Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2225/18.3T8LRS.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
DESPESAS E ENCARGOS
DIVÓRCIO
USO EXCLUSIVO POR UM DOS CÔNJUGES
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.– Não obstante ser o ex-cônjuge marido quem, desde a separação do casal, ocorrida em 2010, e até ao presente, está a ocupar, em exclusivo, a fração que foi a casa de morada de família do casal que constituiu com a autora, a quem esteve ligado por matrimónio celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos, dissolvido por divórcio em 2012, esta não deixa de ser responsável pelo pagamento de metade das dívidas respeitantes ao imóvel, relacionadas com a amortização do mútuo bancário por ambos celebrado com vista à sua aquisição, com o seguro da casa, com a quotização do condomínio e com o pagamento do IMI.

2.– Tendo o divórcio sido decretado em 2012, retroagindo os seus efeitos a 2010, se a apelante não diligenciou, até ao momento, pela liquidação e partilha do património comum do casal que constituiu com o apelado, foi, certamente, por que não quis, o que, desde logo, sempre inviabilizaria a aplicação, ao caso concreto, do instituto do enriquecimento sem causa.

3.– Nada alegando a apelante no sentido de que, desde a separação do casal, alguma vez tivesse pretendido usar a fração e disso tivesse sido impedida pelo apelado, aquela situação configura um acordo, pelo menos tácito, entre ambos, quanto à utilização da casa de morada de família.

4.– Se a apelante pretendesse:
- opor-se ao uso exclusivo que o apelado dela vem fazendo; ou,
- ou ser ela a usá-la;
sempre poderia, em todos estes anos ter-se socorrido do mecanismo previsto nos arts. 1047.º, n.º 7 do C.P.C./95-96, e 931.º, n.º 7, do C.P.C./13, e requerido ao tribunal a fixação de um regime provisório quanto à utilização da casa de morada da família e à eventual compensação devida pela ocupação que o réu dela vem fazendo.

5.– Não o tendo feito, a apelante aceitou, deu o seu acordo, ainda que tácito, à utilização que o apelado vem fazendo da casa de morada da família, sendo que nada há nos autos que revele ter existido um qualquer acordo entre ambos relativamente a quaisquer contrapartidas a suportar pelo apelado, pelo uso que vem fazendo da fração.

6.– No caso concreto, o enriquecimento ilegítimo por parte do apelado à custa do património da apelante pressupunha, desde logo, que esta alegasse, e não alegou, factos suscetíveis de, uma vez provados, demostrarem que o apelado vem utilizando a casa de morada da família de modo injustificado ou indevido.

7.– Para o reconhecimento do direito de crédito não basta a prova de factos reveladores de um enriquecimento de um interessado e do correspectivo empobrecimento patrimonial do outro, sendo ainda necessária a prova de factos que, como elemento constitutivo do direito, revelem a ausência de uma causa justificativa para uma tal transferência patrimonial.

8.– Além de que, in casu, sempre seria a partilha o momento próprio para a apelante exigir do apelado o pagamento das dívidas referidas em 1., nos termos do art. 1697.º do C.C., preceito onde estão previstas as compensações entre os cônjuges no campo da responsabilidade por dívidas.

9.– Se é certo que as dívidas em causa foram, todas elas, pagas pela apelante em datas posteriores àquela em que o divórcio produziu efeitos (2010) e, a grande maioria delas, em datas posteriores àquela em que foi decretado o divórcio, não o é menos que elas respeitam a um bem comum adquirido por ambos na constância do casamento.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


APM intentou a presente ação declarativa de condenação contra VMA, alegando, em suma, que foi casada com o réu até 16 de outubro de 2012, data em que o casamento foi dissolvido por divórcio.

Os efeitos do divórcio retroagiram a 1 de maio de 2010, data a partir da qual autora e réu passaram a residir em casas separadas, mantendo-se este a residir naquela que, até então, tinha sido a casa de morada de família, sita na Rua __, n.º __, 4.º-D, em _____.
Até ao presente não foi efetuada a partilha do bem comum do casal, precisamente a referida casa de morada de família.

Sucede que, apesar de nela não residir, tem sido a autora a suportar na íntegra, e desde 1 de maio de 2010, as despesas referentes:
- à amortização do empréstimo bancário por ambos celerado com vista à aquisição do 4.º D, incluindo seguros, no montante global de € 31.449,47, à data de 30 de janeiro de 2018;
- ao pagamento da quotização do condomínio, no montante global de € 2.590,00, à data de 7 de fevereiro de 2018;
- ao pagamento do IMI, no montante global de € 1.082,64, à data de 27 de abril de 2015.

O pagamento de tais montantes é da exclusiva responsabilidade do réu, pois que apenas ele vem fazendo uso da casa de morada de família desde a data da separação do casal, em 1 de maio de 2010.

A autora conclui assim a petição inicial:
«Nestes termos e nos melhores de direito (...), deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, em consequência,
a)- ser o R. condenado a pagar à A. a quantia de € 35.122,11 (trinta e cinco mil cento e vinte e dois euros e onze cêntimos), acrescida dos competentes juros de mora, à taxa cível, vencidos e vincendos, até efetivo e integral pagamento;
b)- ser o R. condenado a pagar à A. todas as despesas que a A. venha a pagar, após a entrada desta ação, respeitantes à fração autónoma identificada no Art. 3º da PI, e cujo valor deverá ser apurado em sede de liquidação de sentença;
Ou, caso assim não se entenda,
c)- ser o R. condenado a pagar à A. a quantia de € 17.561,05 (dezassete mil quinhentos e sessenta e um euros e cinco cêntimos), acrescida dos competentes juros de mora, à taxa cível, vencidos e vincendos, até efetivo e integral pagamento;
d)- ser o R. condenado a pagar à A. metade de todas as despesas que a A. venha a pagar, após a entrada desta ação, respeitantes à fração autónoma identificada no Art. 3º da PI, e cujo valor deverá ser apurado em sede de liquidação de sentença».
***

O réu apresentou contestação, na qual admite dever à autora o valor de € 17.099,23.
Conclui pugnando para que a ação seja julgada parcialmente improcedente, «admitindo o Réu dever somente a quantia de € 17.099,23, a única que merecerá condenação», e, no mais, pela sua absolvição do pedido.
***

Através do articulado de fls. 264-265 a autora ampliou o pedido formulado sob a al. a) da parte dispositiva da petição inicial, pugnando agora para que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 37.955,40, acrescida de juros de mora.
***

Na audiência prévia a que se reporta a ata de fls. 282-285, a juíza a quo proferiu a seguinte decisão:
«Pelo exposto, em conformidade com o previsto nos artigos 277º, n.º 1, al. d), 283º, n.º 1, 284º, 289º, a contrario, e 290º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, quer pela qualidade dos intervenientes, quer pelo objeto do processo, julgo válida, por sentença, a confissão que antecede, condenando o R. a pagar à A. € 17.099,23 (dezassete mil noventa e nove euros e vinte e três cêntimos), acrescidos de juros de mora, contados, às taxas de natureza civil aplicáveis, desde cada um dos pagamentos, conforme elencado nos artigos 9º, 10º, 14º e 18º da petição inicial, até integral e efetivo pagamento.
Custas a cargo do R., na proporção do confessado, correspondente a 50%, sem prejuízo dos benefícios de que goze (artigo 537º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Valor da ação e da causa: € 35.122,11 (trinta e cinco mil cento e vinte e dois euros e onze cêntimos) (artigos 296º, 297º, n.º 1, 1ª parte, 299º, n.º 1, 306º e 308º, todos do Código de Processo Civil).
Registe.
Notifique.
Os autos prosseguirão quanto ao demais».
***

No prosseguimento dos autos para conhecimento do demais peticionado pela autora, realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Pelo exposto, julgo a ação parcialmente improcedente por não provada e, em consequência, absolvo o R. do pedido».
***

A autora não se conformou com o assim decidido, tendo interposto o presente recurso de apelação, cujas alegações conclui assim:
A)– Não pode a A. concordar com a decisão proferida pela Tribunal, pois a mesma, por um lado padece de um vício de omissão de pronúncia, o qual acarreta a nulidade da referida sentença, nos termos do disposto no Art. 615º, nº 1, alínea d), do CPC; e, por outro lado, na referida sentença o Tribunal a quo fez uma incorreta subsunção dos factos em discussão ao direito aplicável, ao decidir que “Não obstante não o referirem as partes, o peticionado corresponde à compensação prevista no Art. 1697º, nº 1, do CC”.
B)– Na data de 12.09.2018 a A. apresentou um requerimento de ampliação do pedido formulado nos presentes autos (Ref. 30072237), o qual foi objeto do seguinte despacho: “2. Tomei conhecimento do requerimento de ontem entrado às 19:36 horas REF. 30072237. Aguardar-se-á pelo decurso do prazo do contraditório.”
C)– O R., devidamente notificado, não se pronunciou relativamente ao pedido de ampliação apresentado pela A.
D)– E, na doutra sentença ora proferida e da qual se recorre, o Tribunal a quo não se pronunciou relativamente a essa ampliação de pedido, não se pronunciando quanto ao mesmo, nem quanto aos factos alegados no mesmo e à prova documental junta com tal requerimento.
E)– Ora, por aplicação do disposto no Art. 574º, nº 1, do CPC, e porque os factos alegados pela A. não foram objeto de impugnação por parte do R. o Tribunal a quo, na douta sentença ora recorrida, sempre teria de ter dado tais factos como provados, e ter condenado o R. no pagamento, à A., da quantia aí peticionada.
F)– Padece a douta sentença ora recorrida de um vício de nulidade, por omissão de pronuncia, nulidade essa que desde já se argui, devendo em consequência, a sentença ser substituída por outra que se pronuncie quanto à ampliação de pedido formulada pela A., e condene o R. no pagamento da quantia aí reclamada, já que este, notificado de tal pedido, não impugnou os factos alegados pela A. quanto ao mesmo.
G)– Não pode a A. concordar com o entendimento do Tribunal a quo, pois, a situação trazida aos autos pelas partes, não se enquadra naquele regime legal, e não configura uma compensação como previsto no Art. 1697º, do CC.
H)– A dívida peticionada nos presentes autos pela A. ao R., não faz parte do património comum porque era inexistente à data em que se produziram os efeitos do divórcio, ou seja, à data de 01.05.2010, data da separação de facto.
I)– Por outro lado, e como resulta demonstrado nos presentes autos e dado como provado, após a separação, ou seja, após 01.05.2010, o R. “manteve-se a residir na casa de morada de família, dela usufruindo exclusivamente”. Ou seja, e na prática, desde aquela data, o R. arrogou-se o direito de habitar a casa de morada de família, usufruindo da mesma exclusivamente, e pretendendo fazê-lo até à partilha de tal bem; partilha essa que ainda não ocorreu.
J)– Pelo que, se ao R. passou a ser atribuído o direito de habitar a casa de morada de família desde aquela data, ao mesmo incumbe, então, o pagamento, na íntegra, das despesas inerentes a tal uso exclusivo.
K)– Estamos assim perante uma dívida contraída depois da dissolução do casamento entre os cônjuges e que se reporta ao património próprio de cada um sem intervenção do património comum (apesar de ter a sua génese neste).
L)– Pelo que, erroneamente, se refere na douta sentença ora recorrida que estamos perante uma situação de compensação entre cônjuges que deverá ser operada na partilha e que até esta (partilha) tais valores reclamados pela A. ao R. não são exigíveis.
M)– E, tal crédito, é, desde já exigível, por não se tratar de uma compensação entre cônjuges, nos termos do disposto no Art. 1697º, do CC.
N)– Face ao supra exposto, errou, pois o Tribunal a quo ao considerar que seria de aplicar ao caso em apreço o disposto no Art. 1697º, do CC, decidindo, em consequência, que o crédito aqui em causa não é, ainda, exigível, só o sendo em sede de partilha.
O)– E, na situação em apreço, mostram-se reunidos e verificados os requisitos exigidos pelo instituto de enriquecimento sem causa estatuído no Artº 473º, do C.C., a saber: a) que alguém obtenha um enriquecimento; b) que o obtenha à custa do outro; c) que o enriquecimento não tenha causa justificativa; d) e inexistência de ação apropriada que possibilite ao empobrecido meio de ser indemnizado ou restituído.
P)– A A. efetuou o pagamento de todas as quantias dadas como provadas e bem assim das elencadas no pedido de ampliação que apresentou, obrigação essa que incumbia ao ex-cônjuge marido, como contrapartida pelo uso da casa de morada de família até à partilha, pelo que se encontra demonstrado o “enriquecimento” por parte do R. e o consequente empobrecimento da A.: o R. usufruiu, e continua a usufruir, da casa de morada de família sem que tenha suportado o respetivo custo, tendo sido a A. quem veio a suportar tais despesas.
Q)– Errou, pois, o Tribunal a quo ao decidir que não seria de aplicar ao caso em apreço o instituto do enriquecimento sem causa.
R)– Por outro, sempre se dirá que, ainda que a verificar-se qualquer situação de inexigibilidade da dívida reclamada pela A. ao R., no que não se concede, esta (inexigibilidade), porque exceção dilatória importava a absolvição do R. da instância e não do pedido, pelo que, errou o Tribunal a quo ao se decidir pela improcedência parcial da ação, e consequente absolvição do R. do pedido.
S)– Por último, igualmente se dirá que, a mesma ausência de razões substanciais que aconselhassem a manutenção do diferimento previsto no Art. 1697º, do CC, a que o Tribunal a quo atendeu para homologar a confissão em sede de contestação relativamente a parte dos valores peticionados pela A., se mantêm pelo que, também em sede de sentença, e entendendo que seria de aplicar o disposto no Art. 1697º, do CC, o Tribunal a quo deveria ter decidido da mesma forma e no mesmo sentido, condenando o R. no pedido, como formulado pela A.
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O réu não apresentou contra-alegações.
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A juíza a quo apreciou a questão da nulidade da sentença invocada pela apelante no recurso, suprindo-a.
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II–ÂMBITO DO RECURSO:

– Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1, do C.P.C. de 2013) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3, do C.P.C. de 2013), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art. 635.º). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.

Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.

Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3, do C.P.C. de 2013) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2, do C.P.C. de 2013, ex vi do art. 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).

No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pelo(a) recorrente, que o objeto da presente apelação consiste em saber se, estando o réu a utilizar, em exclusivo, desde 1 de maio de 2010 e até à presente data, aquela que, até então, foi a casa de morada de família do casal que constituiu com a autora, é ele o único responsável pelo pagamento das despesas referentes à amortização do empréstimo bancário por ambos celerado com vista à aquisição da casa, pelo seguros, quotizações de condomínio e IMI e ela respeitantes.
***

III–FUNDAMENTOS:

Fundamentação de facto:
A sentença recorrida considerou provada a seguinte factualidade:
1.– Casamento
A A. e o R. foram casados um com o outro até 16.10.2012, data em que foi decretado o divórcio entre ambos, com efeitos a 01.05.2010, data da separação de facto.
1.1.-
Do referido casamento nasceu um filho: DM, atualmente maior de idade.
2.– Separação
O R. manteve-se a residir, sozinho, naquela que tinha sido até aí a casa de morada de família, sita na Rua ___, 4º D, _____.
2.1.-
A A. manteve o acesso à caixa do correio.
2.2.-
A A. passou a residir na Rua ___, n.º __, 1º A, _____.
2.3.-
Até à presente data, não foi feita a partilha desse bem comum do ex-casal.
3.– Crédito hipotecário
No âmbito de contrato de crédito à habitação, a R. pagou as seguintes prestações:
a)- 01-06-2010 Maio/2010 460,00 €
b)- 30-06-2010 Junho/2010 480,00 €
c)- 30-08-2010 Julho/2010 430,00 €
d)- 29-09-2010 Agosto2010 430,00 €
e)- 05-05-2011 Abril/2011 431,42 €
f)- 02-06-2011 Maio/2011 430,00 €
g)- 13-06-2011 Maio/2011 22,86 €
h)- 19-12-2011 Novembro/2011 455,33 €
i)- 08-02-2012 Janeiro/2012 460,00 €
j)- 20-03-2012 Fevereiro/2012 460,00 €
k)- 12-04-2012 Março/2012 460,00 €
l)- 08-05-2012 Abril/2012 460,00 €
m)- 08-06-2012 Maio/2012 460,00 €
n)- 10-07-2012 Junho/2012 450,00 €
o)- 22-08-2012 Julho/12 450,00 €
p)- 19-09-2012 Agosto/12 400,00 €
q)- 19-10-2012 Setembro/12 460,00 €
r)- 14-11-2012 Outubro/12 450,00 €
s)- 23-01-2013 Dezembro/12 395,00 €
t)- 12-02-2013 Janeiro/2013 420,00 €
u)- 05-03-2013 Fevereiro/2013 420,00 €
v)- 09-04-2013 Março/2013 414,00 €
w)- 08-07-2013 Junho/2013 420,00 €
x)- 12-08-2013 Julho/2013 420,00 €
y)- 10-09-2013 Agosto/2013 420,00 €
z)- 08-10-2013 Setembro/2013 415,00 €
aa)- 12-11-2013 Outubro/2013 400,00 €
bb)- 10-12-2013 Novembro/2013 400,00 €
cc)- 07-01-2014 Dezembro/2013 415,00 €
dd)- 04-02-2014 Janeiro/2014 415,00 €
ee)- 11-03-2014 Fevereiro/2014 400,00 €
ff)- 08-04-2014 Março/2014 420,00 €
gg)- 06-05-2014 Abril/2014 450,00 €
hh)- 03-06-2015 Maio/2014 400,00 €
ii)- 08-07-2014 Junho/2014 400,00 €
jj)- 05-08-2014 Julho/2014 400,00 €
kk)- 12-09-2014 Agosto/2014 400,00 €
ll)- 17-09-2014 Agosto/2014 28,00 €
mm)- 07-10-2014 Setembro/2014 422,00 €
nn)- 28-10-2014 Outubro/2014 400,00 €
oo)- 30-10-2014 Outubro/2014 12,00 €
pp)- 28-11-2014 Novembro/2014 412,00 €
qq)- 30-12-2014 Dezembro/2014 389,43 €
rr)- 29-01-2015 Janeiro/2015 400,00 €
ss)- 03-03-2015 Fevereiro/2015 400,00 €
tt)- 31-03-2015 Março/2015 400,00 €
uu)- 30-04-2015 Abril/2015 412,00 €
vv)- 29-05-2015 Maio/2015 399,95 €
ww)- 30-06-2015 Junho/2015 413,35 €
xx)- 30-07-2015 Julho/2015 406,39 €
yy)- 27-08-2015 Agosto/2015 389,03 €
zz)- 29-09-2015 Setembro/2015 401,46 €
aaa)- 30-10-2015 Outubro/2015 400,00 €
bbb)- 30-11-2015 Novembro/2015 406,00 €
ccc)- 29-12-2015 Dezembro/2015 420,00 €
ddd)- 29-01-2016 Janeiro/2016 412,00 €
eee)- 01-03-2016 Fevereiro/2016 412,00 €
fff)- 01-04-2016 Março/2016 427,20 €
ggg)- 27-04-2016 Abril/2016 412,00 €
hhh)- 26-05-2016 Maio/2016 406,00 €
iii)- 28-06-2016 Junho/2016 400,00 €
jjj)- 29-07-2016 Julho/2016 380,61 €
kkk)- 26-08-2016 Agosto/2016 393,69 €
lll)- 30-09-2016 Setembro/2016 393,35 €
mmm)- 01.11.2016 Outubro/2016 391,90 €
nnn)- 29.11.2016 Novembro/2016 400,00 €
ooo)- 28.12.2016 Dezembro/2016 383,13 €
ppp)- 30.01.2017 Janeiro/2017 391,51 €
qqq)- 28.02.2017 Fevereiro/2017 391,43 €
rrr)- 28.03.2017 Março/2017 396,43 €
sss)- 26.04.2017 Abril/2017 396,43 €
ttt)- 27.05.2017 Maio/2017 390,74 €
uuu)- 25.06.2017 Junho/2017 394,53 €
vvv)- 28.07.2017 Julho/2017 389,36 €
www)- 29.08.2017 Agosto/2017 389,18 €
xxx)- 29.09.2017 Setembro/2017 392,06 €
yyy)- 26.10.2017 Outubro/2017 389,27 €
zzz)- 28.11.2017 Novembro/2017 388,49 €
aaaa)- 27.12.2017 Dezembro/2017 393,49 €
bbbb)- 30.01.2018 Janeiro/2018 388,63 €
cccc)- fevereiro de 2018 - € 387,61;
dddd)- março de 2018 - € 393,63;
eeee)- abril de 2018 - € 387,27;
ffff)- maio de 2018 - € 386, 95;
gggg)- junho de 2018 - € 391,95;
hhhh)- julho de 2018 - € 386,95;
iiii)- agosto de 2018 - € 386,43,
O que perfaz a quantia total de € 34.609,44 (trinta e um mil oitocentos e oitenta e oito euros e sessenta e cinco cêntimos).

3.1.–
Relativamente à mensalidade de junho de 2012, a A. resgatou, na data de 27.07.2012, a quantia de € 439,18 (quatrocentos e trinta e nove euros e dezoito cêntimos), paga pelo R..

4.–Condomínio
A A. pagou as seguintes prestações de condomínio:
a)- 08-11-2011 Quota referente aos meses de Maio a Dezembro 2010 e de Janeiro a Fevereiro 2011 350,00 €
b)- 08-05-2012 Janeiro/Fevereiro/12 70,00 €
c)- 08-06-2012 Março/Abril de 2012 70,00 €
d)- 09-07-2012 Maio/Junho de 2012 70,00 €
e)- 08-08-2012 Julho/Agosto de 2012 70,00 €
f)- 14-09-2012 Setembro de 2012 70,00 €
g)- 08-10-2012 Outubro de 2012 35,00 €
h)- 06-11-2012 Novembro de 2012 35,00 €
i)- 10-12-2012 Dezembro de 2012 35,00 €
j)- 08-01-2013 Janeiro de 2013 35,00 €
k)- 08-02-2013 Fevereiro de 2013 35,00 €
l)- 08-03-2013 Março de 2013 35,00 €
m)- 11-04-2013 Abril de 2013 35,00 €
n)- 08-05-2013 Maio de 2013 35,00 €
o)- 08-06-2013 Junho de 2013 35,00 €
p)- 08-07-2013 Julho de 2013 35,00 €
q)- 08-08-2013 Agosto de 2013 35,00 €
r)- 08-09-2013 Setembro 2013 35,00 €
s)- 08-10-2013 Outubro 2013 35,00 €
t)- 08-11-2013 Novembro 2013 35,00 €
u)- 08-12-2013 Dezembro 2013 35,00 €
v)- 08-01-2014 Janeiro 2014 35,00 €
w)- 08-02-2014 Fevereiro/2014 35,00 €
x)- 08-03-2014 Abril/11 e Março/14 70,00 €
y)- 08-04-2014 Maio/11 e Abril/14 70,00 €
z)- 08-05-2014 Junho/11 e Maio/14 70,00 €
aa)- 08-06-2014 Julho/11 e Junho/14 70,00 €
bb)- 08-07-2014 Agosto/11 e Julho/14 70,00 €
cc)- 08-08-2014 Setembro/11 e Agosto/14 70,00 €
dd)- 08-09-2014 Outubro/11 e Setembro/14 70,00 €
ee)- 08-10-2014 Novembro/11 e Outubro/14 70,00 €
ff)- 08-11-2014 Dezembro/11 e Novembro/14 70,00 €
gg)- 08-12-2014 Dezembro/14 35,00 €.

4.1.–
A partir de janeiro de 2015, a A. pagou o correspondente a metade das prestações de condomínio:
a)- 08-01-2015 Janeiro/2015 17,50 €;
b)- 08-02-2015 Fevereiro/2015 17,50 €;
c)- 08-03-2015 Março/2015 17,50 €;
d)- 08-04-2015 Abril/2015 17,50 €;
e)- 08-05-2015 Maio/2015 17,50 €;
f)- 08-06-2015 Junho/2015 17,50 €;
g)- 08-07-2015 Julho/2015 17,50 €;
h)- 08-08-2015 Agosto/2015 17,50 €;
i)- 08-09-2015 Setembro/2015 17,50 €;
j)- 08-10-2015 Outubro/2015 17,50 €;
k)- 08-11-2015 Novembro/2015 17,50 €;
l)- 08-12-2015 Dezembro/2015 17,50 €;
m)- 08-01-2016 Janeiro/2016 17,50 €;
n)- 08-02-2016 Fevereiro/2016 17,50 €;
o)- 08-03-2016 Março/2016 17,50 €;
p)- 08-04-2016 Abril/2016 17,50 €;
q)- 08-05-2016 Maio/2016 17,50 €;
r)- 08-06-2016 Junho/2016 17,50 €;
s)- 08-07-2016 Julho/2016 17,50 €;
t)- 08-08-2016 Agosto/2016 17,50 €;
u)- 08-09-2016 Setembro/2016 17,50 €;
v)- 10-10-2016 Outubro/2016 17,50 €;
w)- 07-11-2016 Novembro/2016 17,50 €;
x)- 07-12-2016 Dezembro/2016 17,50 €;
y)- 09-01-2017 Janeiro/2017 17,50 €;
z)- 08-02-2017 Fevereiro/2017 17,50 €;
aa)- 07-03-2017 Março/2017 17,50 €;
bb)- 06-04-2017 Abril/2017 17,50 €;
cc)- 06-05-2017 Maio/2017 17,50 €;
dd)- 07-06-2017 Junho/2017 17,50 €;
ee)- 05-07-2017 Julho/2017 17,50 €;
ff)- 06-08-2017 Agosto/2017 17,50 €;
gg)- 08-09-2017 Setembro/2017 17,50 €;
hh)- 05-10-2017 Outubro/2017 17,50 €;
ii)- 05-11-2017 Novembro/2017 17,50 €;
jj)- 09-12-2017 Dezembro/2017 17,50 €;
kk)- 06-01-2018 Janeiro/2018 17,50 €;
hh)- 07-02-2018 Fevereiro/2018 17,50 €;
ii)- março de 2018 - € 17,50;
jj)- abril de 2018 - € 17,50;
kk)- maio de 2018 - € 17,50;
ll)- junho de 2018 - € 17,50;
mm)- julho de 2018 - € 17,50;
nn)- agosto de 2018 - € 17,50;
oo)- setembro de 2018 - € 17,50

4.2.–
O R. pagou a quantia de € 35,00 (trinta e cinco euros) referente à quota de Março de 2011.

4.3.–
Entre Março de 2014 e Novembro de 2014, paralelamente ao valor da quota mensal, a A. efetuou o pagamento total da quantia de € 315,00, relativamente a quotas em atraso, relativas ao período compreendido entre Abril de 2011 e Dezembro de 2011, nos termos de um acordo de pagamento celebrado com o Condomínio no âmbito de uma ação que correu nos Julgados de com o Proc.º 21/2014.

5.–IMI
A A. pagou o IMI referente à fração até abril de 2015, nos seguintes montantes:
a)- 12-05-2011 IMI referente ao Ano 2010 237,99 €
b)- 07-05-2012 IMI referente ao Ano 2011 237,99 €
c)- 22-04-2013 IMI referente ao Ano 2012 (1.ª Prestação)156,50 €
d)- 21-11-2013 IMI referente ao Ano 2012 (2.ª Prestação)156,50 €
e)- 28-04-2014 IMI referente ao Ano 2013 (1.ª Prestação)146,83 €
f)- 27-04-2015 IMI referente ao Ano 2014 (1.ª Prestação) 146,83 €
g)- O que perfaz a quantia total de € 1.082,64 (mil e oitenta e dois euros e sessenta e quatro cêntimos, conforme documento 104 junto com a petição inicial.

A sentença recorrida considerou não provado que:
Antes da citação, a A. instou o R. ao pagamento integral das despesas de crédito hipotecário, condomínio e IMI.
***

3.2–Do enquadramento jurídico:
Uma primeira nota para referir que a autora/apelante critica o enquadramento jurídico feito pela juíza a quo na sentença recorrida relativamente à matéria de facto.
No entanto, e independentemente de lhe assistir ou não razão, a verdade é que na petição inicial não indicou qualquer razão de direito fundamentadora da ação, como lhe exige o art. 552.º, n.º 1, al. d), parte final, do C.P.C.
É que, como é sabido, a repartição das tarefas entre as partes e o juiz resumida no brocardo da “mihi facta, dabo tibi ius”, ou seja, “dá-me os factos, dar-te-ei o direito”, já não vale hoje de modo absoluto.
A sentença recorrida considerou provado que «a A. e o R. foram casados um com o outro até 16.10.2012, data em que foi decretado o divórcio entre ambos, com efeitos a 01.05.2010, data da separação de facto».
Este facto tem como fonte o documento de fls. 10-14, a ata da audiência de discussão e julgamento, realizada no dia 16 de outubro de 2012, no âmbito da ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, que, sob o n.º 7830/11.6TCLRS, correu termos no Tribunal de Família e Menores e da Comarca de Loures, 2.º Juízo de Família e Menores, na qual foi proferida sentença de declarou dissolvido, por divórcio o casamento entre a autora e o réu.

Nessa sentença foi dado como provado que:
a)- «a A. e o Réu contraíram casamento civil um com o outro no dia 8 de Maio de 1993, sem convenção antenupcial, conforme consta da certidão do assento de casamento de fls. 13/14»[1].
b)- «Desde o dia 1 de Maio de 2010, A. e Réu não vivem na mesma casa, não dormem na mesma cama e não fazem as refeições em conjunto».

A parte dispositiva dessa sentença tem a seguinte redação:
«Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, decide-se:
a)- decretar o divórcio entre APM e VMA, declarando dissolvido o seu casamento e cessadas as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges;
b)- fixar como data do início da separação de facto entre A. e Réu a data de 1 de Maio de 2010, e determinar que os efeitos do divórcio ora decretado se retroajam a essa data».

A sentença ora sob recurso considerou ainda provado que:
c)- «O R. manteve-se a residir, sozinho, naquela que tinha sido até aí a casa de morada de família, sita na Rua ___, __, 4º D, _____»;
d)- «A A. passou a residir na Rua ___, __, 1º A, _____»;
e)- «Até à presente data, não foi feita a partilha desse bem comum do ex-casal».

Resulta da certidão predial que constitui o documento de fls. 14vº a 18 que:
- Pela Ap. 84 de 1999/09/27, encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial de _____, a aquisição, a favor de VMA e de APM no regime da comunhão de adquiridos, por compra a JL, da fração autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao 4.º D, do prédio urbano sito Rua ___, __, em _____, ou seja, da casa de morada de família do casal que foi constituído entre a autora e o réu;
- Pela Ap. 85 de 1999/09/27, encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial de _____, hipoteca voluntária a favor do B, S.A., para «garantia de empréstimo JURO ANUAL: 4,760% acrescido de 4% em caso de mora DESPESAS: 560.000$00», até ao «Montante Máximo Assegurado: 18.239.200,00 Escudos».

A apelante pagou as quantias acima indicadas, todas referentes à fração autónoma que foi a casa de morada de família do casal que constituiu com o apelado.

Como se viu, na audiência prévia a que se reporta a ata de fls. 282-285, a juíza a quo homologou, por sentença, a confissão parcial do pedido[2] efetuada pelo réu, nos termos da qual, relativamente aos valores peticionados pela autora, reconheceu dever-lhe a quantia de € 17.099,23, condenando-o, por conseguinte, a pagar a esta o referido montante, e determinando o prosseguimento da ação na parte não abrangida pela confissão (art. 284.º do C.P.C.).

No prosseguimento da causa nos referidos termos, foi proferida sentença que, relativamente à parte não abrangida pela confissão, julgou a ação improcedente, por não provada, absolvendo, nessa parte, o réu do pedido.

Nos termos do 1724.º, al. b), do C.C., no regime da comunhão de adquiridos «fazem parte da comunhão (...) os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam excetuados por lei».

Não oferece dúvida que a fração “_” foi adquirida pela apelante e pelo apelado na constância do casamento que os uniu segundo o regime da comunhão de adquiridos.

Trata-se, pois, de um bem comum.

Nos termos:
- do art. 1690.º, n.º 2, do C.C., «para a determinação da responsabilidade dos cônjuges, as dívidas por eles contraídas têm a data do facto que lhes deu origem»;
- do art. 1691.º, n.º 1, al. a), do C.C. «são da responsabilidade de ambos os cônjuges (...) as dívidas contraídas, antes ou depois da celebração do casamento, pelos dois cônjuges, ou por um deles com o consentimento do outro»;
- do art. 1694.º, n.º 1, do C.C., «as dívidas que onerem bens comuns são sempre da responsabilidade comum dos cônjuges, quer se tenham vencido antes, quer depois da comunicação dos bens»;
- do art. 1695.º, n.º 1, do C.C., «pelas dívidas que são da responsabilidade de ambos os cônjuges respondem os bens comuns do casal, e, na falta ou insuficiência deles, solidariamente, os bens próprios de qualquer dos cônjuges».

Sendo a fração “_” um bem comum por ter sido adquirido por apelante e apelado na constância do respetivo casamento, as dívidas por eles assumidas e a ele respeitantes, são da responsabilidade de ambos, e por ambos devem ser pagas em partes iguais (art. 1730.º, n.º 1, do C.C.).

Sucede que a presente ação não é intentada, por qualquer credor contra o dissolvido casal, mas pela ex-mulher, aqui autora e ora apelante, que tendo efetuado o pagamento de dívidas referentes à fração “_”, nos termos acima discriminados, vem agora exigir do ex-marido, aqui réu e ora apelado, o pagamento da totalidade daquelas dívidas.

Não obstante ser o apelado quem está a usufruir, em exclusivo, das vantagens da fração “_”, parece que a apelada não pode deixar de ser considerada responsável pelo pagamento de metade das dívidas referentes à fração.

É que, nos termos do art. 1730.º, n.º 1, do C.C., «os cônjuges participam por metade no ativo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido diverso».

– Conforme referem Pires de Lima e Antunes, «quando, por conseguinte, no artigo 1730.º se prescreve que os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão, tem-se especialmente em vista fixar a quota parte a que cada um deles terá direito no momento da dissolução e partilha do património comum (...). Não se pretende de modo nenhum (tal como sucede no art. 1405.º, 1, relativamente à compropriedade) definir o objecto de cada cônjuge na constância do matrimónio»[3].

Nos termos do art. 2101.º, n.º 1, do C.C., «qualquer co-herdeiro ou o cônjuge meeiro tem o direito de exigir partilha quando lhe aprouver».

Uma palavra para referir que tendo o divórcio sido decretado em 16 de outubro de 2012, retroagindo os seus efeitos a 1 de maio de 2010, se a apelante não diligenciou, até ao momento, pela liquidação e partilha património comum do casal que constituiu com o apelado, foi, certamente, por que não quis, o que, desde logo, sempre inviabilizaria a aplicação, ao caso concreto, do instituto do enriquecimento sem causa.

A partilha a que alude o art. 2101.º, n.º 1, do C.C., pode realizar-se:
- por acordo, numa conservatória ou por via notarial; ou,
- através de inventário,
conforme decorre do art. 2102.º, n.º 1, do C.C.
É a partilha o momento próprio para cada um dos cônjuges exigir do outro o pagamento de dívidas existentes entre eles.

Importa trazer à colação o disposto:
no art. 1689.º, n.ºs 1 e 3, do C.C.:
«1.– Cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, estes ou os seus herdeiros recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património.
2.– (...).
3.– Os créditos de cada um dos cônjuges sobre o outro são pagos pela meação do cônjuge devedor no património comum; mas, não existindo bens comuns, ou sendo estes insuficientes, respondem os bens próprios do cônjuge devedor».
no art. 1697.º, n.º 1, do C.C.: «Quando por dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges tenham respondido bens de um só deles, este torna-se credor do outro pelo que haja satisfeito além do que lhe competia satisfazer; mas este crédito só é exigível no momento da partilha dos bens do casal, a não ser que vigore o regime da separação».

É neste último preceito que estão previstas as compensações entre os cônjuges no campo da responsabilidade por dívidas.

A este propósito salienta Cristina Manuela Araújo Dias que «o art. 1697.º pretende regular as compensações e, em rigor, não deveria dispor como faz: não há um crédito entre os cônjuges (daí não fazer sentido falar em “credor”), mas compensação do património comum ao património do cônjuge que pagou dívidas comuns com bens próprios, ainda que tal crédito passe pelo aumento da sua meação no património comum e por uma diminuição da meação do outro cônjuge como se este fosse o devedor, atendendo ao disposto no art. 1689.º, n.º 3. Também aí o termo “créditos entre os cônjuges” não nos parece acertado ou, pelo menos, aplicado no seu estado rigoroso, parecendo abranger tanto esses créditos como as compensações propriamente ditas. Porém, se o articularmos com o n.º 1 do art. 1697.º compreende-se a a solução legal: se esse n.º 1 se refere a um crédito a favor de um documento cônjuges, o n.º 3 do art. 1689.º necessariamente terá de regular precisamente esse crédito, não lhe chamando compensação. Para mais, o n.º 3 do art. 1689.º, relativo à partilha, deve abordar não apenas a questão das compensações do património comum ao próprio de um dos cônjuges (e repara-se que o n.º 1, in fine, regula as compensações devidas ao património comum), mas também os eventuais créditos entre os cônjuges que ainda não tenham sido exigidos. Aliás, o mais provável será que, não obstante poderem ser exigidos a todo o tempo, nos termos gerais do Direito dos Obrigações, tal só ocorrerá no momento da dissolução e partilha do regime de bens.

Salvaguarda-se o regime da separação de bens pois aí só haverá créditos entre cônjuges e não compensações. (...).

No regime de comunhão, o que temos são compensações stricto sensu», que se diferem para o momento da partilha dada a natureza do património comum. (...)»[4].

Segundo a mesma Autora, «o n.º 1 do art. 1697.º regula as compensações devidas pela comunhão a favor a favor de um dos cônjuges, quando este respondeu por dívidas comuns. O direito de crédito aí atribuído a um dos cônjuges tanto existe nos casos em que o cônjuge respondeu com os bens próprios, como obrigado solidário (nos termos do art. 1695.º, n.º 1), como nos casos em que tenha respondido como obrigado conjunto (art. 1695.º, n.º 2), uma vez que mesmo neste último caso, ele poderá ter querido satisfazer uma parte da dívida global superior à que lhe competia (...).

Pretende-se que o cônjuge que pagou mais do que devia tenha sempre o direito a ser compensado daquilo que pagou a mais»[5].

«(...) se, no momento da partilha, houver bens comuns, é por eles que o cônjuge credor será pago em primeiro lugar (cfr. o art. 1689.º, n.º 3), tudo se passando como se o devedor fosse realmente o património comum e, a título subsidiário, o outro cônjuge»[6].

«(...) Podemos afirmar que, no regime de separação de bens, não há património comum (no sentido de comunhão de bens, ainda que possa haver bens em compropriedade). Mas tal constatação não nos pode levar a afastar que a compensação existente nos regimes de comunhão seja devida pelo património comum e não pelo outro cônjuge. O que temos são dois institutos diferentes: no regime de separação, abordado na parte final do n.º 1 do art. 1697.°, não há qualquer compensação (precisamente por não haver património comum), mas sim créditos entre cônjuges; nos regimes de comunhão o que deverá existir são compensações do património comum ao património próprio de um dos cônjuges. Compensações estas a ter lugar apenas no momento da partilha do casal, atendendo à natureza do património comum, e pagas pela meação do outro cônjuge no património comum. Porque de dois institutos diferentes se trata a solução legal de um e outro deverá também divergir e justifica-se que assim seja. Aliás, a solução é também diferente quanto ao momento da exigibilidade do crédito: a todo o tempo no regime de separação e apenas no momento da partilha nos regimes de comunhão»[7].

»(...) É efectivamente a meação do cônjuge não credor que compensará o cônjuge que respondeu com o seu património por dívidas comuns (cfr. o art. 1689.º, n.º 3), verificando-se, desta forma, uma compensação do património comum ao próprio de um dos cônjuges. É que, note-se, dada a ausência de personalidade jurídica da comunhão, os titulares do património comum são, efectivamente, ambos os cônjuges. No final, a compensação devida a um dos cônjuges pela comunhão será paga por um acréscimo da meação do cônjuge credor nos bens comuns, de valor igual ao da compensação devida e, necessariamente, por uma diminuição, na mesma proporção, na meação do outro cônjuge. (...).

(...) Se se trata de uma dívida comum, pela qual respondem os bens comuns, mas paga com bens próprios, temos, consequentemente, compensação e não créditos entre cônjuges (...)»[8].

Procurando interpretar os arts. 1697.º, n.º 1, 1.ª parte, e 1689.º, n.º 3, à luz do art. 1730.º, todos do C.C., afirma a mesma Autora:
«Com efeito, o art. 1689.°, n.º 3, 1.ª parte, ao referir-se aos "créditos de cada um dos cônjuges sobre o outro", não deverá ser interpretado como créditos entre cônjuges, quando esteja a regular a situação decorrente do art. 1697.°, n.º 11.ª parte, mas como compensações, na sequência do entendimento apresentado anteriormente.

Deve atender-se ao art. 1730.°, que estabelece a regra da metade, isto é, os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão. O facto de os arts. 1689.°, n.º 3[9] e 1697.°, n.º 1, se reportarem a compensações entre o património comum e o próprio de um dos cônjuges, nos regimes de comunhão, e exigíveis apenas no momento da partilha, não obsta, nem afasta a que atendamos, nesses regimes, ao art. 1730.°, ou seja, qualquer estipulação que afaste a regra da metade é nula. Por isso, se um cônjuge pagou dívidas comuns com bens próprios, o outro, que necessariamente participa em metade do passivo da comunhão, terá de ter a mesma participação daquele. Daí a solução da 2.ª parte do n.º 3 do art. 1689.°: não existindo, nos regimes da comunhão, bens comuns, ou sendo estes insuficientes, respondem os bens próprios do cônjuge devedor. Assim, não se trata aí de consagrar um crédito de um cônjuge face ao outro, mas de concretizar a regra geral do art. 1730.º»[10].

Continuando a acompanhar a mesma Autora, «a compensação é o meio de prestação de contas do movimento de valores entre a comunhão e o património próprio de cada cônjuge que se verifica no decurso do regime de comunhão. A compensação aparecerá, no momento da liquidação e partilha, ou como um crédito da comunhão face ao património próprio de um dos cônjuges ou como uma dívida da comunhão face a tal património, permitindo que, no fim, uma massa de bens não enriqueça injustamente em detrimento e à custa de outra.

Se assim é, a compensação apenas existirá se aquelas transferências se realizarem no decurso do regime matrimonial (e num dos regimes de comunhão).

Por definição, uma compensação presume um movimento de valores entre o património comum e o património próprio de um dos cônjuges»[11].
(...).

«O nosso actual art. 1697.° tem como epígrafe "compensações devidas pelo pagamento de dívidas do casal", não fazendo qualquer diferenciação entre compensações e créditos entre cônjuges. De qualquer forma, da leitura do preceito, sobretudo do n.º 1, que difere as compensações para o momento da partilha dos bens do casal, salvo se vigorar o regime de separação, podemos efectuar uma distinção. Com efeito, o art. 1697.° refere as compensações devidas pelo pagamento de dívidas do casal em sentido lato, de entre as quais se destacam as compensações stricto sensu, que apenas ocorrem nos regimes de comunhão, e os créditos entre cônjuges, que podem verificar-se em qualquer regime de bens. Pelo facto de no regime de separação apenas podermos ter créditos entre cônjuges, não há qualquer diferimento para o momento da partilha, sendo aqueles imediatamente exigíveis.

Concluindo, aquilo a que chamamos compensações são as compensações em sentido estrito que apenas ocorrem nos regimes de comunhão, tratando-se de um crédito que se estabelece, no decurso do casamento e na vigência do regime de bens, entre a massa comum e um ou outro dos patrimónios próprios»[12]. (...).
(...)

«A dissolução do casamento e da comunhão implica o fim do regime patrimonial e o surgimento de um estado de indivisão pós-comunhão que terminará com a liquidação e partilha dos bens comuns, ou seja, o efeito da dissolução do regime matrimonial traduz-se na substituição da comunhão dissolvida por uma indivisão e na possibilidade de liquidação e partilha para lhe pôr fim. Este estado de indivisão pode prolongar-se mais ou menos no tempo com todas as consequências, sobretudo ao nível da actualização dos valores em causa, a isso inerentes.

Em operação prévia à partilha, ainda que quase paralela, deve proceder-se à liquidação do regime matrimonial. É precisamente no momento da liquidação da comunhão que se devem integrar as compensações entre os patrimónios próprios e o comum. A regulação das compensações, como dispõe o nosso art. 1697.°, deverá fazer-se no momento da partilha, mas, em rigor, integra a fase da liquidação da comunhão, como operação prévia à partilha e, por isso, deverão ser reguladas neste contexto.

Operação sucessiva à retirada dos bens próprios e prévia à partilha dos bens comuns, a liquidação visa determinar e avaliar a massa a partilhar. É o activo que se partilha, mas, sempre que possível, o activo líquido, deduzindo-se o passivo, as dívidas da comunhão. A liquidação da massa comum não será completa se não incluir certos elementos que, a um ou outro título, integram o activo ou passivo da comunhão. De entre esses elementos surgem, efectivamente, as compensações que podem incluir-se na massa activa ou passiva da comunhão, consoante sejam a favor ou a cargo da mesma, respectivamente.

Como já referimos, no decurso do regime de comunhão, os diversos patrimónios não têm uma existência autónoma e independente e para a realização de uma mesma operação (p. ex., o pagamento de uma determinada dívida), são frequentemente utilizados bens pertencentes aos vários patrimónios. Por isso, será preciso, no momento da liquidação e partilha, restabelecer o equilíbrio entre os patrimónios. Poderá, assim, configurar-se a existência, no decurso do casamento e da comunhão, entre os patrimónios próprios dos cônjuges e o comum, de uma conta de compensações, cujo saldo apenas será apurado, e só ele será devido, no momento da liquidação e partilha. Todos os movimentos operados entre os patrimónios, no decurso do regime matrimonial, não são entre si independentes, integrando a conta de compensações estabelecida em relação a cada um dos cônjuges. O facto de apenas no momento da liquidação e partilha se regularem as compensações não significa que a conta que se estabelece entre cada um dos cônjuges e a comunhão, onde se incluem os créditos e débitos compensatórios devidos por cada cônjuge à comunhão ou por esta àqueles, não tenha uma existência, pelo menos, virtual durante o regime.

Este conceito de conta de compensações como se de uma conta-corrente se tratasse é extraído fundamentalmente da legislação francesa (cfr. o art. 1468.° do Cód. Civil francês), que aborda a questão das compensações como uma operação integrante da fase da liquidação da comunhão. Com efeito, aí se regula detalhadamente em que situações ocorre um direito de compensação da comunhão e em que circunstâncias tal compensação se verifica a favor de um dos patrimónios próprios.

Entre nós, a matéria das compensações não é objecto de uma regulamentação geral e sistemática, ou seja, é a propósito de cada problema em concreto (dívidas do casal, qualificação do bem como próprio ou comum, aquisição de bens...) que as eventuais compensações são abordadas. De qualquer forma, e articulando os diversos artigos reguladores das compensações com o art. 1689.°, remete-se a sua determinação e exigibilidade para o momento da partilha. Por isso, não nos parece descabido admitir a existência, no decurso da comunhão, de uma conta de compensações que integraria todas as situações, pontualmente previstas na lei, em que surge um crédito ou um débito a favor ou contra a comunhão. Só no momento da liquidação e partilha, altura em que, e também por isso, tais compensações são exigíveis, se determinará o saldo da referida conta.

Também o direito espanhol regula a propósito de cada questão o problema das compensações (cfr., p. ex., quanto à matéria das dívidas, o art. 1364.° do Cód. Civil espanhol). De certa forma, com uma regulamentação mais geral das compensações, surge-nos o direito italiano (1386). Por sua vez, o direito alemão regula as compensações entre os diferentes patrimónios (Ausgleich zwischen Vorbehalts-, Sonder- und Gesamtgut) no âmbito da responsabilidade por dívidas contraídas pelo cônjuge único administrador dos bens comuns ou pelos dois cônjuges administradores.

Em todos esses casos, a compensação só se dará no momento da dissolução, liquidação e partilha da comunhão, embora o valor a repor seja o determinado no momento do seu surgimento (p. ex., o da aquisição de um bem ou do pagamento de uma dívida).

No campo da responsabilidade por dívidas, as compensações estão previstas no art. 1697.° O seu n.º 1 regula as compensações devidas pela comunhão a favor de um dos cônjuges, quando este respondeu por dívidas comuns, como obrigado solidário (cfr. o art. 1695.°, n.º 1) ou como obrigado conjunto (cfr. o art. 1695.°, n.º 2). Por sua vez, o n.º 2 do art. 1697.° pretende abranger todos os casos em que, por dívidas próprias, tenham respondido bens comuns.

São, portanto, essas as situações que fazem surgir, no momento da liquidação e partilha da comunhão, uma compensação, a favor da comunhão ou de um património próprio, pelo pagamento das dívidas do casal»[13].

Quer tudo isto dizer que, no caso concreto, só no momento da partilha dos bens comuns do casal que constituiu com o apelado, a apelante poderia operar a compensação entre o seu património próprio e o património comum, nos termos exaustivamente acabados de descrever.

Sucede, porém, que na situação sub judice as dívidas em causa foram, todas elas, pagas pela apelante em datas posteriores àquela em que o divórcio produziu efeitos (1 de maio de 2010); a grande maioria delas em datas posteriores àquela em que foi decretado o divórcio.

Trata-se de uma situação idêntica à que esteve subjacente ao acórdão desta Relação datado de 08.07.1999[14], C.J., XXIV, 4.º, 94 (Pimentel Marcos), onde, na confirmação do saneador-sentença proferido na 1.ª instância, que absolveu o réu do pedido, se decidiu que não obstante as dívidas em causa terem sido pelo A. após a dissolução do casamento por divórcio, «trata-se, contudo, do pagamento de dívidas contraídas na constância do casamento ou por causa delas», ou seja, acrescentamos nós, tratava-se do pagamento de dívidas respeitantes a um bem comum adquirido por autor e ré na constância do matrimónio.

Exatamente a mesma situação refletida nos presentes autos.

Por isso, afirma-se naquele acórdão, «entendemos que o regime não se altera até à partilha. Só após esta, cada um dos cônjuges ficará a saber quais os bens (ou parte deles) que lhe cabe.
(...)

É que, como bem refere o Prof. A. Varela (...), o pagamento das dívidas, quer as da responsabilidade de ambos os cônjuges quer das que são da responsabilidade apenas de um deles, pode determinar a necessidade de aceros ou compensações no plano das relações internas entre eles. “O crédito do cônjuge lesado só é, porém, exigível no momento da partilha dos bens comuns do casal, a não ser que o regime vigente entre os cônjuges seja o da separação”.

Parece-nos, assim, não ser este o meio (e o momento) próprio para o A. exigir o pagamento das alegadas dívidas. O eventual crédito do A. sobre o R. só é exigível no momento da partilha dos bens comuns do casal».

Por essa razão, foi negado provimento à apelação e confirmada a sentença recorrida.

E o mesmo deve suceder no caso concreto!

Afirma o apelante nas conclusões do recurso:
«O)– E, na situação em apreço, mostram-se reunidos e verificados os requisitos exigidos pelo instituto de enriquecimento sem causa estatuído no Artº 473º, do C.C., a saber: a) que alguém obtenha um enriquecimento; b) que o obtenha à custa do outro; c) que o enriquecimento não tenha causa justificativa; d) e inexistência de ação apropriada que possibilite ao empobrecido meio de ser indemnizado ou restituído.
P)– A A. efetuou o pagamento de todas as quantias dadas como provadas e bem assim das elencadas no pedido de ampliação que apresentou, obrigação essa que incumbia ao ex-cônjuge marido, como contrapartida pelo uso da casa de morada de família até à partilha, pelo que se encontra demonstrado o “enriquecimento” por parte do R. e o consequente empobrecimento da A.: o R. usufruiu, e continua a usufruir, da casa de morada de família sem que tenha suportado o respetivo custo, tendo sido a A. quem veio a suportar tais despesas.
Q)– Errou, pois, o Tribunal a quo ao decidir que não seria de aplicar ao caso em apreço o instituto do enriquecimento sem causa».

Não tem aplicação, ao caso concreto, o instituto do enriquecimento sem causa.

Em primeiro lugar, dispõe o art. 474.º do C.C., que «não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento».
Com o carácter subsidiário do enriquecimento sem causa o legislador quer dizer que, se alguém obtém um enriquecimento à custa de outrem, sem causa, mas a lei faculta ao empobrecido algum meio específico de desfazer a deslocação patrimonial, será a esse o meio que ele deverá recorrer, não se aplicando as normas dos arts. 473º ss..

É o geralmente conhecido princípio da subsidiariedade, segundo o qual, o empobrecido só poderá recorrer à acção de enriquecimento quando a lei não lhe faculte outro meio para cobrir os seus prejuízos.

Ora, como se viu, é outro o meio que a lei, não apenas faculta, como impõe, à autora/apelante, para obter a compensação pelo pagamento das dívidas a que se reportam os presentes autos.

Mais não seria necessário para recusar a aplicação, ao caso concreto, do instituto do enriquecimento sem causa.

Mas, ainda que assim não fosse, o mesmo é dizer, mesmo que fosse legítimo à apelante a invocação do instituto do enriquecimento sem causa, ainda assim a sua pretensão estaria vedada ao fracasso.

Nos termos que acima se deixaram expressos, à autora apenas assistiria o direito a haver do réu o correspondente a metade da quantia global que pagou por dívidas respeitantes à fração“_”[15].

É que ambos, apelante e apelado, continuam responsáveis pelo pagamento da prestação do mútuo bancário hipotecário, do IMI e despesas de condomínio, entre outras; apenas as despesas relacionadas com a utilização da fração, tais como as relacionadas com o fornecimento de electricidade, água e gás, serão da responsabilidade do ex-cônjuge que continua a residir na fração e usá-la em exclusivo.

Acresce o seguinte:
É certo que resulta dos autos que apelante e apelado estão divorciados desde 16 de outubro de 2012, retroagindo efeitos do divórcio a 1 de maio de 2010, data a partir da qual passaram a residir em casas separadas, continuando, no entanto, o apelado a residir naquela que foi, até então, a casa de morada de família.

Ora, nada há nos autos que indique que a utilização, em exclusivo, que o réu vem fazendo da fração “_”, não assenta num acordo, pelo menos tácito, entre ele e a autora.

Na verdade, a autora nada alega no sentido de que alguma vez tivesse pretendido usar a fração “_” e disso tivesse sido impedida pelo réu.

Além disso, se pretendesse:
- opor-se ao uso exclusivo que o réu dela vem fazendo; ou
- ser ela a usá-la,
poderia, em todos estes anos, ter-se socorrido do mecanismo previsto nos arts. 1047.º, n.º 7 do C.P.C./95-96, e 931.º, n.º 7, do C.P.C./13, e requerido ao tribunal a fixação de um regime provisório quanto à utilização da casa de morada da família e à eventual compensação devida pela ocupação que o réu dela vem fazendo.

Sucede que a apelante não o fez, pelo que aceitou, deu o seu acordo, ainda que tácito, à utilização que o réu vem fazendo da fração “I, ou seja, da casa de morada da família.

Nada há nos autos que revele ter existido um qualquer acordo entre autora e réu relativamente a quaisquer contrapartidas a suportar por este, pelo uso que vem fazendo da fração.

Por outras palavras, nada há nos autos que comprove que o réu vem utilizando a casa de morada da família de modo injustificado ou indevido, suscetível de permitir à autora a invocação de um enriquecimento ilegítimo daquele em prejuízo do seu património.

É que, tal como se salienta no Ac. do S.T.J. de 17.01.2013, Proc. n.º 2324/07.7TBVCD.P1.L1 (Abrantes Geraldes), in www.dgsi.pt, não basta para o reconhecimento do direito de crédito a prova de factos reveladores de um enriquecimento de um interessado e do correspectivo empobrecimento patrimonial do outro. Necessária é ainda a prova de factos que, como elemento constitutivo do direito, revelem a ausência de causa justificativa para uma tal transferência patrimonial.

A situação em que se encontra o imóvel que foi casa de morada de família da autora e do réu, enquanto foram casados, apresenta uma causa bem visível e justificada: o facto de, após o trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio, não ter promovido:
- nem o mecanismo previsto nos arts. 1407.º, n.º 7, do C.P.C./95-95, e 931.º, n.º 7, do C.P.C./13;
- nem o mecanismo previsto nos arts. 1413.º, do C.P.C./95-96, e 990.º, do C.P.C./13, enquanto instrumentais do art. 1793.º, do C.C.;
- nem tão pouco, obviamente, a partilha dos bens comuns do casal,
antes se tendo remetido a uma postura, pelo que decorre dos autos, de total inércia.

Assim, não se vislumbra como poderia a autora pretender ver o réu condenado a pagar-lhe todas as quantias que nesta ação peticiona, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa.

Em suma, por tudo quanto vem sendo exposto, terá a apelação de ser julgada improcedente, mantendo-se, por conseguinte a sentença recorrida.
***

IV–DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar a apelação improcedente, mantendo, em consequência, a sentença recorrida.
Custas pela apelante (art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.)


Lisboa, 26 de março de 2019


(Acórdão assinado digitalmente)

Relator
José Capacete

Adjuntos
Carlos Oliveira
Diogo Ravara


[1]Nos termos do art. 1717.º do C.C., «na falta de convenção antenupcial, ou no caso de caducidade, invalidade ou ineficácia da convenção, o casamento considera-se celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos».
[2]A confissão do pedido assume a natureza de um negócio jurídico-processual, unilateral, tendo por efeito, além da extinção da instância, substancialmente o reconhecimento do direito invocado ou da pretensão deduzida pelo autor, na medida em que o for.
[3]Código Civil Anotado, Vol. II, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1992, p. 437.
[4]Do Regime da Responsabilidade por Dívidas dos Cônjuges, Problemas, Críticas e Sugestões, Coimbra Editora, 2009, pp. 774-777 (esp. 776-777), nota 1368.
[5]Idem, p. 777.
[6]Idem, p. 779.
[7]Idem, p 780 (o destacado a negrito é da nossa autoria).
[8]Idem, pp. 780-781.
[9]«Quanto a este artigo, deverá, como disposição geral reguladora da partilha, abarcando todos os regimes de bens, regular quer as relações do património comum com os patrimónios próprios dos cônjuges quer as relações entre patrimónios próprios. Como o n.º 1 do art. 1697.° faz surgir um crédito a favor de um dos cônjuges, o n.º 3 do art. 1689.°, limita-se, sem especificar e sem diferenciar as situações, a regular esses "créditos"» (nota 1373).
[10]Ob. cit. pp. 782-783.
[11]Idem. p. 784.
[12]Idem, pp. 787-788.
[13]Idem, pp. 789-792.
[14]Era a seguinte a situação fática retratada neste Acórdão:
- A e R. casaram entre si em 27.07.1985 sob o regime da comunhão de adquridos;
- Na constância do matrimónio adquiram em 21.06.1989 uma fração autónoma;
- Para o efeito contraíram um empréstimo hipotecário na CGD;
- Em 24.02.1993 o casamento entre ambos foi dissolvido por sentença proferida em processo de divórcio;
- À data de 19.06.1993, quando o A. deixou a casa na sequência de acordo sobre o destino da casa de morada de família todas as prestações mensais relativas mensais vencidas em relação ao empréstimo estavam pagas;
- Após a saída do A., a R. não mais pagou qualquer quantia por conta das prestações a que ambos se tinham obrigado perante a CGD;
- O mesmo sucedendo relativamente às despesas e encargos com a dita fração: contribuição autárquica, condomínio e seguro de incêndio.
[15]O réu, recorde-se, já foi, nesta ação, condenado a pagar-lhe
quantia de € 17.099,23.