Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1137/19.8T9PDL.L1-9
Relator: MARIA DO CARMO FERREIRA
Descritores: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
DECISÃO JUDICIAL ATRAVÉS DE DESPACHO
FACTOS NOVOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/20/2020
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I-Ao contrário do processo penal, onde a audiência visa a prova de um conjunto de factos imputados ao arguido, em ordem a saber se os mesmos integram a prática de um crime e a determinar a sanção correspondente e uma decisão em primeira instância do processo, no recurso de impugnação do processo das contra-ordenações já houve um procedimento perante a autoridade administrativa que culminou na aplicação de uma sanção e o processo só chega ao Tribunal porque o condenado pretende pôr em causa a condenação de que foi objeto.
Aquela condenação, se não for impugnada, torna-se definitiva e exequível, com todas as consequências que daí advém em termos de intervenção dos poderes públicos sobre o património do condenado;
II- O despacho liminar assume, deste modo, uma função estruturante do recurso de impugnação no processo das contra-ordenações, demarcando de uma forma clara a autonomia deste processo face ao processo penal e às formas de decisão no mesmo consagradas, ao condicionar os termos subsequentes do processo, ao definir se o julgamento do recurso ocorrerá por despacho, ou em audiência, ao fixar o objeto da audiência de julgamento, caso seja essa a opção, no que se refere à forma de conhecimento do recurso, e, neste caso, por concretizar o âmbito da prova, quer no que se refere ao seu objeto material, quer no que se refere aos meios de prova a produzir;
Se o mesmo entende que deve decidir através de despacho está implicitamente a afirmar que a prova produzida em sede administrativa é a necessária e suficiente para poder decidir e que, portanto, não relevam outros factos que não aqueles que resultam dos meios de prova pré-existentes. Consequentemente os seus poderes de cognição derivados da aplicação do princípio do acusatório, estão limitados pelos factos resultantes da prova já produzida.
Um entendimento diverso, que privilegiava exageradamente a imediação e a oralidade nesta matéria, constituía uma profunda descaracterização do processo de contra-ordenação pois a fase organicamente administrativa era tratada, na prática, como se fosse equivalente a um inquérito criminal, quando a equiparação era completamente falsa: o inquérito termina, em regra, com um arquivamento ou uma acusação, o processo de contra-ordenação termina, na fase orgânica com uma decisão material de uma autoridade administrativa que se pode tornar definitiva;
III- A circunstância de o arguido se pronunciar no sentido de que não se opõe a que haja uma decisão por simples despacho significa tão só que ele, pese embora os termos da posição que expressamente assumiu no seu recurso, admite a possibilidade de se poder decidir a questão relativa à sua responsabilidade contra-ordenacional com base nos factos, mesmo que poucos, que já estão assentes.
IV- No caso, verificamos que não obstante o entendimento sobre a desnecessidade da produção de outra prova, e, por conseguinte de proceder a audiência, o Tribunal “ a quo” extraiu das provas constantes da fase administrativa (que levou a aplicação da sanção acessória de inibição de conduzir) factos que não se encontravam fixados na decisão administrativa dando por “acrescento” assentes as alegações do requerido como se tivessem sido produzidas em acto de inquirição, ou seja, factos novos em relação à matéria fixada na decisão administrativa;
V- Ora, perante o requerimento do requerido onde impugna a decisão administrativa, e onde nenhuma diligência de prova foi requerida ou indicada, veio agora o requerido a alegar que era a sua mulher a condutora habitual do veículo e que era a mesma que conduzia a viatura no dia da infracção. Mas tal, neste quadro processual não é curial pois não basta alegar, é necessário a demonstração ou prova daqueles. No despacho recorrido parece querer interpretar-se o disposto no artigo 170 do C.E. como se necessário fosse que o agente denunciante tivesse de ver exactamente toda a conduta da infracção praticada, visualizando assim o seu autor. E, assim não é. O agente actua em conformidade com o disposto no artigo 171-2 do C.E. e o proprietário virá confirmar ou indicar o infractor. Caso não o faça no prazo concedido, há entendimento jurisprudencial no sentido da sua preclusão e, também no sentido de que o poderá fazer posteriormente, mesmo em sede de recurso.
 No entanto o caso do autos, não foi requerida ,nem oficiosamente produzida, prova no sentido de demonstrar qual a identidade do outro condutor que, alegadamente pelo requerido, estacionou o veículo, aliás nem o o Tribunal “ a quo” entendeu que tal seria necessário. Mas, mesmo assim, o despacho recorrido deu por fixada a alegação do requerido, como se de prova produzida se tratasse, alterando os factos já fixados na decisão administrativa, sem qualquer prova demonstrativa dos mesmos;
VI-Tal procedimento traduz-se num erro de direito na decisão recorrida, senão mesmo um excesso de pronúncia. Na realidade, e, não tendo sido produzida qualquer prova que ilida a presunção de responsabilidade do titular do documento de identificação do veículo pela prática da infracção, presunção legal decorrente da alínea b) do n.º 3 do art.º 135.º do Código da Estrada e do disposto no n.º 2 do art.º 171.º do mesmo diploma, os factos assentes são os fixados na decisão administrativa, já que se decidiu definitivamente afastar a audiência de julgamento, onde eventualmente se poderia produzir outra prova;
VII- O  Tribunal da Relação conhece apenas da matéria de direito, e nestes termos e considerando-se o caso julgado formal do despacho que fixou que a decisão a proferir o seria por simples despacho, nos termos do disposto no artigo 64 do RGCOC, conclui-se que o despacho recorrido terá de ser revogado mantendo-se a decisão administrativa, que condenou o requerido na pena acessória de inibição de conduzir.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência (com vencimento) os Juízes da 9ª.Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO.

O Mº.Pº., não se conformando com o despacho de fls. 26 e 27 dos autos proferido nos autos de contra- ordenação acima identificados, vem interpor recurso do mesmo.
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Discordando do ali decidido, o recorrente, Mº.Pº, vem, como se disse, interpor recurso daquele despacho, formulando a motivação de fls. 30 a 34 dos autos, donde se extraem as conclusões seguintes:
(transcrevem-se)   
1. A decisão proferida violou os artigos 135.°, n. 3, al. b). e 171.°, n. 2 e 3, ambos do Código da Estrada.
2. Com efeito, o ora recorrido foi notificado atempadamente para o efeito do art. 171.° do Código da Estrada, e não indicou outra pessoa como condutora, apenas o tendo feito na fase judicial; pelo que a entidade administrativa fez uso adequado do art. 135.°, al. b), do Código da Estrada, punindo o ora recorrente.
3. O Tribunal a quo, considerando que na fase judicial o ora recorrido devia ter idêntico direito, ou seja não tendo indicado outro condutor, como sucedeu no caso, por motivo que se desconhece, veio agora, atropelando a segurança jurídica contra-ordenacional, indicar a pessoa que teria conduzido o veículo, vedando a responsabilidade contra-ordenacional contra si e porventura contra o alegado terceiro, por motivo de possível prescrição do procedimento. Ora tal pretensão não pode ser aceite.
4. Na verdade, estabelece a lei, nos arts. 135.°, n. 3, al. b). e 171.°, n. 2, ambos do Código da Estrada, uma presunção de responsabilidade do titular do documento de identificação do veículo, pela prática da infracção, presunção juris tantum que só pode ser afastada se provada a utilização abusiva do veículo ou identificado um terceiro condutor, sempre dentro do prazo concedido para a defesa no processo administrativo.
5. Tendo o recorrente esgotado aquele prazo sem nada dizer, não pode ser admissível vir fazê-lo extemporaneamente, pois tal viola a ordem jurídica contra-ordenacional, esvaziando de conteúdo o preceito supra, por estabelecer um prazo razoável para defesa, que, não sendo aproveitado, não teria qualquer consequência futura para o infractor.
6. Aliás, a admitir-se a decisão impugnada, tal lançaria clara possibilidade de fuga à responsabilidade contra-ordenacional, pois qualquer condutor poderá eximir-se à defesa cabal no processo administrativo, para, chegado à fase judicial, vir indicar outro indivíduo como condutor, assim se desvinculando e criando um óbice temporal para o exercício do processo contra-ordenacional contra o terceiro, designadamente por causa da prescrição.
7. Assim, e apesar de a Jurisprudência se encontrar dividida, é mais sensata – designadamente os Acórdãos do TRL 3719/16.0 T8OER.L1-5, TRL 2-2-2016, 3017/15.7 T8BRR.L1-5, TRC 6-3¬2002, CJ ANO XXVIII, TOMO II, Pag. 37, TRC 12-12-2007, 213-06.1TBMMV.C1, TR GUI 3-10-2005, 1388/05-2, e TRE 20-122005, 1803/05.1 – que defendem que apenas em sede administrativa pode o proprietário do veículo vir alegar que não era ele o condutor, mas sim um terceiro identificável, não o podendo fazer em fase posterior sob pena de criar a confusão no sistema jurídico estradal, defraudando a intenção do legislador, que concedeu aquele prazo para possibilitar a averiguação atempada da responsabilidade contra-ordenacional do alegado terceiro.
8. Por outro lado, quanto à sanção acessória, a mesma é justa e necessária, sem qualquer excesso, por adequada às necessidades de prevenção, pelo que deve ser mantida.
A decisão do Tribunal a quo deve assim ser revogada, mantendo-se a decisão contra-ordenacional.
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A estas alegações respondeu o requerido AA, nos termos que constam de fls. 42 a 45 destes autos, concluindo como se transcreve:
a) Do auto de polícia resulta provado que no dia 6.11.2018, pelas 9h55m, o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula …………, encontrava-se estacionado no Campo de São Francisco-Sul, em Ponta Delgada, em lugar devidamente sinalizado e reservado ao estacionamento de veículos que transportam pessoas com deficiência condicionada na sua mobilidade, o que preencha os requisitos da contraordenação prevista e punida pela al. f) do n.º 1 e 2 do artigo 50.º e pelos n.º 1 e 2 do artigo 147.º, ambos do Código da Estrada,
b) Tal contraordenação é punida com coima e com sanção acessória de inibição de conduzir nos termos e com os limites previstos na alínea q) do n.º 1 do artigo 145.º e do n.º 1 do artigo 138.º e n.º 1 e 2 do artigo 147.º do Código da Estrada.    
c) A responsabilidade por tal infração, nos termos do n.º 3 do artigo 135 do Código de Estrada recai no condutor do veículo, relativamente às infracções que respeitem ao exercício da condução; no titular do documento de identificação do veículo relativamente às infrações que, referidas na alínea anterior e relativamente às quais não tenha sido possível identificar o condutor.
d) A identificação do condutor arguido tem de ser completa contendo todos os elementos exigidos nas alíneas a) a f) do referido n.º 1. do artigo 171.º, do Código da Estrada);
e) Dos autos resulta que o infrator não foi observado nem identificado pelo Agente Autuante, pelo que foi observado o disposto no n.º 2 do artigo 171.º do Código de Estrada.
f) Não tendo sido observado nem identificado o infrator, o auto foi levantado contra o aqui recorrido, por se presumir ser ele o condutor, ou seja, por presunção “iuris tantum” que o Ministério Público entende só poder ser ilidida na fase administrativa, o que efetivamente não foi, mas não estando inibido de o fazer em sede de impugnação judicial, como o fez e o prevê variada jurisprudência. Aliás,
g) O proprietário do veículo, como conta do registo, não podia identificar o condutor antes de tomar conhecimento da infração, pelo que, também por essa razão não fica inibido de, em impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, invocar e provar que não era ele o condutor do veículo no momento da infração, afastando tal presunção legal, o que fez indicando quem estava a conduzir o veículo no dia e momento em que o mesmo foi estacionado em local reservado a condutores com mobilidade reduzida - Maria Celeste Medeiros Cabral Falcão.
***
Foi cumprido o disposto no art. 416 do CPP, tendo a Sr.ª Procuradora Geral Adjunta emitido o parecer de fls.53, no qual adere à posição e argumentação subscrita pelo Mº.Pº. que interpõe o recurso.
Corridos os vistos, em conferência, cumpre decidir.
II- MOTIVAÇÃO.
 Do processado e, com relevância para o conhecimento do presente recurso:
Fls. 24: despacho judicial, de 30/5/2019
(transcreve-se)
Da análise conjugada das disposições constantes dos art.os 53.º, 59.º, n.º 2 e 67.º do DL 433/82, de 27.10 resulta que no processo contra-ordenacional não é obrigatória a constituição (ou nomeação) de advogado.
Por outro lado, não se exige no requerimento de impugnação o rigor de forma do recurso penal, de outro modo não se entenderia a dispensa de intervenção de Advogado.
Finalmente, da análise dos autos verifica-se que o impugnante, não obstante não ter respeitado o aspecto formal da impugnação, ainda assim diligenciou pela demonstração da razão da sua oposição à decisão da autoridade administrativa e qual a sua pretensão.
Assim, admito o recurso interposto pelo recorrente AA, por tempestivo e, não obstante, não respeitar as exigências legais de forma, levar-se em consideração que é o próprio (sem formação jurídica) a subscrever o recurso - art.os 59.º, 60.º e 63.º do DL 433/82, 27.10.
Notifique.
Uma vez que não foi indicada qualquer diligência de prova pelo recorrente e não se afigura necessária a realização de audiência de julgamento, notifique o recorrente e o Ministério Público para, em dez dias, declararem se se opõem à decisão por despacho, nos termos do art.º 64.º, n.º 2 do Decreto-Lei nº 433/82 - entendendo-se que, caso nada diga, nada tem a opor.
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Na sequência de tal despacho, o Mº.Pº. veio expressar a sua não oposição a fls. 25.
O requerido, notificado do despacho, como consta de fls. 25vº. nada requereu, entendendo-se daí a sua não oposição ao despacho.
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Em 24/6/2019, a Srª. Juiz titular do processo, proferiu o despacho que se transcreve e que é agora o recorrido:
I- Relatório
Nos presentes autos de recurso contra-ordenacional, AA, impugnou judicialmente a decisão proferida em 18.04.2019, pela DRETT, que lhe aplicou a sanção acessória de proibição de conduzir por 75 dias, pela prática da contra-ordenação p. e p. pelo art.º 50º, nº 1, 147º, nºs 2 e 3, do Código da Estrada, formulando as seguintes conclusões:
Não cometeu a infracção que lhe é imputada, é lavrador e no âmbito da sua actividade profissional tem de fazer a ordenha das mais de 100 vacas da sua exploração e de proceder ao maneio e alimentação das mesmas e de todos os demais animais que se encontram em produção (cerca de 400), o que faz diariamente das 7h00m às 11h00m;
Quem conduzia o veículo e o deixou estacionado no local indicado no auto foi sua mulher, sendo ela quem conduz habitualmente aquela viatura, o que fez também naquele dia.
Conclui requerendo o arquivamento dos presentes autos e que seja levantado auto contra a sua mulher, que identifica.
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Recebido o recurso, o recorrente e o Ministério Público foram notificados nos termos do disposto no artigo 64.º, n.º 2, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27.10, nada opondo a que se decida o presente recurso por despacho judicial.
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II – Fundamentação de facto
Do teor dos elementos constantes dos autos, considero provados os seguintes factos:
1 - No dia 6.11.2018, pelas 9h55m, o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula …………., encontrava-se estacionado no Campo de S. Francisco-Sul, em Ponta Delgada, em lugar devidamente sinalizado e reservado ao estacionamento de veículos que transportam pessoas com deficiência condicionada na sua mobilidade.
2 – O veículo encontra-se registado em nome do recorrente AA mas a sua condutora habitual é BB, mulher do recorrente e consigo residente na Rua ……………..em Ponta Delgada, titular do CC ………………., e da carta de condução …………, emitida em ………..2007.
3 – No circunstancialismo de tempo e local descritos em 1) era BB quem empreendia a condução do veículo e o estacionou no local ali assinalado..
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2. Factos Não Provados:
Com interesse para a boa decisão da causa não resultaram provados outros factos, designadamente,
que:
1 – Foi o recorrente quem conduziu o veículo nas circunstâncias de tempo e local referidas na decisão administrativa e o deixou estacionado no local ali indicado.
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Motivação de Facto:
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise e valoração da prova produzida nos autos.
Assim, o circunstancialismo de tempo e local em que ocorreu o estacionamento do veículo ………….. e que se encontra descrito na decisão administrativa é facto pacífico, não sendo posto em causa pelo recorrente. O único ponto controvertido reside em quem foi o autor desse estacionamento, isto é, quem estava a empreender a condução do veículo e o deixou naquele preciso local. Da análise dos autos decorre com clareza que o agente da PSP que levantou o auto presenciou a infracção – no sentido de ter visualizado o veículo estacionado no local – mas não quem foi o seu autor. Com efeito, basta analisar o auto de fls. 7 para verificarmos que não há qualquer indicação em como o arguido (recorrente) tenha sido notificado presencialmente do auto, nem que se tenha recusado a assinar a notificação. Pelo contrário, há a indicação que foi emitido um aviso nos termos do artigo 171º, nº 2, do Código da Estrada. Este circunstancialismo leva-nos a concluir que a infracção – no que à sua autoria concerne – não foi efectivamente presenciada pela agente autuante, pelo que não faz fé em juízo.
Nos termos do disposto no artigo 170º, do Código da Estrada, o auto de notícia faz fé sobre os factos presenciados pelo autuante, até prova em contrário, o mesmo sucedendo com os elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos aprovados nos termos legais e regulamentares.
A fé em juízo dos autos de notícia não acarreta ou envolve qualquer presunção de culpabilidade e está restringida aos factos presenciados pelo autuante. Pelo que, como supra se referiu, a fé em juízo do auto cinge-se ao estacionamento em si, não quanto à autoria desse mesmo estacionamento.
Ora, o recorrente não só nega ter sido o autor da infracção como identifica o condutor do veículo que deixou o veículo estacionado no local indicado no auto. Mais esclarece que a coima foi paga, mas não por si, e que o auto só foi levantado contra si por o veículo estar registado em seu nome. Quanto a esta última afirmação, assiste-lhe razão, com efeito, não tendo sido identificado o condutor aquando da verificação do estacionamento, e caso não venha a ser identificado terceira pessoa, tem o auto de ser levantado contra o titular do registo de propriedade. Que não tenha sido o recorrente a liquidar a coima, também é possível, pois se atentarmos ao avido de recepção de fls. 5, o mesmo encontra-se assinado por BB, mulher do recorrente, sendo possível e plausível que a mesma tenha procedido ela mesma à liquidação da multa, sem o conhecimento do recorrente, certamente pensando que assim evitava problemas.
Em suma, dos elementos probatórios existentes nos autos conjugados com as regras da experiência comum e a normalidade das coisas levam-nos a concluir que a posição assumida pelo recorrente na sua impugnação é não só possível como plausível, não sendo abalada por nenhum outro elemento (como supra se referiu, o auto não faz qualquer fé em juízo quanto à autoria da infracção). E se assim é, tendo o auto sido levantado nos termos do nº 2 do artigo 171º, do Código da Estrada, a identificação do condutor efectuada pelo recorrente encontra cabimento no nº 3 da mesma disposição legal, sendo certo que para tal identificação a lei não exige qualquer meio probatório diverso da mera indicação dos elementos de identificação ali referidos, deu-se como assente a identificação do condutor indicada pelo recorrente e como não provado que tivesse sido o mesmo a estacionar o veículo no local indicado no auto.
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III – Fundamentação de Direito:
Nestes autos, analisados os factos provados, dúvidas não há em como foi praticada a contra-ordenação p. e p. pelos artigos 50º, nº 1, alínea f) e nº 2, 147º, nºs 1 e 2, do Código da Estrada,
Tal contra-ordenação é considerada grave, nos termos do artigo 145º, nº 1, alínea q), do Código da Estrada, sendo cominada com coima de 60 € a 300 €, e com sanção acessória de inibição de conduzir com a duração mínima de 1 mês e máxima de 1 ano, nos termos dos artigos 138º, nº 1 e 147º, nº 1 e 2, do Código da Estrada.
Com efeito, resultou provado que no dia 6.11.2018, pelas 9h55m, o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ……….., encontrava-se estacionado no Campo de S. Francisco-Sul, em Ponta Delgada, em lugar devidamente sinalizado e reservado ao estacionamento de veículos que transportam pessoas com deficiência condicionada na sua mobilidade.
Dispõe o artigo 135.º, n.º3, do Código da Estrada, que “A responsabilidade pelas infracções previstas no Código da Estrada e legislação complementar recai no: a) Condutor do veículo, relativamente às infracções que respeitem ao exercício da condução; b) Titular do documento de identificação do veículo relativamente às infracções que respeitem às condições de admissão do veículo ao trânsito nas vias públicas, bem como pelas infracções referidas na alínea anterior quando não for possível identificar o condutor; (...).”
Por sua vez, atento o disposto no nº 1 do artigo 171.º, do Código da Estrada, é manifesto que a identificação do arguido tem que ser completa, devendo observar todos os elementos de identificação exigidos nas alíneas a) a f) do referido nº 1.
Contudo, ciente de que nem sempre é possível identificar o infractor, designadamente quando estamos perante infracções em que o condutor não é abordado directamente pelo agente autuante, a lei determina que nessas situações o procedimento seguido seja o previsto no nº 2 do referido artigo 171º, no qual se dispõe que: “Quando se trate de contra-ordenação praticada no exercício da condução e o agente de autoridade não puder identificar o autor da infracção, deve ser levantado o auto de contra-ordenação ao titular do documento de identificação do veículo, correndo contra ele o correspondente processo.”
No caso em apreço o agente autuante não identificou o autor da infracção, pelo que o auto foi levantado contra a recorrente por se presumir que a condução era por si empreendida. Estamos, pois, perante uma presunção iuris tantum, que devia ter sido ilidida na fase administrativa. Mas não o tendo sido tempestivamente – e não foi, como o própria recorrente admite – entendemos que não está impedido de o fazer em sede de impugnação judicial (neste sentido, entre outros, acórdãos da Relação de Coimbra, de 5.07.2006; 20.09.2006; Acórdão da Relação de Guimarães 25.02.2008; e acórdão da Relação de Lisboa, de 28.09.2010, que elenca as duas posições divergentes – todos disponíveis na base de dados da DGSI, in www.DGSI.pt).
Com efeito, entendemos, que o proprietário do veículo, apesar de não ter oportunamente identificado o condutor, não fica inibido de, em sede de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, invocar e provar que não era ele o condutor do veículo no momento da infracção, logrando, desse modo, afastar a presunção legal.
E no caso em apreço o recorrente logrou ilidir a presunção juris tantum que sobre si impendia, e fê-lo indicando que quem estava a conduzir o veículo naquele dia e estacionou o mesmo no local reservado a condutores com mobilidade reduzida era BB.
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IV - Decisão
Pelo exposto, julgo procedente o recurso interposto por AA, e, em consequência, revogo a decisão proferida, em 18.04.2019, pelo DRT - SCTT, que lhe aplicou uma sanção acessória de proibição de conduzir por 75 dias, pela prática da contra-ordenação, p. e p. pelo art.º 50º, nº 1, alínea f), 145º, nº 1, alínea q), 147º, nºs 1 e 2, do Código da Estrada.
Sem custas, atento o disposto nos artigos 92.º, n.º 1 e 93.º, n.º 3, do RGCO, e artigos 513.º, n.º 1, e 514.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, todos à contrario.
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Conhecendo sobre a questão de direito, cumpre expor a nossa posição.
Começando por citar o que foi expresso pelo Sr. Conselheiro António Leones Dantas em dissertação sobre a matéria, publicada em Cadernos do CEJ.:
O conhecimento por despacho, como forma de decisão do recurso de impugnação, é um instituto específico do processo das contra-ordenações, evidenciando a sua autonomia face ao processo penal.
Com efeito, a realização judiciária do Direito Penal tem o seu espaço natural na audiência de julgamento, aberta, pública e subordinada ao contraditório, seguindo-se a esta audiência a decisão. Por outro lado, como corolário da estrutura acusatória do processo, assenta na prova produzida em audiência e as fases preliminares justificam-se apenas para definir os casos em que há motivos que justifiquem a submissão a julgamento. O tribunal não pode fundamentar a sua convicção nas provas que não tenham sido submetidas ao contraditório na audiência.
Ao contrário, no processo das contra-ordenações, se não for necessária a produção complementar de meios de prova, o tribunal decide o recurso com base na prova recolhida pela autoridade administrativa que se mostre documentada no processo, fora do espaço judiciário e sem necessidade de a sujeitar a debate contraditório em audiência.[1]
(…) Em primeira linha, incumbe ao recorrente indicar os factos que pretende ver provados e os meios de prova através dos quais pretende ver concretizado esse objetivo. No caso de se tratar de meios de prova que já tenham sido ponderados no processo deve o recorrente concretizar as suas dúvidas sobre a forma como esses meios de prova foram documentados e a forma como foram ponderados na decisão administrativa, precisando, por essa via, a justificação para a submissão desses meios de prova à audiência.
É neste cenário que se identificam os novos meios de prova a produzir, pelo que o recorrente terá de referir, no requerimento de interposição de recurso, quais os factos que pretende provar, não se limitando a indicar testemunhas ou documentos, mas direcionando esses meios de prova para os concretos factos a provar.
Estamos muito longe das tradicionais audiências de julgamento penais, em que os factos a provar são os que integram a acusação, ou na contestação, no caso de meios de prova indicados pela defesa, e, sobretudo, muito longe do modelo de audiência de julgamento das antigas transgressões penais, paradigma subjacente à prática judiciária.
 Importa não esquecer que o recurso de impugnação visa a reapreciação da decisão proferida pela autoridade administrativa, no quadro do processo em que foi proferida. É óbvio que se não pode entender o recurso de impugnação e as exigências que o rodeiam fora do contexto das especificidades do processo das contra-ordenações, globalmente considerado, e das específicas funções daquela fase do processo. [2]
Ao contrário do processo penal, onde a audiência visa a prova de um conjunto de factos imputados ao arguido, em ordem a saber se os mesmos integram a prática de um crime e a determinar a sanção correspondente e uma decisão em primeira instância do processo, no recurso de impugnação do processo das contra-ordenações já houve um procedimento perante a autoridade administrativa que culminou na aplicação de uma sanção e o processo só chega ao Tribunal porque o condenado pretende pôr em causa a condenação de que foi objeto.
Aquela condenação, se não for impugnada, torna-se definitiva e exequível, com todas as consequências que daí advém em termos de intervenção dos poderes públicos sobre o património do condenado.
Enquanto no processo penal incumbe ao Ministério Público a demonstração perante o Tribunal dos factos imputados ao arguido, no caso do recurso de impugnação é sobre o recorrente que recai o interesse processual em pôr em causa a decisão da autoridade administrativa, pelo que lhe incumbe demonstrar a falta de fundamento da mesma, podendo, nomeadamente, pôr termo ao recurso por si interposto, através da desistência do recurso, nos termos do artigo 71.º, do Regime Geral, com a consequente exequibilidade daquela decisão.
 A decisão administrativa objeto do recurso de impugnação é proferida no termo de um processo onde já foram assegurados ao condenado os direitos de audição e de defesa, a um contraditório muito vasto, como forma de intervenção deste na formação da decisão. Daí que interposição de recurso exija a demonstração de um fundamento objetivo para o mesmo sobre pena de se transformar numa mera forma de bloqueamento da execução da decisão condenatória e da realização do interesse público subjacente ao processo.
Por sua vez,
O despacho liminar assume, deste modo, uma função estruturante do recurso de impugnação no processo das contra-ordenações, demarcando de uma forma clara a autonomia deste processo face ao processo penal e às formas de decisão no mesmo consagradas, ao condicionar os termos subsequentes do processo, ao definir se o julgamento do recurso ocorrerá por despacho, ou em audiência, ao fixar o objeto da audiência de julgamento, caso seja essa a opção, no que se refere à forma de conhecimento do recurso, e, neste caso, por concretizar o âmbito da prova, quer no que se refere ao seu objeto material, quer no que se refere aos meios de prova a produzir. (do mesmo autor e obra acima citada).
Neste ponto, citamos ainda os Srs. Conselheiros Oliveira Mendes e Santos Cabral:[3]
(…) Na verdade, se o mesmo entende que deve decidir através de despacho está implicitamente a afirmar que a prova produzida em sede administrativa é a necessária e suficiente para poder decidir e que, portanto, não relevam outros factos que não aqueles que resultam dos meios de prova pré-existentes. Consequentemente os seus poderes de cognição derivados da aplicação do princípio do acusatório, estão limitados pelos factos resultantes da prova já produzida.
Um entendimento diverso, que privilegiava exageradamente a imediação e a oralidade nesta matéria, constituía uma profunda descaracterização do processo de contra-ordenação pois a fase organicamente administrativa era tratada, na prática, como se fosse equivalente a um inquérito criminal, quando a equiparação era completamente falsa: o inquérito termina, em regra, com um arquivamento ou uma acusação, o processo de contra-ordenação termina, na fase orgânica com uma decisão material de uma autoridade administrativa que se pode tornar definitiva.
Por outro lado, como refere A.Beça Pereira in Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, pág.197 11ª. ed:
A circunstância de o arguido se pronunciar no sentido de que não se opõe a que haja uma decisão por simples despacho significa tão só que ele, pese embora os termos da posição que expressamente assumiu no seu recurso, admite a possibilidade de se poder decidir a questão relativa à sua responsabilidade contra-ordenacional com base nos factos, mesmo que poucos, que já estão assentes.
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Neste entendimento, que subscrevemos, e, perante o requerimento do requerido onde impugna a decisão administrativa, nenhuma diligência de prova foi requerida ou indicada, limitando-se o agora requerido a alegar que a sua mulher era a condutora habitual do veículo e que era a mesma que conduzia a viatura no dia da infracção.
Ora, não basta alegar, é necessário demonstrar…
E, ainda que se pudesse entender que ao Sr. Juiz titular competia indagar e demonstrar o alegado pelo requerido, na verdade essa questão não se colocou sequer ao Sr.Juíz, que, no despacho de fls. 24 (acima transcrito) disse que “não se afigura necessária a realização da audiência de julgamento”, sendo certo que seria este o local para produzir qualquer prova.
Ora,
No caso, verificamos que não obstante o entendimento sobre a desnecessidade da produção de outra prova, e, por conseguinte de proceder a audiência, o Sr. Juiz extraiu das provas constantes da fase administrativa (que levou a aplicação da sanção acessória de inibição de conduzir) factos que não se encontravam fixados na decisão administrativa dando por “acrescento” assentes as alegações do requerido (quiçá como se tivessem sido produzidas em acto de inquirição),[4] como sejam os factos enunciados nos pontos 2 e 3, que são novos em relação à matéria fixada na decisão administrativa.
Por outro lado, naquele despacho, parece querer interpretar-se o disposto no artigo 170 do C.E. como se necessário fosse que o agente denunciante tivesse de ver exactamente toda a conduta da infracção praticada, visualizando assim o seu autor. E, assim não é. O agente actua em conformidade com o disposto no artigo 171-2 do C.E. e o proprietário virá confirmar ou indicar o infractor (nº. 3 do citado preceito).
Caso não o faça no prazo concedido, há entendimento jurisprudencial no sentido da sua preclusão e, também no sentido de que o poderá fazer posteriormente, mesmo em sede de recurso.[5]
 Ainda que, admitindo este último entendimento, no caso, não foi requerida (nem oficiosamente produzida) prova no sentido de demonstrar qual a identidade do outro condutor que, alegadamente pelo requerido, estacionou o veículo, aliás nem o Sr. Juiz entendeu que tal seria necessário. Mas, ainda assim o despacho recorrido deu por fixada a alegação do requerido, como se de prova produzida se tratasse, alterando os factos já fixados na decisão administrativa, sem qualquer prova demonstrativa dos mesmos. Ou seja, praticou um erro de direito na decisão recorrida, senão mesmo um excesso de pronúncia. Na realidade, e, não tendo sido produzida qualquer prova que ilida a presunção de responsabilidade do titular do documento de identificação do veículo pela prática da infracção, presunção legal decorrente da alínea b) do n.º 3 do art.º 135.º do Código da Estrada e do disposto no n.º 2 do art.º 171.º do mesmo diploma, os factos assentes são os fixados na decisão administrativa, já que se decidiu definitivamente afastar a audiência de julgamento, onde eventualmente se poderia produzir outra prova.
Assim, e, como é sabido, em matéria contra-ordenacional este Tribunal da Relação conhece apenas da matéria de direito.
Ora, assim se entendendo e, mediante o caso julgado formal do despacho que fixou que a decisão a proferir o seria por simples despacho, nos termos do disposto no artigo 64 do RGCOC, conclui-se que este Tribunal de recurso tem de revogar o despacho recorrido e manter a decisão administrativa proferida em 18/4/2019- fls.6,7 e 8 dos autos, que condenou o requerido em 75 dias de inibição de conduzir.[6]
III- DECISÃO.
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da 9ª Secção Criminal desta Relação de Lisboa em dar provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido, em conformidade com o acima exposto, confirmar a decisão da autoridade administrativa.
Sem custas.

(Acórdão elaborado e integralmente revisto pela relatora – art.º 94º, nº 2 do CPP)

Lisboa, 20/02/2020
Relatora                                                                      
Maria do Carmo Ferreira
Presidente da Secção
Trigo Mesquita

Titular do processo (com voto de vencido, em anexo)

Voto de vencida:
Votei vencida por entender que, face ao erro notório na apreciação da prova patente na decisão recorrida, haveria que a revogar, determinando-se o reenvio do processo à 1ª Instância, relativamente à totalidade do seu objecto, nos termos previstos no art.º 426.º do C.P.P., para que aí fosse proferida nova decisão que decidisse em conformidade com as provas produzidas.
Com efeito, tendo-me sido distribuído o presente processo, elaborei projecto de acórdão no qual, conhecendo do recurso, se considerava:
«2. 3. – Apreciando e decidindo
Alega o Digno Recorrente que decisão recorrida violou o disposto nos art.ºs 135.º, n.º 3, alínea b), e 171.º, n.ºs 2 e 3, do Código da Estrada, já que o arguido foi atempadamente notificado para efeitos do diposto no art.º 171.º do Código da Estrada e não indicou outra pessoa como condutora, apenas o tendo feito extemporaneamente, já na fase judicial, razão pela qual entende que a Entidade Administrativa fez uso adequado do disposto no art.º 135.º, alínea b), do Código da Estrada.
Na sua resposta, pugnou o arguido pela manutenção da decisão recorrida.
Vejamos.
Quanto à responsabilidade pelas infracções rodoviárias, determina-se no art.º 135.º do C. da Estrada:
«1 - São responsáveis pelas contraordenações rodoviárias os agentes que pratiquem os factos constitutivos das mesmas, designados em cada diploma legal, sem prejuízo das exceções e presunções expressamente previstas naqueles diplomas.
2 - As pessoas coletivas ou equiparadas são responsáveis nos termos da lei geral.
3 - A responsabilidade pelas infrações previstas no Código da Estrada e legislação complementar recai no:
a) Condutor do veículo, relativamente às infrações que respeitem ao exercício da condução;
b) Titular do documento de identificação do veículo relativamente às infrações que respeitem às condições de admissão do veículo ao trânsito nas vias públicas, bem como pelas infrações referidas na alínea anterior quando não for possível identificar o condutor;
c) Locatário, no caso de aluguer operacional de veículos, aluguer de longa duração ou locação financeira, pelas infrações referidas na alínea a) quando não for possível identificar o condutor;
d) Peão, relativamente às infrações que respeitem ao trânsito de peões.
4 - Se o titular do documento de identificação do veículo ou, nos casos previstos na alínea c) do número anterior, o locatário provar que o condutor o utilizou abusivamente ou infringiu as ordens, as instruções ou os termos da autorização concedida, cessa a sua responsabilidade, sendo responsável, neste caso, o condutor.
5 - Os instrutores são responsáveis pelas infrações cometidas pelos instruendos, desde que não resultem de desobediência às indicações da instrução.
6 - Os examinandos respondem pelas infrações cometidas durante o exame.
7 - São também responsáveis pelas infrações previstas no Código da Estrada e legislação complementar:
a) Os comitentes que exijam dos condutores um esforço inadequado à prática segura da condução ou os sujeitem a horário incompatível com a necessidade de repouso, quando as infrações sejam consequência do estado de fadiga do condutor;
b) Os pais ou tutores que conheçam a inabilidade ou a imprudência dos seus filhos menores ou dos seus tutelados e não obstem, podendo, a que eles pratiquem a condução;
c) Os pais ou tutores de menores habilitados com cartas de condução da categoria AM, com a menção da restrição 790;
d) Os condutores de veículos que transportem passageiros menores ou inimputáveis e permitam que estes não façam uso dos acessórios de segurança obrigatórios;
e) Os que facultem a utilização de veículos a pessoas que não estejam devidamente habilitadas para conduzir, que estejam sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas, ou que se encontrem sujeitos a qualquer outra forma de redução das faculdades físicas ou psíquicas necessárias ao exercício da condução.
8 - O titular do documento de identificação do veículo ou, nos casos referidos pela alínea c) do n.º 3, o locatário responde subsidiariamente pelo pagamento das coimas e das custas que forem devidas pelo autor da contraordenação, sem prejuízo do direito de regresso contra este, quando haja utilização abusiva do veículo.»
(sublinhado nosso)
E, sob a epígrafe “identificação do arguido”, estabele-se no art.º 171.º do Código da Estrada:
«1 - A identificação do arguido deve ser efectuada através da indicação de:
a) Nome completo ou, quando se trate de pessoa colectiva, denominação social;
b) Domicílio fiscal;
c) Número do documento legal de identificação pessoal, data e respectivo serviço emissor ou, quando se trate de pessoa colectiva, do número de pessoa colectiva;
d) Número do título de condução e respectivo serviço emissor;
e) (Revogada.)
f) Número e identificação do documento que titula o exercício da actividade, no âmbito da qual a infracção foi praticada.
2 - Quando se trate de contra-ordenação praticada no exercício da condução e o agente de autoridade não puder identificar o autor da infracção, deve ser levantado o auto de contra-ordenação ao titular do documento de identificação do veículo, correndo contra ele o correspondente processo.
3 - Se, no prazo concedido para a defesa, o titular do documento de identificação do veículo identificar, com todos os elementos constantes do n.º 1, pessoa distinta como autora da contra-ordenação, o processo é suspenso, sendo instaurado novo processo contra a pessoa identificada como infractora.
4 - O processo referido no n.º 2 é arquivado quando se comprove que outra pessoa praticou a contra-ordenação ou houve utilização abusiva do veículo.
5 - Quando o agente da autoridade não puder identificar o autor da contraordenação e verificar que o titular do documento de identificação é pessoa coletiva, deve esta ser notificada para, no prazo de 15 dias úteis, proceder à identificação do condutor, ou, no caso de existir aluguer operacional do veículo, aluguer de longa duração ou locação financeira, do locatário, com todos os elementos constantes do n.º 1 sob pena de o processo correr contra ela, nos termos do n.º 2.
6 - A pessoa coletiva, sempre que seja notificada para tal, deve, no prazo de 15 dias úteis, proceder à identificação de quem conduzia o veículo no momento da prática da infração, indicando todos os elementos constantes do n.º 1, sob pena do processo correr contra a pessoa coletiva.
7 - No caso de existir aluguer operacional do veículo, aluguer de longa duração ou locação financeira, quando for identificado o locatário, é este notificado para proceder à identificação do condutor, nos termos do número anterior, sob pena de o processo correr contra ele.
8 - Quem infringir o disposto nos n.os 6 e 7 é sancionado nos termos do n.º 2 do artigo 4.º»
(sublinhado nosso)
No caso concreto, elaborado o auto contra-ordenação de fls 4, no qual se dava conta que, no dia 06.11.2018, pelas 9h55m, o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ……….., se encontrava estacionado no Campo de S. Francisco-Sul, em Ponta Delgada, em lugar devidamente sinalizado e reservado ao estacionamento de veículos que transportam pessoas com deficiência condicionada na sua mobilidade, e apurado que tal veículo se encontrava registado em nome de AA, veio este a ser notificado do teor do mesmo auto, por carta registada com A/R para, no prazo de 15 dias úteis, querendo, apresentar a sua defesa, nos termos previstos nos art.ºs 175.º e 176.º do C. Estrada e 50.º do Dec.-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, e designadamente para indicar os elementos de identificação do condutor do veículo, caso este não fosse o titular do documento de identificação do veículo. 
Conforme decorre do aviso de recepção de fls 5, tal aviso foi assinado por BB, em 01.02.2019.
Decorrido tal prazo sem que o arguido se tivesse pronunciado ou apresentado qualquer defesa e paga voluntariamente a coima, foi proferida a decisão administrativa de fls 6/8, que, considerando que os factos em causa, descritos no auto de contra-ordenação, constituíam contra-ordenação ao disposto no art.º 50.º, n.º 1, do Código da Estrada, punível com coima de 60,00€ a 300,00€, nos termos do n.º 2 do mesmo art.º 50.º, e ainda com a sanção acessória de inibição de conduzir de 1 a 12 meses, nos termos previstos no art.º 145.º, n.º 1, alínea q), e 147.º, n.º 2, do mesmo Código da Estrada, e valorando ainda o cadastro rodoviário do arguido, já com condenações pela prática de três contra-ordenações, duas muito graves e uma grave, aplicou ainda ao arguido a pena acessória de 75 dias de inibição de conduzir.
Desta decisão interpôs recurso o arguido, requerendo a suspensão do processo, nos termos previstos no art.º 171.º, n.º 3, do C. Estrada, alegando não ser ele o condutor do veículo no dia da infracção, mas a sua mulher BB, consigo residente na Rua ………………., em Ponta Delgada, titular do cartão de cidadão …………… e da carta de condução ……….., emitida em …………..2007, afirmando ainda ser ela a habitual condutora daquele veículo.
O Tribunal a quo veio a admitir tal recurso e, depois de notificar o Ministério Público e o arguido para, em dez dias, declararem se se opunham à decisão por despacho, nos termos previstos no art.º 64.º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, proferiu a decisão, agora sob recurso.
No recurso que interpôs da decisão administrativa não apresentou o arguido qualquer elemento de prova.
E, uma vez que nem o arguido, nem o Ministério Público se opuseram à decisão por despacho, não teve lugar a audiência de julgamento.
Não foi assim ouvido, nem o arguido, nem a pessoa que ele refere ser sua mulher, BB, nem produzida qualquer outra prova.
Compulsados os autos, verifica-se que os elementos de prova que dele constam se resumem ao auto de contra-ordenação de fls 4, ao aviso de recepção relativo à notificação do arguido do mesmo auto e apresentação de defesa de fls 5, e ao cadastro do arguido constante de fls 1 a 3.
Assim, antes de se analisar a questão de saber se seria, ou não, admissível, na fase judicial, a identificação de quem era o condutor do veículo na altura da infracção, impõe-se, previamente, verificar se a decisão recorrida padece de algum dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P., aplicável ex vi do disposto no n.º 1 do art.º 41.º do RGCO (Sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal), vícios que, como sabemos, são de conhecimento oficioso, nos termos constantes do Ac. do Plenário da Secção Criminal n.º 7/95, de 19.10.95, Proc.º n.º 46580, publicado no DR, I Série-A, n.º 298, de 28.12.95, que fixou a seguinte jurisprudência obrigatória: É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito».
Lendo a decisão recorrida, afigura-se, desde logo, que a mesma padece de erro notório na apreciação da prova.
Vejamos porquê.
Quanto aos vícios da sentença, determina-se no art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P. que:
«2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.» (sublinhados nossos)
No que respeita ao erro notório na apreciação da prova, verificar-se-á o mesmo quando, no texto da decisão recorrida, se considera provado, ou não provado, um facto que contraria a mais elementar lógica e viola, de forma frontal e clara, as regras da experiência comum, segundo o ponto de vista do homem médio, devendo tal vício constar da própria decisão da matéria de facto e não da motivação desta ou da fundamentação de direito.
A propósito deste vício, lê-se no Ac. STJ de 02.02.2011, in www.dgsi.pt:
«I. O erro notório na apreciação da prova, vício da decisão previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Porém, o vício, terá de constar do teor da própria decisão de facto, não da motivação dessa decisão, ou da fundamentação de direito.»
E, como dizem Simas Santos e Leal-Henriques, in "Recursos em Processo Penal", 7ª edição, 2008, pág. 77, erro notório na apreciação da prova é a "... falha grosseira e ostensiva da análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram como provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o Tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.”
Para que se verifique erro notório na apreciação da prova, terá o mesmo que constar da própria decisão de facto, sendo facilmente detectável pela análise do homem de formação média.
Trata-se assim de um erro grosseiro, de uma falha evidente, patenteada pelo texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, que, pela sua manifesta desconformidade com as regras da lógica e da normalidade da vida, não escaparia à análise do homem médio, sendo fácil e liminarmente perceptível pelo mesmo.
Traduz-se num vício de raciocínio na apreciação da prova de que um cidadão comum, perante a leitura da decisão, facilmente dele se apercebe.
Vendo a decisão recorrida, verifica-se que o Tribunal a quo refere que formou a sua convicção com base na análise e valoração da prova produzida nos autos.
E, lendo toda a motivação da decisão de facto, acima transcrita, o que dela decorre é que os elementos de prova produzidos que foram analisados são o auto de notícia e o aviso de recepção relativo à notificação do arguido, de tais elementos concluindo - e bem – o Tribunal a quo que o autuante não identificou o autor da infracção e que, portanto, a fé em juízo do auto se cinge ao estacionamento em si, mas já não quanto à autoria desse mesmo estacionamento.
Não obstante, prossegue depois o Tribunal a quo aludindo a provas que não foram produzidas, como aliás consta da própria decisão na qual expressamente se refere que não teve lugar o julgamento, decidindo o Tribunal por meio de despacho.
E, se assim é, não tendo o arguido sido ouvido, nem qualquer testemunha que ele tivesse indicado ou que o Tribunal considerasse importante para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, afigura-se-nos incompreensível o que se refere quanto ao “declarado” e “esclarecido” pelo arguido.
Se o arguido não foi ouvido, como pode o Tribunal a quo aludir ao que por ele foi declarado quanto a quem conduzia o veículo no momento da infracção, quanto a quem era o condutor habitual da viatura, bem como quanto a quem procedeu ao pagamento voluntário da coima.
O requerimento do recurso da decisão administrativa não se confunde com declarações prestadas pelo arguido em julgamento - no qual, o arguido, se decidir prestar declarações, está sujeito ao contraditório -, não se confundindo igualmente com quaisquer declarações que tenham sido colhidas ao arguido no processo.
E o referido requerimento de recurso não substitui também a produção de prova do nele alegado, designadamente da prova documental quanto a mesma se mostra legalmente necessária.
Ora, para além do mais, o Tribunal a quo considerou provados factos para os quais era necessária prova documental, como é o caso dos dados de identificação de BB, pessoa que nem sequer foi ouvida nos autos.
Assim, para além de inexistirem quaisquer declarações do arguido que pudessem ser valoradas pelo Tribunal a quo, inexistem também quaisquer documentos que comprovem que o arguido é casado com BB, que esta reside com ele na Rua …………….., em Ponta Delgada, ou que ela é titular do CC ………. e da carta de condução ……….., emitida em ……….2007.
Acresce que o próprio Tribunal a quo, indicando o que consta do requerimento de recurso da decisão administrativa e que, sem mais, considera provado, vai mais além, sustentando a sua decisão com base em factos que não se mostram sequer alegados pelo arguido.
Na verdade, dizendo:
«Ora, o recorrente não só nega ter sido o autor da infracção como identifica o condutor do veículo que deixou o veículo estacionado no local indicado no auto. Mais esclarece que a coima foi paga, mas não por si, e que o auto só foi levantado contra si por o veículo estar registado em seu nome.» (sublinhado nosso), afirma depois ser possível e plausível que o pagamento em causa tenha sido feito pela mulher do arguido, sem o conhecimento daquele, avançando até com uma explicação para tal facto, afirmando expressamente:
«Quanto a esta última afirmação, assiste-lhe razão, com efeito, não tendo sido identificado o condutor aquando da verificação do estacionamento, e caso não venha a ser identificado terceira pessoa, tem o auto de ser levantado contra o titular do registo de propriedade. Que não tenha sido o recorrente a liquidar a coima, também é possível, pois se atentarmos ao aviso de recepção de fls. 5, o mesmo encontra-se assinado por BB, mulher do recorrente, sendo possível e plausível que a mesma tenha procedido ela mesma à liquidação da multa, sem o conhecimento do recorrente, certamente pensando que assim evitava problemas.» (sublinhado nosso)
Afiguram-se completamente arbitrárias e abusivas as considerações feitas pelo Tribunal a quo quanto a quem procedeu ao pagamento da coima, não se vislumbrando como pode afirmar-se que foi a mulher do arguido que procedeu ao mesmo e que o fez sem o conhecimento daquele para evitar problemas, quando tal não é sequer alegado pelo próprio arguido que apenas refere não ter sido ele a proceder ao pagamento. 
São, pois, perfeitamente arbitrárias, discricionárias e abusivas as conclusões fácticas que o Tribunal a quo deixou consignadas em parte do n.º 2 da factualidade considerada provada, concretamente quando considerou provado que a condutora habitual do veículo é BB, mulher do recorrente e consigo residente na Rua …………. Ponta Delgada, titular do CC …………, e da carta de condução ……….., emitida em …………..2007, bem como no n.º 3 dos factos provados, considerando provado que no circunstancialismo de tempo e local descritos em 1) era BB quem empreendia a condução do veículo e o estacionou no local ali assinalado.
Por outro lado, não tendo sido produzida qualquer prova que ilidisse a presunção de responsabilidade do titular do documento de identificação do veículo pela prática da infracção, presunção legal decorrente da conjugação da alínea b) do n.º 3 do art.º 135.º do Código da Estrada (A responsabilidade pelas infracções previstas no Código da Estrada e legislação complementar recai no titular do documento de identificação do veículo quando respeitem ao exercício da condução e não for possível identificar o condutor) com o disposto no n.º 2 do art.º 171.º do mesmo Código (Quando se trate de contra-ordenação praticada no exercício da condução e o agente de autoridade não puder identificar o autor da infracção, deve ser levantado o auto de contra-ordenação ao titular do documento de identificação do veículo, correndo contra ele o correspondente processo), não podia a decisão recorrida considerar não provado o que fez constar do n.º 1 da factualidade não provada, concretamente que foi o recorrente quem conduziu o veículo nas circunstâncias de tempo e local referidas na decisão administrativa e o deixou estacionado no local ali indicado.
Não tendo sido produzidas quaisquer provas que sustentem a referida opção fáctica do Tribunal a quo, provada e não provada, é manifesto que a decisão recorrida, designadamente no que se refere aos factos n.ºs 2 (parte referente a BB) e 3 da factualidade provada e ao n.º 1 da factualidade não provada, não tem qualquer suporte em provas que tivessem sido produzidas, traduzindo antes uma opção arbitrária e discricionária, desprovida, portanto, de qualquer fundamento.
A decisão recorrida extraiu, pois, ilação logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica factos sobre os quais não foi produzida qualquer prova.
Está assim patente na decisão recorrida um juízo arbitrário, irrazoável e incongruente que levou a considerar provados factos sem qualquer suporte em provas produzidas e a considerar ilidida uma presunção legal sem que, do mesmo modo, tivesse sido produzida qualquer prova que permitisse ilidir tal presunção, situação que configura, sem dúvida, o mencionado vício de erro notório na apreciação da prova previsto na alínea c) do n.º 2 do art.º 410.º do C.P.P..
Nos termos previstos no n.º 1 do art.º 426.º do C.P.P., sempre que, por existirem os vícios referidos no n.º 2 do art.º 410.º, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio. 
Impõe-se, pois, revogar a decisão recorrida e determinar o reenvio do processo relativamente à totalidade do seu objecto, nos termos previstos no art.º 426.º do C.P.P., por forma a que seja proferida nova decisão que decida em conformidade com as provas produzidas nos autos.
De realçar ainda que, mesmo admitindo, na fase judicial, a identificação pelo arguido de quem era o condutor do veículo no momento da infracção, tal será contudo diferente de se considerar provado que a pessoa por ele indicada – não ouvida nos autos – era quem efectivamente conduzia a viatura, e que, nos termos previstos no art.º 171.º, n.ºs 3 e 4, do Código da Estrada, a identificação de quem era o condutor do veículo não leva de imediato à desresponsabilização do arguido, mas apenas à suspensão do processo que contra ele foi deduzido, sendo instaurado novo processo contra a pessoa identificada como infractora, só sendo arquivado o processo inicialmente instaurado contra o arguido quando se comprove que essa outra pessoa praticou a contra-ordenação em causa.
Consequentemente, há que julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, nos termos referidos.»
Tal o entendimento que então manifestámos e continuamos a manter, afigurando-se-nos que, tendo o arguido impugnado judicialmente a decisão da Autoridade Administrativa - recurso que foi admitido pelo Mmº Juiz a quo - alegando para o efeito um conjunto de factos, concretamente que quem conduzia o veículo no dia da infracção era a sua mulher, BB, com ele residente, habitual condutora do veículo, e que não fora ele quem procedera ao pagamento voluntário da coima – aspecto com relevo já que, se o tivesse sido, tal evidenciava que, pelo menos na data do mesmo, tivera conhecimento da infracção – se impunha permitir que o mesmo produzisse prova sobre tais factos, pelo menos através das suas próprias declarações.
É que o arguido nem sequer está representado por advogado, assinando ele próprio a impugnação judicial em causa nos autos e daí que o Tribunal a quo tivesse usado de compreensível benevolência no despacho que admitiu o recurso, no qual se lê:
«Da análise conjugada das disposições constantes dos art.ºs 53.º, 59.º, n.º 2 e 67.º do DL 433/82, de 27.10 resulta que no processo contra-ordenacional não é obrigatória a constituição (ou nomeação) de advogado.
Por outro lado, não se exige no requerimento de impugnação o rigor de forma do recurso penal, de outro modo não se entenderia a dispensa de intervenção de Advogado.
Finalmente, da análise dos autos verifica-se que o impugnante, não obstante não ter respeitado o aspecto formal da impugnação, ainda assim diligenciou pela demonstração da razão da sua oposição à decisão da autoridade administrativa e qual a sua pretensão.
Assim, admito o recurso interposto pelo recorrente AA, por tempestivo e, não obstante, não respeitar as exigências legais de forma, levar-se em consideração que é o próprio (sem formação jurídica) a subscrever o recurso - art.ºs 59.º, 60.º e 63.º do DL 433/82, 27.10.
Notifique.»
E, em nosso entendimento, o despacho que o Tribunal a quo a seguir proferiu dizendo «Uma vez que não foi indicada qualquer diligência de prova pelo recorrente e não se afigura necessária a realização de audiência de julgamento, notifique o recorrente e o Ministério Público para, em dez dias, declararem se se opõem à decisão por despacho, nos termos do art.º 64.º, n.º 2 do Decreto-Lei nº 433/82 - entendendo-se que, caso nada diga, nada tem a opor.», relativamente ao qual o recorrente nada disse, também não impedia que, melhor ponderada a situação, se decidisse realizar o julgamento, ouvindo o arguido e eventualmente a pessoa que ele indicou como sendo a condutora do veículo, sendo certo que, muito embora não tenha referido que a indicava como testemunha, não deixou o recorrente de indicar os seus elementos de identificação, entre as quais o nome e a respectiva residência.
Poderia assim ter-se entendido que, embora imperfeitamente, o arguido indicava quem pretendia que fosse ouvido tendo em vista a prova dos factos que alegara e, isto, tendo presente que o arguido não se encontrava representado por advogado.
Mas mesmo que assim não fosse, entendemos que nada impedia o Tribunal a quo de alterar o seu entendimento quanto à leitura que inicialmente fizera do processo, vindo a considerar, após a prolação de tal despacho, que afinal se mostrava necessária a produção de prova, designando dia para julgamento, no qual poderia, pelo menos, ouvir o recorrente.
É que tal despacho é um mero despacho ordenador da tramitação processual, um despacho de mero expediente, no qual o Tribunal se limita a manifestar uma intenção, de decidir por despacho, mas que, nos termos da lei, põe à consideração dos intervenientes processuais - Ministério Público e recorrente - que a tal intenção se poderão opor, assim obrigando à realização do julgamento.
Tal despacho nada tem de decisório sobre o fundo da causa, não podendo por isso impedir a realização do julgamento caso a descoberta da verdade material e boa decisão da causa a isso aconselhem, sendo certo que, como vimos, a realização ou não da audiência de julgamento está, afinal, na mão do próprio recorrente e do Ministério Público.
Acresce que, lendo com cuidado o despacho que admitiu o recurso, dele resulta que o Tribunal a quo considerou que o arguido havia produzido prova dos factos que alegara, o que efectivamente veio a considerar na decisão recorrida – na nossa óptica em manifesto erro notório na apreciação da prova - e daí que tenha considerado estar em posição de decidir por simples despacho.
Na verdade, no despacho em que admitiu o recurso da decisão administrativa, acima transcrito, e no qual tomou em consideração o facto de ser o próprio recorrente (sem formação jurídica) a subscrever o recurso, o Mmo Juiz diz expressamente: «Finalmente, da análise dos autos verifica-se que o impugnante, não obstante não ter respeitado o aspecto formal da impugnação, ainda assim diligenciou pela demonstração da razão da sua oposição à decisão da autoridade administrativa e qual a sua pretensão.» (sublinhado nosso)
Verifica-se, porém, que o Tribunal a quo considerou, erroneamente, como declarações do recorrente, o por ele alegado no requerimento de recurso, o que terá eventualmente acontecido por tal requerimento se mostrar por ele subscrito, acreditando no por ele alegado/declarado e considerando mesmo que o recorrente tinha diligenciado pela demonstração da razão da sua oposição.
De tudo resulta que, para a decisão da impugnação judicial, o próprio Tribunal a quo considerou necessário valorar o declarado pelo recorrente, tendo - em erro - considerado que o mesmo havia sido ouvido nos autos, equiparando o teor do requerimento de recurso a declarações por ele prestadas, sendo que, neste enquadramento, se tivesse presente que tal requerimento não correspondia a declarações do arguido que pudessem ser directamente valoradas, por certo teria designado dia para julgamento.
E isso mesmo impunha o respeito pelo direito de defesa do arguido, sendo certo que, tendo alegado um conjunto de factos, em recurso que lhe foi admitido, haveria que permitir-lhe fazer prova dos mesmos, pelo menos através das suas próprias declarações, naturalmente sujeitas ao contraditório de um julgamento, sob pena de sair defraudado tal direito.
Acresce que, ao não lhe ser permitido o exercício de tal direito, em nossa opinião, incorrer-se-á agora num outro vício, de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art.º 410.º, n.º 2, alínea a), do C.P.P.), já que, podendo averiguar-se os factos alegados no recurso que, se provados, permitiriam uma outra solução de direito, é proferida decisão final sem a produção de prova sobre aqueles.
Como se diz no Ac. desta Relação de 18.07.2013, «o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo á impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito, sobre a mesma. No fundo, é algo que falta para uma decisão de direito, seja a proferida efectivamente, seja outra, em sentido diferente, que se entenda ser a adequada ao âmbito da causa.»
Ao não se permitir a produção de prova sobre factos relevantes alegados pela defesa, deixa o Tribunal de indagar factos essenciais à decisão de direito, apesar de claramente o poder fazer.
Reafirmar-se-á, por fim, que, em nosso entendimento, previamente à decisão, nunca o Tribunal está impedido de produzir prova, se tal se mostrar necessário para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, o que se verifica quer no âmbito do processo penal (art.ºs 340.º e 369.º e ss do C.P.P.), quer no processo contra-ordenacional (art.ºs 67.º e 68.º do RGCO, para além das referidas normas do C.P.P., aplicáveis, com as necessárias adaptações, por força do disposto no art.º41.º do RGCO), não sendo qualquer despacho de mero ordenamento da tramitação processual que poderá impedir a produção de tal prova.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, revogaríamos a decisão recorrida por enfermar de erro notório na apreciação da prova, vício previsto na alínea c) do n.º 2 do art.º 410.º do C.P.P., de conhecimento oficioso, e ordenaríamos o reenvio do processo à 1ª Instância, relativamente à totalidade do seu objecto, nos termos previstos no art.º 426.º do C.P.P., para que aí fosse proferida nova decisão que decidisse em conformidade com as provas produzidas nos autos.
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Lisboa, 20.02.2020
Leonor Botelho        
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[1] Os sublinhados são da relatora.
[2] O sublinhado é da relatora.
[3] Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas,págs.228 a 230, 3ª. ed.
[4] Sendo que da fase administrativa do processo, os elementos de prova que dele constam são o auto de contra-ordenação de fls 4, o aviso de recepção relativo à notificação do arguido do mesmo auto, apresentação de defesa de fls 5.
[5] Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-03-2002 , do Tribunal da Relação de Guimarães de 03-10-2005, Proc. n.º 1388/05-2, e ainda no da Relação de Coimbra de 12-12-2007, Proc. n.º 213/06.1TBMMV.C1.
Diversamente, um outro entendimento, vertido nos acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 05-07-2006, Proc. n.º 1511/06, e de 20-09-2006, Proc. n.º 1302/06, e da Relação de Guimarães de 25-02-2008, Proc. n.º 1983/07 , considera que a presunção contida nos n.ºs 2 e 6 do art. 171.º do C. Estrada poderá ainda ser ilidida na fase de impugnação judicial da decisão administrativa.
[6] Sendo de notar que eventual produção de prova pelo Tribunal da 1ª. instância só seria admissível se tivesse havido audiência, á semelhança do que se verifica no Processo penal- artº 426.