Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ISOLETA COSTA | ||
Descritores: | INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL EXCEPÇÃO INSUPRÍVEL DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO ININTELIGIBILIDADE DO PEDIDO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/03/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | - Constitui a nulidade do artigo 186º nº 1 a) do CPC equivalente a ausência de pedido, havendo vários RR a não identificação pelos AA do concreto Réu a quem dirigem os seus pedidos, quando não foi elencada a subsidiariedade consagrada no artigo 39º CPC na petição inicial e não sendo já possível proceder a retificação da petição, nesta parte, haverá lugar à absolvição da instância de todos os RR demandados. - Trata-se de situação insuprível seja pelos próprios, seja pelo tribunal, cuja atividade está sujeita nesta parte a um rigoroso cumprimento do principio do dispositivo e por isso não pode determinar que o processo prossiga apenas quanto a um dos RR. - A sanção legalmente prescrita visa assegurar o respeito pelos princípios essenciais do processo civil, nomeadamente, o principio do dispositivo, os efeitos de caso julgado, para além do contraditório. - Esta de resto é também uma consequência do princípio da auto-responsabilidade das partes que enforma o processo civil e é um dos corolários do princípio do dispositivo segundo o qual são as partes que conduzem o processo a seu próprio risco, redundando, por isso, sempre em seu prejuízo a sua negligência ou inépcia. - E isto, porque estas falhas essenciais das partes não podem ser supridas por iniciativa ou pela atividade do juiz | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: A [ VÍTOR ….] e B [ NAZARÉ ….], intentaram a presente acção declarativa de condenação contra C [ ……. BANK, PLC, SUCURSAL EM PORTUGAL e D [ BAN……, S.A., SUCURSAL EM PORTUGAL, concluindo com os seguintes pedidos: “A) ser o negócio celebrado entre o A. e R. anulado por erro na base do negócio e condenado o R. à devolução de EUR 28.000, acrescido de juros vencidos no montante de EUR 1.049,42 e juros vincendos até integral pagamento; Se assim não se entender, o que apenas e só por mero dever de patrocínio se pede, deve a R ser condenada a: B) pagar aos AA. uma indemnização no valor de EUR 28.000, acrescido de juros vencidos no montante de EUR 1.049,42 e juros vincendos até integral pagamento, recorrendo ao princípio geral que preside à obrigação de indemnizar que é o da reconstituição do lesado na situação em que o mesmo se encontraria se não se tivesse verificado o ato lesivo por incumprimento dos deveres a que estava obrigado, conforme os arts. 304.º, 304.º-A, 311.º, 312.º, 312.º-B, 312-C a 312.º-G, 314.º, ss, todos do CVM; Ou caso assim não se entenda, C) ser o negócio celebrado entre os AA. e R. resolvido por alteração superveniente das circunstâncias e condenado o R. à devolução de EUR 28.000, acrescido de juros vencidos no montante de EUR 1.049,42 e juros vincendos até integral pagamento.” A seu tempo foi proferido o seguinte saneador sentença que julgou verificada a exceção dilatória de ineptidão da Petição Inicial e consequentemente, absolveu os Réus da instância, nos termos conjugados dos artigos 186.º, n.º 1 e 2, al. a), 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, al. b), 578.º, todos do Código de Processo Civil. Sustenta o despacho que «os Autores alegam, em síntese e além do mais, que o 1.º R exercia como exerce a atividade bancária em Portugal, praticando com regularidade atos de intermediação bancária. A 2 de Setembro de 2015, o 1.º R acordou com o 2.º R. a venda e este a sua compra dos activos e passivos relacionados com a sua banca de retalho, wealth and investment management e ainda a parte do negócio de corporate banking que serve pequenas e médias empresas em Portugal ficando excluído do perímetro os activos e passivos relacionados com os cartões de crédito Barclayscard, Investment Bank e clientes corporate multinacionais em Portugal. Os Autores ignoram os termos precisos da referida transação, nomeadamente se foram transmitidas ou não as responsabilidades que pretendem acionar, pelo que entende, por dever de patrocínio, demandar ambos. Acrescentam que quando se refere a ‘R’ com referência a factos ocorridos até 2 de Setembro de 2015 está a considerar o C, 1.º R. Os Réus suscitam, além do mais, a exceção de ineptidão da petição inicial. (…) Ao intentar a acção simultaneamente contra dois Réus, nos termos e fundamentos em que o fez, concluindo pela anulação do contrato celebrado entre A e R (no singular) e subsidiariamente na condenação da R (no singular) no pagamento de indemnização ou, finalmente, na resolução do negócio celebrado entre AA e R (novamente no singular), o Autor incorre em ininteligibilidade insanável que inquina, irremediavelmente, a própria Petição Inicial. Não pode o Autor intentar a ação simultaneamente contra dois Réus, pessoas colectivas distintas, sem que identifique quem deve ser condenado, pretendendo que seja o Tribunal a determinar a responsabilidade que se verifica e em que termos. Não cabe ao Tribunal averiguar quais os factos essenciais à procedência do pedido nem indagar quem deve ser condenado na ação (..:) Nos termos do artigo 39.º do Código de Processo Civil, é admitida a dedução subsidiária do mesmo pedido ou a dedução do pedido subsidiário, por autor ou contra réu diverso do que demanda ou é demandado a título principal, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida. Caso o Autor pretendesse deduzir pedido diverso ou o mesmo pedido contra Réu subsidiário, nos termos previstos no artigo 39.º do Código de Processo Civil, na Petição Inicial teria de alegar fundamentadamente a dúvida quanto ao sujeito da relação controvertida e indicar que Réu era demandado a título principal e a título subsidiário, o que não fez. (…) Concluímos, assim, pela ineptidão da Petição Inicial, nos termos do disposto no artigo 186.º, n.º 1 e 2, al. a) do Código de Processo Civil, mostrando-se prejudicadas as demais questões que se suscitam.» RECORRERAM OS AA TENDO LAVRADO AS CONCLUSÕES SEGUINTES: II. A ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir é, efetivamente, causa de nulidade (art. 193.º, n.º 2, do CPC). III. Trata-se, no entanto, de uma nulidade sanável, nos termos do disposto no art. 193.º, n.º 3, do CPC. (…) VI. Os RR. interpretaram convenientemente a PI, conforme se pode depreender das seguintes circunstâncias: a. Extensão da contestação: arguição não apenas a ininteligibilidade do pedido e da causa de pedir, mas também cerca de duas dezenas de exceções, articulando ao longo de um total de 542 e 598 (!!!) artigos, respetivamente; b. O R. C defendeu-se da putativa pluralidade subjetiva subsidiária a propósito da exceção ineptidão da PI; c. OR. Barclays deduziu a intervenção principal provocada da Portugal Telecom Internacional Finance B.V., da Oi, S.A. e das Contrapartes dos SWAP’s; VIII. Desde que haja contestação, o juiz não pode, por força do disposto no n.º 3 do art. 193.º do CPC, julgar inepta a petição por falta de indicação da causa de pedir ou do pedido se chegar à conclusão de que o réu na contestação interpretou corretamente a dita petição, conforme o douto entendimento do Supremo Tribunal de Justiça. IX. Ao não agir da forma descrita (…) o Juiz a quo agiu em desconformidade com a lei processual civil, o que se deixa invocado, com as legais consequências. X. Ainda que assim não seja doutamente entendido, encontrar-nos-emos perante uma situação em que recaía sobre o Juiz um dever de convite ao aperfeiçoamento (art. 590.º, n.º 4, do CPC), e conforme é concebido, também, pelo R. C na sua douta contestação. XI. Isto porque só a completa ausência ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir é que é geradora de ineptidão, nas palavras do Tribunal da Relação de Évora, o que não sucede nos presentes autos. XII. A douta sentença proferida viola, por isso, o disposto nos art. 39.º, 186.º e 590.º, todos do CPC. XIII. A não ser assim, o que apenas por mera hipótese se admite, deverá ser ordenado o prosseguimento dos autos contra o R. Barclays, para instrução e posterior julgamento do pedido principal contra si formulado em A) e, dos pedidos subsidiários formulados em B) e C). (…) XXX. Da análise da petição inicial apresentada constata-se uma causa de pedir plurifacetada, que tem o seu eixo principal nos factos que são imputados ao R. Barclays [factos ocorridos até 02/09/2015]. XXXI. É ao R. C, enquanto entidade bancária/intermediário financeiro, que os AA. imputam, a título principal, factos ilícitos violadores dos seus direitos enquanto clientes e consumidores [subscritores] de um produto financeiro ["PT PORTUGAL SGPS, SA 2016 - 6,25%"], dos quais fazem decorrer o pedido formulado em A) ["Ser o negócio celebrado entre o A. e R. anulado por erro na base do negócio e condenado o R. à devolução de EUR 28.000, acrescido de juros vencidos no montante de EUR 1.049,42 e juros vincendos até integral pagamento "]. XXXII. A ação instaurada fundamenta-se, assim, primacialmente numa mole de factos consubstanciadores de uma situação de erro sobre o objeto do negócio, isto é, sobre a natureza e características do instrumento financeiro em causa [riscos associados ao produto financeiro em causa, como o impacto do efeito da alavancagem e o risco da perda total do investimento, a volatilidade do preço dos instrumentos financeiros, etc.], qualidades que foram tidas em conta pelo declarante [Autor] como determinantes da declaração negocial (art.º. 251.º e 247.º do CC). XXXIII. A este eixo principal, segue-se, na arquitetura da petição inicial um primeiro plano derivado[subsidiário] visando a responsabilidade civil [bancária] do R. C, ora 1.º R., pela alegada prática de factos dados como ilícitos pelos AA, por violadores de deveres pré-contratuais e da boa-fé inerentes à intermediação financeira e dos deveres contratuais de lealdade e boa-fé na execução do programa contratual até 02/09/2015 [omissão da informação sobre a alteração do emitente e sobre a antecipação da maturidade do produto e da possibilidade de exercer o direito ao reembolso antecipado, etc.] -cfr. art.º. 304.º, 312.º, n.º 1, alínea b), 312.º-B, 312.º-C, 312.º-D, 312.º-E, 317.º, 317.º-A, n.º 2 e 323.,º e segs., todos do CVM e art.º 19.º da Diretiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros (DMIF), transposta pelo Dec.- Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro]. XXXIV. E, por fim, antolha-se um segundo plano derivado [subsidiário],estribado em factos consubstanciadores de uma situação de alteração anormal das circunstâncias em que os AA fundaram a decisão de contratar e suscetíveis, na ótica dos AA, de conduzir à resolução do negócio [art.º. 437.º do CC] e à responsabilização do R. C. (…) XXXVII. Os pedidos formulados em A), B) e C), bem como as causas de pedir [plurifacetadas/complexas] em que assentam apresentam-se minimamente inteligíveis e são, quer o pedido principal [A)], quer os pedidos subsidiários [B) e C)], dirigidos contra o R. Barclays, ora 1.º R., bastando atentar, para o efeito, aos termos em que se encontram formulados e ao teor do art. 4.º da Petição Inicial [“4. osAA. ignoram os termos precisos da referida transação, nomeadamente se foram transmitidas ou não as responsabilidades que melhor se irão descrever infra pelo que entende, por dever de patrocínio, demandar ambos”.]. (…) XL. Por conseguinte, neste segmento a sentença recorrida não poderá ser mantida, devendo ser revogada e, outrossim, ordenado o prosseguimento dos autos contra o Réu C, para instrução e posterior julgamento do pedido principal contra si formulado em A) e, dos pedidos subsidiários formulados em B) e C). Ser proferido acórdão no qual seja declarada sanada, pela correta interpretação dos rr., a petição inicial ou, caso assim não seja doutamente entendido, serem os AA convidados a aperfeiçoar a pi, fazendo v. Exas. inteira e sã justiça! Responderam os RR que lavraram as conclusões seguintes 2. De facto, na sua Petição Inicial, os Autores não identificam de qual dos Réus pretendem obter o ressarcimento do seu alegado crédito, o que, atenta a (sua) opção em demandar duas entidades bancárias distintas, teriam de esclarecer, sob pena de ineptidão da Pi, por ininteligibilidade do pedido (cfr. Art. 186.º, n.º 2, alínea a), 1ª parte do CPC). 3. Em todo o caso, os Autores não identificaram, também, quais os factos constitutivos da situação jurídica que pretendiam fazer valer, o que teriam, igualmente, de fazer, sob pena de ineptidão da Pi, por ininteligibilidade da causa de pedir (cfr. Art. 186.º, n.º 2,alínea a), 2ª parte do CPC). (..) 5. Os Autores olvidam, igualmente, na sua Pi, a invocação do instituto processual da pluralidade subjetiva subsidiária previsto no artº. 39.º do CPC e, tão-pouco, esclarecem a que título e com que fundamento pretendem a responsabilização dos Réus, não cumprindo, assim, o seu ónus de alegação. 6. Não colhe, por isso, o argumento de que, na formulação do pedido, os Autores “tinham em mente o disposto no art.º. 39.º, CPC”, porquanto, atentos os princípios da estabilidade da instância e da preclusão, a alteração do pedido é processualmente inadmissível, em sede de recurso. 8..) 8. Também não procede o argumento dos Autores de que, uma vez contestando, os Réus revelam ter bem percebido a Petição Inicial, interpretando-a convenientemente, o que, na sua tese, daria lugar à aplicação da regra ínsita no art.º. 186.º, n.º 3 do CPC. 9. Com efeito, a mera apresentação da Contestação, ao abrigo do dever de patrocínio e por força dos princípios da concentração da defesa e da preclusão (cfr. art.º. 573.º do CPC), não é, de per si, suficiente para fundamentar a aplicação da mencionada norma, tendo o Réu de a interpretar convenientemente (cfr. art.º. 186.º, n.º 3 do CPC), o que, in casu, não sucedeu. (…) 12. Por todo o exposto, e considerando que a Petição Inicial submetida pelos Recorrentes nos presentes autos é inepta por ininteligibilidade do pedido e da causa de pedir, nos termos do Art. 186.º, n.º 2, al. a) do CPC, também não poderá ser ordenado, como pretendem os Recorrentes a título subsidiário, o prosseguimento dos autos apenas contra um dos Réus, o ora Recorrido, uma vez que a consequência da verificação da exceção dilatória de ineptidão da Pi é a nulidade de todo o processo e a absolvição dos Réus (ambos) da instância, nos termos dos Arts. 186.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, al. b), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. b) e 578.º, todos do CPC. Nada obsta ao mérito São as conclusões que delimitam o âmbito da matéria a conhecer, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso O recurso coloca como questões a decidir saber se na formulação dos múltiplos pedidos constantes da petição inicial a não indicação expressa dos RR a quem os mesmos se dirigem concretamente deveria dar lugar a despacho de aperfeiçoamento ou a ineptidão da petição, quanto a um ou quanto a ambos os RR. Saber se a dedução subsidiária dos pedidos consagrada no artigo 39º do Código de Processo Civil deve ser formulada na petição inicial. Conhecendo: Fundamentação de facto: Dá-se aqui por reproduzida a factualidade supra. Fundamentação de Direito: i Da (in)admissibilidade de despacho de aperfeiçoamento: No despacho recorrido o tribunal invocou a ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade do pedido e da causa de pedir o que gera a ineptidão da petição inicial art. 186.º-2-a do código de processo civil (diploma para onde, doravante, se consideram remetidas todas as disposições sem qualquer menção). Não sustentou a decisão na deficiência da causa de pedir e, como tal, não poderia concluir por um despacho de aperfeiçoamento que se estabelece quanto a questões de procedência ou de improcedência, mas não estritamente formais. (nestes acasos pode até acontecer a ausência do requisito por este não existir sequer. E então temos causa de pedir insuficiente e que por isso acarreta a improcedência). Situação em que não é admissível o despacho de aperfeiçoamento. Este despacho nunca tem lugar nos casos de ineptidão em que o vício é formal e de tal ordem que compromete desde logo a própria integridade processual. O despacho de aperfeiçoamento tem lugar apenas nas situações em que se identifica deficiência ou insuficiência de alegação dos factos que integram a causa de pedir. Na prática são situações em que estão alegados os factos que formam a causa de pedir mas de modo incompleto. Falta qualquer requisito principal que se não for complementado a final conduzirá à improcedência (cf. art. 62.º-b; art. 5.º-2-b e 590º ). Ou seja, desde que a causa de pedir esteja identificada, a ação deverá prosseguir e se faltar a alegação de outros factos principais, o juiz deve convidar a parte a completar a petição (arts. 590.º-4 e 591.º-1-c d), podendo ainda, mais tarde, quando da instrução do processo, ela vir a ser completada (art. 5.º-2-b). No presente recurso não se coloca uma questão de insuficiência ou deficiência da causa de pedir. O que o juiz decidiu foi que não é inteligível o modo como os pedidos vêm formulados na sua correspondência com a(s) causa(s) de pedir. Trata-se por isso mesmo de questão estritamente formal Também nós, na questão suscitada, não identificamos um vicio de insuficiência de alegação fática. Logo afastamos desde já uma solução como a preconizada. II Da ineptidão da petição inicial fundada na alínea a) do artigo186º. o artigo 186º nº 1 alínea a) comina com a nulidade de todo o processo declarando inepta a petição «quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir» Lebre de Freitas https://portal.oa.pt/media/130258/jose-lebre-de-freitas_roa_iii_iv-2018 12.pdf …«Embora não se possa dizer inteiramente pacífico, o conceito de causa de pedir qualifica, grosso modo, os factos constitutivos da situação jurídica que o autor quer fazer valer ou negar em juízo, que como tal integram — ou que o autor pretende que integrem — previsões normativas. Tratando-se de factos concretos, a sua qualificação jurídica, indispensável à verificação judicial do efeito jurídico-prático pretendido, é-lhes exterior, tendo a ver, em operação análoga à da interpretação da norma jurídica, com a estatuição desta, que é o equivalente abstrato do pedido concreto deduzido em juízo» «Apenas se a causa de pedir não estiver identificada, maxime quando nenhum facto concreto, daqueles que a integram, haja sido alegado, a petição inicial é inepta, por faltar o próprio objeto do processo (o pedido, fundado numa causa de pedir) e este ser, consequentemente, nulo» (art.186.º n. os 1 e 2-a) vde Lebre de Freitas ibidem e in A ação declarativa comum, Coimbra, gestlegal, 2017, n.os 5.2.1e 9.3.1. Na petição inicial estão elencados fundamentos fáticos que no entendimento dos AA legitimam a demanda contra o 1º Réu- 1ª causa de pedir: erro na base do negócio celebrado com este, que agiu na qualidade de intermediário- e responsabilidade pré-contratual por informações erradas o que em tudo se reconduz à responsabilidade civil da intermediação financeira; e uma 2ª causa de pedir-esta com fundamento na alteração superveniente das circunstancias e quanto ao 2º réu o autor invoca um negócio cujos contornos diz desconhecer mas que sabe ser a transferência para este de todo o ativo e passivo e nomeadamente das responsabilidades decorrentes da realização de tais contratos, portanto uma transmissão/ aquisição da posição contratual. Parece-nos assim, se, bem interpretamos a petição, que a(s) causa(s) de pedir estão lá de modo a impulsionar a ação. Portanto, neste segmento, da ininteligibilidade das causas de pedir, associamo-nos ao entendimento que em caso semelhante, se encontra expresso no Ac desta Relação de 07-11-2019, relator Manuel Rodrigues, proc. 14013/17.0T8LSB.L1, de que não está em causa a ininteligibilidade da causa de pedir. Como neste aresto se refere «O que está em causa é algo bem mais elementar e básico: estando demandadas duas RR. e sendo os pedidos deduzidos no singular, contra qual das duas é que os AA. pretendem deduzir cada um dos pedidos». III O problema, por isso, melhor se coloca quando avançamos para a análise do pedido e se este obedece ao disposto no artigo 552º do CPC daí que, ultrapassada a matéria da regularidade formal da causa de pedir há que avançar para a apreciação da regularidade formal dos pedidos Ao autor cabe o ónus de os identificar os RR na petição inicial – artigo 552º nº 1a) . Este ónus surge porquanto desta identificação é indispensável para efeitos dos artigo 3º, 609º e 581º, nomeadamente. Mas não se esgota aqui. O pedido comporta três vertentes: a) - uma vertente substantiva, objetiva integrada pela afirmação do efeito jurídico pretendido e descrição do respetivo objeto material; b) -uma vertente substantiva subjetiva consistente na identificação da parte contra quem é dirigido c) - uma vertente processual dirigida ao tribunal e consistente na espécie de atividade requerida (seja ela declarativa de mero reconhecimento, de condenação ou constitutiva; seja executiva) - A ininteligibilidade do pedido consiste na sua indicação em termos verdadeiramente obscuros ou ambíguos, por forma a não se saber, concreta e precisamente, o que pede o autor e com que o pede. Todavia terá de entender-se que também existe ininteligibilidade do pedido se não está cabalmente identificado o sujeito contra quem se requer a providencia judicial. Nos autos não oferece duvidas que os pedidos na sua vertente substantiva são idóneos. São claros e não são ambíguos. Decorrem das causas de pedir invocadas. (o que sempre poderia resultar da sua interpretação o em conjugação com os fundamentos delineados pelos AA com eventual suprimento pelo tribunal de manifestos erros de qualificação, ao abrigo do disposto no artigo 664.º, 1ª parte, limitada esta, ao conteúdo substantivo da espécie de tutela jurídica pretendida e as garantias associadas aos princípios do dispositivo e do contraditório. A questão coloca-se é na indefinição do Réu a quem são os mesmo dirigidos uma vez que a ação tem dois RR e nenhum deles é identificado nos pedidos concretos. Esta ausência de identificação concreta do Réu a quem se dirige o pedido acarreta impossibilidade de decisão face aos princípios do processo civil : do dispositivo artigo 609º, do contraditório 3º e bem assim em face dos requisitos e da definição dos efeitos de caso julgado e de litispendência (artigos 580º e 581). Será pois a partir daqui que abordaremos a questão. A dificuldade é a nosso ver manifesta quanto aos efeitos de caso julgado ou de litispendência, cujo instituto se define pela identidade do pedido, dos sujeitos e do objeto O objeto do litígio nas ações de condenação como é o caso da presente- para efeitos de caso julgado – é determinado pelo pedido (objetiva e subjetivamente entendido) e pela matéria de facto. A necessidade de identificação das partes concretiza-se na necessidade de individualização em caso de pluralidade de RR e de pedidos da parte contra quem o pedido (s) é dirigido Daqui decorre que o Autor tem de identificar cabalmente as partes contra quem dirige a ação no cabeçalho e de indicar com rigor e precisão, ou seja sem duvida, qual a condenação requerida para cada parte havendo mais que um réu. É indispensável que esta identificação se faça no momento da formulação do pedido esclarecendo sem duvida a qual dos RR se dirige a pretensão do autor.. Só assim fica delimitado o requisito da identidade de ações quanto aos sujeitos para efeitos de caso julgado e só assim a sentença pode condenar e tornar-se titulo executivo. Basta pensar que se o tribunal em caso de condenação transpusesse para a sentença o pedido tal e qual teríamos uma sentença inexequível pois não saberíamos a qual dos RR a condenação se dirigia. E com esta questão se conexiona o principio do dispositivo o qual enquanto limite à atividade do tribunal (artigo 609º nº 1) proíbe que a condenação de qualquer um dos RR possa extravasar a petição. Trata-se da consagração dos limites de decisão do juiz — aquilo que, dentro do âmbito de disponibilidade das partes, estas lhe pediram que decidisse. Só dentro desta limitação se admite a decisão. Efetivamente «O princípio dispositivo é a tradução processual do princípio constitucional do direito à propriedade privada e da autonomia da vontade. Subjacente ao processo civil está um litígio de direito privado, em regra disponível, pelo que são as partes que têm o exclusivo interesse na sua propositura em tribunal. O interesse público, neste âmbito, limita-se à correta aplicação do seu Direito para que haja segurança e paz nas relações privadas. Assim, o exato limite da intervenção estadual é fixado pelas partes que não só têm a exclusiva iniciativa de propor a ação (e de se defender), como delimitam o seu objeto. O princípio dispositivo traduz-se, assim, na liberdade das partes de decisão sobre a propositura da ação, sobre os exatos limites do seu objeto (tanto quanto à causa de pedir e pedidos, como quanto às exceções perentórias) e sobre o termo do processo (na medida em que podem transacionar). Assim está expressamente consagrado no texto constitucional do processo civil atual, os Principles of Transnational Civil Procedure do American law Institute e do UNIDROIT(Documento disponível em <www.unidroit.org/english/principles/civilprocedure/main.htm>). O Princípio 10, sob a epígrafe “iniciativa das partes e objecto do processo”( “Party initiative and Scope of the Proceeding”) estabelece as seguintes regras: « O processo inicia-se através do pedido ou pedidos do autor, nunca pela atuação oficiosa do tribunal. (...) O objeto do processo é determinado pelo pedido e pela defesa deduzidas pelas partes nos articulados, incluindo quaisquer alterações.”( The proceeding should be initiated through the claim or claims of the plaintiff, not by the court acting on its own. (...) The scope of the proceeding is determined by the claims and defenses of the parties in the pleadings, including amendments.”). Na senda da tradição ocidental, Montero Aroca define claramente a importância do princípio dispositivo como consequência direta da natureza privada do direito subjetivo cuja tutela se pede. Desse princípio decorrem as diversas e importantíssimas regras: a atividade judicial só pode iniciar-se a pedido das partes; a fixação do objeto do processo cabe exclusivamente às partes; os tribunais, quando chamados a decidir, têm de fazê-lo nos limites das pretensões formuladas; as partes podem terminar o processo caso acordem nesse sentido. Com a inadequada identificação da parte no pedido fica ainda afetado o principio contraditório Consagrado no art. 3.º, n.º 1 que estatui: “O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.” O Princípio Dispositivo e a Alegação de Factos Em Processo Civil: A Incessante Procura Da Flexibilidade Processual(*) Pela Prof. Doutora Mariana França Gouveia Http://Www.Oa.Pt/Upl/%7bede93150-B3ab-4e3d-Baa3-34dd7e85a6ef%7d.Pdhoa O cumprimento de tais princípios e regras processuais tem como corolário que no caso de pluralidade de RR não bastará pois identificar as partes no cabeçalho. É essencial que essa identificação se faça de forma clara e sem duvida nos diversos pedidos formulados. Finalmente vieram os AA requerer que os pedidos fossem entendidos como formulados subsidiariamente entre si. Aqui acompanhamos o Acórdão desta Relação de 4.2.2020, pr 13977/17.8T8LSB.L1-7 Relator: ANA RODRIGUES DA SILVA in DGSI, que numa situação idêntica pronunciou-se pela necessidade de alegação da pluralidade subsidiária na petição inicial « A pluralidade subjetiva subsidiária prevista no art. 39º do CPC tem de ser alegada na petição inicial, concretizando-se os factos que se subsumem à dúvida fundamentada e finalizando com o pedido formulado de acordo com essa dúvida». No mesmo sentido o Ac. TRE, de 07-06-2018, proc. 2279/15.4T8EVR-A.E1, relator TOMÉ DE CARVALHO apud , “haverá litisconsórcio subsidiário quando o mesmo pedido é deduzido por ou contra uma parte a título principal e por ou contra outra a título subsidiário. Na opinião de Remédio Marques «trata-se de situações em que, por um lado, (1) o credor da pretensão ignora, sem culpa, a que título ou em que qualidade o devedor interveio no ato ou no facto que serve de causa de pedir; e, por outro, de eventualidades em que o (2) o credor da pretensão ignora se é titular ativo dela ou se é o único titular ativo» (…) A este respeito, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre afiançam que «na base do litisconsórcio subsidiário pode estar a necessidade de apurar quem disparou o tiro ou atropelou o autor (dúvida sobre factos, se o autor ou o réu principal interveio em certo contrato em nome próprio ou em nome alheio (dúvida sobre factos ou sobre a interpretação da norma aplicável) ou se a cessão de crédito do autor principal em data em que ainda não se constituíra» ”. Daqui para os Autos. Os AA não procederam à identificação dos RR nos pedidos formulados que dirigiram a um réu. Já na pendência do processo vieram requerer a retificação da petição inicial alegando que se tratou de erro material de escrita e que pretendiam era dirigir os pedidos contra ambos os RR. Todavia este requerimento foi indeferido por despacho judicial já transitado com o fundamento de que o requerido consistia não na retificação de um erro material, mas na alteração inadmissível do pedido. Daí que fazendo este despacho caso julgado formal nos autos a situação tornou-se imutável inter partes Portanto este caminho de esclarecimento e correção está vedado nos autos. Donde que não tendo sido identificado pelos AA a qual dos RR dirige os seus pedidos nem tendo sido elencada a subsidiariedade requerida na petição inicial e não sendo já possível proceder a retificação da petição, nesta parte, haverá o equivalente a ausência de pedido. O que constitui a nulidade do artigo 186º nº 1 a) do CPC Trata-se de situação insuprível seja pelos próprio seja pelo tribunal cuja atividade está sujeita nesta parte a um rigoroso cumprimento do principio do dispositivo Esta de resto também uma consequência do princípio da auto-responsabilidade das partes que enforma o processo civil e é um dos corolários do princípio do dispositivo segundo o qual são as partes que conduzem o processo a seu próprio risco, redundando, por isso, sempre em seu prejuízo a sua negligência ou inépcia. E isto, porque estas falhas das partes não podem ser supridas por iniciativa ou pela atividade do juiz Efetivamente o que aqui está em causa é assegurar o respeito pelos princípios essenciais do processo civil nomeadamente o principio do dispositivo, os efeitos de caso julgado, para além do contraditório. Afastamo-nos aqui do decidido nesta Relação nos Acórdãos desta Relação de 07-11-2019, in pr 14013/17.0T8LSB.L1, e de 4.2.2020, pr 13977/17.8T8LSB.L1-7 supra citados que julgaram a ineptidão da petição apenas quanto ao 2º réu, porquanto, quanto a nós os limites do dispositivo não autorizam no enquadramento feita da questão a substituirmo-nos aos AA na escolha de um dos RR . Esta faculdade de fazer a ação prosseguir apenas quanto a um dos RR caberia aos AA o que em sede de desistência da instancia, neste momento, já suporia a não oposição do Réu artigo 286º nº 1 Concluímos assim que a indicação singular do Réu sem outra menção, fere a clareza dos pedidos e torna-os ininteligíveis o que equivale à ausência dos pedidos acarretando a total ineptidão da petição, não reconhecendo razão aos apelantes. Sumário Constitui a nulidade do artigo 186º nº 1 a) do CPC equivalente a ausência de pedido, havendo vários RR a não identificação pelos AA do concreto Réu a quem dirigem os seus pedidos, quando não foi elencada a subsidiariedade consagrada no artigo 39º CPC na petição inicial e não sendo já possível proceder a retificação da petição, nesta parte, haverá lugar à absolvição da instância de todos os RR demandados. Trata-se de situação insuprível seja pelos próprios, seja pelo tribunal, cuja atividade está sujeita nesta parte a um rigoroso cumprimento do principio do dispositivo e por isso não pode determinar que o processo prossiga apenas quanto a um dos RR. A sanção legalmente prescrita visa assegurar o respeito pelos princípios essenciais do processo civil, nomeadamente, o principio do dispositivo, os efeitos de caso julgado, para além do contraditório. Esta de resto é também uma consequência do princípio da auto-responsabilidade das partes que enforma o processo civil e é um dos corolários do princípio do dispositivo segundo o qual são as partes que conduzem o processo a seu próprio risco, redundando, por isso, sempre em seu prejuízo a sua negligência ou inépcia. E isto, porque estas falhas essenciais das partes não podem ser supridas por iniciativa ou pela atividade do juiz Segue deliberação: Na improcedência da apelação mantém-se o saneador sentença apelado. Custas pelos AA Lisboa 3 de Dezembro de 2020 Isoleta de Almeida Costa Carla Mendes Rui da Ponte Gomes |