Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PIMENTEL MARCOS | ||
Descritores: | REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL INCUMPRIMENTO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/02/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | PROVIDO. | ||
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Sumário: | O art. 190º, nº 5 da OTM só foi revogado pelo Dec. Lei nº 48/95, de 15/3, no que respeita a matéria penal, e não interferiu na vigência ou âmbito de aplicação do art. 189º. Nesta conformidade, o procedimento especial regulado no art. 189º da OTM deve ser utilizado sempre que o obrigado a prestar alimentos devidos a menores não o faça e seja possível a sua cobrança mediante o desconto nos vencimentos ou rendimentos nele referidos, qualquer que seja o processo em que estas tiverem sido judicialmente fixadas: acção especial por alimentos devidos a menores (arts. 186º e segs.) ou regulação do exercício do poder paternal (arts. 174º e segs.). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa. M..., em representação de seu filho, F..., deduziu o incidente de incumprimento de regulação do poder paternal Contra A...., dizendo que este não tem cumprido o que foi decidido por sentença de 02.03.94, na qual ficou estipulado que o mesmo contribuiria com a pensão mensal de 100 euros para sustento do referido menor, estando em dívida a quantia de 1.800 euros. Este foi notificado nos termos e para os efeitos do artigo 181º da OTM e, em 25.03.2003, respondeu, dizendo que não se encontra em condições de cumprir o acordo feito, mas que se propõe retomar os pagamentos, ou seja, 100 euros por mês, sendo 75 relativos a cada mensalidade acordada e 25 para amortização das quantias em dívida. E diz ainda que em 30.03.95 foi homologado por sentença o acordo a que se chegou, fixando-se a pensão mensal em 75 euros. E em 04.04.2003 fez prova do envio à requerente da quantia de 100 euros. A requerente foi notificada e nada disse. Seguidamente foi proferido o despacho de fls. 26, pelo qual foi fixado à acção o valor de 180 euros nos seguintes termos: O presente incidente tem por objecto o não pagamento da pensão de alimentos judicialmente fixada. Assim, como pelo presente processo se visa obter quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa (artº 306º, nº 1 do CPC). A requerente invocou no requerimento inicial estar em dívida o valor de 1800 euros. Deste modo, ao abrigo do disposto no artigo 315º, nº 1 do CPC, fixo o valor da causa em 1800 euros. Dele recorreu o MP, formulando as seguintes conclusões: 1 - O presente incidente de incumprimento foi intentado, face ao não pagamento da pensão de alimentos pelo pai do menor, desde Setembro de 2001; 2 - Alega, pois, a Requerente o não cumprimento da obrigação patrimonial estabelecido no regime de regularão do exercício do poder paternal fixado, por acordo homologado por sentença, a 30 de Março de 1995; 3 - Ora, o incumprimento de alguma das obrigações fixadas no regime de exercício do poder paternal deve ser analisado numa perspectiva unitária e global, por fazer parte do todo que é o regime da responsabilidade parental e não apenas do ponto de vista de uma das suas concretas obrigações, pessoais ou patrimoniais; 4 - Assim, o valor deste incidente é o valor da causa a que respeita, ou seja, o valor da Acção da Regulação do Exercício do Poder Paternal; 5 - Consequentemente, o seu valor é o fixado no art. 312º, do C. P. Civil, ou seja, 14 963,95 euros, tal como acordaram a Requerente e o Requerido e não apenas o valor de 1800 euros, atribuído na decisão recorrida, correspondente ao montante que a Requerente diz estar em divida; 6 - A decisão recorrida violou o disposto nos arts. 181º, 189º, nº 2, da O.T.M, 306º, nº 1, 312º, 313º, n.º 1 e 315º, n.º 1, do C. P. Civil; 7 - Deve, pois, ser revogada e alterado o valor do incidente para 14.963,95 euros. Requerente e requerido nada disseram. Entretanto, este juntou aos autos documento comprovativo de que efectuou o pagamento da quantia de 300 euros relativos aos meses de Maio a Julho, tal como se havia comprometido na resposta ao requerimento inicial. A requerente foi notificada e nada disse, tal como o MP. Mas, em 15.10.2003, é proferido novo despacho (fls. 50 e 51) através do qual se determina o arquivamento dos autos, com o fundamento de que “a situação dos autos está fora do âmbito de aplicação do artigo 189º da OTM (....) bem como do artigo 181º da mesma lei, porquanto este incidente de incumprimento apenas se aplica aos casos de não cumprimento do regime de regulação do poder paternal, que não os respeitantes à obrigação alimentar”. Dele recorreu o MP, formulando as seguintes conclusões: 1 - A douta sentença recorrida ocupa-se única e exclusivamente do "incidente de desconto directo da pensão de alimentos no vencimento do obrigado" ... “previsto no art. 189º da OTM e decide que "a situação dos autos está fora do âmbito de aplicação" desse artigo. 2 - O artº 190º, nº 5 da OTM só foi revogado pelo Dec. Lei 48/95 de 15/3 no que respeita a matéria penal e em nada interfere com a vigência ou âmbito de aplicação do art. 189º da OTM. 3 - O art. 189º da OTM é aplicável a todos os casos de divida de pensões de alimentos a menores, qualquer que seja o processo em que estas sejam judicialmente fixadas . 4 - A conclusão 3ª não depende da conclusão 2ª, sendo válida ainda mesmo que se entenda que se verificou revogação integral, pois aquele âmbito de aplicação não depende de preceito expresso nesse sentido, não havendo nenhuma razão substancial válida para o restringir. 5 - A Lei n º 75/98 de 19/11 e o Dec. Lei nº 164/99 expressamente apelam à aplicação alargada do referido normativo - a restrição do âmbito deste traduzir-se-ia directamente no alcance desses diplomas, com consequências drásticas para o interesse dos menores, que a lei reiteradamente proclama superior. 6 - A douta sentença recorrida é injusta e ilegal, e deve, como tal, ser revogada. 7 - A mesma douta sentença violou, além dos supramencionados, os artº s 147º - A e , por remissão deste, o 4º a) da LPCJP e bem assim os artºs. 181º e 189º da OTM e o artº 3º da Convenção das Nações Unidas sobre os direitos das crianças. Requerente e requerido nada disseram, apesar de notificados. O M.º juiz sustentou tabelarmente os despachos recorridos. Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir. Os factos a ter em conta são os referidos. Parece-nos, contudo, dever esclarecer-se o seguinte: 1. Em 20.01.94 foi requerida a regulação do exercício do poder paternal; 2. À acção foi atribuído o valor de 2.000.001$00; 3. Ao abrigo do disposto no artigo 157º da OTM foi estabelecido o regime provisório e fixada em 20.000$00 mensais a pensão de alimentos devida ao menor; 4. Em 30.03.95 foi homologado o acordo a que se chegou naquele processo, fixando-se a pensão de alimentos em 15.000$00; 5. O presente incidente de incumprimento do regime de regulação do exercício do poder paternal foi intentado, face ao não pagamento da pensão de alimentos pelo pai do menor, desde Setembro de 2001, dizendo a requerente estar em dívida a quantia de 1800 euros; 6. Ao incidente foi atribuído o valor de 14.963,95 euros O DIREITO. Questões a decidir: a) a eventual revogação do nº 5 do artigo 190º da OTM e a aplicação dos seus artigos 181º e 189º. b) a alteração do valor da causa. I Como vimos, o presente incidente de incumprimento do regime de regulação do exercício do poder paternal foi intentado pela mãe do menor, em sua representação, em virtude do não pagamento da pensão de alimentos devida pelo pai desde Setembro de 2001, dizendo a requerente estar em dívida a quantia de 1800 euros à data do pedido (em 03.02.2003). E pediu a requerente que a pensão fosse descontada no vencimento do requerido. Este foi notificado para responder, querendo, em dez dias, nos termos do artigo 181º, nº 2 da OTM (diploma do qual serão as disposições legais a citar sem indicação doutra origem). Como estabelece o artigo 146º, compete aos tribunais de família, nomeadamente: regular o exercício do poder paternal e conhecer das questões a este respeitantes (alínea d.); fixar os alimentos devidos a menores (alínea f.). Na secção II do capítulo II do título III está prevista a regulação do exercício do poder paternal. Na secção III os alimentos devidos a menores. Trata-se, portanto, de dois processos diferentes. No primeiro está prevista a regulação do exercício do poder paternal, no qual se inclui, nomeadamente, a fixação dos alimentos devidos aos menores. O segundo só é aplicável quando apenas estão em causa os alimentos (devidos aos menores). No caso sub judice foi regulado o exercício do poder paternal e, portanto, foi seguido o processo da secção II como claramente resulta dos respectivos autos (regulação do poder paternal). E como o pai deixou de pagar os alimentos a que fora condenado, veio a mãe deduzir o incidente de incumprimento, pedindo que a pensão fosse descontada no vencimento do requerido. E foi o próprio juiz que considerou tratar-se de um incidente de incumprimento regulado no artigo 181º, pois ordenou a notificação do requerido nos termos e para os efeitos do seu nº 2. E estabelece com efeito o nº 1: “se, relativamente à situação do menor, um dos progenitores não cumprir o que tiver sido acordado ou decidido, pode o outro requerer ao tribunal as diligências necessárias para o cumprimento coercivo...” Relativamente ao acordo homologado judicialmente apenas consta que não foi cumprido na parte relativa aos alimentos (nele tinham também sido reguladas a guarda – destino - do menor e o regime de visitas). Caso os alimentos tivessem sido fixados no processo a que alude a secção III (alimentos de vidos a menores) seria aplicável o artigo 189º, nos termos do qual, quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfazer as quantias em dívida, ...se for empregado ou assalariado, ser-lhe-ão deduzidas no ordenado ou salário... É que a acção de alimentos regulada pelos artigos 186º e seguintes é aplicável aos casos em que não tenha havido a regulação do exercício do poder paternal, como se refere no despacho recorrido. Mas, no caso sub judice, os alimentos foram fixados no processo de regulação do exercício do poder paternal, o que, aliás, não sofre qualquer contestação. A questão que se poderia colocar seria a de saber se era aplicável o artigo 181º ou o artigo 189º ou mesmo ambos. É que, à primeira vista, seria aplicável o artigo 181º, pois é este que se refere ao incumprimento, por um dos pais, da decisão judicial proferida. Todavia entende-se que estando apenas em causa o incumprimento relativo à prestação de alimentos é desde logo aplicável o artigo 189º. Na verdade, esta disposição legal visa a cobrança mais célere da prestação de alimentos, sem necessidade de instauração imediata da execução especial por alimentos nos termos dos artigos 1118º e s.s. do CPC. Por isso não se vê qualquer razão para que não seja este aplicável quando, num processo de regulação do exercício do poder paternal, o incumprimento apenas se verifique relativamente à prestação de alimentos (como é o caso). Aliás, preceituava expressamente o nº 5 do artigo 190º que “o disposto neste artigo e no anterior é aplicável qualquer que seja o processo em que tenha sido fixada a obrigação alimentícia”. Entretanto, pelo despacho recorrido foi entendido que a situação dos autos está fora do âmbito daqueles dois artigos (181º e 189º), face à revogação do citado nº 5 do artigo 190º pela alínea b) do nº 2 do Dec. Lei 48/95, de 15.03. Vejamos. O artigo 189º refere-se aos “meios de tornar efectiva a prestação de alimentos”. O artigo 190º à “sujeição do devedor a processo criminal” em caso de incumprimento. Previa-se aqui uma excepcional medida de coacção de natureza criminal destinada a tornar efectiva a prestação de alimentos. E, nos termos do referido nº 5, ambos os artigos seriam aplicáveis em qualquer processo em que tivesse sido fixada a obrigação de prestar alimentos. Assim, o artigo 189º teria de imediato aplicação nos casos de incumprimento da regulação do poder paternal desde que, como in casu, apenas se verificasse tal incumprimento em relação aos alimentos. Diz, contudo, o M.º juiz que “este dispositivo foi revogado pela alínea b) do nº 2 do Dec. Lei 48/95, de 15.03, o qual apesar de inserido numa reforma penal não excepcionou qualquer das normas inseridas no artigo 190º citado da revogação em causa”. E diz ainda que, com a revogação do artigo 190º, o incidente previsto no artigo 189º deixa de ser aplicável às situações de dívida de alimentos não abrangidos pelas acções previstas nos artigos 186º e seguintes (pelo que a referência ao artigo 189º constante da Lei 75/98 apenas deve ser entendida para os casos em que a lei prevê a sua aplicação), razão pela qual, nos casos como o previsto nestes autos, apenas poderia ser conseguida através da execução especial por alimentos nos termos do artigo 1118º do CPC. O M. Público defende que o nº 5 do artigo 190º só foi revogado pelo DL 48/95 na parte respeitante à matéria penal e que em nada interfere com a vigência ou âmbito de aplicação do artigo 189º. E diz ainda que este artigo é aplicável a todos os processos de dívidas de pensões de alimentos a menores, qualquer que seja o processo em que estas sejam fixadas judicialmente. Salvo o devido respeito, não se pode acompanhar a posição sufragada no despacho recorrido. É certo que o artigo 190º da OTM (e não apenas o seu nº 5) foi expressamente revogado pelo artigo 2º, alínea d) do DL 48/95. Este diploma legal destinou-se a rever o C. Penal aprovado pelo DL nº 400/82, de 23.09. De tal forma que foram revogadas expressamente várias disposições penais avulsas e o código foi revisto e republicado integralmente no DR. Trata-se de um diploma legal de natureza e alcance meramente penal, que nada tem que ver com a matéria do artigo 189º da OTM (de natureza meramente civil). Com aquela revogação ter-se-á querido muito concretamente resolver uma questão debatida na jurisprudência sobre a eventual revogação tácita do artigo 190º da OTM face ao artigo 197º do CP na redacção então em vigor[1]. A matéria (penal) do artigo 190º consta agora do artigo 250º do CP. E não existe qualquer relação entre as matérias reguladas em ambos os artigos, pelo que até nem se compreende muito bem a inclusão daquele nº 5 no artigo 190º revogado. Por isso, parece-nos não haver qualquer dúvida de que não teve o legislador a mínima intenção de revogar o aludido nº 5 do artº 190º na parte relativa à aplicação do artigo 189º. Aliás, nada o justificaria, face às razões aqui invocadas. Com efeito, não teria qualquer justificação afastar a aplicação do artigo 189º obrigando-se o menor a instaurar uma acção executiva para cobrança de alimentos, existindo uma norma específica para o efeito, apenas por os mesmos terem sido fixados em processo diferente, se bem que nas mesmas circunstâncias. Pode mesmo dizer-se que o próprio artigo 181º, nº 1 remete para o artigo 189º ao estabelecer que o requerente poderá solicitar ao tribunal as diligências necessárias para o cumprimento coercivo. Como estabelece o nº 1 do artigo 9º do CC, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que alei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. Sobre esta disposição legal escrevem Pires de Lima e Antunes Varela em anotação ao citado artigo: “resumindo, embora sem grande rigor, o pensamento geral desta disposição, pode dizer-se que o sentido decisivo da lei coincidirá coma vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei. Quando, porém, assim não suceda, o Código faz apelo franco, como não poderia deixar de ser, a critérios de carácter objectivo, como são os que contam do nº 3”. E este determina que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Há que ter em atenção não só a letra da lei, mas também o seu espirito (a mens legis). E é preciso ter em consideração as circunstâncias em que a lei foi elaborada. E tem aqui a maior importância a interpretação teleológica (justificação social da lei). Ora, em diploma como o referido, que nada tem que ver com determinadas matérias, deve considerar-se não aplicável a esses casos, pois não teria qualquer justificação de ordem social. Haverá que fazer uma interpretação correctiva, pois o legislador certamente não teria querido tal resultado e tê-lo-ia evitado caso o tivesse previsto. Trata-se, pois, de um procedimento especial que deve ser utilizado sempre que o obrigado a prestar alimentos devidos a menores não o faça e seja possível a sua cobrança mediante o desconto nos vencimentos ou rendimentos nele referidos. Os alimentos devidos a menores podem ser fixados no processo de regulação do exercício do poder paternal. Mas deverão ser pedidos em acção própria, quando apenas esteja em causa o direito a alimentos (artº 186º e s.s.). A fixação dos alimentos em acção própria ou no processo de regulação do poder paternal segue praticamente o mesmo regime. Em caso de incumprimento pelo progenitor obrigado à prestação de alimentos, mas apenas em relação a estes, as questões que se colocam são as mesmas. Daí que o regime do artigo 189º possa e deva ser utilizado em ambos os casos. Portanto, o artigo 189º prevê a adopção de medidas para cobrança coerciva da prestação de alimentos, aplicável quer quando estes sejam fixados no próprio processo (artº 186 e s.s.), quer quando fixados em processo de regulação do poder paternal (artºs. 174º e s.s..) E este não exclui a possibilidade de utilização de outros meios para obtenção dos alimentos, nomeadamente o processo especial de execução de alimentos previsto nos artigos 1118º e s.s. do CPC, caso se mostre necessário. Posteriormente foi publicado o DL 75/98, de 19.11 (que estabelece a garantia dos alimentos devidos a menores) e determina logo no seu artigo 1º que “quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor...não satisfazer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do DL 314/78...o Estado assegura as prestações previstas na presente lei...”. Prevê-se, pois, a aplicação, sem qualquer restrição, daquela norma legal. Diz, contudo, o M.º juiz que esta disposição legal não represtinou a norma constante do nº 5 do artigo 190º da OTM e que não se insere dentro das disposições desta lei, nem tornou aplicável o artigo 189º aos casos de regulação do exercício do poder paternal. É certo que se a lei revogatória tiver a manifesta intenção de fazer renascer a lei revogada, nada obsta a que a que se interprete e aplique essa lei represtinatória de acordo com a vontade inequívoca do legislador nesse sentido. Mas, salvo o devido respeito, aqui não se justifica sequer o apelo a este diploma legal, pois, como se disse, aquele artigo não se considera revogado, nesta parte. Nem tal Lei revogou o preceito alegadamente revogatório. Esta referência expressa ao artigo 189º apenas confirma o que se disse em relação à sua aplicação. Antes de mais dir-se-á que se trate de um processo de jurisdição voluntária (artº 150º), pelo que o tribunal não está subordinado, nas providências que decrete, a critérios de legalidade, devendo procurar antes, pela via do bom senso, a solução mais adequada a cada caso. O princípio da equidade prevalece, pois, sobre o critério da legalidade estrita, sendo, embora, óbvio, que não podem ser afastadas normas imperativas (artº 1409º a 1411º do CPC). É certo que nos termos do artigo 153º este procedimento deveria correr nos próprios autos. Mas tal não justifica o arquivamento do processo. Bastaria mandar seguir a forma adequada (artº 199º do CPC). A questão que poderia colocar-se seria a de saber se não será mesmo aplicável também o artigo 181º caso se queira impor as sanções neles previstas. Todavia não é questão que aqui deva ser apreciada. III Como vimos, o M.º juiz começou por entender tratar-se de um incidente de incumprimento regulado no artigo 181º, pois ordenou a notificação do requerido nos termos e para os efeitos do seu nº 2. Seguidamente atribuiu ao incidente o valor de 1800 euros, pelas razões referidas no douto despacho que foi transcrito. Como aí foi dito, estava em causa o não pagamento da pensão de alimentos judicialmente fixada. E como se visava obter quantia certa em dinheiro, seria esse o valor da causa (artº 306º, nº 1 do CPC). Deste modo, ao abrigo do disposto no artigo 315º, nº 1 (parte final) do CPC, foi fixado “o valor da causa em 1800 euros”. Face ao preceituado no artigo 153º da OTM, este procedimento deve ser suscitado no processo em que foi fixada a prestação de alimentos, como se disse. Designadamente para efeito de custas deve ser considerado como incidente e, portanto, a correr nos próprios autos. Como estabelece o artigo 312º do CPC, as acções sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais consideram-se sempre de valor equivalente a alçada da Relação e mais um escudo. Por isso, ao processo de regulação do poder paternal foi atribuído (e bem) o valor de 2.000.001$00 (valor da alçada da Relação mais um escudo à data em que foi instaurado), uma vez que versa interesses imateriais, ou seja, que não têm valor pecuniário, visando a realização de um interesse não patrimonial. A requerente também atribuiu o valor de 14.963,95 euros, certamente pelas mesmas razões. E o requerido não impugnou esse valor. Nos termos do artigo 313º do CPC, o valor dos incidentes é o da causa a que respeita, salvo se o incidente tiver realmente valor diverso do desta. E o incidente tem valor diverso (do da causa) quando o seu valor efectivo seja diverso do da causa a que respeita, isto é, quando a utilidade económica que visa obter não coincida com a da acção. Entretanto, determina o seu artigo 315º que o valor da causa é aquele em que as partes tiverem acordado, expressa ou tacitamente, salvo se o juiz, findos os articulados, entender que o acordo está em flagrante oposição com a realidade, porque neste caso fixará à causa o valor que considere adequado. O juiz só pode fixar valor diverso do acordado pelas partes quando entender que o acordo “está em flagrante oposição com a realidade”. Mas, ao alterar o valor terá que fixar o valor correcto, o que implica que tenha elementos para o efeito. Mas diz o M.º juiz que, como se pretende obter quantia certa em dinheiro (ou seja, 1800 euros), é esse o valor da causa (artº 306º, nº 1). Acontece, porém, que esse montante é o das prestações vencidas. E a requerente pede também as prestações vincendas, o que lhe é permitido pelo nº 2 do artigo 189º. Portanto, o montante pedido não é exactamente aquele. Além disso, poderia invocar-se o preceituado no artigo 307º, nº 2 do mesmo código, nos termos do qual, nas acções de alimentos definitivos, o valor é o quíntuplo da anuidade correspondente ao pedido. E, em princípio, o valor da execução é a da quantia exequenda. E no acordo homologado judicialmente previa-se uma actualização anual dos alimentos. Nesta conformidade, não se justificava a fixação oficiosa de valor diferente do acordado tacitamente. Diga-se, contudo, que são devidas custas de harmonia com o princípio da causalidade nos termos do artigo 446º, nºs. 1 e 2 do CPC. ** Por todo o exposto acorda-se em conceder provimento a ambos os agravos, revogando-se os despachos recorridos e ordenando-se o prosseguimento dos autos.Sem custas. Lisboa, 02/ 03 /2004. Pimentel Marcos Jorge Santos Vaz das Neves ______________________________________________________ [1] Pode ver-se a este respeito a anotação ao artigo 197 do CP por Maia Gonçalves, in CPP Anotado. |