Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4218/2005-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: PENHORA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/23/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: 1 - Os Planos de Poupança Reforma, regulados pelo DL nº 205/89 de 27/6 não podem, em si mesmos, ser penhorados, já que não seriam susceptíveis de integrar a venda judicial executiva.
2 - Mas isso já não sucede no tocante aos créditos que integram o certificado, ou apólice, dos PPR, já que tais verbas podem ser reembolsadas fora dos casos previstos na lei, embora com perda, além do mais, dos respectivos benefícios fiscais.
3 - Os diversos Planos de Poupança visam, além de eventuais critérios de justiça social, cativar e estimular as poupanças e nunca como um meio de os devedores porem os seus bens a salvo das medidas processuais coercivas com que os credores procurem recuperar os seus créditos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa


Nos autos de execução em que é exequente Crédito Predial Português S.A. e executados (M) e (R), foi requerida a penhora da apólice nº 07/7597 reportada a plano poupança reforma.
Os executados deduziram oposição à penhora, alegando que o bem é impenhorável. De qualquer modo, tal penhora nunca poderia ir além de 1/3, nos termos do artº 824º do CPC.
A exequente defendeu a penhorabilidade da apólice de PPR.

Vindo a ser proferido despacho que decidiu que as disponibilidades monetárias tituladas pela apólice referente ao PPR, eram penhoráveis, ordenando assim a respectiva penhora.

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Inconformados recorrem os executados, concluindo que:
- Os Planos Poupança Reforma são insusceptíveis de serem transmitidos por acto entre vivos e, como tal, são impenhoráveis.
- O exequente requereu a penhora do título, o PPR, e não dos seus créditos.
- De resto, mesmo os créditos ou disponibilidades monetárias que resultam do título são inalienáveis.
- A eventual afectação dos créditos a finalidade diferente da legalmente prevista terá sempre de ser efectuada apenas em favor dos participantes e, assim, é igualmente inalienável.
- Mas mesmo que assim não se entendesse, os créditos só poderiam ser penhorados em 1/3 do seu montante, nos termos do nº 2 do artº 824º do CPC.
- A penhora superior a 1/3 é inconstitucional por violar o preceituado nos arts. 1º, 63º nºs 1, 3 e 4 e 72º da CRP.

A exequente defende a bondade do despacho recorrido.

Com relevo para a apreciação do presente agravo, temos como assente que:
1. A exequente Crédito Predial requereu a penhora da apólice nº 07/7597 reportada a plano poupança reforma, existente em nome da executada (R), precedido do respectivo resgate a ser efectuado pela correspondente cotação à data em que o mesmo for operado e, consequentemente, proceder ao depósito do montante apurado, à ordem dos autos, até ao valor que for julgado suficiente para fazer face à quantia exequenda e demais acréscimos do processo.

Cumpre apreciar.
Em primeiro lugar, deveremos apurar se a apólice reportada a plano poupança reforma pode ser alvo de penhora.
A matéria do PPR está basicamente regulada no DL nº 205/89 de 27/6 e no DL nº 357/99 de 15/9.
Desde logo, no artº 3º do DL 205/89 estipula-se que as regras a que obedece a composição do património do fundo são as aplicáveis aos fundos de investimento, aos fundos de pensões ou às reservas matemáticas dos seguros de vida. Em qualquer caso, o fundo terá de ser integrado por um mínimo de 50% de títulos de dívida pública.
Do artº 4º do DL 205/89, resulta que o reembolso do valor capitalizado nos certificados só é exigível pelos participantes em caso de reforma por velhice, desemprego de longa duração, incapacidade permanente para o trabalho, doença grave ou a partir dos 60 anos de idade (desde que a subscrição se tenha iniciado há pelo menos 5 anos). O reembolso é transmissível, por morte do participante, aos seus herdeiros.
Daqui resulta que os certificados nominativos dos fundos são intransmissíveis por acto entre vivos.
A razão de ser desta limitação prende-se com os benefícios fiscais que os planos de poupança reforma (ou poupança educação) atribuem aos respectivos participantes e que se acham expressos, actualmente, no artº 21º nºs 1, 2 e 3 do DL nº 215/89 de 1/7.
Daí também que tais benefícios, nomeadamente ao nível do IRS, fiquem sem efeito “quando o reembolso dos certificados ocorrer fora de qualquer uma das situações definidas na lei” – nº 5 do mencionado artº 21º.

Contudo, há que estabelecer uma distinção entre os certificados nominativos e os créditos que os mesmos titulam. O próprio facto de o reembolso poder ocorrer fora das situações previstas nos arts. 4º e 7º do DL 205/89, embora com perda dos benefícios fiscais para o participante, denota a existência de disponibilidade dos créditos correspondentes ao valor das unidades de participação (artº 5º do mesmo diploma).
Ou seja, nada impede a disponibilização dos créditos em determinado momento, e anteriormente ao vencimento da apólice na modalidade PPR, sendo apenas sancionada com a focada perda dos benefícios fiscais inerentes ao PPR.
É necessário notar que os PPR, tal como acontece com o regime análogo do Plano Poupança-Educação (DL 357/99 de 15/9) ou dos Planos de Poupança em Acções (DL 204/95 de 5/8) constituem incentivos à poupança de longo prazo, sob a forma de investimento privilegiado em termos fiscais.
É daqui que resulta o facto de o certificado relativo ao património do fundo não esteja na disponibilidade dos participantes. De resto, e no que toca aos PPA, é dito claramente no artº 7º nº 3 do DL 204/95 que “o reembolso ou o levantamento antecipado do valor capitalizado do PPA determinam o encerramento do plano”.
Os créditos podem pois ser disponibilizados em qualquer momento, embora isso traduza não só a perda dos benefícios fiscais como, eventualmente, o encerramento (ou caducidade) do plano respectivo.
Aliás, no caso dos autos, o que foi penhorado foram os créditos emergentes da apólice nº 07/7597 da modalidade PPR/E (ver fls. 33).

Não se vê assim qualquer motivo para sustentar a impenhorabilidade de tais créditos.
O artº 822º do CPC ao classificar os bens absolutamente impenhoráveis, refere “as coisas ou direitos indisponíveis”. A razão de ser de tal exclusão é óbvia. Como assinala Germano Marques da Silva, “a intransmissibilidade do bem, impedindo a sua alienação, torna irrealizável o respectivo valor e, por conseguinte, não entra na garantia do credor” – “Curso de Processo Civil Executivo”, p. 174.

Se isso é verdade, como vimos, relativamente ao próprio Plano Poupança Reforma – que não poderia nunca ser objecto de venda judicial executiva – já não o é no tocante aos créditos que integram o certificado (ou apólice) do PPR. E compreende-se que não seja: caso contrário, os diversos Planos de Poupança acima mencionados e que visam – além de eventuais critérios de justiça social – cativar e estimular as poupanças, serviriam como refúgio dos devedores a quem bastaria transferir os seus bens para um Plano Poupança para se verem a salvo das medidas processuais coercivas com que os credores tentassem recuperar os respectivos créditos. Seria além de profundamente injusto, um desvio inaceitável às finalidades da constituição de tais Planos.

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Alegam os recorrentes que o exequente nomeou à penhora o PPR e não os respectivos créditos. Contudo, se analisarmos o requerimento junto a fls. 26 dos presentes autos verificamos que é solicitada a penhora “da apólice nº 07/7597 reportada a plano poupança reforma (...) precedido do respectivo resgate a ser efectuado pela correspondente cotação à data em que o mesmo for operado e, consequentemente, proceder ao depósito do montante apurado (...)”.
Ou seja, o que o exequente pretende é o depósito das quantias que à data integravam a apólice, feito o resgate respectivo. Por outras palavras: o fim último da penhora desejada é o depósito de dinheiro.
E a penhora veio a consistir na penhora dos créditos emergentes de tal apólice (ver fls. 33).

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Finalmente, alegam os recorrentes que nunca poderia ser penhorada a totalidade de tais créditos, mas apenas e no máximo, 1/3, sob pena até de violação de normas constitucionais.
Salvo o devido respeito, a alegação carece de sentido.
O limite máximo de 1/3 refere-se, além do mais, às pensões de aposentação, nos termos do artº 824º nº 2 do CPC. Mas no caso dos autos estamos perante uma penhora de títulos de crédito, no âmbito do artº 857º do CPC.


Obviamente que os créditos incorporados nos PPR não são nem se podem confundir com pensões de aposentação ou reforma. Trata-se de créditos resultantes da capitalização de um investimento inicial e que não excluem – nem poderiam excluir – o recebimento de pensões de reforma pelos participantes. Aliás isso mesmo acontece nos presentes autos, já que ambos os recorrentes estão a receber pensões de reforma da Segurança Social (ver artº 2º do requerimento de oposição à penhora).
Do mesmo modo, a penhora não ofende qualquer norma constitucional, nomeadamente as indicadas pelos recorrentes.
Aliás, nem se percebe em que medida poderia tal penhora pôr em causa a soberania da República Portuguesa, a dignidade da pessoa humana ou a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (artº 1º) ...
Do mesmo modo e quanto ao artº 63º, não foi ofendido o direito à segurança social, exactamente porque não estamos perante a penhora de qualquer pensão de reforma.
Finalmente, o artº 72º que se reporta à segurança económica, oportunidades de realização pessoal relativamente às pessoas idosas, não pode ser interpretado no sentido de as eximir do pagamento das dívidas que contraírem.

Assim, não se verifica qualquer situação de impenhorabilidade absoluta ou relativa do crédito penhorado, nem tal penhora ofendeu qualquer disposição processual ou constitucional.

Assim e tudo visto, nega-se provimento ao agravo.
Custas pelos recorrentes.


LISBOA, 23/6/2005
António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Pais