a ter “acesso constante à conta corrente entre ... e ...” (cfr. alíneas P e Q da matéria apurada e ponto 2 do acordo exarado no mail de fls. 62 verso).
Desta feita, de acordo com o pactuado, a Autora deixou de ter de apresentar à 2ª Ré as faturas emitidas à 1ª Ré e por esta não pagas, validadas nos termos legalmente previstos, para que a 2ª Ré lhe pagasse, bastando-lhe conceder à 2ª Ré acesso constante à conta corrente existente entre ela e a 1ª Ré e evidentemente apresentar-lhe essa conta corrente caso a 2ª Ré a ela não pretendesse ter acesso.
Ora, no caso, a 2ª Ré não alega e, consequentemente, não prova, como era seu ónus fazer – art. 342º, n.º 1 do Cód. Civil –, em como a Autora não lhe tivesse facultado acesso constante àquela conta corrente existente entre ela e a 1ª Ré.
Acresce que, conforme se vê da matéria que se quedou como provada sob as alíneas U e V, a Autora notificou a Ré da relação de faturas juntas aos autos a fls. 65 e 335, constando dessa relação o número das faturas em dívida, a data de emissão e de vencimento das mesmas e, bem assim o valor em dívida em relação a cada uma dessas faturas.
Conforme flui da matéria que se quedou como provada, o problema da Autora e que esta fazia sentir à 2ª Ré, era que a última não assinava o documento onde se explanava o acordo tripartido alcançado entre Autora e Rés em dezembro de 2014 e que a 1ª Ré não lhe pagava, recusando-se aquela Autora, em 05 de agosto de 2015 a continuar a fornecer materiais para a obra enquanto aquele documento não fosse assinado pela 2ª Ré e lhe fossem liquidadas as faturas vencidas e não pagas (cfr. alíneas N, O e P da matéria apurada), pelo que é por demais manifesto que a 2ª Ré sempre soube que a 1ª Ré nada tinha pago à Autora e que, consequentemente, aquelas relações de faturas que a Autora lhe fez chegar por carta datada de 16/10/2015 e por mail de 30/09/2015, nos termos descritos nas alíneas U e V, espelhavam a conta corrente que existia entre Autora e 1ª Ré e, consequentemente, a dívida que a última tinha para com a primeira.
Acresce dizer que ainda que assim não fosse e se sufragasse o entendimento segundo o qual a cláusula primeira, n.º 2 do acordo tripartido não tinha sido alterada pelo ulterior acordo alcançado, em 20/08/2015, entre Autora e Rés, e que, consequentemente, a Autora estava obrigada a apresentar à 2.ª Ré as faturas emitidas e enviadas à 1.ª Ré e por esta não pagas para que aquela 2.ª Ré lhe pudesse dar pagamento, ante o envio pela Autora à 2.ª Ré das relações de faturas de fls. 65 e 335, a boa-fé contratual e a lisura que deve presidir às relações contratuais, exigia que caso fosse esse o entendimento da 2.ª Ré e/ou esta tivesse qualquer dúvida perante aquelas relações de faturas que a Autora lhe enviou, expusesse essas suas dúvida à Autora e lhe solicitasse a apresentação das faturas a que se alude nessas relações para que lhes desse pagamento, pelo que vir agora argumentar-se que a Autora, contrariamente ao que se encontrava vinculada na cláusula 1.ª, n.º 2 do acordo tripartido, acordo tripartido esse que se pretendeu falsamente não ter sido por ela aceite e que, consequentemente, não se formou o mútuo consenso necessário à formação daquele acordo para, de seguida, também se pretender que esse acordo tripartido não a vincula porque não foi assinado pelos membros do seu conselho de administração, para, mais uma vez se furtar às suas responsabilidade, não passa de mais uma manobra eivada de má-fé contratual da parte da 2ª Ré, que sempre se impunha ser neutralizada por recurso ao disposto no art. 334º do Cód. Civil.
Por último, sempre se impõe considerar que ainda que assim não fosse, o preceituado na cláusula 1ª, n.º 2 do acordo tripartido acabou por ser cumprido pela Autora, na medida em que esta juntou aos presentes autos, em anexo à petição inicial, as referidas faturas, pelo que a 2ª Ré acabou por ser notificada para as mesmas aquando da sua citação para os termos da presente ação.
Resulta do exposto que a 2ª Ré garantiu o cumprimento das obrigações pecuniárias assumidas pela 1ª Ré perante a Autora decorrente do contrato misto acima caracterizado entre elas celebrado, afiançando o pagamento à Autora do preço dos transportes do material que esta viesse a fornecer à 1ª Ré e que lhe viesse a vender, bem como dos aluguéis dos materiais que a Autora viesse a efetuar à 1ª Ré na execução daquele contrato.
O contrato misto celebrado entre Autora e 1ª Ré tem natureza comercial, pelo que a fiança prestada pela 2ª Ré à Autora não goza do benefício da excussão prévia, respondendo, consequentemente, aquela 2ª Ré solidariamente com a 1ª Ré, perante a Autora pelo débito da última, não obstante, por via do vínculo da acessoriedade que caracteriza a fiança, a 2ª Ré, na medida em que pague à Autora, fique sub-rogada nos direitos desta perante a 1ª Ré.
Se a 2ª Ré corre o risco, conforme sustenta acontecer, de pagar duas vezes por via de alegadamente já nada dever à 1ª Ré, é assunto que apenas a ela diz respeito uma vez que não se podia esquecer das obrigações a que se tinha vinculado perante a Autora em dezembro de 2014, reafirmadas em 20/08/2015, sabia que a 1ª Ré nada tinha pago à Autora e como tal devia precaver-se, retendo à 1ª Ré as quantias necessárias para que pudesse honrar os seus compromissos junto da Autora, pelo que se assim não agiu, apenas de si se pode queixar.
Resulta do exposto, que a 2ª Ré, por via da fiança que prestou à Autora, é solidariamente responsável com a 1ª Ré pelo pagamento do crédito devido àquela, sem prejuízo de ficar sub-rogada nos direitos da Autora perante a 1ª Ré na medida em que pague àquela o débito que originariamente é da 1ª Ré.
A Autora faz assentar a fonte de solidariedade do seu crédito perante a 2ª Ré no instituto da sub-rogação enunciado nos artigos 606º e 609º do Cód. Civil, na modalidade de sub-rogação indireta, instituto esse que consente que um credor possa exercer contra terceiro direitos de conteúdo patrimonial, designadamente contra o devedor daquele que na relação jurídica ocupa a posição do devedor.
A razão de ser da admissibilidade da sub-rogação assenta na ideia de que é razoável que os credores possam defender-se contra a inação do seu devedor, de que resulta perder-se, diminuir ou deixar de aumentar o seu património, quando se pondera que o devedor pode não ter interesse em praticar atos destinados a evitar a diminuição do seu património ou a acrescentá-lo, por saber que com isso apenas lucrarão os seus credores, ou pode ser negligente, com prejuízo para os últimos.»
Concordamos, na íntegra.
Finalmente, ainda neste âmbito, o recorrente ACE entende que a garantia que prestou não se qualifica como fiança, mas como garantia atípica. Por tudo quanto dissemos, entendemos que o acordo de garantia em causa contém, pela materialidade do seu clausulado, os elementos da fiança e assim foi bem qualificado, não obstante as partes não o terem assim denominado.

B.Qualificação como fiança e decisão surpresa
Invoca o recorrente que a qualificação da garantia como «fiança» constitui uma decisão-surpresa.
O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem – art. 3.º, n.º 3, do CPC. Com fundamento nesta norma, doutrina e jurisprudência têm afirmado a invalidade de decisões-surpresa. A decisão-surpresa será uma decisão de uma questão sobre a qual as partes não tiveram oportunidade de se pronunciar.
Ora bem. Sobre a qualificação de um contrato celebrado entre as partes processuais e que as próprias partes trouxeram aos autos tiveram as partes oportunidade de se pronunciar. Quando as partes dão conhecimento de um contrato ao tribunal, sendo a interpretação desse contrato núcleo do litígio que pretendem dirimir, as partes sabem que a qualificação do contrato será necessariamente feita em juízo. Logo, tiveram plena oportunidade de sobre essa qualificação se pronunciarem.
Questão diferente é saber se as partes tinham de ser avisadas da concreta qualificação que o tribunal iria fazer. A resposta impõe-se negativa. A adequada qualificação de um facto conhecido e sobre o qual as partes puderam pronunciar-se não constitui jamais uma decisão-surpresa. O facto de as partes não terem eventualmente pensado na possibilidade de uma dada qualificação adequada aos factos conhecidos e sobre os quais puderam pronunciar-se apenas às partes é imputável e não constitui decisão-surpresa.

O que dizemos vai ao encontro de jurisprudência já firmada e que se exemplifica. Do Ac. do STJ de 27/09/2011, proc. 2005/03.0TVLSB.L1.S1: «Na esteira da jurisprudência supra citada, advogamos a tese de poder a vingar a arguição de nulidade de uma decisão quando, e se, a solução opcionada pelo tribunal se desvincule totalmente do alegado pelas partes, na sua substancialidade ou na sua adjetividade. Vale por dizer que as partes terão direito a insurgir-se contra uma decisão se a via nela seguida não se ativer, com um mínimo de arrimo, ao que foi alegado e sufragado pelas partes durante o curso do processo. Assim, se as partes não tiveram hipótese de aportar e debater factos (novos e condizentes com a realidade jurídica prefigurada pelo tribunal antes da decisão “solipsisticamente adoptata”) que poderiam trazer alguma luz sobre a “terza via”, oficiosamente assumida pelo tribunal, então as partes terão o direito de tentar refazer a atividade do tribunal de modo a encarrilar e adequar a estrutura do processo ao resultado decisório. Na última situação prefigurada o tribunal apartou-se do dever de cooperação, colaboração e boa-fé que deve nortear o princípio de imparcialidade e de posição supra partes constitucionalmente atribuído ao Julgador. Neste caso, se o juiz envereda por uma “terza via” e as partes não alegaram factos ou tomaram posição concreta sobre a solução “solitária”, a decisão pode tornar-se injusta e acarretar um juízo de parcialidade que afeta a estrutura regente de um processo justo e despejado de desvios processuais ou substantivos que desvirtuem a decisão ou o resultado final que se espera venha a ser assumido pelo tribunal.».
Do Ac. do TRC de 13/11/2012, proc. 572/11.4TBCND.C1: «Pensamos que a arguição de nulidade de uma decisão pode vingar quando, e se, a solução seguida pelo tribunal se desvincule totalmente do alegado pelas partes, na sua substancialidade ou na sua adjetividade. Vale por dizer que as partes terão direito a insurgir-se contra uma decisão se a via nela seguida não se ativer, com um mínimo de arrimo, ao que foi alegado e sufragado pelas partes durante o curso do processo. Assim, se as partes não tiveram hipótese de aportar e debater factos - novos e condizentes com a realidade jurídica prefigurada pelo tribunal antes da decisão - que poderiam trazer alguma luz sobre a “questão nova”, oficiosamente assumida pelo tribunal, então as partes terão o direito de tentar refazer a atividade do tribunal de modo a encarrilar e adequar a estrutura do processo ao resultado decisório.».

C.Nulidade por contradição entre fundamentos e decisão quanto ao pagamento de faturas posteriores a 20/08/2015
Não se alcança a contradição, alegada pelo recorrente, entre os fundamentos e a decisão no que ao pagamento de faturas posteriores a 20 de agosto de 2015 respeita. Antes pelo contrário, como resulta dos factos e foi apreciado, o acordo de agosto mais não é que o reconhecimento do acordo de dezembro/janeiro e reporta-se a todas as quantias que a subempreiteira deva à fornecedora no âmbito das necessidades da empreitada.
«A 2ª Ré, que assumira aquela fiança perante a Autora, em dezembro de 2014, garantindo o pagamento das obrigações pecuniárias que emergissem para a 1ª Ré perante a Autora decorrentes do contrato que entre estas foi celebrado, uma vez reduzido a escrito esse acordo já fechado e cuja minuta, inclusivamente, a 2ª Ré aprovou, veio a adiar a assinatura desse documento escrito que explana aquela acordo alcançado em dezembro de 2014, pelo que tendo a 1ª Ré entrado em incumprimento perante a Autora, ascendo a dívida da primeira perante a última, em 05 de agosto de 2015, a 44.617,03 euros, perante a pretensão da 1ª Ré em que a Autora lhe fornecesse mais material para a obra, esta recusou-se a fazê-lo enquanto aquela dívida não lhe fosse liquidada e a 2ª Ré não assinasse o documento em que se exarou o acordo tripartido a que tinham chegado em dezembro de 2014.
A declaração expressa no mail de fls. 62 verso, quando nele se escreve que “o ACE assume o pagamento das faturas por liquidar”, é feita por apelo ao acordo tripartido, pelo que é no âmbito e contexto daquele acordo tripartido, onde a 2ª Ré assume uma fiança (não uma assunção de dívida), que esta 2ª Ré declara assumir o pagamento das faturas por liquidar pela 1ª Ré à Autora.»
O acordo de agosto apenas reafirma o de dezembro/janeiro. O facto de em agosto se referirem apenas as faturas por liquidar àquela data resulta de serem essas que estavam na altura em questão, mas nada retira a que o acordo se mantenha para todas as vindouras. O acordo de agosto não altera o de dezembro/janeiro. Apenas o reafirma. Remete-se no mais para o que ficou dito em III.A.

D.Impugnação da matéria de facto – imobilização de trabalhadores e/ou máquinas por não atribuição de frente de obra pelo ACE
Nas suas alegações de recurso, o recorrente insurge-se contra os factos provados sob as alíneas AB e AC.
Os factos em causa reportam-se às relações entre os réus e a eventuais responsabilidades do réu empreiteiro geral perante a ré subempreiteira.
Estes factos não tiveram qualquer influência da apreciação e decisão da causa que seria exatamente a mesma sem a sua existência.
Consequentemente e por manifesta inutilidade não se reaprecia a prova conducente aos factos AB e AC.

E.Da ampliação do âmbito do recurso

Questão prejudicada perante a improcedência do recurso.

IV.Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação totalmente improcedente, mantendo a sentença objeto de recurso.

Custas pelo recorrente.



Lisboa, 28/11/2017


Higina Castelo
José Capacete
Carlos Oliveira

           

* Escrevemos todo o texto, incluindo citações de obras ou trechos de decisões escritas à luz do Acordo Ortográfico de 1945, em conformidade com a grafia vigente, do Acordo Ortográfico de 1990.