Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
45740/06.6YYLSB-A.L1-8
Relator: LUÍS CORREIA DE MENDONÇA
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
EX-CÔNJUGE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/11/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APEPALAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1) Dissolvido o casamento por divórcio antes da penhora de bens comuns levada a cabo numa execução movida apenas contra um dos ex-cônjuges por dívida da sua exclusiva responsabilidade, podem ser deduzidos embargos pelo ex-cônjuge não executado se o mesmo não tiver sido citado na execução, nos termos e para do artigo 825.º do CPC.
2) Apesar de, no artigo 825.º, n.º 1, do CPC, se aludir apenas à citação do cônjuge do executado não se pode fazer uma interpretação meramente literal, já que o texto da lei adjetiva não abrange exclusivamente os casos de sociedade conjugal em vigor, mas também aqueles em que o executado tenha sido membro de uma tal sociedade e já não o seja por a mesma se ter dissolvido, desde que permaneça o património comum do casal em pé, por ausência de partilha.(AAC)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
A… deduziu embargos de terceiro por apenso à execução que C… moveu contra D… e M....
Alegou, em síntese, que, Em 27.11.2007, tomou conhecimento, porque foi notificada pelo Solicitador de Execução (SE), nos termos e para os efeitos do artigo 119° do Código de Registo Predial, que tinham sido objecto de penhora, registada em Fevereiro de 2007, dois imóveis: um sito no L… e outro em M…, imóveis esses dos quais é proprietária em compropriedade com o executado D…, de quem está divorciada desde 1988, uma vez que compraram tais imóveis em 1977 e em 1072, respectivamente, quando estavam casados no regime de comunhão geral, bens comuns esses que não foram objecto de partilha após o divórcio.
Concluiu que é proprietária de metade dos bens objecto de penhora e que é terceiro, porquanto não é parte na execução, pelo que tal penhora ofende o seu direito, devendo os embargos ser considerados procedentes e a penhora levantada.
Os embargos foram liminarmente admitidos, tendo sido notificadas as partes primitivas (exequente e executados) para contestar.
O exequente, e só ele, apresentou contestação. Alegou, em súmula, que os bens penhorados não estão em compropriedade, mas sim em comunhão,

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uma vez que não houve partilha subsequente ao divórcio, sendo que tais bens respondem pela dívida do executado (por não serem conhecidos bens próprios deste), pelo que os presentes embargos devem ser considerados improcedentes, uma vez que a embargante, a fim de acautelar o seu direito, deveria ter requerido a separação de bens quando foi notificada pelo SE para que a penhora recaísse apenas sobre a meação do executado, e não deduzir embargos de terceiro.
Foi proferido saneador-sentença que julgou procedentes os embargos deduzidos e, consequentemente, determinou o levantamento das penhoras sobre os referidos dois imóveis.
Inconformado, interpôs o embargado/exequente competente recurso, cuja minuta concluiu da seguinte forma:
«1 - Foi proposta acção executiva pelo ora Apelante, C…, contra os Executados D… e M…., para pagamento de quantia certa;
2-0 Solicitador de Execução nomeado no âmbito da referida acção executiva, procedeu à penhora e ao registo das penhoras de dois bens imóveis, designadamente:
- Prédio Urbano - terreno para construção, sito no Lugar do L…, descrito na ...a Conservatória do Registo Predial de S…, sob n.° … da freguesia de S… e inscrito na matriz sob o n.° …;
- Prédio Urbano denominado F…, sito em M…, descrito na Conservatória do Registo Predial de G… sob o n.° 0000/010200 da freguesia de Melides e inscrito na matriz sob o art.° 000.
3 - Posteriormente, a…, foi citada pelo Solicitador de Execução, nos termos do disposto no art. 119° do Código de Registo Predial, para, no prazo de 10 dias, declarar se os imóveis
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penhorados lhe pertenciam, na medida em que os mesmos estavam inscritos em nome de pessoa diversa do Executado;
4 - Tendo deduzido embargos de terceiro, com vista a ser suspensa a execução e levantada a penhora sobre os prédios urbanos supra descritos;
5 - Alegou a Embargante que era proprietária dos imóveis penhorados, em regime compropriedade com o Executado, por efeito do casamento celebrado entre ambos, realizado em 23.09.1962, em regime de comunhão geral, mas este casamento foi dissolvido por divórcio decretado em sentença datada de 18.05.1988;
6 - Todavia, uma vez que não se verificou a partilha dos bens comuns do casal, após ser decretado o divórcio, a Embargante alega que é proprietária de metade dos bens objecto de penhora, ofendendo assim o direito de que a mesma é titular nos referidos bens;
7 - Os imóveis que foram sujeitos a penhora foram adquiridos durante a constância do casamento entre a Embargante e o Executado, designadamente:
- O Prédio Urbano - terreno para construção, sito no Lugar do L…, descrito na ...a Conservatória do Registo Predial de S… sob n.° 000 da freguesia de S… e inscrito na matriz sob o n.° 0000, foi adquirido em 1977, por compra à província P…;
- O Prédio Urbano denominado F…, sito em M…, descrito na Conservatória do Registo Predial de G… sob o n.° 0000/010200 da freguesia de M… e inscrito na matriz sob o art.° 0000, foi adquirido em 13.04.1972 a R…..
8-0 Exequente foi notificado da apresentação dos embargos de terceiro, e nessa medida, apresentou contestação em 03.03.2008, na qual, resumidamente, alegou o seguinte:
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- O terreno para construção, sito no Lugar do L… descrito na ...a Conservatória do Registo Predial de S… sob n.° 0000 da freguesia de S… e inscrito na matriz sob o n.° 0000 foi adquirido em 1977, e não em 1997 como refere a Embargante no art. 7o do seu articulado de embargos de terceiro;
- O regime em que se encontram os bens penhorados não é o da compropriedade, pois a retroacção dos efeitos patrimoniais no divórcio não determina, sem mais, a passagem do regime de comunhão de bens para o regime de compropriedade;
- Quando foi notificada pelo Solicitador de Execução sobre a efectivação da penhora dos bens, a Embargante a… deveria ter vindo requerer a separação dos meSmos, e não apresentar os embargos de terceiro;
- Deste modo, o ora Apelante requereu que os embargos de terceiro fossem considerados improcedentes, prosseguindo-se com a execução e com a penhora dos imóveis em apreço;
Caso assim não se entenda, deverá a Embargante A… ser notificada para proceder à separação dos bens comuns adquiridos na pendência do seu casamento com o Executado D….
9 - Foi proferida decisão no sentido de julgar procedentes os embargos de terceiro apresentados;
10 - Entendeu o Tribunal a quo que, no âmbito da acção executiva, a penhora veio a recair sobre bens comuns, sem que a ex-cônjuge do Executado tenha sido citada para requerer a separação de bens ou juntar aos autos certidão comprovativa da pendência dessa acção, verifica-se que tal penhora é subjectivamente ilegal;
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11 - Apesar de o casamento celebrado entre o Executado e a Embargante se encontrar actualmente dissolvido, tal não significa, automática e obrigatoriamente, que tenha ocorrido a alteração do regime de bens do casal, pois só a ocorrência da partilha põe termo à comunhão, ou seja, enquanto não houver partilha, os bens do casal não passam ao regime de compropriedade.
12 - A situação de comunhão entre cônjuges durante a vigência do casamento é distinta da compropriedade, enquanto esta significa uma comunhão de quotas, a outra será uma comunhão sem quotas: os vários titulares do património colectivo são sujeitos de um único direito e de um direito uno, o qual não comporta divisão, mesmo ideal. (Ac. TRP, Proc. N.° 0624872, de 06.02.2007, acessível in www.dgsi.pt'):
13 Se o Exequente, ao nomear à penhora bens comuns do casal, não tiver pedido, nesse acto, a citação do cônjuge do Executado (não demandado na acção executiva), nos termos do art. 825°, n.° 1 do C.P.C., nem por isso, perde o direito de requerer tal citação, no mesmo processo, posteriormente. (Ac. TRP Proc. N.° 0452891, de 15.11.2004, acessível in www.dgsi.pf):
14 - Assim, perfilhamos o entendimento explanado pelo Prof. Anselmo de Castro de que, «o Exequente, face a tal omissão, não perde o direito de requerer a citação do cônjuge, com base quer no principio geral do processo da livre renovação dos actos nulos, quando não sujeitos a prazo
- como é o caso da nomeação dos bens à penhora.» (Cfr. Anselmo de Castro, «Acção Executiva», 1970);
15 - Em suma, se o Exequente não requerer, com o requerimento para nomeação dos bens sobre que haja de incidir a penhora, a citação do cônjuge do Executado,
poderá fazê-lo em momento ulterior, em novo requerimento. (Ac. TRG Proc. N.° 297/02-1, de 03.07.2002, acessível in www.dgsi.pt).
16 - Tal como no caso sub judice, se, entretanto, houverem sido julgados os embargos de terceiro, deduzidos pelo cônjuge não citado, tal decisão não obstaculizará a citação (art. 673° do C.P.C., a contrario) e o prosseguimento da instância executiva sobre bens do património conjugal. (Ac. TRG Proc. N.° 297/02-1, de 03.07.2002, acessível in www.dgsi.pt).
Por tudo isto, que são os fundamentos e conclusões do presente recurso, a douta decisão de fls... e recorrida, violou várias normas jurídicas, nomeadamente as constantes dos artigos 351.°, n.° 1, 356.° e 825.° n.°l todos do C. P. Civil, pelo que, deve ser concedido provimento ao recurso, com as demais consequências legais, assim se fazendo a devida Justiça».
Não foram apresentadas contra-alegações.
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São duas as questões decidendas:
i) Saber se depois de citada ex artigo 119.° do CRP deveria ou não a embargante ter requerido a separação de bens;
ii) Saber se a ex-cônjuge do executado, que tenha a posição de terceiro, no caso de penhora de bens comuns e de não ter sido citada nos termos do artigo 825.°, n.° 1, do CPC, pode ou não deduzir embargos de terceiro, para defender o seu direito à meação no património comum não partilhado.
É a seguinte a factualidade considerada assente no primeiro grau:
1. C… interpôs acção executiva para pagamento de quantia certa, pedindo o pagamento coercivo da quantia de € 123.050, 30, com base em sentença condenatória judicial, contra D… e M
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2. Em 8 e 9.2.2007, o SE procedeu à penhora e ao registo dessa penhora dos imóveis identificados nos autos.
3. Dou por reproduzido o teor das certidões prediais dos dois imóveis juntas aos autos a fls.10 a 15.
4. Em 26.11.2007, a embargante foi citada por via postal pelo SE nos termos e para os efeitos do artigo 119° do CRP, conforme cópia da notificação junta a fls. 16, como doc.3 deste apenso.
5. A embargante e o executado D… casaram em 23.9.1962, casamento esse dissolvido por divórcio, em sentença de 18.5.1988, conforme certidão do registo de nascimento da embargante junta a fls54 destes autos.
6. Não houve partilha do património comum do casal subsequente ao divórcio.
7. Os presentes embargos de terceiro deram entrada em 27.12.2007.
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Ao processo de que estes embargos são apenso aplica-se o regime da reforma da acção executiva operada pelo DL n.° 38/2003, de 8 de Março, em vigor desde 15.09.2003, sendo que pertencem ao Código de Processo Civil as disposições legais abaixo citadas sem outra menção.
A penhora de coisas imóveis realiza-se, nos termos do artigo 838.°, n.° 1, por comunicação feita pelo agente de execução - normalmente por via electrónica, mas podendo também ser feita nos termos gerais do registo predial - à conservatória competente, com o valor de apresentação registal.
Efectuado o registo a conservatória envia oficiosamente ao agente de execução o certificado do registo e a certidão dos ónus que incidem sobre o bem penhorado (artigo 838.°, n.° 2).
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Estando o imóvel registado em nome de terceiro, procede-se ao registo provisório da penhora.
Constatada tal situação, é citada a pessoa em nome de quem o prédio se encontra registado (ou os seus herdeiros) para, em 10 dias, declarar, por simples requerimento, se o prédio ou direito penhorado lhe pertence (artigo 119.°, n.° 1 do Código de Registo Predial).
Se o terceiro declarar que o prédio não lhe pertence, ou se nada disser, o registo provisório converte-se em definitivo (artigo 119, n.° 3 do CRPred.); se, pelo contrário, declarar que lhe pretende, o exequente, se quiser manter a penhora, deverá instaurar a competente acção declarativa de propriedade (artigo 119, n.° 4, do mesmo Código).
Todavia, depois de citado, pode ainda o terceiro embargar, alegando que é titular do direito de fundo, ou ainda, depois de expirado o prazo para a dedução dos embargos, mover, a todo o tempo, uma acção de reivindicação (artigo 909.°, n.° 1, alínea d), do CPC), cuja procedência conduzirá a que a venda executiva fique sem efeito (Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum Face ao Código Revisto, Almedina, Coimbra, 2000: 233, nota 651).
Os embargos de terceiro, desde 1841 até 1 de Janeiro de 1997, «constituíram essencialmente um instrumento de tutela da posse virados contra actos judiciais capazes de ameaçar ou perturbar - injustificada ou ilicitamente - os poderes de facto de terceiro possuidor da coisa, cuja apreensão fora judicialmente ordenada» (op. cit:309).
Não admira, pois que fossem inseridos, na sistemática do Código de 39, no Capítulo referente aos meios possessórios (artigos 1037.° a 1043).
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Com a reforma de 95/96 os embargos de terceiro passaram a poder fundar-se também na titularidade do direito de fundo, tendo assumido a natureza de um incidente de instância.
Dispõe o artigo 351.°, n.° 1, que se a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.
O Código de Processo contém uma norma especialmente dirigida aos cônjuges que tenham a posição de terceiro. Qualquer deles pode, sem autorização do outro, defender por meio de embargos os direitos relativamente aos meios próprios e aos bens comuns que hajam sido devidamente atingidos pela diligência prevista no artigo 351.° (artigo 352.°).
Já no artigo 1041.° da versão original do CPC de 39 se previa a faculdade de a mulher casada, com a posição de terceiro, poder, sem autorização do marido, defender por meio de embargos a sua posse quanto aos bens dotais ou próprios ou quanto aos bens comuns.
Não eram, porém, admissíveis, quanto aos bens comuns, os embargos de terceiro deduzidos pela mulher, em dois casos:
1. ° Se o credor se limitasse a requerer a penhora no direito e acção do marido aos bens do casal comum;
2. ° Se a dívida fosse comercial e o credor tivesse feito citar a mulher para requerer a separação de bens no decêndio posterior à penhora.
A luz deste regime e no tocante às dívidas comerciais «se o credor, pretendendo pagar-se pela meação do marido nos bens comuns, tivesse feito citar a mulher, para no decêndio posterior à penhora, requerer a separação de bens, a mulher ficava, em consequência da
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citação, colocada nesta alternativa: ou requeria a separação nos termos do artigo 1447.°, ou perdia o direito de deduzir embargos de terceiro contra a penhora de bens comuns» (José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Explicado, Coimbra, 1939: 643; a alteração do tempo dos verbos é nossa).
Com a reforma de 1961, o preceituado citado passou para o artigo 1038.°, cujo n.° 2, após alteração operada pelo DL n.° 207/80, de 1 de Julho, enunciava os casos em que os embargos não eram admissíveis.
De entre estes, quando, não havendo lugar à moratória prevista no n.° 1 do artigo 825.°, o credor tivesse pedido a citação do cônjuge não responsável para requerer a separação de bens.
Eram assim as coisas quando entrou em vigor a reforma de 95/06, que, como é sabido, suprimiu a figura da dívida sujeita a moratória forçada, a qual «ao fazer prevalecer o interesse da família sobre o do credor, era para este profundamente injusto: por muito avultado que fosse o património dos cônjuges o exequente que não conseguisse ser pago por força dos bens próprios do devedor tinha de esperar por tempo indefinido o pagamento (José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil, Anotado, Vol. 3.°, Coimbra, 2003; 363).
De acordo com o novo regime, aplicável aos presentes autos, na execução movida contra um só dos cônjuges, podem ser penhorados bens comuns do casal, contanto que o exequente, ao nomeá-los à penhora, peça a citação do cônjuge do executado para requerer a separação dos bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida (artigo 625.°, CPC). Feita a citação, e requerida a separação dos bens, uma de duas: ou, após partilha, os bens couberam ao executado, podendo então a execução
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prosseguir a sua normal tramitação; ou não couberam, e então, nessa circunstância, podem ser penhorados outros bens que ao devedor tenham cabido (artigo 825.°, n.° 7).
O DL n.° 38/2003 veio ainda permitir a formação de um título executivo contra o cônjuge do executado, na própria execução, em casos de comunicabilidade da dívida.
Esta faculdade pressupõe, todavia, que a execução não se funde em sentença, como é aliás o caso dos autos, porquanto se assim for a questão deve ser resolvida na acção declarativa.
Feito este breve excurso, podemos agora dar por garantido que, pelo menos desde 1939, o cônjuge não responsável, cuja citação não tenha sido requerida, nos termos do artigo 825.° pode embargar de terceiro a penhora.
Na verdade, não tendo sido requerida aquela citação, a penhora de bens comuns queda indevida (excepto se a penhora tiver incidido sobre os bens referidos no n.° 2 do artigo 1696.° do CC).
Parece-nos ser esta a posição de longe dominante na jurisprudência (Acs do STJ, de 17.04.1980, BMJ, 296: 229 e da RL, de 20.10.2005 (processo n.° 7914/2005-8) e de 28.06.2007 (processo n.° 2927/2007-6) in: www.dgsi.pt).
Também a doutrina se pronuncia no mesmo sentido. Assim, por exemplo, Fernando Amâncio Ferreira refere que «o cônjuge do executado, que tenha a posição de terceiro, pode também socorrer-se dos embargos de terceiro, para defender os bens próprios e os bens comuns que hajam sido indevidamente atingidos pela diligência de cariz executório (artigo 352.°): no caso de bens próprios, com o fundamento de não ser parte na acção executiva; e. no caso de bens comuns, por não ter sido citado para requerer a separação de bens (artigo 825,°, n.° 1)»
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(Curso de Processo de Execução, 4,a ed., Almedina, Coimbra, 2003:233,o sublinhado é nosso; no mesmo sentido também Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 5.a ed., Almedina, Coimbra, 2008:216).
Sendo este o regime para o cônjuge do executado, o que dizer para o ex- cônjuge?
Que saibamos a doutrina não se tem debruçado ex professo sobre tal questão. No entanto contamos com jurisprudência recente sobre o tema. A sentença impugnada cita dois Acórdão que são um bom exemplo disso.
Merece-nos total adesão o Ac. RP, de 21.05.2009, in www.dgsi.pt. na parte em que argumenta: «Apesar do artigo 825.°, n.° 1, aludir apenas à citação do cônjuge do executado não se pode fazer uma interpretação meramente literal, já que o texto da lei adjectiva não abrange exclusivamente os casos de sociedade conjugal em vigor, mas também aqueles em que o executado tenha sido membro de uma tal sociedade e já não o seja por a mesma se ter dissolvido, desde que permaneça o património comum do casal em pé, por ausência de partilha»; «o fim do preceito é, pois, a um tempo, permitir definir a situação do exequente, assegurando o seu direito de crédito, mas também a do cônjuge ou ex- cônjuge do executado relativamente à penhora e subsequente venda, de forma que o património comum seja separado e o não responsável pela dívida seja poupado a qualquer prejuízo, já que pelo cumprimento da obrigação, em princípio apenas responde o património do devedor».
No caso vertente, a embargante, ex-cônjuge do executado, foi citada ex artigo 119 CRP para os efeitos nele referidos. Deduziu tempestivamente embargos para defesa, não do seu direito a metade dos imóveis
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penhorados, mas mais propriamente do seu direito à meação no património comum, que só se tornará, porém, exequível depois de finda a comunhão.
Como explica Antunes Varela, «os bens comuns dos cônjuges constituem objecto, não de uma relação de compropriedade, mas duma propriedade colectiva. Propriedade colectiva a que os autores alemães, reconhecendo o seu carácter específico desde há mais de um século, dão a designação de propriedade de mão comum (zur gesamthand).
Sujeitos dessa propriedade colectiva são ambos os cônjuges, sem que seja correcto falar, enquanto persiste a comunhão numa repartição de quotas entre eles»; na propriedade colectiva há um direito uno, enquanto na compropriedade há um aglomerado de quotas dos vários comproprietários; «a propriedade colectiva é, assim, uma comunhão una, indivisível, sem quotas (Direito de Família, 1.° Vol., 5.a ed., Petrony, Lisboa:456/457).
O primeiro grau deu razão à embargante e ordenou o levantamento das penhoras.
Contra esta decisão se insurge o recorrente nos termos sobreditos. Porém, sem razão.
Estão em causa bens comuns, ainda não partilhados. É também aplicável ao ex-cônjuge, na ausência de partilha, o regime dos artigos 352.° e 825.°.
O exequente não requereu a citação a que se reporta o n.° 1 deste último artigo. A procedência dos embargos não merece censura.
Acresce que Jurisprudência dominante (cfr., entre muitos outros, Ac.s RL de 04.03.2004, de 21.01.2008, e de 11.03.2010, e Acs. RP de 21.05.2009, de 19.04.2010, e de 16.11.2010, in www.dgsi.pt) sustenta que:
i) A extinção do vínculo conjugal não faz operar automaticamente a alteração do regime de bens do casamento;
ii) Após a extinção do casamento, os bens comuns do casal mantém-se nessa qualidade até à sua divisão e partilha;
iii) Em execução movida contra um dos cônjuges, por dívidas da sua exclusiva responsabilidade, pode nomear-se à penhora bens comuns, desde que seja pedida a citação do cônjuge do executado para requerer a separação
iv) O divórcio do executado não inviabiliza que o credor se socorra do disposto no artigo 825.º, n.º 1, do CPC;

viii) Dissolvido o casamento por divórcio antes da penhora de bens comuns levada a cabo numa execução movida apenas contra um dos cônjuges por dívida da sua exclusiva responsabilidade, só podem ser deduzidos embargos pelo ex-cônjuge se o mesmo não tiver sido citado na execução, nos termos e para do artigo 825.º do CPC;
ix) A supressão da moratória forçada não significa que , numa execução proposta contra um único dos cônjuges , passem a ser penhorados bens comuns;
x) O que a nova formulação permite é que , qualquer que seja a natureza (comercial, civil ou outra) da dívida , possam ser penhorados bens comuns , se o exequente ao nomeá-los , pedir a citação do cônjuge ou ex-cônjuge do executado, conforme o caso, para requerer a separação de bens;
xi) Em conformidade com o sentido exposto, na doutrina, pode compulsar-se José Lebre de Freitas, A acção executiva, 5.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2009: 290 ss e Marco Carvalho Gonçalves, Embargos de Terceiro na Acção Executiva, Coimbra Editora, Coimbra, 2010: 293 e ss;
xii) Não se desconhece que outros acórdão se afastaram daquilo que podemos chamar a posição tradicional entre nós;
xiii) Assim o Ac. RG, de 03.07.2002, decidiu que se o exequente não requerer , para a nomeação de bens sobre que haja de incidir a penhora, a citação do cônjuge do executado, poderá fazê-lo em momento ulterior, em novo requerimento;
xiv) Por sua vez o Ac. RP, de 15.11.2004, firmou a seguinte doutrina: ‘’Se o exequente ao nomear à penhora bens comuns do casal, não tiver pedido, nesse acto, a citação do cônjuge do executado [não demandado na acção executiva] nos termos do artigo 825.º, n.º 1, do CPC, nem, por isso, perde o direito de requerer tal citação, no mesmo processo , ulteriormente;

xv) O nosso sistema processual, como é reconhecido, é [ainda] de feição preclusiva. Os casos em que tal não se verifica são a excepção, não a regra;
xvi) Os embargos de terceiro representam uma verdadeira acção judicial de natureza declarativa , com estrutura e autonomia próprias relativamente ao processo de execução em relação ao qual corre por apenso (Marco Gonçalves);
xvii) Mesmo admitindo-se a tese minoritária, não preclusiva, tal não poderá conduzir a admitir-se a citação da ex-cônjuge do executado em sede de embargos de terceiros.

Pelo exposto, acordamos em julgar improcedente a apelação, e, consequentemente, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.

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v) Dispõe o artigo 825.º , n.º 1, do CPC, que quando em execução movida contra um só dos cônjuges , sejam penhorados bens comuns do casal , por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, cita-se o cônjuge do executado para, no prazo de que dispõe para a oposição, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida;
vi) Apesar de, no artigo 825.º , n.º 1, do CPC, se aludir apenas à citação do cônjuge do executado não se pode fazer uma interpretação meramente literal, já que o texto da lei adjectiva não abrange exclusivamente os casos de sociedade conjugal em vigor, mas também aqueles em que o executado tenha sido membro de uma tal sociedade e já não o seja por a mesma se ter dissolvido , desde que permaneça o património comum do casal em pé, por ausência de partilha;
vii) Na situação em análise, não tem aplicação o disposto no artigo 826.º do CPC, nomeadamente o segmento que , no seu n.º 1, dispõe que a execução movida apenas contra algum ou alguns dos contitulares de património autónomo ou bem indiviso , não podem ser penhorados os bens compreendidos no património comum ou uma fracção de qualquer deles , nem uma parte especificada do bem indiviso , porquanto o que ocorre é ‘’ a existência de uma na execução, nos termos e para os efeitos do artigo 825.º CPC;
viii) Dissolvido o casamento por divórcio antes da penhora de bens comuns levada a cabo numa execução movida apenas contra um dos cônjuges por dívida da sua exclusiva responsabilidade, só podem ser deduzidos embargos pelo ex-cônjuge se o mesmo não tiver sido citado na execução, nos termos e para do artigo 825.º do CPC;
ix) A supressão da moratória forçada não significa que , numa execução proposta contra um único dos cônjuges , passem a ser penhorados bens comuns;
x) O que a nova formulação permite é que , qualquer que seja a natureza (comercial, civil ou outra) da dívida , possam ser penhorados bens comuns , se o exequente ao nomeá-los , pedir a citação do cônjuge ou ex-cônjuge do executado, conforme o caso, para requerer a separação de bens;
xi) Em conformidade com o sentido exposto, na doutrina, pode compulsar-se José Lebre de Freitas, A acção executiva, 5.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2009: 290 ss e Marco Carvalho Gonçalves, Embargos de Terceiro na Acção Executiva, Coimbra Editora, Coimbra, 2010: 293 e ss;
xii) Não se desconhece que outros acórdão se afastaram daquilo que podemos chamar a posição tradicional entre nós;
xiii) Assim o Ac. RG, de 03.07.2002, decidiu que se o exequente não requerer , para a nomeação de bens sobre que haja de incidir a penhora, a citação do cônjuge do executado, poderá fazê-lo em momento ulterior, em novo requerimento;
xiv) Por sua vez o Ac. RP, de 15.11.2004, firmou a seguinte doutrina: ‘’Se o exequente ao nomear à penhora bens comuns do casal, não tiver pedido, nesse acto, a citação do cônjuge do executado [não demandado na acção executiva] nos termos do artigo 825.º, n.º 1, do CPC, nem, por isso, perde o direito de requerer tal citação, no mesmo processo , ulteriormente;

xv) O nosso sistema processual, como é reconhecido, é [ainda] de feição preclusiva. Os casos em que tal não se verifica são a excepção, não a regra;
xvi) Os embargos de terceiro representam uma verdadeira acção judicial de natureza declarativa , com estrutura e autonomia próprias relativamente ao processo de execução em relação ao qual corre por apenso (Marco Gonçalves);
xvii) Mesmo admitindo-se a tese minoritária, não preclusiva, tal não poderá conduzir a admitir-se a citação da ex-cônjuge do executado em sede de embargos de terceiros.
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Pelo exposto acordamos em julgar improcedente a apelação, e, consequentemente, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
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11.09.2014
(Luís Correia de Mendonça)
(Maria Amélia Ameixoeira)
(A. Ferreira de Almeida)