Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SILVA SANTOS | ||
Descritores: | CASA DA MORADA DE FAMÍLIA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/13/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | Constando em processo de divórcio, acordo tendo-se apenas limitado os intervenientes a acordar que …. quanto ao destino da casa de morada de família …«esta ficará atribuída a ambos até à partilha dos bens do casal»… deve entender-se que tal “acordo” apenas visa a pendência do processo de divórcio.» | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA – SECÇÃO CÍVEL: I. Maria de ……….., veio, por apenso aos autos de divórcio, intentar no tribunal judicial de Torres Vedras, contra o seu ex-marido José …….., providência relativa à atribuição da casa de morada de família. Para tanto, a requerente alegou que a casa de morada de família se situa num prédio urbano, composto por um rés-do-chão destinado a estabelecimento comercial e industrial e um 1.° andar destinado a habitação e logradouro, sito na Rua …….., n.° 7, no lugar de …….., freguesia de Ramalhal, concelho de Torres Vedras. Em sede de inventário para separação de meações, a cabeça-de-casal relacionou, em separado, para o efeito de constituírem propriedade horizontal, o rés-do-chão e o 1.° andar do prédio supra referido, a fim da sua divisão possibilitar a adjudicação em partilha do rés-do-chão ao requerido e do 1.° andar à Requerente. Acresce que o Requerido se opôs, não aceitando tal divisão, pelo que a Requerente receia que o prédio seja adjudicado ao Requerido e que a Requerente não tenha meios para a licitar, correndo o risco de ficar sem casa para residir, uma vez que na partilha, se o prédio for adjudicado ao Requerido, imediatamente caducará o acordo sobre a utilização da casa de morada de família. Alega ainda a Requerente que: Þ o Requerido se encontra na posse exclusiva do referido estabelecimento, pois é ele que recebe o dinheiro e movimenta exclusivamente as contas bancárias; Þ o Requerido reside desde Novembro de 2002, numa casa sita na Avenida General Humberto Delgado em Torres Vedras, na companhia de uma mulher, em comunhão de mesa, cama e habitação como se de marido e mulher se tratassem; Þ o filho da Requerente e do Requerido reside na casa de morada de família, com a mesma, não tendo possibilidades de comprar ou arrendar outra casa; Þ a sua mãe encontra-se a viver na casa de morada de família desde 25.05.2001, devido à sua idade avançada e doença; Þ a própria requerente é pessoa doente, não trabalha e atenta a sua idade é impossível arranjar emprego; Þ gasta mensalmente € 390,00 em despesas com alimentação, vestuário, Þ deslocações, assistência médica, telefone, água e electricidade; Þ vive exclusivamente da pensão de alimentos no montante de € 350,00 (trezentos e cinquenta) que o Requerido lhe paga desde Agosto de 2003. Þ Por último, alega que atendendo aos rendimentos e às necessidades da Requerente, à culpa do Requerido na separação e subsequente divórcio, aos rendimentos e necessidades do Requerido e aos interesse do filho de ambos, requer que seja proferida decisão dando de arrendamento à Requerente e pela renda mensal de € 50,00 (cinquenta) euros a casa de morada de família supra identificada. II. Perante tal alegação o tribunal indeferiu liminarmente esta pretensão por julgar… «verificada a excepção dilatória de falta de interesse processual e, consequentemente, indefiro liminarmente o requerimento de Atribuição da casa de morada de família, nos termos conjugados dos artigos 1793.° do Código Civil e 1413.°, n.° 1, 1409.°, n.° 1, 493.°, n.° 1 e 2, 495.°, 234.°, n.° 4, al. a) e 234.°-A, n.° 1, do Código de Processo Civil» III. É desta decisão que a requerente agrava, pretendendo a sua alteração, porquanto: Em conclusão: 1. A Requerente não pretende a alteração do acordo sobre o destino da casa de morada de família, acordo que deverá vigorar até ã partilha. 2. A agravante pretende que se profira decisão para produzir efeitos após a partilha, que lhe atribua o direito de utilizar a casa de morada de família instalada no 1° andar de um prédio sito na Rua ………, n° 7, Ameal, Ramalhal, a título de arrendamento e que, nos termos do art° 1793° n° 1 do Código Civil, se defina que esse contrato de arrendamento terá a duração da vida da Requerente e que nela também terá o direito de residir o filho do casal, quer no estado de solteiro, quer depois de ter contraído matrimónio, 3. A Requerente alegou que os ex-cônjuges estão em desacordo sobre a utilização da casa de morada de família após a partilha, pois por um lado a Requerente pretende utilizá-la, e, por outro o Requerido pretende que a Requerente não a utilize. 4. A Requerente alegou, também, que o Requerido requereu que se procedesse a inventário para separação de meações e que no processo de inventário a cabeça de casal relacionou, em separado, para o efeito de se constituir a propriedade horizontal, o rés do chão e o 1° andar do único prédio, tendo-se o Requerido oposto, não admitindo como possível a sua divisão através da prévia constituição de propriedade horizontal do rés do chão e 1° andar, e, consequentemente, não aceitando a adjudicação em separado do rés do chão onde tem instalado o estabelecimento comercial e do 1° andar onde se encontra instalada a casa de morada de família, 5. A Requerente vive exclusivamente da pensão de alimentos, que, desde Agosto de 2003, o Requerido não lhe paga 6. A Requerente não tem meios para, na partilha, licitar sobre o único prédio e tem justificado receio de poder vir a ficar sem casa para residir, e isto porque na partilha, se o prédio, foi adjudicado ao Requerido, imediatamente caducará o acordo sobre a utilização da casa de morada de família. 7. A Requerente alegou um conjunto de factos que, a provarem-se, consubstanciam o conflito entre a Requerente e o Requerido em que este se opõe a que a Requerente e o filho de ambos continuem a utilizar a casa de morada de família e em que praticou um conjunto de actos que demonstram o seu interesse em que o imóvel onde se encontra instalada a casa de morada de família lhe seja adjudicada e fique a pertencer-lhe. 8. Perante tais alegações, parece-nos inquestionável que a Requerente receia, justificadamente, que na partilha o único imóvel seja adjudicado ao Requerido e que, consequentemente, ela, a mãe e o filho se vejam confrontados com a obrigação de deixarem de residir na casa de morada de família_ 9. É certo que, como refere o douto despacho recorrido, a Requerente, após a partilha, poderá pedir a atribuição da casa de morada de família, mas já não poderá pedir essa atribuição em tempo útil, pois fiaria obrigada a deixar a casa de morada de família, ir residir não se sabe para onde, e ficar a aguardar uma decisão judicial que, como é consabido, num caso como os dos autos, pode demorar anos até ser proferida decisão com trânsito em julgado. 10. In case existe o direito da Requerente de lhe ser atribuído, após a partilha, o direito de utilização da casa de morada de família; existe uma situação de conflitualidade entre as partes e existe o fundado receio por parte da Requerente que, sendo adjudicada ao Requerido o único imóvel, o Requerido a obrigue a sair da casa, pois após a partilha não tem o direito de nela habitar. 11. O que é quase certo, pois a Requerente não tem meios económicos, para licitar o imóvel, o Requerido tem meios económicos e tem interesse em que o único bem imóvel lhe fique a pertencer. 12. Perante tais alegações, parece-nos inquestionável que a necessidade da Requerente é justificada, sendo fundada a necessidade de lançar mão do processo, pelo que a Requerente tem manifesto e claro interesse em agir, ou seja, necessita da tutela judiciária. 13. A Requerente alega a existência de um direito, existência essa suficientemente objectividade, direito esse que o Requerido lhe nega ou, pelo menos, a Requerente vê ameaçado, 14. A Requerente reside com a sua mãe e com o filho do ex-casal na casa de morada de família, e não tem meios para comprar ou arrendar outra casa, pois tem como único rendimento a pensão de alimentos que o Requerido foi condenado a pagar-lhe e que já não lhe paga desde Agosto de 2003. 15. Foi o Requerido que abandonou o lar conjugal para ir viver com outra mulher contribuindo desta forma para a ruptura da vida familiar e para a separação do casal, 16. Foi o Requerido que com o seu comportamento pôs termo ao casamento, sendo a Requerente a cônjuge mais atingida com a separação e com o divórcio. 17. A casa de morada de família é actualmente habitada pela Requerente, pela sua mãe e pelo filho do ex-casal e a Requerente não tem, comprovadamente, meios económicos para pagar renda ou adquirir outra casa de habitação. 18. Atentos os rendimentos e as necessidades da Requerente, a culpa do Requerido na separação e subsequente divórcio, os rendimentos e as necessidades do Requerido, e os interesses do filho do casal, a Requerente Maria ... pretende, justificadamente, que se profira decisão dando de arrendamento â Requerente Maria ... e pela renda mensal de 50,00 €, a casa de morada de família instalada no 1° andar de um prédio sito na Rua ……. n° 7, Ameal, ……. 19. E, também, pretende, justificadamente, que, nos termos do art° 1793° n° 1 do Código Civil, se defina que esse contrato de arrendamento terá a duração da vida da Requerente e que nela também terá direito de residir o filho do casal, quer no estado de solteiro, quer depois de ter contraído matrimónio. 20. Pelo que nos parece que será de apreciar desde já o pedido da Requerente, pois para a partilha apenas falta marcar e realizar a conferência de interessados, e em cerca de dois ou três meses, no máximo, estará efectuada a partilha. 21. Parece-nos, assim, preferível ordenar o prosseguimento dos autos, do que deixar a Requerente confrontada com a possibilidade de, sendo o imóvel adjudicado ao Requerido, a Requerente, a mãe e o filho ficarem na rua, indo residir não se sabe para onde, ficando a aguardar uma decisão judicial que, como ë consabido, num caso como os dos autos, pode demorar anos até ser proferida decisão com trânsito em julgado_ 22. O douto despacho recorrido violou o disposto no n° 2 do art° 2° e a alínea c) do n° 2 do art° 4°, ambos do C.P.C.. 23. Pelo que deve ser dado provimento ao agravo e, consequentemente, revogado o douto despacho recorrido, proferindo-se decisão que ordene o prosseguimento dos autos. Contra alegou o recorrido defendendo a manutenção da decisão devendo negar-se provimento ao recurso. O tribunal manteve a decisão. IV. A questão a decidir resume-se tão só em verificar se existe ou não uma «falta de interesse em agir» por parte da requerente que fundamente uma excepção dilatória susceptível de determinar o indeferimento liminar do pedido? O indeferimento do despacho em apreço assentou essencialmente na circunstância de que …« uma vez que a Requerente acordou com o Requerido que a casa de morada de família ficará atribuída a ambos até à partilha dos bens comuns, acordo esse homologado por sentença transitada em 31/10/2002, não tendo invocado quaisquer factos posteriores a essa data que fundamentem uma alteração dos pressupostos que serviram de base ao mesmo, não se vislumbra qual o seu interesse da Requerente em agir, na medida em que o apenso para Partilha dos Bens Comuns do Casal, se encontra ainda em fase de Relacionamento de Bens…» Vejamos: V. Requerente e requerido encontram-se divorciados na sequência de processo de divórcio por mútuo consentimento após convolação. O artº 1775º nº 2 do C. C., na parte que aqui interessa, estipula que os cônjuges que pretendam divorciar-se por mútuo consentimento devem acordar sobre o destino da casa de morada de família, acrescentando o nº 3 que os cônjuges devem acordar ainda sobre o regime que vigorará, no período da pendência do processo, quanto à utilização da casa de morada de família. Estes e os restantes acordos aí previstos revestem-se de primordial importância no decretamento do divórcio. De tal forma que, como referem os Profs. Pereira Coelho e G. Oliveira [1], entre o acordo sobre o divórcio e estes acordos há uma união ou coligação negocial genética que se traduz aqui numa relação de dependência bilateral: por um lado, esses acordos caducam e ficam sem efeito se os cônjuges ou algum deles, na conferência, não derem o seu acordo ao divórcio por mútuo consentimento e, por outro lado, o acordo sobre o divórcio depende daqueles acordos e da sua homologação; se no termo do processo esses acordos não forem homologados por não acautelarem suficientemente os interesses de algum dos cônjuges ou dos filhos, o pedido de divórcio é indeferido. (cfr. artºs 1778º e 1778º-A). No presente caso não foi, rigorosamente, apresentado tal acordo, tendo-se apenas limitado os intervenientes a acordar que …. quanto ao destino da casa de morada de família …«esta ficará atribuída a ambos até à partilha dos bens do casal…». Objectivamente, não acordaram coisa nenhuma para efeito do destino de tal casa, mas o que é certo é que o divórcio acabou por ser decretado, não obstante entendermos que, em termos processuais e substantivos, não esse verificavam todos os requisitos ou pelo menos não se verificava este. Porém, como facilmente se alcançará isso é questão que está agora total mente arredada do recurso. VI. Mas, mesmo que concordassem na sua utilização conjunta ou isoladamente por qualquer um deles sem qualquer outra referência, então, ter-se-ia de entender que tal “acordo” apenas visava a pendência do processo de divórcio. Portanto, tendo os cônjuges(ex) acordado nos termos em que o fizeram, tem de entender-se que apenas pretenderam regular o destino da casa de morada de família durante a pendência do processo de divórcio. Por outro lado, uma coisa é o destina da casa de família no que diz respeito à titularidade ou propriedade do próprio imóvel, ainda que em compropriedade ou comunhão de ambos (ou doutrem, tanto faz), e outra, totalmente diferente, a regulamentação voluntária ou judicial da sua utilização. O acordo a que atrás se faz referência no sentido de pretenderem que o bem em causa continue em comum até à partilha é bem diferente da regulamentação do mesmo no que diz respeito ao seu uso. Quem deve aí habitar? Em que termos e condições? E com que contrapartidas? Este direito de uso/fruição e ou habitação, nada tem a ver com o «destino» do bem, com o regime de propriedade, com a eventual comunhão (ou não) futura. VII. Acresce que, o espaço físico da casa de morada de família pode não coincidir com a plenitude do direito de propriedade sobre a mesma, pelo que a demarcação física da casa de morada de família pode restringir-se a uma realidade completamente distinta daquela. Ora, tratando-se assim de duas realidades jurídicas diferentes, nada obsta a que, de forma judicial ou voluntária, seja regulamentada. Assim, é como um dos efeitos do divórcio ou da cessação de uma união de facto que a lei prevê e tutela a possibilidade de dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, desde que seja formulada pretensão nesse sentido, a casa de morada de família, quer esta seja propriedade comum quer mesmo própria do outro cônjuge, desde que se justifique essa necessidade, considerando as situações sócio-económicas dos cônjuges e bem assim o interesse dos filhos do casal – artº 1793º, nº 1, do C. Civ. . Daí que o artº 1413º do CPC preveja um processo incidental para poder ser efectivada a atribuição da casa de morada de família, enquanto providência relativa aos filhos e aos cônjuges, na sequência de um divórcio judicial. Esta é, pois, na situação presente, o meio próprio para tal efeito, sendo que, por isso, a requerente tem todo o interesse processual, substantivo e legal para tanto, como supra se demonstrou. Daí que procedem as conclusões da alegação de recurso da agravante. VIII. Deste modo e, pelo exposto, julga-se procedente o recurso, revoga-se a decisão impugnada que se substitui por outra que ordena o prosseguimento dos autos observando-se posteriormente as pertinentes normas legais Custa pelo recorrido. Registe e notifique. Lisboa, 13/07/05 (Silva Santos) (Bruto da Costa) (Catarina Manso) ____________________________________________________________________________ [1] Curso de Direito de Família, I, 3ª ed., pág. 660/661 |