Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10081/2007-2
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/18/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I A fixação de uma pensão de alimentos não é obrigatória nas decisões que regulam o poder paternal, pois não obstante o dever de contribuir com alimentos para o sustento dos filhos menores seja um dever parental, este dever não poderá ser imposto se por um lado o Tribunal nada apurar acerca da vida social e profissional do Requerido e/ou este não tiver quaisquer meios para o cumprir: a decidir-se desta forma, estar-se-ia a ignorar o preceituado no artigo 2004º, nº1 do CCivil.
II Se, o Tribunal, nessas circunstâncias fixar tal prestação alimentícia, abrindo caminho para a substituição, pelo Estado, no cumprimento da satisfação da mesma ao abrigo do artigo 1º da Lei 75/98, de 19 de Novembro, seria à partida, estar a aplicar analogicamente este normativo a situações diversas, o que não nos permite o disposto no artigo 11º do CCivil, já que se trata de uma norma excepcional.
(APB)
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


I O DIGNISSIMO MAGISTRADO DO MP, em representação da menor D, nos autos de regulação do exercício do poder paternal que instaurou contra seus pais, M e L, veio recorrer da sentença proferida nos mesmos, apenas na parte em que a decisão não fixou qualquer quantia a título de prestação de alimentos devidos à menor, apresentando, em síntese, as seguintes conclusões:
- Verificando-se que a capacidade dos pais se mostra insuficiente ou relapsa, cabe ao Estado substituir-se-lhes, sendo por isso que a Lei 75/98, de 19 de Novembro criou o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.
- Uma decisão que não obrigando o pai alimentar a filha, alimenta-lhe a irresponsabilidade e, ao mesmo tempo, priva a menor daquele mínimo de protecção que o Estado lhe pode/deve proporcionar, caso se verifique que dela venha a necessitar.
- A sentença recorrida, ao não fixar qualquer quantia a titulo de prestação de alimentos, violou as normas contidas nos artigos 9º, nº1, 1878º, nº1 e 2004º do CCivil, 36º, nº5 e 68º, nº1 e 2 da CRPortuguesa.

Não houve contra alegações.

II A única questão que se suscita no âmbito do presente recurso é a de saber se o Tribunal deveria ter ou não fixado uma prestação de alimentos a favor da menor, a satisfazer pelo Apelado seu pai.

A sentença sob recurso, deu como assentes os seguintes factos:
- D nasceu a 26 de Agosto de 1990 e é filha de L e de M.
- O pai da menor está declarado contumaz.
- A menor reside com a sua mãe em Inglaterra.

Insurge-se o Apelante contra a sentença recorrida na parte em que a mesma não fixou qualquer prestação de alimentos a favor da menor, uma vez que na sua tese, constitui obrigação do progenitor o pagamento da mesma, bem como, constitui obrigação do Tribunal a sua fixação.

Vejamos.

Dispõe o normativo inserto no artigo 1878º, nº1 do CCivil que «Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.», dispositivo este que constitui a concretização do princípio constitucional plasmado no artigo 36º, nº5, da CRPortuguesa, onde se predispõe que «Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.».

Aquelas expressões legais, civil e constitucional, de «sustento» e «manutenção», abrangem as despesas de alimentação, médicas e medicamentosas, bem como todas as inerentes à satisfação das necessidades quotidianas do menor, correspondentes à sua condição social, devendo ser proporcionados os respectivos alimentos de acordo com os meios daquele que os houver de prestar, de harmonia com o preceituado no artigo 2004º, nº1 do CCivil.

Daqui decorre que a medida dos alimentos terá de obedecer às necessidades do alimentando, às possibilidades do obrigado a prestá-los e ainda às eventuais possibilidades do alimentando prover à sua própria subsistência, «(…)assim e dentro das suas possibilidades económicas, cabe aos pais, durante a menoridade dos filhos, ou enquanto não for exigível a estes que se auto-sustentem, velar pela sua segurança e saúde e prover ao seu sustento. E, não convivendo os pais maritalmente, o progenitor que não tem a guarda do filho deve, desde logo por imperativo constitucional (em face do dever fundamental de manutenção dos filhos, ainda que nascidos fora do casamento), prestar-lhe alimentos.(…)», Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol I/415.

Quer dizer, todos os normativos legais respeitantes a este particular, nos inculcam a ideia base que de recai sobre os pais o dever de sustento dos filhos menores na medida das suas capacidades económicas e das correspectivas necessidades daqueles.

In casu, a sentença recorrida não fixou qualquer prestação alimentar a favor da menor, a satisfazer pelo Requerido/Apelado, seu pai, uma vez que dos autos não resultaram quaisquer elementos de facto que permitissem aferir quer das necessidades da alimentanda, quer das possibilidades económicas do progenitor, em princípio obrigado a satisfazê-la.

E, efectivamente, nada se apurou, a não ser que a menor vive em Inglaterra com sua mãe, onde receberá um «Tax Credit» no montante de 42, 46 Libras semanais e ainda o «Child Benefict», no montante de 68, 00 Libras mensais, sendo todo o material escolar grátis, incluindo os livros, cfr acta de conferência de pais a fls 85.


Se as referidas ajudas que a menor recebe em Inglaterra, nos podem inculcar uma ideia de necessidade desta, tal necessidade não se mostra suficiente, face aos parâmetros legais, para que lhe seja fixada uma pensão alimentícia, pois o obrigado – seu pai, Requerido e Apelado nestes autos – é contumaz, desconhecendo-se, pois, o seu paradeiro, não se sabendo assim quais as suas condições económicas, por forma a poder fixar-se aquela prestação.

Não se argumente que nos termos do disposto na Lei 75/98, de 19 de Novembro, o Estado não pretendeu distinguir as situações em que após a decisão judicial de fixação de alimentos, o obrigado se ausenta, sem deixar rasto, daquelas em outras em que o obrigado se esfuma ou se mostra insolvente antes da decisão, porque as duas situações mostram-se completamente adversas, sendo apenas a primeira, a única, que corresponde à letra e espírito daquele diploma, maxime, o preceituado no seu artigo 1º do seguinte teor «Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do Decreto-Lei nº. 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação.».

Prima facie, aquele normativo pressupõe que tenha sido fixada uma pensão alimentar, e que o obrigado a não cumpra por qualquer dos meios previstos no artigo 189º da OTM.

Quer dizer, para o Estado assuma a obrigação do progenitor faltoso, constitui condição sine qua non, que tenha já sido fixada uma prestação alimentar, segundo os requisitos legais para o efeito, como enunciamos supra.

Ora, inexistindo matéria factual que nos permita concluir, quer pelas necessidades do alimentando, quer pelas possibilidades do obrigado, não se pode fixar qualquer quantia a titulo de alimentos e, acrescentamos, fazê-lo seria, não só uma temeridade como, também, um verdadeiro atentado às regras básicas enformadoras do nosso sistema jurídico-processual, que não permitem, em caso algum, que o Tribunal decida sem uma base sólida no que tange à factualidade consubstanciadora do direito a tutelar: fixar-se uma prestação de alimentos na quantia de € 150 (ou de outra qualquer quantia nestas circunstâncias precisas), como propugnou o Apelante em sede de conferência, sem qualquer suporte factual, constituiria uma decisão completamente aleatória violadora, além do mais, do disposto nos artigos 664º e 1410º do CPCivil, pois não obstante neste tipo de decisões o Tribunal não esteja sujeito a critérios de legalidade, mas antes de conveniência e oportunidade, isso não quer dizer que lhe seja permitido decidir sem factos e que ignore em absoluto as normas em vigor.

Ao contrário do que nos é defendido em sede de conclusões de recurso, sem embargo de a tese sustentada se encontrar apoiada em alguma jurisprudência desta Relação – com a qual não concordamos – a fixação da pensão de alimentos não é obrigatória nas decisões que regulam o poder paternal, pois não obstante o dever de contribuir com alimentos para o sustento dos filhos menores seja um dever parental, este dever não poderá ser imposto se o obrigado não tiver quaisquer meios para o cumprir, a decidir-se desta forma, estar-se-ia a ignorar o preceituado no artigo 2004º, nº1 do CCivil.

Por outra banda, e seguindo-se o mesmo raciocínio expendido pelo Apelante, fixar-se tal prestação, bem se sabendo que o Requerido/Apelado está ausente em parte incerta e não se sabendo absolutamente nada acerca da sua vida social e profissional, mas assim se decidindo para que se pudesse abrir caminho para a substituição, pelo Estado, no cumprimento da satisfação de tal prestação, ao abrigo do artigo 1º da Lei 75/98, de 19 de Novembro, seria à partida, estar a aplicar analogicamente este normativo, a situações diversas, o que não nos permite o normativo inserto no artigo 11º do CCivil, já que se trata de uma norma excepcional.

A interpretação que nos é feita, em sede de conclusões, daquela norma, excede o pensamento legislativo, tendo em atenção as regras insertas no artigo 9º do CCivil no que à interpretação da lei concerne, uma vez que não tem no texto um mínimo de correspondência: uma coisa é a fixação de uma prestação de alimentos, tendo em atenção os critérios legais para o efeito (artigo 2004º, nº1 do CCivil) e esta não ser paga pelo obrigado numa das formas prevenidas pelo sistema (artigo 189º da OTM), podendo então ser desencadeado o mecanismo a que alude a Lei 75/98, de 19 de Novembro e outra coisa é o Tribunal fixar à la diable um montante devido a título de alimentos, sem se saber as necessidades da menor, nem se saber sequer do paradeiro do potencial obrigado a prestá-los, nem ter qualquer conhecimento sobre a sua situação patrimonial.

Aliás, sempre dizemos que, se tivesse sido intenção do legislador, nestas circunstâncias, criar uma obrigação para o Estado, tê-lo-ia dito expressamente, o que manifestamente não foi feito, sem prejuízo de se constatar que em termos pragmáticos, a nossa Lei Fundamental, consagra o princípio da protecção social do Estado em matéria de educação, cfr artigo 68º, nº1, só que, os direitos que emanam deste normativo, não passam pelo que é sustentado pelo Apelante, inexistindo, assim, lei expressa, mormente na que regula a Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, quanto a este particular.

De todo o modo, sempre a pretensão do Apelante teria de soçobrar porque mesmo que se entendesse que nestas circunstâncias precisas o Tribunal teria de fixar uma pensão de alimentos a favor da menor, nunca aquele poderia lançar mão do preceituado na Lei 75/98, de 19 de Novembro.

É que, a menor vive em Inglaterra com a mãe, e o disposto naquele diploma apenas é aplicável quando os menores residam em território nacional, cfr artigo 1º.

As conclusões estão assim condenadas ao insucesso.

III Destarte, julga-se improcedente a Apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Sem custas, por o Apelante delas estar isento.

Lisboa, 18 de Janeiro de 2007


(Ana Paula Boularot)
(Lúcia de Sousa)
(Luciano Farinha Alves)