Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5822/2005-7
Relator: PIMENTEL MARCOS
Descritores: INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/28/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: 1. A interrupção da instância, nos termos do artigo 285º do CPC só se verifica quando as partes (designadamente o autor/exequente) se mostrarem negligentes no impulso processual, ou seja, quando deixam de praticar qualquer acto que tinham o ónus de promover, mas não o fizeram por culpa sua, competindo ao juiz verificar esta falta.
2. O simples decurso do prazo de um ano em que o processo se encontre parado por inércia das partes não é, por si só, idóneo à interrupção da instância, ou seja, esta não opera automaticamente pelo decurso do prazo, tornando-se necessária a prolação de um despacho judicial nesse sentido.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.
“M. – Soc. de Locação Financeira SA”....
Instaurou execução
Contra
“C... Ldª”, J. e I.
Por despacho de fls. 26, de 27.05.99, foi a exequente notificada para requerer o que tivesse por conveniente sobre o prosseguimento dos autos, sem prejuízo do disposto no artigo 51º do CCJ.
Em 12.10.99 foi junto um substabelecimento.
Aquele despacho de 27.05.99 foi notificado à exequente por carta de 31.01.00.
Os autos foram remetidos à conta e o pagamento foi feito em 13.05.2002.
Em 08.10.02 foi proferido o seguinte despacho: os presentes autos encontram-se parados há mais de um ano por inércia da exequente em promover os seus termos. Assim sendo, nos termos do artigo 285º do CPC, declaro interrompida a instância.
Este despacho foi notificado à exequente por carta de 09.10.2002.
Em 01.10.2004 a exequente requereu a penhora de 1/3 do vencimento da executada Isabel.
Por despacho de 21.10.2004 foi este requerimento indeferido por se ter considerado que a instância já se encontrava deserta. E isto porque se considerou que à data de 01.10.04 já tinham decorrido mais de dois anos sobre a interrupção da instância, uma vez que a notificação da exequente para impulsionar os autos havia sido feita em 30.01.00. Por isso foi declarada deserta a instância e extinta a mesma, nos termos da alínea c) do artigo 287º do CPC.
Deste despacho agravou a exequente, formulando, em síntese, as seguintes conclusões:
- O requerimento apresentado em 01.10.04 foi tempestivo, pois entre a data da notificação da interrupção da instância, ocorrida em 14.10.02 e a data – 01.10.04- em que a agravante deu novo impulso ao processo, não foi ultrapassado o prazo de dois anos, pois a deserção só ocorreria em 14.10.04.
- A interrupção da instância não opera automaticamente pelo decurso do prazo, mas tão só através do despacho que a decrete, o qual só vigora a partir da sua notificação.
- A deserção tem lugar, sem necessidade de despacho que a declare, a partir do momento em que sobre a data da ocorrência da interrupção da instância tiver decorrido o prazo de deserção previsto no artigo 291º do CPC (agora dois anos)
- Uma vez que a agravante foi notificada do despacho em 14.10.02, o requerimento que apresentou em 01.10.04 foi tempestivo, isto é, não tinha ainda decorrido o prazo de dois anos.

Não foram juntas contra-alegações.
O M.º juiz sustentou tabelarmente o despacho recorrido.
Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.

Os factos a ter em conta são os referidos, uma vez que nada mais ocorreu de relevante.
O DIREITO.
A principal questão está em saber qual a data da interrupção da instância, pois é a partir daí que se conta o prazo para a sua eventual deserção.
Como estabelece o nº 1 do artigo 291º do CPC considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos.
Por sua vez determina o artº 285º (que não sofreu qualquer alteração com a reforma de 1995) que a instância se interrompe quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual depende o seu andamento.
Neste artigo não se refere expressamente que se torna necessária a prolação de um despacho judicial para que se tenha por verificada a interrupção da instância. Mas é igualmente certo que também não se diz que se considera interrompida a instância independentemente de qualquer decisão judicial, ao contrário do que acontece relativamente à deserção da instância (na actual e na anterior redacção do artº 291º).
A interrupção da instância só se verifica quando as partes (designadamente o autor/exequente) são negligentes no impulso processual, ou seja, quando deixam de praticar qualquer acto que tinham o ónus de promover, mas não o fizeram por culpa sua. E compete ao juiz verificar esta falta.
Por outro lado, a interrupção da instância tem alguns efeitos de outra ordem, como, por exemplo, o da retomada do prazo de caducidade referente ao direito exercido através da propositura de uma acção (artº 332º, nº 2 do CC).
Nesta conformidade entende-se que se o legislador tivesse pretendido que a interrupção se produzisse “ope legis” tê-lo-ia dito expressamente, tal como o fez relativamente à deserção (neste mesmo sentido o acórdão desta Relação, de 06.06.02 proferido no rec. 12.284/01 desta mesma secção no qual o ora relator interveio como adjunto e o acórdão desta 7ª secção de 05.11.02 proferido no recurso nº 7433/02 relatado pelo também ora relator (1)
No acórdão do STJ de 12.01.99 (2) foi decidido, por exemplo:
1- o despacho relativo à interrupção da instância tem natureza declarativa, operando-se esta desde o momento em que se perfez o prazo (de um ano e um dia) de inércia das partes para tanto legalmente previsto.
2- Em consequência, a deserção tem lugar, sem necessidade de despacho que a declare, a partir do momento em que sobre a data da ocorrência da interrupção da instância tiver decorrido o prazo de 5 anos estabelecido no artigo 291º do CPC (na versão anterior a 1995)
A agravante cita ainda o acórdão do STJ de 11.11.04 nos termos do qual:
- é a partir da notificação que possibilita a efectivação da prática de acto impulsionador que começa a correr o prazo previsto no artigo 285º bem como no artigo 291º.
- assim, a instância apenas se deverá considerar deserta dois anos depois da notificação do despacho que a declarou interrompida.
Quer isto dizer que, enquanto a instância não for declarada interrompida, por acto do juiz, as partes podem promover o andamento do processo, não obstante o mesmo se encontrar parado por mais de um ano, por negligência das mesmas -a este propósito veja-se v. g. o ac. RE de 17.11.98 (CJ Ano XXIII, tomo V-263).
Nos presentes autos apenas podemos considerar o despacho de 08.10.2002 capaz de conduzir à interrupção da instância (pois o simples decurso do prazo de um ano em que o processo se encontre parado por inércia das partes não é, por si só, idóneo à interrupção, ou seja, a interrupção da instância não opera automaticamente pelo decurso do prazo). E este apenas foi notificado à exequente em 09.10.2002.
De qualquer maneira, em 01.10.2004 (portanto, antes de decorrer o prazo de dois anos, por ser aplicável a redacção introduzida em 1995), foi requerido o prosseguimento da execução, pelo que não chegou a verificar-se a deserção da instância (independentemente de o prazo se contar desde a data do despacho de interrupção ou da sua notificação).
Parece-nos, assim, poder formular-se as seguintes conclusões:

1. A interrupção da instância, nos termos do artigo 285º do CPC só se verifica quando as partes (designadamente o autor/exequente) se mostrarem negligentes no impulso processual, ou seja, quando deixam de praticar qualquer acto que tinham o ónus de promover, mas não o fizeram por culpa sua. E compete ao juiz verificar esta falta.
2. O simples decurso do prazo de um ano em que o processo se encontre parado por inércia das partes não é, por si só, idóneo à interrupção da instância, ou seja, esta não opera automaticamente pelo decurso do prazo, tornando-se necessária a prolação de um despacho judicial nesse sentido.
Pelo exposto acorda-se em conceder provimento ao agravo, revogando-se o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que ordene o prosseguimento dos autos, se a tanto não obstarem outras circunstâncias.
Sem custas (artº 2º, g) do CCJ).

Lisboa, 28.06.2005.

Pimentel Marcos
Vaz das Neves
Abrantes Geraldes.



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(1).-Podem ainda ver-se os acórdãos citados nas alegações de recurso: RE de 12.03.98 – BMJ 475-799;

(2).-BMJ 483-167.