Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3291/10.5TXLSB-W.L1-3
Relator: ALFREDO COSTA
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: A decisão sobre a concessão da liberdade condicional assenta, exclusivamente, em juízos de prevenção, logo que atingidos os dois terços da pena aplicada.
O legislador prescindiu do requisito da prevenção geral, considerando, atento o tempo de prisão já cumprido, que tais exigências estarão já asseguradas, sendo essencialmente as razões de prevenção especial que decidem sobre a concessão da liberdade condicional, ou seja, as razões de prevenção especial na perspetiva de ressocialização e de prevenção da reincidência.
A concessão de liberdade condicional impõe necessariamente a formulação de um juízo de prognose sobre o comportamento futuro do delinquente no meio social, para o qual importa averiguar, como um índice decisivo de ressocialização, qual a postura do condenado face ao crime cometido e a evolução do seu comportamento prisional.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO
1.1. No âmbito do Processo Gracioso de Concessão de Liberdade Condicional, com o número 3291/10.5TXLSB-W, a correr termos no Tribunal Execução Penas, Lisboa - Juízo Execução Penas - Juiz 5, o recluso LF____, melhor identificado nos autos, em renovação de instância com referência ao marco dos dois terços da pena, foi-lhe negada a concessão do regime de liberdade condicional, por decisão proferida a 21.06.2020.
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1.2. Inconformado com a decisão proferida o recluso LF____ interpôs o presente recurso com as seguintes conclusões:
1 - O recorrente hoje um homem maduro e não o jovem então condenado cumpre 3 anos de prisão, aplicada no processo n.º 2940/02.3PAALM do 2.º juízo de competência criminal do tribunal de comarca e de família e menores de Almada, pela prática de 2 crimes de furto de uso de veículo, 2 crimes de roubo, 2 crimes de roubo sob a forma tentada, 2 crimes de condução sem habilitação legal e 1 crime de condução perigosa de veículo rodoviário (cumprida); 2 anos de prisão, remanescente resultante da revogação da liberdade condicional concedida quando cumpria a pena de 6 anos de prisão aplicada no processo n.º 83/04.4GAFAL, pela prática dos crimes de furto qualificado, dano, furto de uso de veículo e condução sem habilitação legal (cumprida); a revogação decorreu da prática de parte dos crimes referidos em c); 11 anos, 1 mês e 15 dias de prisão, aplicada no processo n.º 1267/09.4TAVIS do 2.º juízo criminal do tribunal judicial de Viseu, que, para além da própria, cumulou a pena aplicada ao recluso no processo n.º 117 /09.6JAGRD, pela prática de 3 crimes de injúria agravada, 1 crime de roubo agravado, 1 crime de detenção de arma proibida, 1 crime de furto simples, 1 crime de falsificação de documento e 1 crime de condução de veículo sem habilitação legal (à ordem).
2 - No exterior, tem casa, filhos, companheira e condições para viver do seu trabalho e, mais importante, tem competências para conduzir o seu futuro com as regras necessárias ao bom comportamento em sociedade;
3 - Na execução da sua pena, demonstrou nos últimos 4 anos - dos mais de 10 anos cumpridos consecutivamente - um notável amadurecimento, fruto do seu crescimento, das regras e competências incutidas em meio prisional, o que lhe valeu várias saídas jurisdicionais, outras de curta duração e a inclusão no Regime Aberto para o Interior em setembro de 2018, aí trabalhando, situação em que se encontra na presente data.
1.[1] Foram-lhe indeferidas todas as possibilidades de sair em liberdade condicional, o que voltou a acontecer na decisão em crise, sendo certo que o arguido superou o marco dos 2/3 em Março de 2019 e, portanto, há 16 meses.
2. Todos os indeferimentos tiveram um denominador comum: o crimes praticados - como se o recorrente não tivesse sido já condenado - e o reconhecimento dos factos que levaram às condenações, o que, na perspetiva do sistema prisional, impossibilitaria a formulação de um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do recorrente.
3. Não há como negar a prática dos factos nos processos em que o Recorrente foi condenado - nem tal teria qualquer sentido.
4. Mas a decisão recorrida erra, na perspetiva do Recorrente quando se deixa influenciar - aliás deixa-se influenciar muitas vezes - por avaliações burocráticas que são quase irrelevantes face às condições de vida do Recorrente tal como descrita nos autos;
5. Para a sentença recorrida, como também para as informações oriundas do interior do sistema prisional, sobre vale, sempre, o posicionamento do Recorrente face aos crimes.
6. O Recorrente não pode deixar de ter, ao contrário do que se diz na sentença e se vem repetindo desde o primeiro pedido de liberdade condicional, consciência crítica face aos crimes praticado, o que lhe advém da própria natureza das coisas. Como, na verdade, também não pode deixar de insistir, no conhecimento de que os crimes que praticou foram um grave erro que não pretende repetir.
7. O que pode querer o sistema de execução de penas do Recorrente? No essencial, que cumpra a pena, sujeito aos condicionalismos impostos em meio prisional - o que tem feito com aplicação - e que, uma vez em liberdade, o condenado venha a pautar a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes - al. a) do n.º 2 do art. 61.º do CP.
8. É despiciendo, no quadro fáctico enunciado, esperar como que um “renascimento” do Recorrente. Este, tem penado - e bem - no sistema prisional.
9. E tem a possibilidade de manter fora da prisão, uma vida equilibrada, já que tem perspetiva de trabalho, casa, filhos e uma companheira trabalhadora.
10. E sabe, com a formação que tem e a experiência da sua vida passada, que se cometer novos crimes, idênticos aos anteriores, corre dois riscos: ser apanhado e condenado e, ainda, ser-lhe revogada a liberdade condicional que estiver em curso. Sabe como poucos saberão!
11. Na verdade, tudo o que consta das diversas sentenças que negaram a liberdade condicional ao recorrente relevam do mesmo preconceito, infelizmente não objetivável para uma conduta específica que lhe possa ser reclamada.
12. Ávida de condenar o recorrente pelos crimes que cometeu e como se não tivesse já sido julgado, a decisão em crise não releva o que é importante e inegável: o recorrente nos últimos 4 anos dos 10 que vem cumprindo ininterruptamente e volvidos 16 meses sobre o marco dos 2/3, é um dos reclusos exemplares da prisão da Carregueira.
13. A decisão proferida em plena crise sanitária com o conhecimento de infetados nas prisões - foi já identificado um foco no EP em que o recorrente se encontra – devia ter levado em consideração os comandos da Organização Mundial de Saúde, prontamente e exemplarmente adotadas pelo Governo português.
14. É assim que, por força da constatação desta errada apreciação dos factos, a decisão ora recorrida deve ser revogada e substituída por outra que, imediatamente, conceda ao Recorrente a liberdade condicional.
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1.3. O Ministério Público deduziu resposta ao recurso interposto pelo recorrente e apôs as seguintes conclusões:
1. A decisão recorrida denegou a liberdade condicional ao ora recorrente, em renovação da instância por referência aos dois terços das penas de 3 anos de prisão, do remanescente de 2 anos de prisão decorrentes da revogação de anterior liberdade condicional e da pena de 11 anos, 1 mês e 15 dias de prisão, que cumpre sucessivamente, pela prática de vários crimes, concretamente de furto de uso de veículo, roubos tentados, condução de veículo sem habilitação legal, condução perigosa de veículo rodoviário, injúria agravada, roubo agravado, detenção de arma proibida, furto simples, falsificação de documento, furto qualificado, dano simples, furto de uso de veículo.
2. O recorrente revela reduzido sentido crítico, desculpabiliza-se, centra os efeitos negativos da reclusão na sua própria pessoa, indiferente aos danos que causou às vítimas, ainda não frequentou programas de intervenção penitenciária direcionadas para a prevenção da reincidência, tem registo de várias sanções disciplinares.
3. São elevados os indicadores de reincidência, tratando-se de um recluso com antecedentes criminais e prisionais, que incumpriu anterior liberdade condicional, que não reconhece as consequências dos seus comportamentos desviantes e não investe na aquisição de competências com vista à alteração comportamental.
4. Quem pratica crimes de elevada gravidade como aqueles que determinaram a reclusão, deve apresentar um percurso prisional consolidado, devidamente testado e revelador de que atingiu as diversas etapas do tratamento penitenciário, o que ainda não é o caso do recorrente.
5. A decisão recorrida baseou-se nos elementos instrutórios todos desfavoráveis à concessão da liberdade condicional aos dois terços da pena, em renovação da instância, nos termos do artigo 61.º, n.º 3 do Código Penal, está devidamente fundamentada e adequada à situação de não evolução que o recorrente apresenta, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.
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1.4. Nesta instância, o Exmº. Procurador-geral Adjunto, na intervenção a que se refere o art. 417º, n.º 1, do Código de Processo Penal, emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento, sufragando o entendimento expendido pelo MP da 1ª instância.
Mais acrescenta:
Na fundamentação da matéria de facto e de direito, impõe-se que o Tribunal recorrido explique o percurso que seguiu para chegar à decisão, mas não que se pronuncie de forma exaustiva sobre todos os argumentos e todas as provas apresentadas pelo Arguido.
Ora, a nosso ver, a decisão recorrida expõe, de forma bastante completa e clara, os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão.
A decisão recorrida concluiu de forma bem fundada, ao nível da prevenção especial, pela inexistência de um juízo de prognose favorável à liberdade condicional.
O que impunha o indeferimento da pretensão do ora Recorrente.
Como se vê do Acórdão da 3ª Secção deste TRL, proferido em 25/01/2017 no Pº 1435/15.0TXLSB-D.Ll, "(...) Importa reafirmar, conforme entendimento unânime na doutrina e jurisprudência, que a liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, visando antes e acima de tudo criar um período de transição entre a prisão e a liberdade que permita auxiliar o condenado a viver em meio livre, adaptando-se à nova realidade social. O recluso, "uma vez cumprida parte da pena de prisão a que foi condenado (...) vê recair sobre ele um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro em liberdade, eventualmente condicionado pelo cumprimento de determinadas condições (...). Foi, desta forma, uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização que conformou a intenção político-criminal básica da liberdade condicional desde o seu surgimento".
Deste modo, a decisão sobre a concessão da liberdade condicional assenta exclusivamente em juízos de prevenção: razões de prevenção especial, seja negativa, de que o condenado não cometa novos crimes, seja positiva, de reinserção social, e razões de prevenção geral, centradas na manutenção da confiança da comunidade na tutela da norma jurídica que foi violada. A expectativa de que o condenado, uma vez em liberdade, "conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes" constitui pressuposto inultrapassável, sem o qual a liberdade condicional não poderá ser concedida. ( ... )".
E que a liberdade condicional não é um direito ilimitado dos reclusos, sendo necessário, mesmo aos dois terços da pena, nos termos do art. 61º número 2 al. a), por remissão expressa do art. 61º número 3, ambos do C. Penal, que seja fundadamente de esperar que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
Isto é, que as expectativas de reinserção sejam manifestamente superiores aos riscos que a comunidade deverá suportar com a antecipação da restituição à liberdade, o que só será possível mediante um prognóstico individualizado e favorável à reinserção social do condenado, assente, essencialmente, na possibilidade séria de que, em liberdade, adopte um comportamento socialmente responsável, sob o ponto de vista criminal.
Esse juízo de prognose favorável não foi possível no caso vertente, como, e ao invés do invocado pelo Recorrente, bem se vê pela fundamentação da decisão recorrida.
Para o efeito, basta ler-se a douta decisão recorrida, que designadamente revela o maior cuidado na identificação e recolha de todos os factos relevantes para decidir e demonstra apreciação criteriosa dos mesmos e rigor na compreensão do alcance e dos objectivos da Lei, da doutrina e da jurisprudência.
Pelo que falece por completo, a nosso ver, a argumentação e a pretensão do Recorrente.
Com efeito, a decisão recorrida não se mostra assente em suposições nem em pré-juízos, mas em abundantes elementos factuais constantes dos autos, que identifica.
As razões de prevenção especial que se mostra necessário acautelar encontram-se enunciadas e demonstradas de forma clara e suficiente, na decisão recorrida.
A nosso ver, inexiste qualquer falta, insuficiência ou contradição atinentes à fundamentação.
Verifica-se bem pela decisão recorrida que o recluso não interiorizou o desvaler da sua conduta - assume a prática dos crimes mas denota reduzido sentido crítico e não reconhece os danos provocados.
Qualquer pai de família - mediano - compreende e, cremos, subscreve as razões pelas quais se decidiu assim.
Em nossa opinião, o juízo de prognose desfavorável à liberdade condicional proferido mostra-se acertado e justo. A douta decisão proferida mostra-se criteriosamente fundamentada e adequada à situação concreta do recluso, tendo feito correcta interpretação e aplicação do direito, não tendo violado qualquer norma jurídica nem qualquer princípio geral de direito, pelo que deve ser mantida.
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1.5. O recluso LF____ não exerceu o direito de resposta.
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1.6. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. O objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam, as previstas nos arts. 379.º, n.º 1, e 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, conforme acórdãos do STJ de 13.05.1998, in BMJ n.º 477, pág. 263; de 25.06.1998, in BMJ n.º 478, pág. 242; de 3.02.1999, in BMJ n.º 484, pág. 271; e de 12.09.2007, no proc. n.º 07P2583, in www.dgsi.pt; Simas Santos/Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 3.ª edição, Rei dos Livros, pág. 48; Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 1994, vol. III, págs. 320 e seg.; e jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal n.º 7/95, de 19.10, publicado in D.R. I-A Série de 28.12.1995.
Assim, a única questão a apreciar é saber se o recorrente beneficia de condições para lhe ser concedida a liberdade condicional, alcançados os dois terços da pena que cumpre.
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2.2. Da decisão recorrida no segmento que nos importa:
“(…)
O conselho técnico emitiu, por unanimidade, parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional (art. 175.º do CEPMPL).
(…)
O ministério público emitiu parecer desfavorável (art. 177.º n.º 1 do CEPMPL).
(…)
II. FUNDAMENTAÇÃO
A) De facto
i) Factos mais relevantes:
1. Circunstâncias do caso: o recluso cumpre as seguintes penas:
a) 3 anos de prisão, aplicada no processo n.º 2940/02.3PAALM do 2.º juízo de competência criminal do tribunal de comarca e de família e menores de Almada, pela prática de 2 crimes de furto de uso de veículo, 2 crimes de roubo, 2 crimes de roubo sob a forma tentada, 2 crimes de condução sem habilitação legal e 1 crime de condução perigosa de veículo rodoviário (cumprida);
b) 2 anos de prisão, remanescente resultante da revogação da liberdade condicional concedida quando cumpria a pena de 6 anos de prisão aplicada no processo n.º 83/04.4GAFAL, pela prática dos crimes de furto qualificado, dano, furto de uso de veículo e condução sem habilitação legal (cumprida); a revogação decorreu da prática de parte dos crimes referidos em c);
c) 11 anos, 1 mês e 15 dias de prisão, aplicada no processo n.º 1267/09.4TAVIS do 2.º juízo criminal do tribunal judicial de Viseu, que, para além da própria, cumulou a pena aplicada ao recluso no processo n.º 117/09.6JAGRD, pela prática de 3 crimes de injúria agravada, 1 crime de roubo agravado, 1 crime de detenção de arma proibida, 1 crime de furto simples, 1 crime de falsificação de documento e 1 crime de condução de veículo sem habilitação legal (à ordem).
2. Cumprimento da pena: início em 26/02/2010 (assinalando-se, ainda, 620 dias de desconto), meio em 09/07/2016, dois terços em 17/03/2019, cinco sextos em 24/03/2022 e termo em 01/08/2024.
3. Vida anterior do recluso: tem 34 anos de idade; aos cinco anos de idade foi entregue aos cuidados de um casal que, pese embora não o adotasse, lhe assegurou um enquadramento familiar estruturado; iniciou a escola em idade própria, abandonando os estudos quando frequentava o 7.º ano de escolaridade; tem contacto com a justiça desde os 16 anos de idade, fruto de um estilo de vida ocioso e desestruturado e da convivência com grupos de pares com idênticos estilos de vida e da permeabilidade aos mesmos; frequentou um curso de formação profissional de “empregado de mesa e bar”, ministrado pelo IEFP, que não concluiu; ao nível profissional apenas teve experiências ocasionais em regime de precariedade; à data da prisão vivia há oito meses com Carla Barreto, que se encontrava grávida; durante a reclusão iniciou relacionamento com Hélia Monteiro, de quem teve também uma filha; tem antecedentes criminais pela prática dos crimes de roubo, furto simples, falsificação de documento e condução sem habilitação legal.
4. Personalidade do recluso e evolução durante o cumprimento da pena: atitude face ao crime – tende a menorizar a gravidade das suas condutas, centrando os efeitos da reclusão essencialmente em si e nos seus familiares; desculpabiliza-se; denota reduzido sentido autocrítico; verbaliza arrependimento; comportamento – tem averbadas nove medidas disciplinares, sendo a última por infração praticada em 26/11/2016; atividade ocupacional/ensino/formação profissional – esteve colocado laboralmente de 05 de fevereiro a 15 de outubro de 2013, tendo sido retirado do trabalho por razões disciplinares; em outubro de 2013 inscreveu-se na escola, tendo, no ano letivo 2015/2016, concluído o 12.º ano; voltou a trabalhar em 20/09/2018; programas específicos e/ou outras atividades socioculturais – sensibilizado para a importância da frequência do programa “Plano de prevenção e contingência”, mostrou-se recetivo, mas não efetuou pedido nesse sentido; medidas de flexibilização da pena – gozou 4 saídas jurisdicionais, tendo corrido, quanto à última, um incidente de incumprimento, por suspeita de o recluso ter saído na companhia de amigos do concelho de residência, deslocando-se para o Algarve; o incidente foi julgado improcedente por falta de prova bastante; gozou 3 saídas de curta duração; encontra-se desde 20/09/2018 em regime aberto no interior.
5. Rede exterior: enquadramento/apoio familiar/projetos futuros – em meio prisional beneficiou do apoio económico e emocional dos seus “pais adotivos”, entretanto falecidos; até junho de 2018 recebeu visitas da sua ex-companheira Hélia e da filha de ambos; entretanto iniciou relação afetiva com Andreia Oliveira, que o visita regularmente; não coabitou com Andreia Oliveira antes da reclusão; é com esta que pretende residir em meio livre, em apartamento arrendado pela companheira; Andreia Oliveira explora uma loja de roupa interior, referindo auferir cerca de €1.200,00 mensais; Andreia Oliveira é pouco crítica em relação à conduta criminal do recluso; os dois filhos que o recluso teve durante a reclusão, vivem com as respetivas mães; em meio livre o recluso projeta trabalhar no escritório de uma funerária, possuindo proposta de trabalho mediante o vencimento mensal de cerca de €600,00.
ii) Motivação da matéria de facto:
A convicção do tribunal no que respeita a matéria de facto provada resultou das decisões condenatórias juntas aos autos, da ficha biográfica e do certificado de registo criminal do recluso, da decisão proferida no apenso de incumprimento (apenso T), dos relatórios juntos aos autos, dos esclarecimentos prestados pelo conselho técnico e das declarações do recluso, que foram criticamente apreciadas em face das informações veiculadas nos relatórios. Efetivamente, ao referir perante os serviços prisionais que “não aconteceu nada à pessoa, só roubámos a ourivesaria”, o recluso menoriza a gravidade das suas condutas. A invocação da “imaturidade” como catalisador da conduta criminal, consubstancia, por sua vez, desculpabilização (se a juventude e imaturidade justificassem a prática criminal, todo o cidadão adulto teria de já ter cometido crimes), apontando para a persistência dos défices ao nível do sentido autocrítico enunciados em ambos os relatórios, bem como para a superficialidade do arrependimento verbalizado.
B) De direito
“A liberdade condicional tem como escopo criar um período de transição entre a reclusão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, de forma equilibrada, não brusca, recobrar o sentido de orientação social necessariamente enfraquecido por efeito do afastamento da vida em meio livre e, nesta medida, a sua finalidade primária é a reinserção social do cidadão recluso, sendo certo que, até serem atingidos os dois terços da pena, esta finalidade está limitada pela exigência geral preventiva de defesa da sociedade” (Anabela Rodrigues, in “A Fase de Execução das Penas e Medidas de Segurança no Direito Português”, BMJ, 380, pág. 26).
Vale isto por dizer que, alcançados os dois terços da pena, com um mínimo absoluto de seis meses (cfr. art. 61.º n.º 3 do código penal, de ora em diante designado CP), e obtido o consentimento do recluso, como é o caso, o legislador abranda as exigências de defesa da ordem e paz social e prescinde do requisito da prevenção geral, considerando que o condenado já cumpriu uma parte significativa de prisão e que, por conseguinte, tais exigências já estarão minimamente garantidas.
Donde, aos dois terços da pena, é único requisito material a expetativa de que o condenado, em liberdade, conduzirá a sua vida responsavelmente sem cometer crimes, ou seja, importa que se atente na prevenção especial na perspetiva de ressocialização (positiva) e prevenção da reincidência (negativa). Pelo que, no que respeita aos fins das penas, subsiste apenas a finalidade de ajuda ao recluso na mudança e regeneração (ressocialização) e na prevenção de cometimento de novos crimes.
Na avaliação da prevenção especial negativa o julgador tem de elaborar um juízo de prognose sobre o que irá ser a conduta do recluso no que respeita a reiteração criminosa e o seu comportamento futuro, a aferir pelas circunstâncias do caso, antecedentes, personalidade e evolução durante o cumprimento da pena.
No caso presente impõe-se atentar, antes de mais, no facto de LF____ ter evidenciado anteriormente não ser permeável ao efeito dissuasor pretendido pela intervenção judicial, mais concretamente pelo cumprimento de pena de prisão.
Efetivamente, quando LF____ cumpria uma pena de 6 anos de prisão pela prática mormente de crimes patrimoniais, foi-lhe concedida a liberdade condicional e, no seu decurso, cometeu o mesmo tipo de crimes, que lhe valeram condenação em nova pena de prisão.
Regista-se, pois, uma propensão do recluso para a prática de crimes da referida índole, sendo evidente a pouca influência que a ameaça da efetivação de uma pena de prisão surte sobre LF____.
Estamos, portanto, perante um quadro de considerável risco de reiteração criminosa, o que determina que o tribunal apenas e tão-somente se convicto de que as necessidades de prevenção especial negativa estão significativa ou mesmo totalmente esbatidas pode e deve conceder a liberdade condicional. Como se lê no acórdão do tribunal da relação de Lisboa, de 21/01/2015, proferido no processo n.º 7164/10.3TXLSB-K.L1, o juízo de prognose tem, em casos como o presente, de assentar na constatação de que “algo de relevante tenha mudado em especial no […] modo de pensar [do recluso], e que ocorram situações ou circunstâncias exteriores ao cumprimento da pena ou ao meio prisional, que nos levem a considerar que algo mudou para melhor, na medida que se trata de […] conceder [ao recluso] o benefício de sair da prisão antes de cumprir a pena (adequada aos factos e à sua culpa), por o merecer e não ter mais necessidade de ali se encontrar”.
Ora, no caso dos autos, não logra o tribunal firmar a convicção sobremencionada, por diversas razões.
Em primeiro lugar, LF____ continua a patentear uma atitude deficiente face aos crimes por que cumpre pena. Repare-se que na avaliação da prevenção especial a lei exige que seja atendido à relação do recluso com o crime cometido (cfr. art. 173.º n.º 1 al. a) do CEPMPL), sendo que LF____, muito embora verbalize arrependimento, tende a menorizar a gravidade das suas condutas, centra os efeitos da reclusão essencialmente em si e nos seus familiares, desculpabiliza-se e denota reduzido sentido autocrítico.
Acontece que a ausência de desculpabilização e a reflexão autocrítica sobre a conduta criminosa e suas consequências são indispensáveis para uma cabal interiorização do desvalor da conduta e, como tal, essenciais para que se conclua que o condenado está munido de um relevante inibidor endógeno. Quem não logra percecionar em plenitude o mal cometido e a sua responsabilidade nesse cometimento, dificilmente possui mecanismos passíveis de evitar a repetição da sua conduta. Como explicitam João Luís de Moraes Rocha e Sónia Maria Silva Constantino (in “Reclusão e Mudança” - “Entre a Reclusão e a Liberdade”, Vol. II, Pensar a Reclusão, Almedina, pág. 171), sem interiorização da responsabilidade dificilmente será possível alterar comportamentos.
Em segundo lugar, muito embora LF____ haja regularizado o seu comportamento disciplinar, frequentado a escola com sucesso e voltado a trabalhar, possuindo agora também uma proposta laboral, não revelou proatividade na frequência de um programa que pudesse ajudá-lo a trabalhar as suas fragilidades (mormente ao nível da atitude face aos crimes), o que faz suscitar reservas quanto à sua real motivação para a mudança.
Em terceiro lugar, continua a denotar-se em LF____ laivos da imaturidade/irresponsabilidade que invoca como catalisador dos crimes por que cumpre pena: desde que se encontra em reclusão, manteve vários relacionamentos afetivos e, principalmente, teve dois descendentes, sem que entendesse encontrar a estabilidade de permanecer com as respetivas progenitoras, antes tendo encetado terceira relação.
Em quarto lugar, LF____ antes da reclusão não coabitou com a atual companheira e esta denota ser pouco crítica em relação à conduta criminal do recluso, pelo que importa testar de forma consolidada a capacidade dissuasora deste apoio e a capacidade do recluso de, em meio menos contentor, manter uma conduta normativa e observar as injunções e proibições inerentes a uma futura liberdade condicional. As quatro saídas jurisdicionais até à data gozadas (a que acresceram apenas três de curta duração) são manifestamente insuficientes para o efeito.
Em síntese, os aspetos positivos enunciados supra, ainda não são de molde a contrabalançar suficientemente as fragilidades do recluso ao nível das competências pessoais, profissionais e sociais, decorrentes do seu historial de vida marcado pelo contacto precoce com a justiça, pela adoção de um estilo de vida ocioso e destruturado, pela convivência com grupos de pares com idênticos estilos de vida e por antecedentes criminais e prisionais, o que, associado à sua conduta face aos crimes, impõe que se verifique uma consolidação do percurso prisional, mormente uma testagem mais significativa no contacto com o exterior antes da concessão de (nova) liberdade condicional.
Assim, razões de prevenção especial impõem que se acompanhe o entendimento unânime dos membros do conselho técnico e o parecer do ministério público, no sentido de não dever ser concedida ao recluso, neste momento, a liberdade condicional.
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2.3. Importa apreciar tal questão e decidir:
É pacifico que a decisão sobre a concessão da liberdade condicional assenta, exclusivamente, em juízos de prevenção, logo que atingidos os dois terços da pena aplicada, como é o caso.
Também não suscitam dúvidas que o legislador prescindiu do requisito da prevenção geral, considerando, atento o tempo de prisão já cumprido, que tais exigências estarão já asseguradas, sendo essencialmente as razões de prevenção especial que in casu decidem sobre a concessão da liberdade condicional, ou seja, as razões de prevenção especial na perspetiva de ressocialização e de prevenção da reincidência.
Dispõe, assim, o nº 3 do citado artº 61° que "o tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior", que dispõe que o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional se "For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes".
A expectativa fundada de que o condenado, uma vez em liberdade, "conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes" constitui pressuposto inultrapassável, sem o qual a liberdade condicional não poderá ser concedida.
O julgador, na avaliação da prevenção especial, tem de formular um juízo de prognose sobre o que será a conduta do recluso no que se reporta à reiteração criminosa e ao seu comportamento futuro, tendo necessariamente que atender às circunstâncias do caso, à vida anterior do recluso, à sua personalidade e à evolução desta durante a execução da pena de prisão (cfr. nº 2, al. a) do art.º 61º citado).
O Tribunal tem assim um poder-dever, um poder vinculado à verificação dos pressupostos, formais e substanciais, de que a lei faz depender a concessão da liberdade condicional.
No caso em apreço, a verificação dos requisitos formais é pacífica: o arguido já cumpriu dois terços da pena, superior a seis meses, e deu o seu consentimento.
A discordância prende-se com os requisitos materiais.
Como vimos, o tribunal a quo veio a concluir pela inexistência de um juízo de prognose favorável à liberdade condicional, revelando o recluso:
“[T]ende a menorizar a gravidade das suas condutas, centrando os efeitos da reclusão essencialmente em si e nos seus familiares; desculpabiliza-se; denota reduzido sentido autocrítico; verbaliza arrependimento; comportamento – tem averbadas nove medidas disciplinares, sendo a última por infração praticada em 26/11/2016; atividade ocupacional/ensino/formação profissional – esteve colocado laboralmente de 05 de fevereiro a 15 de outubro de 2013, tendo sido retirado do trabalho por razões disciplinares; em outubro de 2013 inscreveu-se na escola, tendo, no ano letivo 2015/2016, concluído o 12.º ano; voltou a trabalhar em 20/09/2018; programas específicos e/ou outras atividades socioculturais – sensibilizado para a importância da frequência do programa “Plano de prevenção e contingência”, mostrou-se recetivo, mas não efetuou pedido nesse sentido; medidas de flexibilização da pena – gozou 4 saídas jurisdicionais, tendo corrido, quanto à última, um incidente de incumprimento, por suspeita de o recluso ter saído na companhia de amigos do concelho de residência, deslocando-se para o Algarve; o incidente foi julgado improcedente por falta de prova bastante; gozou 3 saídas de curta duração; encontra-se desde 20/09/2018 em regime aberto no interior.”
Em síntese conclusiva, entendeu o tribunal recorrido que o recluso não está capaz de resistir à prática de novos ilícitos, tornando-se evidente a necessidade de consolidação do seu percurso prisional, pois apresenta um quadro de fatores de risco que persistem e que não permitem formular, desde já, um juízo de prognose seguro quanto ao sucesso da sua reinserção social e ao seu afastamento da prática de novos ilícitos.
A este entendimento veio opor-se o recluso, ora recorrente.
O recorrente insurge-se com a análise que foi feita pelo tribunal a quo, considerando, em síntese, que foi violado o nº 3 do art.º 61° do Código Penal ao não ter sido formulado um juízo favorável à concessão da liberdade condicional, pois todos os fatores convergem para a formulação desse juízo de prognose favorável.
Olvida, no entanto, que o próprio parecer do Conselho Técnico emitiu, por unanimidade, parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional (art. 175.º do CEPMPL).
Argumenta o recorrente que a concessão da liberdade condicional deve ser aferida não pela sua conduta ao tempo da prática dos ilícitos, mas pela sua conduta manifestada ao longo da execução da pena de prisão a que foi condenado.
Vejamos, então, se assiste razão ao recorrente?
A concessão de liberdade condicional impõe necessariamente a formulação de um juízo de prognose sobre o comportamento futuro do delinquente no meio social, para o qual importa averiguar, como um índice decisivo de ressocialização, qual a postura do condenado face ao crime cometido e a evolução do seu comportamento prisional.
Neste sentido, João Luís de Moraes Rocha e Sónia Maria Silva Constantino, na sua obra "Reclusão e Mudança" (in "Entre a Reclusão e a Liberdade", Vol. II, Pensar a Reclusão, Almedina, pág. 171), "assumir a responsabilidade dos factos é o caminho para a mudança; sem interiorização da responsabilidade dificilmente será possível alterar comportamentos".
Também na decisão recorrida se refere neste sentido que “…ao referir perante os serviços prisionais que “não aconteceu nada à pessoa, só roubámos a ourivesaria”, o recluso menoriza a gravidade das suas condutas. A invocação da “imaturidade” como catalisador da conduta criminal, consubstancia, por sua vez, desculpabilização (se a juventude e imaturidade justificassem a prática criminal, todo o cidadão adulto teria de já ter cometido crimes), apontando para a persistência dos défices ao nível do sentido autocrítico enunciados em ambos os relatórios, bem como para a superficialidade do arrependimento verbalizado.”.
O Tribunal recorrido, no juízo de prognose sobre o comportamento futuro do recluso, ponderou então o que foi a sua postura face aos crimes cometidos e a evolução do seu comportamento prisional, e considerou que o trajeto de ressocialização do recluso carece ainda da necessária consolidação.
Estamos inteiramente de acordo com o entendimento pugnado pelo tribunal recorrido, sem desdouro pelo esforço argumentativo do recorrente por posição contrária. Na verdade, concordamos integralmente com a fundamentação da decisão recorrida, no sentido de que o recluso ainda não revela adequada consciência crítica sobre o mal que fez e sobre as consequências dos seus actos.
E de grande relevância para aferir da consciência crítica do arguido sobre o mal que fez e sobre as consequências dos seus actos, refere a sentença a justificação que foi apresentada pelo recluso quando foi ouvido acerca do seu comportamento criminoso.
Ao alegar o recluso “não aconteceu nada à pessoa, só roubámos a ourivesaria” é demonstrativo da falta de consciência do mal do crime e desprezo pela situação das vítimas, ainda mais tendo em conta o plasmado nos acórdãos condenatórios.
Todos estes elementos reforçam a fraca assunção por parte do arguido do desvalor dos seus comportamentos.
Assim, concluiu, e bem, o tribunal recorrido que “regista-se, pois, uma propensão do recluso para a prática de crimes da referida índole, sendo evidente a pouca influência que a ameaça da efetivação de uma pena de prisão surte sobre LF____.
Estamos, portanto, perante um quadro de considerável risco de reiteração criminosa, o que determina que o tribunal apenas e tão-somente se convicto de que as necessidades de prevenção especial negativa estão significativa ou mesmo totalmente esbatidas pode e deve conceder a liberdade condicional. comportamento criminoso e ao nível do reconhecimento das consequências dos seus actos, não pode conceder-se a liberdade condicional sem que o mesmo apresente um percurso prisional devidamente testado e consolidado, o que ainda não sucedeu".
Em suma, a atitude criminal do recluso carece de evolução e consolidação quanto ao seu processo de readaptação social, pelo que a decisão recorrida considerou fundadamente subsistirem exigências de prevenção especial que impedem a formulação de um juízo de prognose favorável quanto à conduta futura do recorrente, o que impede a concessão da liberdade condicional.
A decisão recorrida decidiu, pois, com acerto de acordo com os preceitos legais aplicáveis, não merecendo por isso qualquer censura.
Improcede, pois, o recurso.
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III. DECISÃO
Em face do exposto, os juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação de Lisboa, acordam em não conceder provimento ao recurso interposto, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente que fixo em 3 Ucs..
Notifique.

Tribunal da Relação de Lisboa, aos 23 de setembro de 2020
 (Texto elaborado e revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP).
Alfredo Costa
Vasco Freitas
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[1] A diferente numeração está em estreita observância com o articulado do recurso