Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
22038/23.0T8LSB.L1-4
Relator: CARMENCITA QUADRADO
Descritores: CONCORRÊNCIA DE FONTES DO DIREITO
ACORDO DE EMPRESA
NORMAS DISPOSITIVAS
RETRIBUIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/19/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I- As cláusulas 39.ª-A e 34.ª do Acordo de Empresa celebrado entre a Transtejo - Transportes Tejo, S.A. e o Sindicato dos Transportes Fluviais, Costeiros e da Marinha Mercante estabelecem que o adicional de remuneração não constitui retribuição;
II- No regime introduzido pelo Código do Trabalho de 2003 e mantido no Código do Trabalho de 2009, o instrumento de regulamentação coletiva pode dispor em sentido diverso das normas dispositivas do Código e afastar a aplicação destas, mesmo que consagre um regime menos favorável ao trabalhador;
III- As normas legais laborais que definem a retribuição que deve ser paga nas férias e nos subsídios de férias e de Natal são normas dispositivas e não imperativas;
IV- A natureza não retributiva do adicional de retribuição e o seu não pagamento nas férias e subsídio de férias, estipulados no AE mencionado no ponto I, prevalecem sobre as normas dos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I-Relatório:
AA instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra Transtejo-Transportes Tejo, S.A., pedindo a sua condenação no pagamento da quantia global de €7.430,29, acrescida de juros de mora, computados á taxa legal, relativa às prestações por trabalho suplementar, trabalho noturno, trabalho prestado em dia de feriado e adicional de remuneração que a ré não lhe pagou nas retribuições de férias e nos subsídios de férias e de Natal dos anos de 2001 a 2007, 2009 a 2011, 2015 e 2016.
Alega, no essencial, que celebrou contrato de trabalho com a ré em 1994, para exercer funções de marinheiro e que nos referidos anos auferiu remunerações por trabalho suplementar, trabalho noturno e adicional de remuneração.
Estas prestações têm carácter regular e periódico e, como tal, integram o conceito de retribuição, pelo que lhe deveriam ter sido pagas nas retribuições de férias e nos subsídios de férias e de Natal.
A ré contestou defendendo-se por exceção e impugnação.
Excecionando, alega a prescrição dos juros vencidos há mais de cinco anos.
Impugnando, argumenta que nos termos do AE aplicável e do Código do Trabalho nenhuma das prestações peticionadas deve integrar a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal e que o autor limitou-se a alegar as médias das rubricas por anos civis e não alegou que as auferiu em 11 meses de cada ano.
Ripostou o autor, pugnando pela improcedência da matéria de exceção.
Foi proferida sentença nos autos com o seguinte teor:
Pelo exposto, o Tribunal julga a ação parcialmente procedente e, em consequência, decide:
1. Indeferir a exceção de prescrição invocada pela TRANSTEJO - TRANSPORTES TEJO, SA.;
2. Condenar a TRANSTEJO - TRANSPORTES TEJO, SA., a pagar a AA o valor resultante da inclusão da média do trabalho noturno auferido de 2001 a 2007, de 2009 a 2011, em 2015 e 2016, nas retribuições de férias e nos subsídios de férias, sendo no subsídio de natal apenas as relativas ao período de 2001 a 31.11.2003, desde que auferidas 11 meses em cada ano, em montante a apurar por mero cálculo aritmético por apelo aos recibos de vencimento juntos aos autos, ou, havendo divergência entre as partes, por meio de incidente de liquidação, sobre o que incidem impostos/contribuições legais e juros de mora, à taxa legal, sobre cada uma das prestações desde o vencimento até integral e efetivo pagamento;
3. Condenar a TRANSTEJO – TRANSPORTES TEJO, SA., a pagar a AA o valor resultante da inclusão da média do trabalho suplementar prestado de 2001 a 2007, de 2009 a 2011 e em 2015, nas retribuições de férias e nos subsídios de férias, sendo no subsídio de natal apenas no período de 2001 a 31.11.2003, desde que auferidas 11 meses em cada ano, em montante a apurar por mero cálculo aritmético por apelo aos recibos de vencimento juntos aos autos, ou, havendo divergência entre as partes, por meio de incidente de liquidação, sobre o que incidem impostos/contribuições legais e juros de mora, à taxa legal, sobre cada uma das prestações desde a data do seu vencimento até integral e efetivo pagamento.
4. Condenar a TRANSTEJO - TRANSPORTES TEJO, SA., a pagar a AA o valor resultante da inclusão da média do adicional de remuneração auferido de 2001 a 2006, do valor correspondente à média resultante da inclusão, nas retribuições de férias e nos subsídios de férias, sendo no subsídio de natal de 2001 a 31.11.2003, desde que auferido 11 meses em cada ano, em montante a apurar por mero cálculo aritmético por apelo aos recibos de vencimento juntos aos autos, ou, havendo divergência entre as partes, por meio de incidente de liquidação a instaurar, sobre o que incidem os impostos/contribuições legais e juros de mora, à taxa legal, sobre cada uma das prestações desde a data do vencimento até integral e efetivo pagamento;
5. Absolver TRANSTEJO - TRANSPORTES TEJO, SA., do demais peticionado por AA;
6. Condenar AA e TRANSTEJO - TRANSPORTES TEJO, SA. a pagarem as custas processuais, na proporção do decaimento;
Inconformada, a ré interpôs recurso desta decisão, rematando as alegações com as seguintes conclusões:
1.ª O presente Recurso de Apelação vem da parte em que a douta Sentença condena a R. a pagar ao A:
A - “ O valor resultante da inclusão da média do trabalho noturno auferido de 2001 a 2007, de 2009 a 2011, em 2015 e 2016, nas retribuições de férias e nos subsídios de férias, sendo no subsídio de Natal apenas as relativas ao período de 2001 a 30.11.2003, desde que auferidas 11 meses em cada ano, em montante a apurar por mero cálculo aritmético por apelo aos recibos de vencimento juntos aos autos, ou, havendo divergência entre as partes, por meio de incidente de liquidação, sobre que incidem impostos/contribuições legais e juros de mora, à taxa legal, sobre cada uma das prestações desde o vencimento até integral e efetivo pagamento”;
B - “O valor resultante da inclusão da média do trabalho suplementar prestado de 2001 a 2007, de 2009 a 2011e em 2015, nas retribuições de férias e nos subsídios de férias, sendo no subsídio de Natal apenas as relativas ao período de 2001 a 30.11.2003, desde que auferidas 11 meses em cada ano, em montante a apurar por mero cálculo aritmético por apelo aos recibos de vencimento juntos aos autos, ou, havendo divergência entre as partes, por meio de incidente de liquidação, sobre que incidem impostos/contribuições legais e juros de mora, à taxa legal, sobre cada uma das prestações desde o vencimento até integral e efetivo pagamento”;
C - “O valor resultante da inclusão da média do adicional de remuneração auferido de 2001 a 2006, nas retribuições de férias e nos subsídios de férias, sendo no subsídio de Natal apenas as relativas ao período de 2001 a 30.11.2003, desde que auferidas 11 meses em cada ano, em montante a apurar por mero cálculo aritmético por apelo aos recibos de vencimento juntos aos autos, ou, havendo divergência entre as partes, por meio de incidente de liquidação, sobre que incidem impostos/contribuições legais e juros de mora, à taxa legal, sobre cada uma das prestações desde o vencimento até integral e efetivo pagamento”;
2.ª A matéria de facto assente está condensada nos pontos 1 a 8 dos Factos Provados, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos para todos os efeitos legais, por questões de economia processual;
3.ª A douta Sentença, de uma forma geral, faz uma correta subsunção dos factos ao direito laboral, incluindo os AE´.s aplicáveis; ainda assim, há questões do Decisório que, com o devido respeito, a R., ora Recorrente, não se conforma e que constituem o objeto do presente Recurso, a saber:
a) No que se refere aos subsídios de Natal vencidos até 1 de dezembro de 2003, no que se refere às prestações de trabalho noturno, trabalho suplementar e adicional de remuneração, uma vez que a douta Sentença faz uma interpretação incorreta do DL 88/96, de 3 de Julho, na medida em que o AE da Transtejo já regulava a atribuição do subsídio de Natal antes da publicação deste diploma legal;
b) No que se refere ao período temporal a partir de 1 de dezembro de 2003 até 2016, com a entrada em vigor do CT de 2003 e com a entrada em vigor do CT de 2009, na medida em que o princípio do tratamento mais favorável existente no domínio da LCT, deixou de vigorar, aplicando-se o primado da contratação coletiva, seja a título de trabalho suplementar, a título de trabalho noturno e a título de adicional de remuneração;
c) No que se refere às médias das prestações a ter em conta, a título de trabalho noturno, trabalho suplementar e adicional de remuneração, que na douta Sentença, erradamente, considera por anos civis, ao arrepio da jurisprudência hoje praticamente uniforme, em que se entende que, no caso de retribuição variável, se devem considerar as médias dos valores auferidos, por cada prestação, nos 12 meses que antecedem o gozo efetivo das férias ou do seu maior período gozado;
4.ª No que se refere à questão das médias a ter em conta - que na PI e no pedido foram consideradas por anos civis, o que foi impugnado na Contestação - a douta Sentença, nesta parte, sufraga um entendimento algo peculiar quando sustenta: “Para o apuramento da média do cálculo que antecede relevam, como referido, os 11 dos 12 meses que antecedem a data em que se vence o direito a férias retribuídas e ao respetivo subsídio, ou seja, os 11 dos 12 meses do ano civil anterior ao da data do vencimento, o que significa dizer que, para o efeito, releva o ano que antecede o 01 de Janeiro de cada ano e não a data efetiva em que é paga a retribuição de férias e o subsídio de férias”!!!!
5.ª Quanto a esta matéria, a R., na sua Contestação, alegou o seguinte, nos artigos 30.º e 31.º:
A - “Sucede, porém, que, a merecer provimento a tese do A., o que se admite sem conceder, não é possível determinar o montante devido a título das diferenças na retribuição das férias e do subsídio de férias - neste caso apenas quanto ao trabalho noturno e os anos reconhecidos a título de trabalho suplementar - uma vez que as médias a ter em conta não são as elencadas pelo A., médias por ano civis, mas as médias dos últimos doze meses imediatamente anteriores ao mês do gozo efetivo das férias - datas que o A. não alega - nos termos do artigo 261º do CT de 2009, uma vez que estamos na presença da retribuição variável, como o A. reconhece. Uma vez que o A. não alegou em que anos e datas concretas gozou as férias e na medida em que a retribuição das férias e subsídio de férias só se vence com as férias, nos termos do artigo 264.º do CT, não é possível determinar quais as médias a que tem direito, mesmo no caso de as suas pretensões procederem. Em última instância, o A. devia ser convidado a vir aos autos informar as datas de gozo de férias, em cada ano e juntar os quadros com as médias dos 12 meses que precedem essas datas, nos termos do artigo 261.º do Código do Trabalho.”
B - “Aliás, quanto a esta matéria, veja-se a jurisprudência uniforme do STJ, firmada nos Acórdãos: de 01/10/2015, Processo 4156/10.6TTLSB.L1.S1 e de 09/05/2007, Processo nº 06S3211 publicado em http//www.dgsi.pt; também nesse sentido se pronunciaram diversos Acordãos recentes do Tribunal da Relação de Lisboa, entre os quais, a título de exemplo, o Acórdão de 12/06/2019, PROC. 23739/18.0T8LSB.L1, o Acórdão de 26/5/2021, proferido no PROC. 1597/20.4T8LSB.L1 e o Acórdão de 28/06/2023, proferido no PROC: 23120/22.6T8LSB.L1!”
6.ª - E ainda, mais recentemente, o Acórdão de 23/10/2024, proferido no PROC. 5941/22.1T8ALM.L1, em que foi Relatora a Veneranda Juiz Desembargadora Paula de Jesus Jorge dos Santos.
7.ª - A Meritíssima Juiz fez tábua rasa da jurisprudência citada, que faz uma correta interpretação das normas legais que regulam esta matéria, não se compreendendo que os Tribunais de 1ª. Instância não acolham os arestos que sedimentam a doutrina e a jurisprudência e resolvem em definitivo estas questões!
8.ª - A douta Sentença, nesta parte, deve ser revogada, na medida em que viola o artigo 261.º do CT de 2009 e as normas correspondentes do CT de 2003 e da LCT, devendo o A. ser convidado a informar os autos das datas de gozo de férias e juntar os mapas com as médias respetivas, como aliás foi decidido pelo Tribunal da Relação no Processo 22039/23.8/8LSB, Juiz 1, em que é R. a ora Recorrente!
9.ª - Quanto à primeira questão - subsídio de Natal até 30 de novembro de 2003 - a douta Sentença comete manifesto erro na determinação da norma aplicável, que se deve reconduzir à aplicação da cláusula 46.ª dos sucessivos AE´s da Transtejo, que remete para a cláusula 34.ª.
10.ª - Determina aquele normativo convencional que: “1- Todos os trabalhadores têm direito anualmente, a um subsídio de Natal ou 13.º mês. 2 - O 13.º mês ou subsídio de Natal será de valor igual ao da retribuição mensal, calculado nos termos da cláusula 34ª...”.
11.ª - Esta é a norma aplicável às relações contratuais entre a Transtejo, agora, TTSL, e o A., seja antes seja depois da publicação do DL 88/96, de 3 de julho, que, pela primeira vez, institucionalizou de forma genérica o subsídio de Natal que, até então, apenas estava contemplado em convenções coletivas de trabalho.
12.ª - O regime legal introduzido por quele diploma, expressamente ressalva que o mesmo não se aplica aos trabalhadores abrangidos por IRCT´s que já regulavam especificamente o subsídio de Natal, como era o caso da Transtejo, agora TTSL, tendo o A. sido admitido em 1994, ou seja, antes do DL 88/96, de 3 de Julho;
13.ª - A jurisprudência dominante nesta matéria vai no sentido de se atender apenas ao que se estabelece nas convenções coletivas de trabalho, desde que a atribuição do subsídio de Natal esteja consagrado em data anterior à entrada em vigor do DL 88/96, de 3 de julho, como é o caso dos autos.
14.ª - Veja-se, entre todos, os Acórdãos do STJ de 24 /10/2012, proferido na Revista nº 73/08.8TTLSB.S1, acessível em www.dgsi.pt e de 21/3/2013, proferido na Revista nº. 5537/07.8TTLSB, acessível no mesmo sítio, e ainda o Acórdão do STJ de 13/7/2016. Na esteira da jurisprudência temos de concluir que o D. L. 88/96, de 3 de julho, tem um carácter marcadamente supletivo, como se pode ler no citado Acórdão do STJ de 13/7/2016, do qual se respiga o seguinte: “...Concluímos assim que, quanto aos subsídios de Natal nada é devido ao trabalhador, pois a R. pagou-lhe os subsídios de Natal vencidos na vigência do DL nº 88/96, de acordo com as normas estabelecidas na contratação coletiva do sector, conforme permitia este diploma. Efetivamente, o legislador partiu do pressuposto de que a contratação coletiva constitui a fonte privilegiada para regular as relações laborais entre empregadores e trabalhadores, seja qual for o sector de atividade económica, o que fez em homenagem ao valor da liberdade sindical, por um lado, por força do qual os trabalhadores têm a faculdade de se organizarem, tendo em vista a melhor defesa dos seus direitos e interesses (art.º 55º da CRP) e em homenagem ainda ao direito à contratação coletiva, consagrado no art.º 56º nº 3, por força do qual compete às associações sindicais o direito de exercer a contratação coletiva, direito que é garantido nos termos da lei, a quem cabe ainda estabelecer as regras respeitantes à legitimidade para celebração de convenções coletivas de trabalho, bem como as respeitantes à eficácia das respetivas normas - nº 4. Desempenhando, neste caso, a contratação coletiva um papel essencial na regulamentação dos direitos e deveres subjacentes ao relacionamento laboral das partes, salvaguardou-se a sua prevalência neste aspeto específico do direito ao subsídio de Natal.”
15.ª - Assim, no que se refere aos subsídios de Natal vencidos até 1 de dezembro de 2003, nada é devido ao A., uma vez que a R., ora Recorrente, deu cumprimento à cláusula 46ª. do AE, tendo incluído, como devia, o vencimento base, as diuturnidades e o subsídio de turno, pelo que, nesta parte, a douta Sentença deve ser revogada, absolvendo-se a R.
16.ª - Quanto à segunda questão, apesar de na Sentença se ter expressamente reconhecido que a partir da entrada em vigor dos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009 se alterou o quadro jurídico vigente no domínio da LCT, quanto à hierarquia das fontes de direito, não extraiu as conclusões que se impunham quanto à subsunção dos factos ao direito, aplicando o primado da contratação coletiva, nomeadamente o conceito de retribuição inscrito na cláusula 34.ª do AE/Transtejo, conforme alegou a R., ora Recorrente, na sua Contestação. Com efeito,
17.ª - A este propósito, citamos a jurisprudência hoje pacífica, nomeadamente o aresto do STJ de 24/12/2012, proferido na Revista nº 73/08.8TTLSB.S1, acessível em www.dgsi.pt em que se sustenta que “o legislador partiu do pressuposto de que a contratação coletiva constitui a fonte privilegiada para regular as relações laborais entre empregadores e trabalhadores, seja qual for o sector de atividade económica, o que fez em homenagem ao valor da liberdade sindical, por um lado, por força do qual os trabalhadores têm a faculdade de se organizarem, tendo em vista a melhor defesa dos seus direitos e interesses (art.º 55º da CRP) e em homenagem ainda ao direito à contratação coletiva, consagrado no art.º 56º, nº 3, por força do qual compete às associações sindicais o direito de exercer a contratação coletiva, direito que é garantido nos termos da lei, a quem cabe ainda estabelecer as regras respeitantes à legitimidade para celebração de convenções coletivas de trabalho.” No mesmo sentido veja-se o Acórdão do S.T.J. proferido na revista 2330/11.7TTLSB.L1.S1, acessível no mesmo sítio e ainda o Acórdão da RL de 11/9/2019, onde se pode ler: “ ...quer do artº.4º do CT/2003, quer o art.º 3º do CT/2009, resulta que as normas legais que nesses diplomas são estabelecidos deixaram de, por regra, ser normas imperativas mínimas em relação à regulamentação coletiva de trabalho, passando, ao invés disso, a assumir carácter supletivo, permitindo, desse modo, o seu afastamento ou alteração através de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho em sentido mais ou menos favorável ao trabalhador...”.
18.ª - A partir de 1 de dezembro de 2003, até 2016, há que ter em conta o enunciado dos pontos 2 e 4 da cláusula 34.ª do A.E. TRANSTEJO, publicado no BTE 47 de 22/12/1986, que se manteve inalterado nos AE´s seguintes, do seguinte teor:
Ponto 2: “A retribuição mensal compreende a remuneração de base efetivamente recebida, as diuturnidades, o subsídio de chefia, o subsídio de turno, o abono de função, a retribuição especial por isenção de horário de trabalho e ainda as prestações pecuniárias auferidas regularmente sob a forma de subsídio ou abono com expressão mensal.”
Ponto 4: “ A retribuição mensal compreende ainda, além das prestações indicadas no nº. 2, o subsídio de quebras e riscos para efeitos de pagamento do subsídio de férias e do subsídio de Natal.”
19.ª - Na verdade, a cláusula 34ª. preconiza o “quantum” da retribuição, ou seja, quais as prestações que devem integrar a retribuição; aliás, quanto ao trabalho suplementar, o ponto 5 da referida cláusula 34.ª expressamente estipula que “Não se considera retribuição a remuneração do trabalho suplementar...”!
20.ª - A remuneração de trabalho noturno e o trabalho suplementar, não são subsumíveis a “uma prestação pecuniária auferida regularmente sob a forma de subsídio ou abono com expressão mensal”, tal como se refere na parte final do ponto 2 da cláusula 34.ª do AE TRANSTEJO, pelo que a douta sentença, nesta parte, deve ser revogada, aplicando-se o primado da contratação coletiva, o que determina a absolvição da R., a partir de 1 de dezembro de 2003;
21.ª - O mesmo se aplica ao adicional de remuneração a partir de 1 de dezembro de 2003, com a entrada em vigor do CT 2003, na medida em que o “adicional de remuneração”, apenas foi instituído pela primeira vez na cláusula 39ª-A do AE Transtejo, publicado no BTE nº 26, de 15/7/2000;
22.ª - No ponto 4 foi estatuído o seguinte: “ O adicional de remuneração tem a mesma natureza e rege-se pelas regras do subsídio de refeição constantes da cláusula 39ª, com exceção dos pontos 4 e 5”. Por sua vez ponto 2 da cláusula 39.ª (BTE nº 28, de 29/7/1999) estatui que: “ O subsídio de refeição não integra, para todo e qualquer efeito, o conceito de retribuição previsto na cláusula 34ª.” e o ponto 3 estatui que: “ O subsídio de refeição não é devido na retribuição das férias, do subsídio de férias e do subsídio de Natal”.
23.ª - Donde, aplicando o primado da contratação coletiva, o adicional de remuneração - entretanto já extinto - a partir de 1 de dezembro de 2003, não integra o conceito de retribuição nem é devido na retribuição das férias, subsídio de férias e de Natal, pelo que não pode integrar as médias de qualquer diferencial inexistente, seja a título de retribuição de férias, de subsídio de férias e de Natal.
24.ª - Este entendimento foi sufragado pelos Acórdãos:
a) De 21/6/2024, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no Processo 6714/22.7T8ALM.L1, em que a ora Recorrente é R., onde se pode ler: “Quanto ao adicional de remuneração, deve ser computado na retribuição das férias e do subsídio de férias cujo pagamento devesse ser efetuado até à entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003(se foi abonada ao A. por 11 ou mais meses, nos 12 meses que precederam esse pagamento. Após 1 de dezembro de 2003, por via da alteração das regras reguladoras da hierarquia entre fontes de direito e face ao disposto na cláusula 39.ª, n.º 3 do AE 1999 e do AE/2017, por expressa remissão da cláusula 39ª.-A, n.º 4 do mesmo AE da Transtejo, esta prestação de “adicional de remuneração”, deixa de se refletir na retribuição de férias e subsídio de férias a satisfazer a partir de então, tal como decidiu a douta sentença”. (de 1ª instância)
b) De 9 de abril de 2025, proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, no Processo 742/24.5T8STB.E1, em que a ora Recorrente é R., onde se pode ler no Sumário elaborado pela Veneranda Relatora:
I - “Da conjugação das cláusulas 39.ª-A e 34.ª do Acordo de Empresa entre a Transtejo- Transportes Tejo, S.A. e o sindicato dos Transportes Fluviais, Costeiros e da Marinha mercante, resulta manifesto que, no contexto da concreta regulamentação coletiva, o “adicional de remuneração” não constituía retribuição”.
III - “Já quanto às normas dispositivas: no regime introduzido pelo Código do Trabalho de 2003, o instrumento de regulamentação coletiva poderia dispor em sentido diverso das normas do Código e afastar a aplicação destas, mesmo que consagrasse um regime menos favorável ao trabalhador.”
IV - “As normas legais laborais que definem o conceito de retribuição e a retribuição que deve ser paga nas férias, no subsídio de férias e no subsídio de Natal não são normas imperativas”.
V - “A natureza não retributiva do “adicional de remuneração” e ao seu não pagamento nas férias e subsídio de férias, estipulados no AE mencionado no ponto I, têm prevalência em relação às normas dos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009”.
25.ª - A douta Sentença, na parte objeto do presente Recurso, antes de 1 de dezembro de 2003 violou o disposto nas cláusulas 34.ª e 46.ª dos AE´s da Transtejo, sustentando uma interpretação errada do DL 88/96, de 3 de Julho, e depois de 1 de dezembro de 2003, violou o disposto no artigo 4.º do CT de 2003 e artigo 3.º do CT de 2009, quanto à hierarquia das fontes de direito e o disposto na cláusula 34.ª e 39.ª-A dos AE´s da Transtejo e ainda, quanto às médias, antes e depois de 1 de dezembro de 2003, o disposto no artigo 261.º do CT de 2009 e as correspondentes normas do CT de 2003 e da LCT, cometendo erro de determinação das normas aplicáveis e na sua correta interpretação e subsunção ao caso sub judice, ao arrepio da jurisprudência, pelo que deve ser revogada, nos precisos termos sustentados nestas Conclusões.
Termina pugnando pela procedência total do recurso e pela sua absolvição dos pedidos antes de 1 de dezembro de 2003 quanto ao subsídio de Natal e quanto às médias a ter em conta e, pelo menos, a partir de 1 de dezembro de 2003, quanto ao trabalho noturno, trabalho suplementar e adicional de remuneração.
O autor não contra-alegou.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido de se conceder provimento parcial ao recurso.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
*
II- Objeto do recurso:
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente - art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC, aplicáveis ex vi do art.º 1.º, n.º 2, al. a), do CPT- ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Clarifica-se que se mostra definitivamente decidida nos autos, a questão do número de meses a atender como critério mínimo de regularidade das atribuições patrimoniais para se revestirem de caráter retributivo, que a sentença fixou acertadamente em 11 meses, porque esta matéria não é impugnada em via de recurso.
E uma vez que a questão da data de vencimento dos juros moratórios e respetiva prescrição não foi abordada nas conclusões do recurso, a mesma está igualmente excluída da nossa apreciação, atento o disposto no art.º 635.º, n.º 4 do CPC.
Assim, as questões a conhecer, pela ordem de precedência lógica que intercede entre elas, são as seguintes:
(i)saber se as quantias pagas pela ré ao autor a título de trabalho noturno, trabalho suplementar e adicional de remuneração revestem natureza retributiva;
(ii) saber se as médias dos valores auferidos pelo autor a título de trabalho noturno, trabalho suplementar e adicional de remuneração com caráter de regularidade, devem ser incluídas nas quantias pagas a título de subsídio de Natal (até 1 de dezembro de 2003) e nas retribuições de férias e subsídios de férias;
(iii) aferir do período a atender para apurar da média relevante;
*
III- Fundamentação de facto:
O tribunal recorrido considerou provados, por acordo das partes, os seguintes factos que não foram objeto de impugnação pela apelante:
1.º Em 1994, o autor e a ré celebraram um contrato de trabalho;
2.º No âmbito desse contrato de trabalho, o autor foi contratado para, sob a autoridade e direção da ré, exercer as funções compreendidas na categoria profissional de marinheiro de 1ª classe;
3.º A ré exerce a atividade de transporte de passageiros por vias navegáveis interiores, tal como consta do seu CAE;
4.º Por seu turno, o autor está sindicalizado no Sindicato dos Transportes Fluviais, Costeiros e da Marinha Mercante;
5.º Aplicam-se às relações laborais entre o autor e a ré as disposições do Acordo de Empresa entre a Transtejo - Transportes Tejo, SA e o Sindicato dos Transportes Fluviais, Costeiros e da Marinha Mercante - alteração salarial e outras e texto consolidado, publicada no BTE n.º 7 de 22 de fevereiro de 2022;
6.º Como contrapartida pelo exercício da sua atividade profissional, o autor aufere, à data, a remuneração mensal de €986,11;
7.º A ré, no pagamento do subsídio de férias e na remuneração de férias, inclui o vencimento base, as diuturnidades e o subsídio de turno;
8.º A ré pagou ao autor, conforme recibos e mapas de remuneração, emitidos pela ré, nos anos de 2001 a 2016, as quantias melhor identificadas nos recibos de vencimento juntos a folhas 19 a 157 e 159 verso a 167 verso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
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IV- Fundamentação de direito:
Na presente ação o autor peticiona a condenação da ré no pagamento, nas retribuições de férias e nos subsídios de férias e de Natal, das médias que ao longo de vários anos - de 2001 a 2016 -, auferiu a título trabalho suplementar, trabalho noturno e adicional de remuneração.
O regime jurídico aplicável às questões suscitadas evoluiu no tempo, impondo-se atender aos sucessivos textos legais e convencionais.
Dispõe o art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 99/32003, de 27 de agosto que sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passadas àquele momento.
De modo similar dispõe o art.º 7.º, n.º 1 da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro.
Assim, o Código do Trabalho de 2003 aplica-se às prestações remuneratórias peticionadas vencidas após a sua entrada em vigor - dia 1 de dezembro de 2003 (art.º 3.º, n.º 1 da Lei n.º 99/2003) - e o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009 aplica-se às vencidas após a sua entrada em vigor - dia 17 de fevereiro de 2009 (art.º 2.º da Lei n.º 7/2009) -.
No que concerne às prestações remuneratórias peticionadas vencidas antes da vigência do Código do Trabalho de 2003 - as prestações que deveriam ter sido pagas entre 2001 e 2003 -, deverá atender-se ao disposto no DL n.º 49.408 de 24 de novembro de 1969 (L.C.T.), ao anterior regime jurídico das férias, feriados e faltas, previsto no DL n.º 874/76, de 28 de dezembro, com as alterações conferidas pelo DL n.º 397/91, de 16 de outubro e pela Lei n.º 118/99, de 11 de agosto e ainda à lei do subsídio de Natal, aprovada pelo DL n.º 88/96, de 3 de julho.
Mais se impõe ter em consideração o Acordo de Empresa celebrado entre a recorrente Transtejo - Transportes Tejo, S.A. e o Sindicato dos Transportes Fluviais, Costeiros e da Marinha Mercante, no qual o autor se encontra sindicalizado (facto provado em 4.º), publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), 1.ª série, n.º 28 de 29 de julho de 1999 e as alterações subsequentes publicadas nos Boletins do Trabalho e Emprego, 1.ª série:
- n.º 26 de 15 de julho de 2020;
- n.º 17 de 8 de maio de 2002;
- n.º 21 de 8 de junho de 2007;
- n.º 28 de 29 de julho de 2009;
- n.º 32 de 29 de agosto de 2010;
- n.º 29 de 8 de agosto de 2014;
- n.º 23 de 22 de junho de 2017;
(i) da qualificação retributiva das prestações auferidas pelo autor a título de trabalho noturno, trabalho suplementar e adicional de remuneração:
Insurge-se a apelante contra a inclusão das médias auferidas pelo autor a título de trabalho suplementar, trabalho noturno e adicional de remuneração nos subsídios de Natal vencidos até 1 de dezembro de 2003 e nas retribuições de férias e de subsídios de férias que se venceram desde 1 de dezembro de 2003 até 2016.
No que concerne ao subsídio de Natal alega, no essencial, que apenas tinha de dar cumprimento ao estatuído na cláusula 46.ª dos sucessivos AE´S/Transtejo, cláusula essa que, no que se refere à definição do seu quantum, remete para a cláusula 34.ª onde o valor da retribuição mensal se encontra definido.
Em conformidade, entende que apenas tinha de incluir no subsídio de Natal a remuneração base, as diuturnidades e o subsídio de turno, mais argumentando que o regime do DL n.º 88/96 é meramente supletivo, não sendo aplicável ao caso.
No que concerne à retribuição de férias e aos subsídios de férias alega que os Códigos de 2003 e 2009 determinam a aplicação do primado da contratação coletiva, nomeadamente, do conceito de retribuição inscrito nas cláusulas 34.ª, 39.º e 39.º-A do AE/Transtejo, no qual não se integram quantias auferidas a título de trabalho suplementar, trabalho noturno e adicional de remuneração, pelo que as respetivas médias não se devem refletir nas prestações pecuniárias em apreço.
A retribuição constitui um dos elementos essenciais do contrato de trabalho, assumindo-se como a principal obrigação do empregador para com o trabalhador de contrapartida dos serviços recebidos.
A este propósito estabelece art.º 82.º do DL 49.408, de 24 de novembro de 1969 (LCT) que:
1. Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho;
2. A retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie;
3. Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal do trabalhador;
Deste preceito resulta que a noção legal de retribuição será a seguinte: o conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desempenhada ou mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida (neste sentido, Jorge Leite e Coutinho de Almeida, Coletânea de Leis do Trabalho, Coimbra, 1985, p. 89 e Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13.ª edição, Almedina 2006, pp. 438 e segs.).
A retribuição representa, assim, a contrapartida, por parte do empregador, da prestação de trabalho efetuada pelo trabalhador, sendo que o caráter retributivo de uma certa prestação exige regularidade (no sentido da constância) e periodicidade (no sentido de ser satisfeita em períodos aproximadamente certos) no seu pagamento, o que tem um duplo sentido: por um lado, apoia a presunção da existência de uma vinculação prévia do empregador; por outro lado, assinala a medida das expetativas de ganho do trabalhador, conferindo relevância à íntima conexão existente entre a retribuição e a satisfação das necessidades pessoais e familiares do trabalhador (neste sentido, por todos, o acórdão do STJ de 16 de dezembro de 2010, processo 2065/07.5TTLSB.L1, acessível em www.dgs.pt).
Do conceito legal apenas se excluem as meras liberalidades que não correspondem a um dever do empregador imposto por lei, por instrumento de regulamentação coletiva, por contrato individual ou pelos usos da profissão e da empresa e aquelas prestações cuja causa determinante não seja a prestação da atividade pelo trabalhador ou uma situação de disponibilidade deste para essa prestação, prestações que tenham, pois, uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho (neste sentido, Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 18.ª edição, Coimbra, 2017, p. 318).
A qualificação de uma prestação remuneratória como retribuição em sentido técnico-jurídico depende da verificação cumulativa dos seguintes elementos: tem que corresponder a um direito do trabalhador; tem que ter a sua base no contrato de trabalho, no instrumento de regulamentação coletiva do trabalho ou na norma legal aplicável ou no uso da empresa; tem que constituir uma contrapartida regular e periódica do trabalho prestado e tem que ter um valor patrimonial. A falta de qualquer um destes elementos descaracteriza a prestação como retributiva. (neste sentido, entre outros, os acórdãos da Relação de Lisboa de 17 de junho de 2009, processo n.º 607/07.5 TTLSB.L1-4 e de 16 de dezembro de 2019, processo n.º 1881/07.9 TTLSB.L1-4, acessíveis em www.dgsi.pt).
Nenhum destes elementos caracterizadores da retribuição tem valor superior aos restantes.
Todos eles são de verificação cumulativa, pelo que a falta de um deles descaracteriza a prestação como retributiva, tratando-se, porventura, de prestações de natureza patrimonial efetuadas pelo empregador ao trabalhador que, não radicando a sua justificação, propriamente, na prestação de trabalho por este em benefício daquele, prosseguem objetivos com uma justificação distinta, designadamente, de mero incentivo a uma maior produtividade ou então com um intuito compensatório por falhas, por despesas, por especiais riscos no exercício da atividade laboral pelo trabalhador.
No âmbito do Código do Trabalho de 2003, o art.º 249.º estabelecia os ali denominados princípios gerais da retribuição nos seguintes termos:
1. Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho;
2. Na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie;
3. Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal do trabalhador (…);
Os princípios gerais da retribuição ficaram plasmados, de modo similar, no art.º 258.º do Código do Trabalho de 2009.
Destaca-se que em todos regimes - art.ºs 82.º, n.º 3 da LCT, 249.º, n.º 3 do CT/2003 e 258.º, n.º do CT/2009-, a lei presume participar da natureza de retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
Ao trabalhador incumbe alegar e provar a satisfação, pelo empregador, de determinada atribuição patrimonial, seus quantitativos e respetiva cadência, cabendo depois ao empregador, a demonstração de que a mesma não constitui contrapartida da atividade do trabalhador ou não tem natureza periódica e regular, para afastar a sua natureza retributiva (art.ºs 344.º, n.º 1 e 350.º, n.ºs 1 e 2 do CC).
Sendo este o quadro normativo legal, analisemos o enquadramento que é feito no instrumento de regulamentação coletiva aplicável, de cada uma das assinaladas prestações e a finalidade do seu pagamento.
O trabalho suplementar, por definição, é aquele que é prestado fora do horário de trabalho, ultrapassando o período normal de trabalho - art.º 2.º, nº 1 do DL n.º 421/83, de 2 de dezembro (LDT), que reviu o regime jurídico da duração do trabalho na sua disciplina específica do trabalho extraordinário, art.º 197.º do CT/2003, art.º 226.º do CT/2009 e cláusula 25.ª do AE de 1999 - pelo que, sendo este trabalho, por natureza, de caráter excecional, a lei exceciona em primeira linha a respetiva remuneração da retribuição global.
A exclusão da natureza retributiva resulta naturalmente do facto de a remuneração corresponder a uma mera eventualidade de ganho e, portanto, não aproveitar as caraterísticas de predeterminação e garantia que tem a retribuição normal, sendo certo que é esta que tende a satisfazer as necessidades permanentes e periódicas (neste sentido, Feliciano Tomás de Resende, As prestações das partes, Estudos Sociais e Corporativos, n.º 32, p. 26, citado por Abílio Neto, Contrato de Trabalho, Notas Práticas, 13.ª edição, Lisboa, 1994, p. 243, nota 1).
Nesta conformidade, preceituava o art.º 86.º da LCT que não se considera retribuição a remuneração por trabalho extraordinário, salvo quando se deva entender que integra a retribuição do trabalhador.
O AE de 1999 dispõe em termos similares na cláusula 34.ª, n.º 5, em regime que se manteve ao longo dos anos até ao AE publicado no BE n.º 36 de 2020, que não se considera retribuição a remuneração do trabalho suplementar, salvo quando se venha a entender que integra a retribuição do trabalhador.
Assim demonstrando que a enunciação constante do n.º 2, da cláusula 34.ª - onde se dispõe que a retribuição mensal compreende a remuneração de base efetivamente recebida, as diuturnidades, o subsídios de turno, o abono de função, a retribuição especial por isenção de horário de trabalho e ainda as prestações pecuniárias auferidas regularmente sob a forma de subsídios ou abono com expressão mensal - não é exaustiva, como aliás também resulta da parte final desse mesmo n.º 2, e sobretudo, do n.º 1 da cláusula em que, em geral, o AE prescreve que se considera retribuição aquilo a que, nos termos desta convenção, das normas que a regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
Como se refere no acórdão desta Secção de 15 de fevereiro de 2023, em face da fórmula algo perturbadora da lei (art.º 86 da LCT), que o instrumento de regulamentação coletiva replicou, a única interpretação plausível do preceito foi a de que a remuneração por trabalho suplementar pode, ou não, ser computada na retribuição global consoante se verifique, ou não, a regularidade do recurso a horas suplementares de serviço (proferido no processo n.º 23925/21.5T8LSB.L1).
E constitui jurisprudência pacífica a de que as prestações recebidas pelo trabalhador a título de trabalho suplementar devem integrar o conceito de retribuição contido no art.º 82.º da LCT e nos seus sucessores art.ºs 249.º do CT/2003 e 258.º do CT/2009, se percebidas com regularidade (na sequência do desempenho de trabalho suplementar regular) por o trabalhador prestar com habitualidade trabalho fora do período normal de trabalho (neste sentido os acórdãos do STJ de 30 de março de 2006, Revista n.º 08/06, da 4.ª secção e de 8 de julho de 2003, Revista n.º 1695/03, da 4.ª secção).
Havendo regularidade e continuidade na prestação do trabalho suplementar, cria-se no trabalhador a justa expetativa do recebimento periódico da respetiva remuneração que, assim, deve considerar-se parte integrante da sua retribuição mensal, quer à luz da LCT, quer mesmo à luz do CT/2003 e do CT/2009, que não contêm norma similar à do perturbador art.º 86.º da LCT, nem à cláusula 34.ª do AE.
No caso vertente, a apelante não impugna que o autor auferiu prestações pecuniárias a título de trabalho suplementar nos anos de 2001 a 2007, de 2009 a 2011 e em 2015, com a periodicidade documentada nos recibos de vencimento referidos no ponto 8.º dos factos provados.
Pelo que a expetativa de ganho por parte do autor, representada em função da regularidade e periodicidade da correspondente prestação do trabalho, é perfeitamente legítima, bem se justificando a sua convicção de que tal benefício económico constituía um complemento normal da sua retribuição mensal nos referidos anos em que o recebeu em, pelo menos, 11 meses.
Por outro lado, é indubitável que as prestações devidas a título de trabalho suplementar, são contrapartida do modo específico da execução do trabalho e integram o conceito de retribuição, acontecendo apenas que a atividade foi prestada fora do horário de trabalho convencionado.
Acresce que a apelante não ilidiu a presunção provando que as prestações que pagou a autor a título de trabalho suplementar tiveram uma causa específica e individualizável diversa da contrapartida do seu trabalho.
Por conseguinte, concluímos que o trabalho suplementar auferido pelo autor em, pelo menos, 11 meses dos anos de 2001 a 2007, 2009 a 2011 e 2015 integra a sua retribuição.
Já no que concerne ao trabalho noturno, o mesmo estava previsto nos art.ºs 29.º e 30.º do DL n.º 409/71, de 27 de setembro (esta última norma objeto de interpretação pelo DL n.º 348/73, de 11 de julho) e 7.º da Lei n.º 73/98, de 10 de novembro.
Na vigência do Código do Trabalho de 2003, estava previsto nos art.ºs 192.º a 194.º e 257.º e no Código do Trabalho de 2009, nos art.ºs 223.º a 225.º e 266.º.
Em matéria de IRC, o trabalho noturno mostra-se previsto no AE de 1999 e nos subsequentes, como o que é executado entre as 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte, nos termos da cláusula 30.ª dos Acordos de Empresa vigentes no decurso do lapso temporal em análise nestes autos.
Nos termos do art.º 47.º, n.º 2, da LCT, a remuneração será mais elevada se o trabalho extraordinário for prestado durante a noite, salvo quando a lei ou a regulamentação do trabalho, atendendo à natureza da atividade, determine de outro modo.
O DL n.º 409/71 (LDT) estabeleceu, no seu art.º 30.º, que a retribuição do trabalho noturno será superior em 25 por cento à retribuição a que dá direito o trabalho equivalente prestado durante o dia, solução que foi mantida no Código do Trabalho de 2003 (art.º 257.º, n.º 1) e no Código do Trabalho de 2009 (art.º 266.º, n.º 1).
Da disciplina enunciada extrai-se que o trabalho noturno pode ser normal ou excecional e que o acréscimo de 25% deve ser calculado sobre a retribuição da hora normal ou sobre a remuneração, já acrescida, do trabalho excecional.
À semelhança do que ocorre com a remuneração por trabalho suplementar, a remuneração pelo trabalho prestado nos períodos temporais considerados como noturnos, assim definidos na lei ou no correspondente IRC, constitui a contrapartida da específica atividade objeto do contrato e corresponde a uma compensação pela maior penosidade que envolve a prestação do trabalho durante a noite, pelo que, desde que prestado com regularidade e periodicidade, nos termos acima referidos, a respetiva remuneração deve considerar-se retribuição, em face do disposto nos art.ºs 82.º da LCT, 249.º do CT/2003 e 258.º do CT/2009.
Valem aqui as considerações já emitidas quanto à prestação de trabalho suplementar, constituindo também entendimento uniforme da jurisprudência, o de que as prestações recebidas pelo trabalho a título de trabalho noturno devem integrar o conceito de retribuição, se percebidas de forma regular e periódica ao longo da execução do contrato (na sequência do desempenho habitual de trabalho noturno) gerando a legítima expetativa do seu recebimento (neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 14.03.2006, Revista n.º 3825/05, de 22.04.2009, Revista n.º 2595/08 e de 15.09.2010, Processo n.º 469/09.4, todos da 4.ª secção e sumariados em www.dgsi.pt).
E entendemos que esta atribuição patrimonial também deve qualificar-se como retribuição à luz da já referida cláusula 34.ª do AE aplicável, pois que o autor auferia nos termos desta convenção (cláusula 30.ª que prevê a remuneração por trabalho noturno) retribuição pelo trabalho no período da noite, ou seja, como contrapartida do seu trabalho no circunstancialismo em que normalmente o executava (n.º 1, da cláusula 34.ª e cláusula 30.ª).
No mais, verifica-se que a apelante, igualmente, não impugna que o autor auferiu prestações pecuniárias a título de trabalho noturno nos anos de 2001 a 2007, de 2009 a 2011, em 2015 e 2016, com a periodicidade documentada nos recibos de vencimento referidos no ponto 8.º dos factos provados.
E também não ilidiu a presunção, provando que as prestações relativas ao trabalho noturno tiveram uma causa específica e individualizável diversa da contrapartida do trabalho.
Consequentemente, concluímos que o trabalho noturno auferido pelo autor em, pelo menos, 11 meses dos anos de 2001 a 2007, 2009 a 2011, 2015 e 2016 integra a sua retribuição.
O adicional de remuneração foi incluído no AE aplicável através da revisão publicada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 26 de 2000, prevendo-o numa nova cláusula 39.º-A, sob a epígrafe adicional de remuneração com a seguinte configuração:
1-Os trabalhadores marítimos que exerçam as suas funções a bordo dos navios da classe Catamaran, têm direito, pela prestação efetiva de trabalho, a um adicional de remuneração diário, no montante de 35%, 27,5% e 10% do valor da remuneração base diária decorrente da tabela salarial, respetivamente, para mestres, maquinistas e marinheiros;
2 - Os trabalhadores marítimos que exerçam as suas funções a bordo dos navios de outras classes, têm direito, pela prestação efetiva de trabalho, a um adicional de remuneração diário, no montante de 10%, 7,5% e 5% do valor da remuneração base diária, decorrente da tabela salarial, respetivamente, para mestres, maquinistas e marinheiros;
3 -Todos os trabalhadores não abrangidos pelos n.ºs 1 e 2, com exceção dos que exercem funções de chefia, têm direito a um adicional de remuneração diário no montante de 200$, pela prestação efetiva de trabalho;
4 - O adicional de remuneração tem a mesma natureza e rege-se pelas regras do subsídio de refeição constantes da cláusula 39.ª, com exceção dos n.ºs 4 e 5;
Por seu turno, a cláusula 39.ª, relativa ao subsídio de refeição, afirma no seu n.º 2 que o mesmo não integra, para todo e qualquer efeito, o conceito de retribuição previsto na cláusula 34.ª e dispõe no seu n.º 3 que o subsídio de refeição não é devido na retribuição das férias, do subsídio de férias e do subsídio de Natal.
É, pois, patente a vontade dos outorgantes de subtrair esta atribuição patrimonial ao conceito de retribuição, o que coloca a questão da relação entre a lei e o instrumento de regulamentação coletiva ao longo do tempo em que a mesma foi percebida de modo regular e periódico, questão que será analisada quando se aferir da relevância desta atribuição patrimonial no cômputo das férias e subsídios de férias e de Natal peticionados.
Já perante o regime da retribuição plasmado na LCT e nos Códigos do Trabalho, não vemos como negar o seu carácter retributivo.
Não só a prestação em causa se relaciona diretamente com as concretas funções exercidas pelo trabalhador recorrido ao serviço da apelante a bordo de navios da classe catamaran ou de outras classes, constituindo contrapartida desse exercício (cláusula 39.º-A, n.ºs 1 e 2), como é evidente o seu carácter regular e periódico a partir do ano de 2000 até 2006, cadência esta que é naturalmente suscetível de gerar no trabalhador a legítima expectativa do seu recebimento.
Assim, em face da previsão da cláusula 39.ª-A, n.ºs 1 e 2, no que concerne às características e configuração deste adicional de remuneração e da factualidade apurada, o que se pode retirar é que desde 2001 a 20016, a prestação de trabalho do autor ao serviço da apelante por exercer as suas funções a bordo de navios (da classe catamaran ou outras), determinou o pagamento do adicional em causa, e que tal ocorreu com a periodicidade documentada nos recibos de vencimento referidos ponto 8.º dos factos provados, sendo igualmente de presumir a natureza retributiva desta atribuição patrimonial.
Pelo que se mostra evidente a conclusão de que a aludida prestação se integra no conceito de retribuição, pressuposto nos art.ºs 82.º da LCT, 249.º do CT/2003 e 258.º do CT/2009.
Em suma, em face do quadro normativo legal e convencional a atender, é de considerar que as quantias efetivamente pagas ao autor a título de trabalho suplementar, trabalho noturno e adicional de remuneração, por virtude do trabalho prestado ao longo dos anos referidos na matéria de facto em que exerceu a sua atividade ao serviço da apelante, são devidas como contrapartida do trabalho prestado.
Atento o seu caráter de regularidade e periodicidade nos anos em que as recebeu em, pelo menos, 11 meses, são à luz da LCT e dos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009, suscetíveis de se integrar no conceito legal de retribuição.
Já quanto ao instrumento de regulamentação coletiva, entendemos que se enquadra no conceito de retribuição do trabalho previsto na cláusula 34.ª do AE publicado no BTE n.º 28 de 1999 e seus sucessores, a retribuição por trabalho suplementar (cláusulas 34.ª, n.º 1 e 5, 25.ª e 44.ª) e a retribuição por trabalho noturno (cláusulas 34.ª, n.º 1 e 30.ª).
Apenas se mostra excluído do conceito de retribuição consagrado no instrumento de regulamentação coletiva, o adicional de remuneração previsto na cláusula 39.ª-A..
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(ii) da imputação das prestações em causa no conceito específico de retribuição a atender para quantificação dos valores devidos a título de retribuição de férias e de subsídios de férias e de Natal:
Aqui chegados, impõe-se responder à questão de saber se as médias da retribuição por trabalho suplementar, trabalho noturno e adicional de remuneração auferidas pelo autor nos anos em que tal ocorreu em, pelo menos, 11 meses, devem refletir-se nas quantias que lhe são devidas a título de retribuição de férias e de subsídios de férias e de Natal (este último só até 1 de dezembro de 2003), tal com estas prestações se encontram previstas na lei e no instrumento de regulamentação coletiva no decurso do lapso temporal a que os autos se reportam.
No que concerne ao subsídio de Natal vencido até à vigência do Código do Trabalho de 2003 e que é expressamente impugnado pela apelante, o DL n.º 88/96 de 3 de julho, que instituiu o regime atinente ao subsídio de Natal, dispunha no seu art.º 2.º, n. º 1 que os trabalhadores têm direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que será pago até 15 de dezembro de cada ano.
E excetuava a aplicabilidade do diploma em que estava inserido aos trabalhadores abrangidos por instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho que regule especificamente o subsídio de Natal (art.º 1.º, n.º 2), com exceção das situações em que o instrumento de regulamentação coletiva preveja a concessão de um subsídio de valor inferior a um mês de retribuição (art.º 1.º, n.º 3).
O que constitui uma evidente remissão prevalente para a lei, bem como o acolhimento expresso do critério do cariz regular e periódico das atribuições patrimoniais para efeitos de qualificação retributiva.
Inexistindo norma legal ou convencional que melhor esclarecesse o que para efeitos de contabilização do subsídio de Natal deveria entender-se por retribuição, o intérprete podia lançar mão da qualificação retributiva emergente do art.º 82.º da LCT.
Pelo teor literal do n.º 1, do art.º 2.º do DL n.º 88/96, ao prever que os trabalhadores têm direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, e tendo em conta a unidade intrínseca do ordenamento jurídico, a jurisprudência considerou que o legislador pretendeu assegurar que o subsídio de Natal fosse, em todos os casos, de valor igual a um mês de retribuição, apontando no sentido de que, para efeito do pagamento do subsídio de Natal, deve atender-se a todas as prestações de natureza retributiva que sejam contrapartida da execução do trabalho (entre muitos outros, assim considerou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de abril de 2007, Processo n.º 06S4557, in www.dgsi.pt.).
Nos instrumentos de regulamentação coletiva que sucessivamente regeram o contrato de trabalho em apreço nos autos, convencionou-se na respetiva cláusula 46.ª, quanto ao subsídio de Natal que todos os trabalhadores têm direito, anualmente, a um subsídio de Natal ou 13.º mês (n.º 1), o qual será processado juntamente com o vencimento de novembro (n.º 2) e será de valor igual ao da retribuição mensal, calculado nos termos da cláusula 34.ª, a que o trabalhador tiver direito no mês de dezembro (n.º 3).
A partir de 2001, ano em que o autor começou a auferir regulamente o adicional de remuneração previsto na cláusula 39.ª-A do AE, o instrumento de regulamentação coletiva vedava expressamente que esta prestação regular e periódica fosse devida no subsídio de Natal, nos termos em que o vedou para a retribuição de férias e respetivo subsídio.
E, assim, mesmo que consideremos nos termos supra expostos, que todas as outras prestações em causa - de retribuição por trabalho suplementar e noturno - encontram guarida na cláusula 34.ª do AE aplicável, o certo é que neste aspeto o regime do instrumento de regulamentação coletiva aplicável era menos favorável do que o da lei, devendo esta lograr aplicação por força do princípio do tratamento mais favorável plasmado no art.º 13.º da LCT.
Donde resulta que, se considerarmos que as que atribuições patrimoniais a título de trabalho suplementar, trabalho noturno e adicional de remuneração foram pagas ao autor nos anos de 2001 a 2003 como contrapartida do trabalho por ele prestado, regular e periodicamente nos anos em que esse pagamento ocorreu, pelo menos, durante 11 meses, então à luz do artigo 82.º da LCT as mesmas integravam a retribuição do autor, que com elas contou, nesses anos, para o seu orçamento normal mensal.
Por isso, a média mensal dessas prestações deve integrar os subsídios de Natal vencidos desde 2001 até 30 de novembro de 2003.
Esta solução é claramente afastada no AE no que concerne ao adicional de remuneração, razão pela qual o convencionado é menos favorável para o trabalhador.
E também por este motivo, prevalecendo no período que agora se analisa as normas legais sobre o AE e por referência aos disposto nos art.ºs 1.º, n.ºs 2 e 3 do DL n.º 88/96, de 3 de julho, 13.º e 82.º da LCT, tem o autor direito a receber a média mensal do que lhe foi pago nos anos de 2001 até 30 de novembro de 2003, a título de trabalho suplementar, trabalho noturno e adicional de remuneração, nos subsídios de Natal vencidos até 30 de novembro de 2003, confirmando-se, nesta parte, a sentença recorrida.
Analisemos, agora, a questão da imputação retributiva em apreço no âmbito dos Códigos do Trabalho aprovados pelas Leis n.ºs 99/2003 e 7/2009, no que concerne à retribuição e subsídio de férias.
A disciplina da retribuição do período de férias e do respetivo subsídio de férias consta dos artigos 211.º a 223.º e 255.º do Código do Trabalho de 2003.
Segundo o artigo 255.º, n.º 1, a retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efetivo. E o n.º 2 do mesmo preceito estabelece que além da retribuição mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a um subsídio de férias cujo montante compreende a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho.
Assim, quanto à retribuição de férias, o legislador consagrou o chamado princípio da não penalização retributiva.
Como refere o Professor João Leal Amado, ainda que o contrato de trabalho se apresente, indiscutivelmente, como um contrato bilateral, marcado pelo sinalagma entre trabalho e retribuição, o certo é que o período de inatividade produtiva correspondente às férias não deverá ter qualquer impacto negativo sobre a retribuição a pagar ao trabalhador (no seu artigo Comissões, Subsídio de Natal e Férias à luz do Código do Trabalho, publicado no Prontuário do Direito do Trabalho, n.ºs 76, 77,78, Coimbra, 2007, pp. 229 ss.).
Já quanto ao subsídio de férias o legislador abandonou a tradição da equiparação do seu valor ao valor da retribuição de férias e utilizou uma formulação enigmática (na expressão de Monteiro Fernandes, ob. cit. p. 418) suscetível de trazer problemas aplicativos e determinando que, muitas vezes, a referida equiparação se não verifique (pense-se, por exemplo, na retribuição composta, também, por comissões nas vendas, que não constituem contrapartida do modo específico da execução do trabalho - vide João Leal Amado, in estudo citado, p. 241).
Na vigência do Código do Trabalho de 2003 manteve-se em vigor o AE publicado no BTE n.º 28 de 1999, que à data da vigência do Código tinha a redação constante do BTE n.º 17 de 2002.
O art.º 4.º, nº 1 do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, veio alterar a regra de prevalência de normas constante do art.º 13.º da LCT - que apenas permitia a intervenção das normas hierarquicamente inferiores quando eram mais favoráveis ao trabalhador - ao dispor que as normas do Código do Trabalho podem ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário.
É, assim, inequívoco que em caso de concurso entre as normas constantes do Código do Trabalho e as disposições dos instrumentos de regulamentação coletiva, a lei permite a intervenção destas últimas, quer em sentido mais favorável aos trabalhadores, quer em sentido menos favorável, apenas se exigindo que as normas do Código do Trabalho não sejam imperativas. Se o forem, não será permitida a intervenção das normas da regulamentação coletiva.
Para esta mudança legislativa relevou a ideia de que, tratando-se de um instrumento de regulamentação coletiva de natureza negocial e estando os trabalhadores representados pelos sindicatos, fica, assim, garantido o contraditório negocial, a liberdade de negociação e o equilíbrio das soluções encontradas.
Por isso, devem as normas da contratação coletiva prevalecer sobre a lei geral, que apenas se imporá quando estabeleça um regime absolutamente imperativo, o que parece não suceder com as normas que estabelecem os critérios de cálculo da retribuição de férias e dos subsídios de férias.
Neste sentido, pronunciaram-se, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de setembro de 2011, processo n.º 557/07.5TTLSB.L1.S1 e de 27 de outubro de 2021, processo n.º 10818/19.5T8LSB.L1.S1, o segundo afirmando que nada obsta a que os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, como os Acordos de Empresa de 2008 e 2013 aqui aplicáveis, afastem, designadamente para efeitos de remuneração das férias e respetivo subsídio, prestações que comprovadamente assumem, de acordo com as disposições legais pertinentes, natureza retributiva.
Também este Tribunal da Relação de Lisboa decidiu neste sentido, no seu acórdão de 15 de fevereiro de 2023, processo n.º 23925/21.5T8LSB.L1, inédito.
Mas a jurisprudência não é uniforme a este propósito, podendo ver-se em sentido diverso os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de dezembro de 2010, proc. nº 2065/07.5TTLSB.L1.S1 e da Relação de Lisboa de 28 de abril de 2010, proc. nº.2065/07.5TTLSB.L1-4, in www.dgsi.pt..
E é justamente com base no primado da contratação coletiva que a apelante sustenta que a retribuição de férias e o subsídio de férias vencidos a partir de 1 de dezembro de 2003 deverão ter por referência o que se dispõe na cláusula 34.ª do AE, não sendo os valores auferidos a título de trabalho suplementar, trabalho noturno e adicional de remuneração elegíveis para o seu cômputo.
Ora, sem prejuízo da apontada prevalência do regime convencional sobre o legal em matérias que não assumam natureza imperativa, entendemos que a presente abordagem dispensa, em parte, a articulação entre a lei geral e a contratação coletiva, pois é esta última que, efetivamente, nos dá a resposta à questão em apreço.
Na verdade, ao contrário do que sucede com o subsídio de Natal, previsto na cláusula 46.ª, n.º 3, de ambos os AE’s, em que o respetivo cômputo está indexado ao conceito de retribuição previsto na cláusula 34.ª, as remunerações de férias e de subsídio de férias não contêm qualquer remissão para esta mesma cláusula 34.ª, antes se apurando o seu quantitativo em função do que o trabalhador auferiria se estivesse em serviço efetivo.
E, assim sendo, se em serviço efetivo o autor auferiu prestações por trabalho suplementar e por trabalho noturno em condições com regularidade e periodicidade, os seus valores deverão integrar a remuneração de férias e a remuneração do subsídio de férias no período temporal de 1 de dezembro de 2003 até 2016, conforme já supra concluímos e foi acertadamente decidido na sentença recorrida.
O mesmo já não sucede, porém, com o adicional de remuneração.
De facto, como anteriormente referido, o adicional de remuneração foi, pela primeira vez, consagrado na cláusula 39.º-A do AE publicado no BTE n.º 26, de 15 de julho de 2000 e manteve sempre a mesma natureza do subsídio de refeição.
E de acordo com o estipulado no n.º 2 da cláusula 39.ª do AE o subsídio de refeição não integra, para todo e qualquer efeito, o conceito de retribuição previsto na cláusula 34.ª.
Mais dispondo especificamente o n.º 3, da cláusula 39.ª que o subsídio de refeição não é devido na retribuição das férias, do subsídio de férias e do subsídio de Natal.
Em face da conjugação das cláusulas 39.ª-A e 34.ª é manifesto que, no contexto da concreta regulamentação coletiva que se aprecia, esta atribuição patrimonial não constituía retribuição.
Na data em que foi instituída no AE a referida atribuição patrimonial - ano 2000 -, encontrava-se em vigor o artigo 6.º, do DL n.º 519-C1/79, de 29 de dezembro, que estipulava, para o que aqui interessa que:
1 - Os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho não podem:
a) Limitar o exercício dos direitos fundamentais constitucionalmente garantidos;
b) Contrariar normas legais imperativas;
c) Incluir qualquer disposição que importe para os trabalhadores tratamento menos favorável do que o estabelecido por lei (…);
Também o artigo 13.º da LCT estipulava que:
1-As fontes de direito superiores prevalecem sempre sobre as fontes inferiores, salvo na parte em que estas, sem oposição daquelas, estabelecem tratamento mais favorável para o trabalhador. (…).
Resultava, assim, deste regime que o instrumento de regulamentação coletiva não podia dispor contra normas legais, consideradas fontes de direito superiores, a não ser que estipulasse um tratamento mais favorável ao trabalhador.
Esta regra não funcionava, porém, quanto a normas legais imperativas, que prevaleciam sempre.
Como já supra referido, este regime foi parcialmente modificado com a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, o qual no seu art.º 4.º, n.º 1 veio permitir que o instrumento de regulamentação coletiva passasse a poder dispor em sentido diverso das normas do Código (isto é, em sentido mais ou menos favorável ao trabalhador) e afastar a aplicação destas, salvo, novamente, quando estivessem em causa disposições imperativas.
Portanto, no novo regime, o instrumento de regulamentação coletiva poderia afastar as normas do Código do Trabalho determinando um tratamento menos favorável para o trabalhador (neste sentido, Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, Almedina, 3.ª edição, pág. 262).
No que respeita ao Código do Trabalho de 2009, o n.º 1 do art.º 3.º refere genericamente que as normas legais reguladoras de contrato de trabalho podem ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário.
E o n.º 3 do mesmo artigo, na redação em vigor até 2016 (data máxima formulada para o pedido respeitante ao adicional de retribuição), tinha a seguinte redação:
As normas legais reguladoras de contrato de trabalho só podem ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que, sem oposição daquelas normas, disponha em sentido mais favorável aos trabalhadores quando respeitem às seguintes matérias:
a) Direitos de personalidade, igualdade e não discriminação;
b) Proteção na parentalidade;
c)Trabalho de menores;
d) Trabalhador com capacidade de trabalho reduzida, com deficiência ou doença crónica;
e) Trabalhador-estudante;
f) Dever de informação do empregador;
g) Limites à duração dos períodos normais de trabalho diário e semanal;
h) Duração mínima dos períodos de repouso, incluindo a duração mínima do período anual de férias;
i) Duração máxima do trabalho dos trabalhadores noturnos;
j) Forma de cumprimento e garantias da retribuição, bem como pagamento de trabalho suplementar;
l) Capítulo sobre prevenção e reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais e legislação que o regulamenta;
m) Transmissão de empresa ou estabelecimento;
n) Direitos dos representantes eleitos dos trabalhadores.»
Por sua vez, o artigo 478.º do Código estipula que o instrumento de regulamentação coletiva não pode contrariar norma legal imperativa.
Em conclusão, no atual Código mantém-se o primado da lei imperativa e a possibilidade de o instrumento de regulamentação coletiva, em relação a normas dispositivas, dispor em sentido mais ou menos favorável para o trabalhador, ainda que o artigo 3.º, n.º 3, seja limitativo desta abrangência em relação a um considerável elenco de matérias (neste sentido, António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 22.ª edição, págs. 120 e 121).
Tendo em conta que o pedido formulado na petição inicial com referência ao adicional de remuneração respeita aos anos 2001 a 2007, 2009 a 2011, 2015 e 2016, temos que considerar os sucessivos regimes mencionados.
E em todos eles existe uma limitação permanente: o instrumento de regulamentação coletiva nunca se pode sobrepor a normas legais imperativas (é o primado da lei imperativa).
Já no que concerne às normas legais dispositivas:
» no regime da LCT vigente até à entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, que ocorreu em 1 de dezembro de 2003, o instrumento de regulamentação coletiva poderia prevalecer se estipulasse um tratamento mais favorável ao trabalhador;
» no regime introduzido pelo Código do Trabalho de 2003, o instrumento de regulamentação coletiva poderia dispor em sentido diverso das normas do Código e afastar a aplicação destas, mesmo que consagrasse um regime menos favorável ao trabalhador;
» no regime do Código do Trabalho de 2009, mantém-se a situação anterior, mas, em relação às matérias elencadas no artigo 3.º, n.º 3, as normas do Código só podem ser afastadas se dispuseram em sentido mais favorável ao trabalhador;
As normas legais laborais que definem a retribuição que deve ser paga nas férias, no subsídio de férias e no subsídio de Natal não são normas imperativas (neste sentido, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de fevereiro de 2024, Processo n.º 4007/20.3T8PTMS.P1.S1 e de 27 de outubro de 2021, Processo n.º 10818/19.5T8LSB.L1.S1 e da Relação de Lisboa de 29 de setembro de 2021, Processo n.º 2739/19.8T8VFX.l1-4, consultáveis em ).
As mesmas também não integram o elenco de matérias mencionadas no artigo 3.º, n.º 3, do Código do Trabalho de 2009, pelo que não estão sujeitas à regra do tratamento mais favorável para o trabalhador que o referido número consagra.
Donde resulta que o convencionado no AE quanto à natureza não retributiva do adicional de retribuição e ao seu não pagamento nas férias e subsídio de férias, a partir da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, prevalece sobre as normas dos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009.
Neste sentido, cita-se o referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de outubro de 2021:
II - Tendo sido acordado no AE aplicável que durante as férias, e no subsídio de férias, o trabalhador recebia uma retribuição constituída pela retribuição base e diuturnidades, não integrando a média das componentes retributivas constituída pelo subsídio de disponibilidade, são essas as normas a aplicar e não as regras constantes do Código do Trabalho, independentemente de serem, ou não, mais favoráveis para o trabalhador;
Cita-se a decisão sumária deste Tribunal da Relação proferida por Maria José da Costa Pinto, em 21 de junho de 2024, no âmbito do Processo n.º 6714/22.7T8ALM.L1 (inédita): (…) Quanto ao “adicional de remuneração”, deve ser computado na retribuição das férias e do subsídio de férias cujo pagamento devesse ser efetuado até à entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003 (se foi abonada ao autor por 11 ou mais meses, nos 12 meses que precederam esse pagamento). Após 1 de Dezembro de 2003, por via da alteração das regras reguladoras da hierarquia entre fontes de direito e face ao disposto na cláusula 39.ª, n.º 3, do AE 1999, e do AE/2017, por expressa remissão da cláusula 39.ª-A, n.º 4 do mesmo AE da Transtejo, esta prestação de “adicional de remuneração”, deixa de se refletir na retribuição de férias e subsídio de férias a satisfazer a partir de então, tal como decidiu a douta sentença.
E cita-se o acórdão da Relação de Évora de 9 de abril de 2025, proferido no âmbito no Processo n.º 742/24.5T8STB.E1 e relatado por Paulo do Paço, assim sumariado:
I- Da conjugação das cláusulas 39.ª-A e 34.ª do Acordo de Empresa entre a Transtejo - Transportes Tejo, S.A. e o Sindicato dos Transportes Fluviais, Costeiros e da Marinha Mercante, resulta manifesto que, no contexto da concreta regulamentação coletiva, o “adicional de remuneração” não constituía retribuição;
II- Desde a LCT até ao Código do Trabalho de 2009, na relação entre a legislação laboral e o instrumento de regulamentação coletiva manteve-se, sempre, o primado da lei imperativa;
III- Já quanto às normas dispositivas:
• no regime vigente até à entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003 (01-12-2003), o instrumento de regulamentação coletiva poderia prevalecer se estipulasse um tratamento mais favorável ao trabalhador;
• no regime introduzido pelo Código do Trabalho de 2003, o instrumento de regulamentação coletiva poderia dispor em sentido diverso das normas do Código e afastar a aplicação destas, mesmo que consagrasse um regime menos favorável ao trabalhador;
• no regime do Código do Trabalho de 2009, mantém-se a situação anterior, mas, em relação às matérias elencadas no artigo 3.º, n.º 3, as normas do Código só podem ser afastadas se dispuseram em sentido mais favorável ao trabalhador;
IV- As normas legais laborais que definem o conceito de retribuição, e a retribuição que deve ser paga nas férias, no subsídio de férias e no subsídio de Natal não são normas imperativas;
V- A natureza não retributiva do “adicional de retribuição” e ao seu não pagamento nas férias e subsídio de férias, estipulados no AE mencionado no ponto I, têm prevalência em relação às normas dos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009;
VI- Resultando dos factos assentes que em 2001 o trabalhador recebeu todos os meses o adicional de remuneração e que este constituía uma contrapartida do trabalho, não pode prevalecer a solução convencionada no AE que nega a natureza retributiva de tal atribuição patrimonial e a exclui no pagamento das férias e subsídios de férias e de Natal, por ser menos favorável para o trabalhador do que a solução que resulta da lei aplicável à época;
Em suma, a partir de 1 de dezembro de 2003, não são devidas ao autor as médias do adicional de remuneração na retribuição de férias e respetivo subsídio de férias.
No mais, e no que concerne ao trabalho suplementar e noturno, reafirma-se que vale quanto às férias o princípio da não penalização retributiva que emerge do art.º 255.º, n.º 1 do CT/2003, pelo que devem ser consideradas as parcelas referentes a retribuição por trabalho suplementar e trabalho noturno, desde que auferidos pelo autor em, pelo menos, 11 meses.
Relativamente ao subsídio de férias, vigora a previsão do art.º 255.º, n.º 2 do CT/2003, que entendemos que abarca estas duas prestações, ligadas à especificidade do trabalho do recorrido enquanto marinheiro e que constituem, sem dúvida, uma contrapartida do modo específico da execução destas funções enquanto trabalhador ao serviço da Transtejo.
Abrangência que resultaria já da previsão da cláusula 47.ª do AE que manteve a equiparação do subsídio de férias à retribuição de férias, ou seja, ligando a correspondente prestação à retribuição que seria devida se o trabalhador estivesse nesse mês em serviço efetivo - assim sucedendo mesmo após a revisão publicada no BTE n.º 17 de 2002, n.º 21 de 2007 e nas subsequentes.
E a questão do reflexo das médias do trabalho suplementar e noturno auferido regulamente pelo autor deve continuar a perspetivar-se do mesmo modo após a vigência do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, que entrou em vigor em 17 de fevereiro de 2009, na medida em que o mesmo assumiu, no essencial o regime prescrito no Código do Trabalho de 2003 quanto à retribuição e subsídio de férias, atento o que prescreve o art.º 264.º, n.ºs 1 e 2 quanto à retribuição e respetivo subsídio e o art.º 261.º, n.º 3, quanto ao valor médio a atender para o efeito.
Pelo que, atentas estas normas legais e em conformidade com o que estabelece a cláusula 47.ª do AE, que não as contraria ao funcionalizar ambas as prestações - de retribuição de férias e seu subsídio - ao que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efetivo, nas mesmas devem continuar a refletir-se as médias das retribuições por trabalho suplementar e trabalho noturno, auferidas em, pelo menos, 11 meses por ano.
Sintetizando:
Atenta a natureza ponderada da retribuição por trabalho suplementar e por trabalho noturno, a média dos valores auferidos a este título pelo autor nos anos de 2001 a 2016, sempre que o forem com regularidade e periodicidade, deve integrar-se no cômputo do valor a atender para efeitos de fixação do montante devido a título de:
» subsídios de Natal vencidos até 30 de novembro de 2003, como decidiu o tribunal ad quo;
» retribuição de férias e subsídio de férias em todo o período em análise, como decidiu o tribunal ad quo;
No que se reporta à média dos valores percebidos pelo autor a título de adicional de remuneração, sempre que o forem com regularidade e periodicidade, deve integrar-se no cômputo do valor a atender para efeitos de fixação do montante devido a título de:
» subsídios de Natal vencidos até 30 de novembro 2003, como decidiu o tribunal ad quo;
» retribuição de férias e subsídios de férias vencidos até 30 de novembro de 2003, alterando-se a sentença recorrida nesta parte;
*
(iii) do período a atender para apurar da média relevante:
Impõe-se decidir a última questão suscitada pela apelante de saber como apurar as médias das prestações variáveis auferidas pelo autor a título de trabalho suplementar, trabalho noturno e adicional de remuneração: se por reporte aos valores médios do ano civil anterior aquele em que se venceu o direito a férias e respetivo subsídio, se por reporte à média das quantias auferidas nos doze meses que antecedem aquele em que é devido o seu pagamento.
Entendeu o tribunal a quo que para o apuramento da média auferida pelo autor a título de trabalho suplementar, trabalho noturno e adicional de remuneração, relevam os 11 dos 12 meses que antecedem a data em que se vence o direito a férias retribuídas e ao respetivo subsídio, ou seja, os 11 dos 12 meses do ano civil anterior ao da data do vencimento, o que significa dizer que, para o efeito, releva o ano que antecede o 1 de janeiro de cada ano e não a data efetiva em que é paga a retribuição de férias e o subsídio de férias (cfr. 212.º, n.º 1, do CT/2003 e 237.º, n.º 1, do CT/2009).
Sobre esta questão em dissídio já este Tribunal da Relação de Lisboa teve oportunidade de se pronunciar em vários arestos, entre outros, nos acórdãos de 10 de abril de 2024, Processo n.º 6167/23.2T8LSB.L1, de 15 de fevereiro de 2023, Processo n.º 23925/21.5T8LSB.L1, de 9 de novembro de 2022, Processo n.º 16323/21.2T8LSB.L1 e de 12 junho 2019, Processo n.º 23739/18.0T8LSB.L1, (todos inéditos).
E fê-lo, designadamente, no acórdão de 16 de dezembro de 2020, proferido no processo n.º 24775/19.4T8LSB.L1, relatado pelo aqui 2.º adjunto, também inédito, onde se escreveu o seguinte:
(…) no que concerne à média do trabalho noturno, trabalho suplementar e subsídio de catamarã relevante para integrar os subsídios de férias tem a apelante razão, pois que não pode ser a dos anos civis precedentes mas, em conformidade com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Fixação de Jurisprudência n.º 14/2015, de 01-10-2015, prolatado no processo n.º 4156/10.6TTLSB.L1.S1-4, publicado no Diário da República, Série I de 29-10-2015, cuja ratio decidendi tem aqui plena aplicação dada a similaridade das questões, e que reza assim: "No cálculo das retribuições de férias e de subsídio de férias do tripulante de cabina deve atender-se à média das quantias auferidas pelo mesmo, a título de prestação retributiva especial a que alude a cláusula 5.ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais, nos doze meses que antecedem aquele em que é devido o seu pagamento, desde que, nesse período, o tripulante tenha auferido tal prestação em, pelo menos, onze meses.
Ou seja, a média deverá ser apurada em função do momento em que deveria ser pago o subsídio de férias e, portanto, antes do seu início em cada ano, em conformidade com o disposto no n.º 3 do [artigo 261.º] Código do Trabalho.
É certo que não foi alegado pelos apelados nem consequentemente se provou quando cada um deles tinha direito a perceber os subsídios de férias, sendo que cada um deles gozou férias e que os valores mensais pagos a título de trabalho noturno, trabalho suplementar e subsídio de catamarã são praticamente diferentes em cada mês pelo que não é possível determinar a média que integrará em cada ano a retribuição dos subsídios de férias devidos. O que, no entanto, não impede que a apelante seja condenada no que a esse título se liquidar, nos termos do n.º 2 do art.º 609.º do Código de Processo Civil (…).
Não vemos razões para nos afastarmos deste entendimento, que se nos afigura mais consentâneo com os sucessivos regimes legais em vigor no período em análise nestes autos.
Com efeito, o n.º 2, do art.º 84.º da LCT estabelecia que para determinar o valor da retribuição variável tomar-se-á como tal a média dos valores que o trabalhador recebeu ou tinha direito a receber nos últimos doze meses ou no tempo da execução do contrato, se este tiver durado menos tempo.
Por seu turno, o art.º 252.º, n.º 2, do CT de 2003 dispunha que para determinar o valor da retribuição variável toma-se como tal a média dos valores que o trabalhador recebeu ou tinha direito a receber nos últimos 12 meses ou no tempo da execução do contrato, se este tiver durado menos tempo.
E o n.º 3, do art.º 261.º do CT de 2009 estabelece que para determinar o valor da retribuição variável, quando não seja aplicável o respetivo critério, considera-se a média dos montantes das prestações correspondentes aos últimos 12 meses, ou ao tempo de execução de contrato que tenha durado menos tempo.
É certo que o momento em que se vence o direito a férias é o dia 1 de janeiro e que estas se reportam ao trabalho prestado no ano civil anterior (art.ºs 2.º, n.º 2 e 3.º, n.º 1 do DL n.º 874/76, de 28 de dezembro, 211.º, n.º 4 e 212.º, n.º 1 do CT de 2003 e 240.º, n.º 1 e 237.º, n.º 2 do CT de 2009).
Mas é igualmente certo, que o direito ao pagamento da sua retribuição e respetivo subsídio, ocorre por ocasião do gozo das férias (art.ºs 6.º, n.º 1 do DL n.º 874/76, de 28 de dezembro, 255.º, n.º 3 do CT de 2003 e 264.º, n.º 3 do CT de 2009).
Razão pela qual, para o cômputo das remunerações de férias, dos respetivos subsídios e dos subsídios de Natal, deve atender-se, caso sejam variáveis, à média das importâncias auferidas, calculada pelos doze meses de trabalho anteriores aos meses em que são gozadas as férias e processado o subsídio de Natal.
Neste sentido, também se pronunciaram os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de maio de 2007, processo n.º 06S3211 e de 1 de Outubro de 2015, processo n.º 4156/10.6TTLSB.L1.S1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
Veja-se, ainda, o acórdão da Relação de Coimbra, de 21 de maio de 2015, assim sumariado: Para determinar o valor das prestações variáveis que se consideraram como fazendo parte integrante da retribuição a pagar em cada ano a título de retribuição e subsídio de férias, é preciso aferir da média paga nos doze meses anteriores àquele em que o trabalhador gozou férias, igual raciocínio se devendo fazer quanto ao subsídio de Natal, este por reporte à data em que, em cada ano, deve ser pago ao trabalhador. processo n.º 1474/13.5TTCBR.C1, in www.colectaneadejurisprudencia.com,
No mesmo sentido, o acórdão deste Tribunal e secção de 26 de maio de 2021, em cujo sumário se escreveu:
I-Embora as férias se vençam no dia 1 de janeiro do ano civil e por referência ao trabalho prestado no ano anterior (art.º 237/1 e 2, Código do Trabalho), o direito à retribuição das férias e respetivo subsídio vencem-se posteriormente, na altura das mesmas (art.º 264.º/1 e 3, CT). E já era assim antes do Código do Trabalho;
II - Consequentemente, as médias dos pagamentos a ter eventualmente em conta para o seu cálculo são os dos meses anteriores ao vencimento da retribuição e subsídio e não dos meses do ano civil anterior; (proferido no processo n.º 1597/20.4T8LSB.L1, acessível em www.dgsi.pt).
Deverá, ainda, atentar-se que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 14/2015, de 1 de outubro de 2015, proferido no processo n.º 4156/10.6TTLSB.L1.S1, publicado no DR 1.ª série, de 29 de outubro de 2015, veio fixar à cláusula 12.ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais, integrado no AE/2006, publicado no BTE n.º 8, de 28 de fevereiro de 2006 (relativo à TAP), a seguinte interpretação:
No cálculo das retribuições de férias e de subsídio de férias do tripulante de cabina deve atender-se à média das quantias auferidas pelo mesmo, a título de prestação retributiva especial a que alude a cláusula 5.ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais, nos doze meses que antecedem aquele em que é devido o seu pagamento, desde que, nesse período, o tripulante tenha auferido tal prestação em, pelo menos, onze meses.
Este aresto, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 186.º do CPT e 686.º, n.º 1, do CPC, tem valor ampliado de revista.
O julgamento ampliado de revista visa a interpretação e aplicação uniforme do direito e tem lugar quando o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça entende que tal se revela necessário ou conveniente para assegurar a uniformidade da jurisprudência (cfr. o art.º 686.º, nº 1, do CPC), o que justifica também a publicação do acórdão na 1.ª série do DR.
E ainda que o citado aresto se reporte à interpretação de cláusula constante de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que não é aplicável ao caso dos autos, entendemos que não se deverá deixar de se aplicar à situação em apreço nos autos a doutrina nele consagrada, face ao valor reforçado desse acórdão, à uniformização de jurisprudência que dele decorre e à similitude de situações a demandar tratamento análogo.
Assim, tendo em consideração o decidido neste acórdão do Supremo Tribunal de Justiça com valor reforçado no sentido da densificação dos conceitos indeterminados de regularidade e periodicidade previstos sucessivamente nos artigos 82.º da LCT, 249.º do CT de 2003 e 258.º do CT de 2009, bem como quanto ao período temporal a atender para aferir do carácter regular e periódico das atribuições patrimoniais a imputar na retribuição de férias e seu subsídio, através da fixação de um critério uniforme, e tendo em consideração o disposto no artigo 8.º, n.º 3, do CC - segundo o qual nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito -, entendemos acolher a sua doutrina.
Razão pela qual, no caso vertente, se atenderá ao critério orientador preconizado no citado Acórdão n.º 14/2015, não só relativamente ao cariz regular e periódico das atribuições patrimoniais (o que não está em causa na apelação), como ainda ao período relevante a atender para efeitos de repercussão das médias auferidas pelo trabalhador a esse título - in casu retribuição por trabalho suplementar, trabalho noturno e adicional de remuneração - nas retribuições de férias e subsídio de férias, a saber, os 12 meses que antecederam o momento em que as mesmas devem ser pagas.
É certo que nenhuma das partes alegou em que períodos temporais o autor gozou férias em cada um dos anos passados, pelo que não é de imediato possível determinar quando prestou trabalho suplementar e noturno ou recebeu adicional de remuneração, em onze dos doze meses anteriores ao gozo das férias e ao recebimento da retribuição de férias e respetivo subsídios.
Mas tal nada mais implica do que lançar mão da condenação no que se apurar em liquidação de sentença, sendo necessária, nos exatos termos prescritos no artigo 609.º, n.º 2, do CPC.
Assim, nesta parte, concede-se provimento ao recurso.
As custas do recurso deverão ser suportadas por ambas as partes na proporção do respetivo decaimento (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
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V- Decisão:
Em face do exposto:
A-Acorda-se em conceder provimento parcial ao recurso e, em consequência, altera-se a sentença recorrida, condenando-se a ré a pagar ao autor, com o limite do valor por ele peticionado:
I- A média dos valores por este auferidos de 2001 até 30 de novembro de 2003 a título de trabalho noturno, trabalho suplementar e adicional de remuneração, em 11 dos 12 meses que precederam o pagamento dos subsídios de Natal vencidos nesse período, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde o momento em que os referidos subsídios deviam ter sido pagos até integral pagamento, a apurar, se necessário, em liquidação de sentença;
a. II- A média dos valores por este auferidos de 2001 a 2007, de 2009 a 2011, 2015 e 2016 a título de trabalho noturno, em 11 dos 12 meses que precederam o pagamento das retribuições de férias e respetivos subsídios vencidos nesse período, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde o momento em que as referidas retribuições de férias e respetivos subsídios deviam ter sido pagos até integral pagamento, a apurar, se necessário, em liquidação de sentença;
III- A média dos valores por este auferidos de 2001 a 2007, de 2009 a 2011 e 2015 a título de trabalho suplementar em 11 dos 12 meses que precederam o pagamento das retribuições de férias e respetivos subsídios vencidos nesse período, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde o momento em que as referidas retribuições de férias e respetivos subsídios deviam ter sido pagos até integral pagamento, a apurar, se necessário, em liquidação de sentença;
IV- A média dos valores por este auferidos de 2001 até 30 de novembro de 2003 a título de adicional de remuneração, em 11 dos 12 meses que precederam o pagamento dos das retribuições de férias e respetivos subsídios vencidos nesse período, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde o momento em que as referidas retribuições de férias e respetivos subsídios deviam ter sido pagos até integral pagamento, a apurar, se necessário, em liquidação de sentença;
B- No mais, confirma-se a sentença recorrida;
Condena-se autor e ré nas custas do recurso na proporção do respetivo decaimento.

Lisboa, 19 de novembro de 2025
Carmencita Quadrado
Cristina Martins da Cruz
Alves Duarte