Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3987/03.8TTLSB.L1-4
Relator: ISABEL TAPADINHAS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
DESPORTO
INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/11/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I – O contrato de trabalho do praticante desportivo (CTPD) constitui uma espécie própria de vínculo laboral, cujo regime normativo – Decreto-Lei nº 305/95, de 18 de Novembro, posteriormente revogado pela Lei nº 28/98, de 26 de Junho –, consagra as especificidades da relação jurídica que se propõe regular.
II – Nos termos e para os efeitos enunciados nos referidos diplomas, um treinador de modalidades desportivas não deve ser qualificado como praticante desportivo.
III – Todavia, a falta de regulação própria para os contratos de trabalho de outros agentes desportivos, que não se encontram regulados naqueles diplomas, designadamente dos treinadores, não determina, sem mais, a aplicação da lei geral do trabalho, antes impõe, face a uma reconhecida lacuna de previsão, o recurso aos instrumentos de integração previstos no art. 10.º do Cód. Civil e, por via deles, a aplicação, a tais agentes, do regime vertido nos mencionados diplomas – Decreto-Lei nº 305/95 e Lei nº 28/98.
IV – Daí que, por via da referida integração de lacuna, a um contrato de trabalho celebrado com um treinador de futebol seja de aplicar o regime normativo do CTPD, do qual decorre que o contrato a termo é a única categoria contratual admitida na relação laboral do praticante desportivo não havendo lugar à sua conversão em contrato por tempo indeterminado e não o Código do Trabalho ou a legislação pré vigente que aquele revogou.
V – À relação jurídica que se iniciou em 1 de Agosto de 1989 e cessou em 30 de Junho de 2003, aplica-se o regime instituído pela Lei nº 28/98, de 26 de Junho.
(sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório

A... instaurou, em 31 de Julho de 2003, declarativa com processo comum contra Sporting Clube de Portugal e Sporting – Sociedade Desportiva de Futebol, SAD pedindo que seja decretada a nulidade do seu despedimento, por ilícito e que em consequência sejam as rés condenadas solidariamente a pagar-lhe a remuneração de Julho de 2003 bem como todas as vincendas até à data do trânsito em julgado da sentença, uma indemnização de antiguidade, sem prejuízo de até à sentença vir optar pela reintegração, uma indemnização por violação do direito a férias e ainda proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal.
Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, o seguinte:
- em 9.11.1996 foi celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol um Contrato Colectivo aplicável às relações laborais emergentes dos contratos de trabalho desportivo celebrados entre os treinadores profissionais e os clubes ou sociedades desportivas;
- tal contrato não tem aplicação aos factos que fundamentam a presente acção, por se tratarem de factos anteriores à sua celebração como por dizerem respeito a matéria que a Lei regula de forma exclusiva e imperativa, nomeadamente a matéria da contratação a prazo;
- mesmo que fosse aplicável, só prevaleceria sobre a Lei se estabelecesse um regime mais favorável, o que não é o caso;
- as rés dedicam-se à promoção e desenvolvimento do desporto, especialmente na área do futebol, tendo ao seu serviço diversas equipas de diferentes escalões etários;
- para prossecução dessa actividade, contrataram o autor em 1.8.1989, por contrato a termo certo, para desempenhar as funções de treinador de futebol das equipas mais jovens, sendo o escalão ou escalões a treinar concretizado em cada época desportiva;
- posteriormente foram celebrados mais 10 contratos de trabalho a termo certo, datando o último de Julho de 2001;
- os contratos eram celebrados por períodos de um ano, apenas intervalados por um mês, coincidente com o período de férias gozado pelo autor, excepto em dois deles;
- a aposição do termo nos 11 contratos, no total, celebrados, é nula e de nenhum efeito, porque todos os contratos foram celebrados fora dos casos previstos no art. 41.º da LCCT, e mesmo o único em que é indicada a alínea ao abrigo do qual é celebrado a termo – contrato redigido em 1.8.96 – é também nulo porque o autor é contratado para uma tarefa duradoura e não ocasional;
- na verdade, desde sempre o Sporting tem equipas de futebol e como tal necessita integrar a actividade do treinador nas necessidades normais de organização do trabalho na empresa;
- existiu clara intenção da entidade patronal em defraudar e iludir a Lei que regula a contratação a prazo;
- conforme é entendimento da jurisprudência, não é suficiente para a justificação da celebração do contrato de trabalho a termo a indicação pura e simples da previsão normativa de uma das alíneas do nº 1 do art. 41.º da LCCT;
- a nulidade da estipulação do termo converte o contrato do autor, desde o seu início, em contrato por tempo indeterminado;
- caso assim se não entenda, considerando que foram celebrados contratos todos os anos, excepto no ano de 1995 em que nenhum contrato foi celebrado não obstante o autor se tivesse mantido ao serviço das rés, tais contratos não deverão ser entendidos como autónomos, mas antes como simples renovações do contrato celebrado em 1989, tudo se passando como se dum único contrato se tratasse, e importando esta consideração na conclusão de que foi ultrapassado o limite máximo de renovações do contrato, o que também determinada a conversão do contrato a termo em sem termo;
- no decurso da relação laboral desenvolvida desde 1990 entre o autor e o Sporting, os contratos acima referidos foram sucessivamente celebrados pela 1ª e pela 2ª rés;
- esta circunstância não relevará, uma vez que independentemente da indicação de uma ou outra entidade, o posto de trabalho, o local de trabalho e as actividades prestadas pelo autor sempre se mantiveram as mesmas, não tendo havido qualquer transferência para empregos ou funções distintas;
- a 2ª Ré comunicou ao autor, nos termos do documento nº 25 com a contestação, que o contrato caducava, o que configura um despedimento ilícito, uma vez que não precedido de processo disciplinar;
- as despesas de representação funcionavam como um complemento salarial, integrante da retribuição e devendo ser computado;
- além disto, as rés obstaram ao gozo de férias, pelo autor, de 6 a 10 de Junho de 2003, altura em que esteve deslocado num torneio em França, e durante o resto do mês, em que o autor não podia deixar de comparecer aos treinos, sob pena de comprometer o trabalho realizado na época desportiva então ainda em curso, e sendo ainda que não tinha autorização da patronal para se ausentar dos treinos;
- a ré também não pagou ao autor as partes proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal.
Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação foi ordenada a notificação das rés para contestarem, o que ela fizeram, em conjunto, concluindo pela improcedência da acção com a sua absolvição do pedido.
Para tal alegaram resumidamente que:
- a relação laboral com o autor, a partir da época desportiva 97/98 cai no âmbito de aplicação do CCT indicado pelo autor e nos termos desse CCT o contrato tem sempre uma duração determinada, caducando sem mais no fim do prazo;
- a participação do treinador em competições oficiais depende do registo do seu contrato, a requerer por qualquer um dos outorgantes, na LPFP, na FPF e na ANTF, mediante parecer prévio desta última entidade;
- a ANTF tem a primeira chancela sobre o contrato de trabalho do treinador e certifica a conformidade do mesmo com as disposições do CCT, na falta do que não regista o contrato nem emite parecer prévio favorável, ficando o clube impedido de utilizar o treinador nas competições oficiais;
- a FPF, mediante o parecer prévio, licencia o treinador, emitindo o respectivo cartão, que lhe permite exercer as suas funções nas competições oficiais;
- nenhuma das três entidades referidas regista um contrato sem termo;
- os contratos do autor com o SCP e com a SAD a partir da época desportiva 97/98 foram celebrados ao abrigo do CCT, sendo o documento nº 7 com a petição inicial o primeiro que não foi “imposto” ao SCP com a minuta escrita pela própria ANTF, como se mostram os anteriores;
- após a entrada em vigor do CCT deixou de ser imposta aos clubes a adopção das minutas/impresso da ANTF;
- os cinco contratos que constituem os documentos 7 a 11 com a petição inicial mostram-se todos eles homologados pela ANTF;
- o que se vem de dizer afasta a intenção malévola que o autor imputa à entidade patronal, no sentido de defraudar e iludir a lei que regula a contratação a prazo;
- a entidade patronal encontra-se associada na LPFP e na FPF, reconhecendo-lhes e sendo obrigada a reconhecer-lhes os poderes, até de natureza pública, que são legalmente atribuídos a essas Instituições;
- sabe que é obrigada a acatar as instruções dessas entidades, e toma conhecimento de um CCT que impõe a celebração do contrato de treinador a termo, com caducidade, sem qualquer aviso prévio no seu termo;
- sabe que é obrigada a registar os contratos, senão os treinadores não podem exercer as funções contratadas;
- não tem portanto qualquer alternativa;
- todos os contratos em juízo foram celebrados por prazo coincidente com o período da época desportiva;
a actividade de treinador de futebol, desde sempre esteve confinada e é inseparável, da existência da “época desportiva”, como se passe com outros agentes desportivos, vg. os jogadores de futebol;
- em cada época o treinador “mostra o que vale” e fica pressionado pelos resultados alcançados ou por alcançar, baixando ou subindo a sua cotação;
- tal como um clube não deseja manter ao serviço um treinador que não faça a equipa alcançar resultados ou que não tenha capacidade de liderança sobre os trabalhadores, também o treinador não deseja manter-se ao serviço de um clube se falhar nos resultados ou se o clube não lhe põe bons jogadores ao dispor;
- os próprios treinadores têm interesse na faculdade consagrada da sua mobilidade para outro clube no final de uma época, até pela possibilidade de melhoria das condições salariais ou de cumprimento de projectos mais ambiciosos ao serviço de um outro clube;
- ambas as partes desejam manter o contrato enquanto os factores externos do apoio associativo, dos resultados e da boa liderança e condução da equipa, com bons elementos, se mantiverem favoráveis numa época desportiva;
- em conclusão, o contrato de trabalho do treinador é, por essência e intrinsecamente, a termo, dispensando qualquer justificação: basta existir de um lado um clube ou sociedade desportiva, do outro lado um treinador, e o fenómeno da época desportiva;
- a qualificação dada de contrato a termo pelo CCT dispensa qualquer indicação do motivo justificativo nos contratos;
- uma coisa é um clube ter necessidade de um treinador, outra é um clube ter necessidade do mesmo treinador;
- a Liga, de um lado e a ANTF do outro, em representação respectivamente dos clubes e dos treinadores e na defesa dos interesses dos respectivos associados, limitaram-se a assumir algo que antes de ser já o era: uma relação de trabalho forçosamente a prazo;
- o autor sabia bem porque era contratado a termo, conhecia a essencialidade da contratação a termo para a exequibilidade dos seus contratos;
- todos os contratos dados aos autos são válidos ao consagrarem a contratação do autor por épocas desportivas, tratando-se de contratos autónomos e independentes entre si e que caducaram na data do termo neles consignada;
- também os contratos celebrados antes da entrada em vigor do CCT são válidos como contrato forçosamente a termo, dada a natureza intrinsecamente temporária;
- de resto, antes da vigência do CCT, era a própria ANTF a impor aos clubes o seu contrato de trabalho para os treinadores;
- os contratos de trabalho juntos à petição inicial como documentos nº 1 a 6 foram elaborados em impressos próprios e fornecidos pela ANTF ao SCP, sendo-lhe imposto que assim os celebrasse;
- em todos esses contratos a ANTF conferiu a sua “homologação sindical”;
- já antes do CCT os contratos de trabalho dos treinadores eram registados obrigatoriamente nas três entidades neles referidas e a actividade do treinador era licenciada pela FPF, nos mesmos moldes dos actuais;
- o regime do CCT, encarado na sua globalidade, é mais favorável ao treinador que a Lei geral, e foi no interesse deste trabalho que a ANTF negociou e outorgou com a LPFP tal CCT;
- além da contratação a termo beneficiar o treinador em termos de mercado de trabalho, outro dos exemplos nítidos daquele favorecimento é o pagamento, em caso de despedimento sem justa causa ou de rescisão, pelo treinador, com justa causa, de indemnização correspondente ao valor das retribuições que lhe eram devidas se o contrato tivesse cessado no seu termo, ficando o clube impedido de, na época seguinte, registar contrato de trabalho com qualquer outro treinador enquanto não se mostrar liquidada a indemnização;
- por ser mais favorável o CCT deve prevalecer sobre a Lei geral;
- por outro lado, em cada um dos escalões etários do futebol de formação existem duas equipas, excepto juniores, e em todos eles se verifica a participação no Campeonato Distrital e no Campeonato Nacional;
- pouco tempo após a sua constituição a SAD chamou a si os escalões juvenis, juniores e seniores (A e B) e o SCP passou a integrar apenas os escalões das escolas, infantis e iniciados;
- na época de 98/99 em que o autor treinou juniores, a sua entidade patronal foi a SAD, que lhe pagou e que sobre ele exerceu o poder de autoridade;
- nas épocas em que o autor celebrou contrato com o SCP foi este que suportou todos os vencimentos e o autor reportava a técnicos integrados na estrutura do SCP;
- a partir de Julho de 2002 a SAD assumiu a posição contratual do SCP no contrato então em vigor;
- o contrato que deve ser considerado em juízo – porque é o único que estava em vigor, face à caducidade dos anteriores – é o último celebrado, para as épocas de 01/02 e 02/03, e a entidade patronal do autor, à data de caducidade deste contrato, era unicamente a SAD;
- tendo o autor celebrado com nova entidade patronal o contrato da época 98/99 os créditos laborais reclamados e alegadamente decorrentes dos contratos anteriores com o SCP há muito que prescreveram;
- a carta da SAD para o autor não foi um despedimento, mas uma cortesia, lembrando-o da caducidade;
- porém, na altura de Maio/Junho de 2003 a SAD estava em processo de definição da reestruturação que se impunha no futebol profissional e no de formação, face à conjuntura e dificuldades financeiras, o que passava por uma redefinição de vencimentos e horários, tendo o autor dado bastantes indícios de que aceitaria a proposta para a próxima época. Porém, a final, recusou-a;
- a reintegração do autor é totalmente incompatível com a especificidade da relação laboral clube/treinador;
- nenhuma das rés obstou ao gozo de férias do autor;
- as férias vencem-se no dia 1 do mês imediatamente anterior àquele em que termina a época;
- se o autor não as gozou em Junho de 2003 isso deve-se apenas às vicissitudes que se verificaram nesse mês quanto à negociação do novo contrato do autor;
- não são devidos quaisquer proporcionais e não há qualquer base para a condenação solidária.
- a não proceder esta defesa, o autor exerce o seu direito em manifesto abuso, atendendo ao conhecimento que tem da especificidade desta relação e ao facto de nunca ter levantado qualquer obstáculo às rés sobre a assinatura dos novos e sucessivos contratos.
No final da contestação requereram a intervenção principal provocada da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, da Federação Portuguesa de Futebol e da Associação Nacional de Treinadores de Futebol incidente este que foi indeferido.
Saneada, instruída e julgada a causa foi proferida sentença julgando a acção improcedente e absolvendo as rés do pedido.
Inconformado com esta decisão, da mesma interpôs o autor recurso de apelação, tendo sintetizado a sua alegação nas seguintes conclusões:
(…)
Contra-alegou a ré, pugnando pela manutenção do julgado.
O Ex.º Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida.
Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.
Como se sabe, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes e decididas pelos tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente – tantum devolutum quantum appelatum (Alberto dos Reis “Código do Processo Civil Anotado” vol. V, pág. 310 e Ac. do STJ de 12.12.95, CJ/STJ Ano III, T. III, pág. 156).
Tratando-se de recurso a interpor para a Relação este pode ter por fundamento só razões de facto ou só razões de direito, ou simultaneamente razões de facto e de direito, e assim as conclusões incidirão apenas sobre a matéria de facto ou de direito ou sobre ambas (Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3a ed., pág. 148).
No caso em apreço, não existem questões que importe conhecer oficiosamente.
A primeira questão colocada consiste em saber se ao caso é ou não aplicável o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo e do Contrato de Formação Desportiva. Caso a resposta a esta questão seja negativa haverá que apreciar se em 1 de Agosto de 1989 foi estabelecida uma relação laboral por tempo indeterminado que se mantinha ainda à data de 30 de Junho de 2003, e se deve, então, ser decretada, a nulidade do despedimento porque não precedido de processo disciplinar, com a consequente condenação das apeladas nos pedidos.
Fundamentação de facto
A 1ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto, não objecto de impugnação e que aqui se acolhe:
1. O autor foi admitido a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização do réu, SPORTING CLUBE DE PORTUGAL, por contrato de trabalho outorgado em 29/06/1989, com início em 01/08/1989 e termo em 31/07/1991, para exercer as funções correspondentes às de Treinador de futebol da categoria de iniciados.
2. O autor foi admitido a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização do réu, SPORTING CLUBE DE PORTUGAL, por contrato de trabalho outorgado em 01/08/1991, com início em 01/08/1991 e termo em 31/07/1992, para exercer as funções correspondentes às de Treinador de futebol da categoria iniciados.
3. O autor foi admitido a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização do réu, SPORTING CLUBE DE PORTUGAL, por contrato de trabalho outorgado em 01/08/1992, com início em 01/08/1992 e termo em 31/07/1993, para exercer as funções correspondentes às de Treinador de futebol da categoria de iniciados.
4. O autor foi admitido a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização do réu, SPORTING CLUBE DE PORTUGAL, por contrato de trabalho outorgado em 01/08/1993, com início em 01/08/1993 e termo em 31/07/1994, para exercer as funções correspondentes às de Treinador de futebol da categoria de juvenis.
5. O autor foi admitido a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização do réu, SPORTING CLUBE DE PORTUGAL, por contrato de trabalho outorgado em 01/08/1994, com início em 01/08/1994 e termo em 31/07/1995, para exercer as funções correspondentes às de treinador de futebol da categoria de juvenis.
6. O autor foi admitido a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização do réu, SPORTING CLUBE DE PORTUGAL, por contrato de trabalho outorgado em 01/08/1996, com início em 01/08/1996 e termo em 31/07/1997, para exercer as funções correspondentes às de Treinador de futebol da categoria de juniores.
7. O autor foi admitido a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização do réu, SPORTING CLUBE DE PORTUGAL, por contrato de trabalho outorgado em 01/08/1997, com início em 01/08/1997 e termo em 31/07/1998, para exercer as funções correspondentes às de Treinador de futebol da categoria de juvenis.
8. O autor foi admitido a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização do réu, SPORTING - SOCIEDADE DESPORTIVA DE FUTEBOL, SAD, por contrato de trabalho outorgado em 01/08/1998, com início em 01/08/1998 e termo em 31/07/1999, para exercer as funções correspondentes às de Treinador de futebol da equipa de futebol júnior.
9. O autor foi admitido a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização do réu, SPORTING CLUBE DE PORTUGAL, por contrato de trabalho outorgado em 01/08/1999, com início em 01/08/1999 e termo em 31/07/2001, para exercer as funções correspondentes às de Treinador de futebol da equipa de iniciados.
10. O autor foi admitido a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização do réu, SPORTING CLUBE DE PORTUGAL, por contrato de trabalho outorgado em 01/08/2000, com início em 01/08/2000 e termo em 31/07/2001, para exercer as funções correspondentes às de Treinador de futebol da equipa de iniciados.
11. O autor foi admitido a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização do réu, SPORTING CLUBE DE PORTUGAL, por contrato de trabalho outorgado em 01/08/2001, com início em 01/07/2001 e termo em 30/06/2003, para exercer as funções correspondentes às de Treinador de futebol da equipa de iniciados, mediante a remuneração mensal de 350.000$00.
12. O réu, SPORTING, SAD, por carta datada de 2003-05-29, comunicou ao autor, além do mais, que “sem prejuízo de o contrato de trabalho de treinador celebrado, …, caducar no próximo dia 30 de Junho, poderá esta sociedade vir a apresentar uma nova proposta de trabalho no âmbito da referida reestruturação o que fará até ao próximo dia 15 de Junho”.
13. Em 9 de Novembro de 1996 foi celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol um Contrato Colectivo aplicável às relações jurídicas laborais emergentes dos contratos de trabalho desportivo celebrados entre os Treinadores profissionais e os clubes ou sociedades desportivas.
14. Dele foram partes outorgantes a LPFP, em representação dos clubes ou sociedades desportivas de futebol, e a referida Associação de Treinadores (ANTF), em representação dos treinadores profissionais da modalidade.
15. O autor é filiado na Associação Nacional dos Treinadores de Futebol (ANTF) sob o na 2….
16. O SCP era associado da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), passando-o a ser, a partir da sua constituição, a SAD.
17. Os réus dedicam-se, entre outras actividades, à promoção e desenvolvimento do desporto, essencialmente na área do futebol, tendo ao seu serviço diversas equipas de futebol que atravessam os vários escalões etários, a saber;
a) Escolas - dos 8 aos 10 anos.
b) Infantis - dos 10 aos 12 anos.
c) Iniciados - dos 12 aos 14 anos.
d) Juvenis - dos 14 aos 16 anos.
e) Juniores - dos 16 aos 18 anos.
18. Os réus sempre tiveram e continuam a ter equipas de futebol jovem, as quais não poderão subsistir sem a existência de um Treinador de Futebol.
19. Durante o ano de 1995, o autor continuou ao serviço dos réus, desempenhando as mesmas funções e tarefas de Treinador de Futebol das equipas jovens.
20. O autor sempre esteve integrado na mesma estrutura hierárquica e com a obrigação de respeitar e obedecer às pessoas suas superiores hierárquicas e coordenadores técnicos que agiam, até à época desportiva de 2002/2003, quer em representação do Sporting Clube de Portugal, quer em representação do Sporting-Sociedade Desportiva de Futebol, SAD.
21. À remuneração do autor acresciam as despesas de deslocação ou representação em que incorra ao serviço do SPORTING CLUBE DE PORTUGAL, com o limite anual de 1.400.000$00.
22. As despesas de representação consideradas necessárias ao exercício das funções de Treinador de Futebol, acabavam por ser suportadas na plenitude pelo Sporting Clube de Portugal com valores alheios ao acordado com o autor.
23. As despesas referidas no nº 21 eram pagas todos os meses, em montantes aproximados, atribuída independentemente de qualquer facto e como simples contrapartida da prestação efectuada pelo autor.
24. Em Junho de 2003 o autor esteve deslocado ao serviço do Sporting Clube de Portugal num torneio em França, acompanhando as equipas que treinava, e ao qual não poderia deixar de estar presente.
25. E após o seu regresso continuou a desenvolver os treinos diários, e aos quais não poderia deixar de comparecer sob pena de comprometer o trabalho realizado na época desportiva ainda em curso.
26. A época desportiva, até Junho de 2001, tinha início em 1 de Agosto de cada ano e termo em 31 de Julho do ano seguinte.
27. E, após aquela data, passou a ter início em 1 de Julho de cada ano e termo em 30 de Junho do ano seguinte.
28. É a ANTF quem tem a primeira chancela sobre o contrato de trabalho de treinador e certifica a conformidade do mesmo com as disposições do CCT.
29. Na falta do que não regista o Contrato de Trabalho nem emite parecer prévio favorável.
30. Ficando o clube impedido de utilizar o treinador nas competições oficiais.
31. Cabe por sua vez à FPF, após ter conhecimento do dito parecer prévio, licenciar o treinador, emitindo o respectivo “cartão”, que permite ao treinador, como o autor, exercer as suas funções nas competições oficiais (vulgo “sentar-se no banco”).
32. Aos clubes não servem os treinadores que não possam participar em competições oficiais e sentar-se no banco.
33. A LPFP, a FPF e a ANTF não registam um contrato de trabalho de treinador celebrado sem termo.
34. Os contratos outorgados em 1997-8-01, 1998-08-01, 1999­08-01, 2000-08-01 e 2001-07-01 foram homologados pela ANTF.
35. Os contratos de trabalho outorgados em 1989-06-29, 1991-08-01, 1992-08-01, 1993-08-01, 1994-08-01 e 1996-08-01 foram elaborados em impressos próprios e fornecidos pela ANTF ao SCP.
36. Em todos esses contratos a ANTF conferiu a sua “homologação sindical".
37. E já antes do CCT os contratos de trabalho de treinador eram registados obrigatoriamente nas três entidades nele referidas e a actividade de treinador era licenciada pela FPF, nos mesmos moldes dos actuais.
38. Em cada um dos escalões etários do designado futebol de formação existem duas equipas, com excepção dos juniores que têm uma equipa, e em todos eles se verifica a participação no Campeonato Distrital e no Campeonato Nacional, com excepção dos juniores que só participam no Nacional e das escolas e infantis que só participam no Distrital.
39. O réu, SAD chamou a si os escalões dos juvenis, juniores e também os designados seniores (equipa A e B), que passaram a estar afectos por isso a esta sociedade desportiva.
40. O réu SCP passou a integrar apenas os escalões das escolas, infantis e iniciados.
41. Na época 98/99, o réu, SPORTING, SAD suportou os vencimentos, subsídios, despesas de representação, efectuou os descontos para a segurança social e retenções de imposto do autor.
42. Sem qualquer oposição ou reclamação do autor.
43. Assim como oposição ou reclamação suas não se verificaram quando o autor assinou o contrato com a SAD.
44. Nas épocas desportivas em que o autor celebrou contrato com o SCP, foi esta associação desportiva que suportou os seus vencimentos, subsídios, despesas de representação, efectuou os descontos para a segurança social e retenções de imposto.
45. Por acordo entre o SCP e a SAD, esta assumiu todos os custos inerentes aos contratos de trabalho das equipas técnicas do futebol de formação, mesmo dos escalões afectos ao SCP.
46. A SAD, na época desportiva 2002/2003, passou a assumir todos os contratos das equipas técnicas e passou sobre elas a exercer o poder disciplinar e a liderança técnica.
47. Todos os encargos emergentes da contratação dos treinadores do futebol de formação passaram a ser, desde então, suportados pela SAD.
48. Na época desportiva 02/03 passou a pagar os vencimentos ao autor, subsídios, despesas de representação, efectuou os descontos para a segurança social e retenções de imposto.
49. Facto que foi do conhecimento do autor, nunca tendo este manifestado qualquer oposição ou reserva ao mesmo ou quanto ao facto de a SAD ser a sua entidade patronal.
50. O autor, a partir de Janeiro de 2002, que desde sempre havia exercido a sua actividade no Estádio José Alvalade e nos locais que lhe eram designados, passou a prestar o seu serviço, com permanência, na “Academia do Sporting”, em Alcochete.
51. O autor, ao longo das épocas em que prestou o seu serviço, teve vários e diferentes superiores hierárquicos e coordenadores técnicos.
52. As actividades concretas de um treinador, como é o caso do autor, são distintas consoante se encontre a treinar equipas das escolas, infantis, iniciados, juvenis ou juniores.
53. O tipo de competição em cada escalão, as técnicas e tácticas, bem como os métodos e conteúdos de treino utilizados, a nível técnico, táctico e físico são distintos.
54. A SAD e seus elementos reuniram-se com o autor por uma vez em Junho a fim de lhe apresentar e analisarem a proposta de trabalho para a época 2003/04.
55. O autor recusou a proposta a que se refere o nº anterior.
56. Porque o autor nada disse até inícios de Julho de 2003, a SAD confirmou-lhe, por carta de 16 de Julho, que a validade da proposta que lhe havia sido apresentada havia terminado em 8 desse mês, dada a necessidade de assegurar a contratação das equipas técnicas.
57. O autor nunca manifestou aos réus a sua intenção de gozar as férias em Junho de 2003.
58. E, tendo a SAD assumido que o autor iria aceitar a nova proposta de trabalho, gozaria as suas férias em Julho de 2003, como sucedera na época anterior, em que também as gozou em Julho de 2002.
59. O autor não pediu qualquer autorização à SAD para se ausentar dos treinos, ou alguma vez lhe focou tal assunto.
60. O réu SAD pagou ao autor o subsídio de Natal e o subsídio de férias por referência à última época em que o autor esteve ao seu serviço, isto é, 2002/03.
61. O Sporting Clube de Portugal é um clube desportivo, constituído como pessoa colectiva de direito privado e declarado de utilidade pública pelo seu contributo em prol do desporto, e tem como fins a educação física, o fomento e a prática do desporto, tanto na vertente da recreação como na de rendimento, as actividades culturais e quanto, nesse âmbito, possa concorrer para o engrandecimento do desporto e do País.
62. A SAD é uma sociedade anónima desportiva constituída em Outubro de 1997, tendo por objecto a participação nas competições profissionais de futebol, a promoção e organização de espectáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada da modalidade de futebol.
Fundamentação de direito
Como dissemos a primeira questão colocada consiste em saber se ao caso é ou não aplicável o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo e do Contrato de Formação Desportiva aprovado pelo Decreto-Lei nº 305/95 de 18 de Novembro e posteriormente revogado pela Lei nº 28/98, de 26 de Junho.
Antes de mais há que dizer que, como tem sido entendido na jurisprudência e doutrina, o treinador de modalidades desportivas não é de qualificar como praticante desportivo, nos termos e para os efeitos da Lei nº 28/98, de 26 de Junho (que estabeleceu o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva), diploma que, por isso, não se aplica, pelo menos directamente, ao contrato de trabalho em causa.
Dispõe o art. 2.º desse diploma, na parte que aqui interessa:
Para efeitos do presente diploma entende-se por:
a) Contrato de trabalho desportivo aquele pelo qual o praticante desportivo se obriga, mediante retribuição, a prestar actividade desportiva a uma pessoa singular ou colectiva que promova ou participe em actividades desportivas, sob a autoridade e a direcção desta;
b)Praticante desportivo profissional aquele que, através de contrato de trabalho desportivo e após a necessária formação técnico-profissional, pratica uma modalidade desportiva como profissão exclusiva ou principal, auferindo por via dela uma retribuição;.
Do entendimento supra referido nos dão conta Leal Amado (“Vinculação versus Liberdade O Processo de Constituição e Extinção da Relação Laboral do Praticante Desportivo”, 2002, pág. 59) que já o entendia, assim, face ao regime anterior, substancialmente idêntico, no ponto em questão, aprovado pelo Decreto-Lei nº 305/95, de 18 de Novembro - cf. art.º 1º deste diploma - e que veio a ser revogado pelo art. 41.º da referida Lei nº 28/98 ver “Contrato de Trabalho Desportivo Anotado”, 1995, pág. 12) e Albino Mendes Baptista (pág. 131 do artigo “É o regime laboral comum aplicável aos contratos entre clubes e treinadores profissionais?”, publicado na Revista do Ministério Público, Ano 20.º, Out-Dez 1999, nº 80, págs. 129 a 139) e, na jurisprudência, os Acs. do STJ de 7.10.1998, proferido no domínio do Decreto-Lei nº 305/95, AD, 447.º, pág. 402, citado pelo segundo dos referidos autores e o Ac. RP, de 27.03.2000, sumariado, www.dgsi.pt, citado pelo primeiro deles e ainda os Acs. do STJ de 24.01.2007, 10.07.2008, 19.07.2008 e de 20.05.2009, www.dgsi.pt, cujos ensinamentos vamos seguir de perto.
Como refere Leal Amado, em “Contrato de Trabalho Desportivo Anotado”, a pág. 12, entre os praticantes desportivos não se incluem os técnicos ou treinadores.
É que, diz, nos termos do art. 4º, nº 4 da Lei de Bases do Sistema Desportivo de 1990 (LBSD), aprovada pela Lei nº 1/90, de 13 de Janeiro e em vigor à data da referida obra, diploma que teve as alterações introduzidas pala Lei nº 19/96, de 25 de Junho e que foi revogada pela Lei de Bases do Desporto, constante da Lei nº 30/2004, de 21.07 - cf. art. 90.º, nº 1) -, são considerados agentes desportivos os praticantes, docentes, treinadores, árbitros e dirigentes, pessoal médico, paramédico e, em geral, todas as pessoas que intervêm no fenómeno desportivo, do que resulta que os treinadores, sendo agentes desportivos, não são, contudo, praticantes desportivos (igual entendimento continua a valer no domínio da actual Lei de Bases do Desporto, acima referida, face ao disposto nos seus arts. 33.º, nº 1, 34.º, nº 1 e 36.º, n.º 2.)
São geralmente reconhecidas as particularidades e especificidades do fenómeno e actividade desportivos, nomeadamente no que respeita à sua vertente profissional, e a consequente inadequação do regime laboral comum para regular aspectos do contrato de trabalho desportivo que se prendem com tais especificidades.
Nesse quadro, a própria LBSD de 1990 estabeleceu no seu art. 41.º, nº 1, alínea i), que, no prazo de dois anos, o Governo faria publicar, entre a legislação complementar necessária para o desenvolvimento dessa lei, o regime contratual dos praticantes desportivos profissionais e equiparados.
Em obediência a essa imposição, veio a surgir o já mencionado Decreto-Lei nº 305/95, depois substituído pela Lei nº 28/98, que, como vimos, estabeleceram o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo (CTPD).
E a doutrina vem reconhecendo que este contrato constitui uma espécie do contrato de trabalho, com um regime legal consagrador das respectivas especificidades (nesse sentido, vejam-se, por exemplo, Leal Amado, ob. cit., págs. 61 a 64) e Romano Martinez, “Direito do Trabalho”, Reimpressão de 2004, págs. 649 e 664).
Nessa linha, escreve Leal Amado (ob. cit., 59), que o CTPD é apenas uma espécie – ainda que, sem dúvida, a mais importante – do genus contrato de trabalho desportivo e que este abarca também o contrato de outros agentes desportivos, designadamente o contrato dos treinadores desportivos.
Ao contrário do CTPD, os contratos de trabalho com outros agentes desportivos (v.g. os treinadores) não mereceram, até hoje, consagração legislativa, o que suscita a questão – equacionada nos presentes autos – do regime jurídico que lhes é aplicável.
Neste plano de consideração, é de convir que a falta de regulação legal adequada para o contrato dos treinadores desportivos não determinará, pura e simplesmente, a aplicação da denominada “lei geral do trabalho”.
Na verdade, como refere Nunes de Carvalho (“O pluralismo do Direito do Trabalho”, III Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Memórias, coordenação de António Moreira, págs. 287 a 289 e “Ainda sobre a crise do Direito do Trabalho”, II Congresso Nacional de Direito do Trabalho, págs. 68 e 69) a necessidade de adaptação das regras juslaborais a certos contextos organizativos típicos ou a outros modos de ser essenciais não se esgota na previsão de diversas modalidades de contrato de trabalho especial. Para além dos modelos contratuais típicos e nominados, encontramos contratos que apenas possuem um nomen juris e outros há que vêm emergindo da realidade social e jurídica, revestindo contornos específicos independentemente de um expresso reconhecimento pelo legislador. É o que sucede, de modo expressivo, com os treinadores de equipas desportivas profissionais (...). No que toca à situação laboral dos treinadores de equipas profissionais, parece não caberem dúvidas quanto à existência de uma realidade socialmente diferenciada e que tem vindo a ser regulada, nos termos da prática contratual generalizada no respectivo meio social — e inclusivamente, no que concerne aos treinadores de equipas de futebol, por uma convenção publicada no BTE —, em termos que necessariamente se afastam, em aspectos fundamentais, dos princípios da lei geral do trabalho. É o que acontece, de forma especialmente marcante, com a temporalidade do vínculo e com a inexistência de direito à reintegração em caso de despedimento sem justa causa – mas é também, como notou em estudo recente Albino Batista, o que ocorre com a previsão pontual nos contratos de trabalho de regras particulares de cálculo da indemnização em caso de despedimento (...).
E, mais adiante, conclui o mesmo autor, daí que se suscite, pois, o problema da determinação do regime laboral aplicável. Também aqui, e até porque este tipo de trabalho se desenvolve no seio de uma comunidade que se regula por um ordenamento originário e autónomo, são evidentes os escolhos e a incontornável incongruência da aplicação da “lei geral do trabalho”. Neste caso, segundo cremos, estamos perante uma verdadeira lacuna de previsão. Sendo, portanto, necessário socorremo-nos das regras gerais em matéria de integração.
Cingindo-nos apenas aos contratos com treinadores desportivos profissionais, que é o caso que nos ocupa, a existência de uma verdadeira lacuna de previsão resulta do facto do próprio legislador reconhecer, como já se referiu, as especialidades que a actividade desportiva comporta neste preciso domínio e a manifesta dificuldade do regime geral do contrato de trabalho para dar cabal resposta a essas especificidades, o que convoca, por força dos princípios gerais, o recurso aos instrumentos de integração previstos no art. 10.º do Cód. Civil, e, por esta via, ao regime especial do CTPD, por valerem na situação em causa as razões justificativas da concreta regulamentação normativa da Lei nº 28/98 e da seu antecessor Decreto-Lei nº 305/95.
Como já dissemos, a Lei nº 28/98 consagra o regime especial para o CTPD, mais dispondo, no seu art.º 3º, a aplicação subsidiária ao mesmo das regras aplicáveis ao contrato de trabalho, ou seja, o regime laboral comum.
Como refere Leal Amado (ob. cit. págs. 99 a 100), o CTPD é um contrato necessariamente a termo (na maioria dos casos a termo certo, mas admitindo-se, no quadro da previsão da alínea b) do art. 8º, a celebração de contratos a termo incerto, por período inferior a uma época desportiva).
Daí que, entre nós, o contrato a termo seja mesmo a única categoria contratual admitida na relação laboral do praticante desportivo.
O que envolve que não haja lugar à sua conversão em contrato por tempo indeterminado.
O referido autor retira essa natureza imperativa a termo dos seguintes dados:
a) - Do correspondente documento escrito deverá constar a indicação do termo de vigência do contrato – art. 5º, nº 2, e) da Lei n.º 28/98.
b) - A falta de redução do contrato a escrito importa a sua invalidade (art. 5.º, nº 2 da Lei n.º 28/98) – e não apenas a da cláusula do termo resolutivo, com a conversão em contrato por tempo indeterminado, como previsto para o comum dos contratos a termo, no art. 42.º, nº 3 do Regime Jurídico de Cessação do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT/RJCCIT).
c) - A falta de indicação do respectivo termo implica que o contrato se tenha como celebrado por uma época desportiva, ou para a época desportiva no decurso da qual foi celebrado (art. 8.º, nº 4).
d) A violação dos limites de duração do contrato, previstos no art. 8.º, nº 1 (mínimo de uma e máximo de oito épocas desportivas), determina a aplicação ao contrato em causa dos prazos mínimo ou máximo admitidos (art. 9.º), não havendo qualquer obstáculo legal à celebração sucessiva e/ou intercalada de contratos de trabalho desportivo a termo entre os mesmos sujeitos.
Também estes aspectos referidos em c) e d) divergem do regime geral do contrato a termo, previsto no RJCCIT – ver arts. 41.º-A, nº 1, 42.º, n.º 1, e) e 3, 44.º, n.º 2 e 46º, n.º 4 da LCCT – constituindo normas especiais em relação àquele.
Como já dissemos, a consagração de um regime especial para o CTPD, na Lei nº 28/98, como anteriormente no Decreto-Lei nº 305/95, traduz o reconhecimento das particularidades da actividade desportiva profissional, de que podemos salientar a curta carreira do praticante desportivo, ditada pela perda de qualidades físicas e atléticas, carreira sujeita a um desgaste rápido, circunstância que justifica ou explica a opção legislativa da impossibilidade de vinculação do praticante desportivo por tempo indeterminado ou por período superior ao máximo previsto.
Acresce que estamos numa área de actividade com natureza e fisionomia próprias, em que os empregadores visam a obtenção de resultados, não apenas económicos mas também desportivos, não raramente interligados entre si, objectivos definidos por factores e conjunturas que se vão alterando (v.g. por variação de disponibilidades financeiras, por vezes contingentes, como são, por exemplo, os patrocínios, ou o sucesso ou insucesso desportivo), o que reclama a possibilidade de adaptar a qualidade dos plantéis, isto é, o grupo de praticantes desportivos disponíveis, a esses objectivos, sem esquecer, por outro lado, a necessidade de estabilização desses plantéis, dentro das respectivas épocas desportivas para que foram definidos, com a impossibilidade de o praticante desportivo operar a rescisão do contrato de trabalho por sua pura vontade, mediante pré-aviso (cf. art. 26.º da Lei nº 28/98)
Isto, essencialmente, em ordem a salvaguardar os projectos desportivos dos clubes empregadores.
Feitas estas considerações genéricas, vejamos o caso dos autos.
Discute-se, nos presentes autos qual o regime aplicável à relação jurídica estabelecida entre o autor e as rés, entre 1 de Agosto de 1989 e 30 de Junho de 2003.
As dúvidas sobre a norma aplicável em caso de alteração de um particular regime jurídico encontram solução no próprio ordenamento jurídico.
Como refere Baptista Machado (“Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, Coimbra, 1983, págs. 229 a 231), “os problemas de sucessão de leis no tempo suscitados pela entrada em vigor de uma LN [lei nova] podem, pelo menos em parte, ser directamente resolvidos por esta mesma lei, mediante disposições adrede formuladas, chamadas “disposições transitórias”.
Estas disposições transitórias podem ter carácter formal ou material. Dizem-se de direito transitório formal aquelas disposições que se limitam a determinar qual das leis, a LA [lei antiga] ou a LN, é aplicável a determinadas situações. São de direito transitório material aquelas que estabelecem uma regulamentação própria, não coincidente nem com a LA nem com a LN, para certas situações que se encontram na fronteira entre as duas leis.
Nem o Decreto-Lei nº 305/95 de 18 de Novembro nem a Lei nº 28/98, de 26 de Junho contêm normas transitórias que delimitem a sua aplicação quanto às relações jurídicas subsistentes à data da respectiva entrada em vigor, pelo que, para fixar a eficácia temporal daqueles diplomas há que recorrer aos critérios gerais sobre aplicação da lei.
O n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, segundo Baptista Machado (ob. cit., pág 233), trata-se de norma que ainda exprime o princípio da não retroactividade nos termos da teoria do facto passado, nele se distinguindo dois tipos de leis ou de normas: aquelas que dispõem sobre os requisitos de validade (substancial ou formal) de quaisquer factos (1.ª parte) e aquelas que dispõem sobre o conteúdo de certas relações jurídicas e o modelam sem olhar aos factos que a tais situações deram origem (2.ª parte). As primeiras só se aplicam a factos novos, ao passo que as segundas se aplicam a relações jurídicas (melhor: Ss Js [situações jurídicas]) constituídas antes da LN mas subsistentes ou em curso à data do seu IV [início de vigência].
Sobre essa mesma norma, Oliveira Ascensão (“O Direito, Introdução e Teoria Geral, Uma Perspectiva Luso-Brasileira”, 10.ª edição revista, Almedina, Coimbra, 1997, pág. 489) pronuncia-se em termos que se afiguram impressivos, estabelecendo a seguinte distinção: 1) A lei pode regular efeitos como expressão duma valoração dos factos que lhes deram origem: nesse caso aplica-se só aos novos factos. Assim, a lei que delimita a obrigação de indemnizar exprime uma valoração sobre o facto gerador de responsabilidade civil; a lei que estabelece poderes e vinculações dos que casam com menos de 18 anos exprime uma valoração sobre o casamento nessas condições; 2) pelo contrário, pode a lei atender directamente à situação, seja qual for o facto que a tiver originado. Se a lei estabelece os poderes vinculações do proprietário, pouco lhe interessa que a propriedade tenha sido adquirida por contrato, ocupação ou usucapião: pretende abranger todas as propriedades que subsistam. Aplica-se, então, imediatamente a lei nova.
Nesta mesma linha, afirmam Pires de Lima e Antunes Varela (“Código Civil Anotado”, volume I, Coimbra Editora, 1967, anotação ao artigo 12.º, págs. 18 e 19): [p]revinem-se no n.º 2, em primeiro lugar, os princípios legais relativos às condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos, ou referentes aos seus efeitos. Assim, por exemplo, quanto a impedimentos matrimoniais, quanto à capacidade, quanto à legalidade do próprio negócio, quanto à forma, não pode aplicar-se a lei nova a situações anteriores, e o mesmo é de dizer quanto às obrigações do vendedor ou do comprador, quanto aos direitos ou obrigações do locatário ou do senhorio, quanto à obrigação do mutuário, etc.
Se, porém, tratando-se do conteúdo do direito, for indiferente o facto que lhe deu origem, a nova lei é já aplicável. Assim, para fixar o conteúdo do direito de propriedade, é aplicável a lei nova e não a lei da data da sua constituição. Não interessa, na verdade, saber qual foi o título constitutivo, nem qual foi, por consequência, a data da formação deste. É sempre o mesmo direito de propriedade. O mesmo acontece, geralmente, com os direitos de natureza perpétua […].
A matéria da aplicação das leis no tempo constitui domínio em que existe vasta elaboração doutrinária por parte do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, que sobre o n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil afirmou já o seguinte (Parecer n.º 239/77, de 21 de Dezembro de 1977, publicado no Diário da República, II série, nº 74, de 30 de Março de 1978 e no BMJ, nº 280, pág. 184 e seguintes):
Nesse n.º 2 estabelece-se a seguinte disjuntiva: a lei nova ou regula a validade de certos factos ou os seus efeitos (e neste caso só se aplica aos factos novos) ou define o conteúdo, os efeitos de certa relação jurídica independentemente dos factos que a essa relação deram origem (hipótese em que é de aplicação imediata, quer dizer, aplica-se, de futuro, às relações jurídicas constitutivas e subsistentes à data da sua entrada em vigor).
Precisamente a ratio legis que está na base desta regra da aplicação imediata é: por um lado, o interesse na adaptação à alteração das condições sociais, tomadas naturalmente em conta pela nova lei, o interesse no ajustamento às novas concepções e valorações da comunidade e do legislador, bem como a existência da unidade do ordenamento jurídico, a qual seria posta em causa e com ela a segurança do comércio jurídico, pela subsistência de um grande número de situações duradouras, ou até de carácter perpétuo, regidas por uma lei há muito ab-rogada; por outro lado, o reduzido ou nulo valor da expectativa dos indivíduos que confiaram, sem bases, na continuidade do regime estabelecido pela lei antiga uma vez que se trata de um regime puramente legal, e não de um regime posto na dependência da vontade dos mesmos indivíduos.
Deste modo e tendo em conta que a relação jurídica em apreciação se iniciou em 1 de Agosto de 1989 e cessou em 30 de Junho de 2003, aplica-se o regime instituído pela Lei nº 28/98, de 26 de Junho. Neste sentido podem ver-se entre outros os Acs. do STJ de 2.05.2007, de 18.12.2008 e de 14.01.2009, www.dsgi.pt.
Tendo-se concluído que ao caso é aplicável o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo e do Contrato de Formação Desportiva prejudicado fica o conhecimento das demais questões.
Improcedem, assim, as conclusões do recurso, confirmando-se, embora por razões não coincidentes, a sentença recorrida.
Decisão
Pelo exposto acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.

Lisboa, 11 de Novembro de 2009

Isabel Tapadinhas
Leopoldo Soares
Seara Paixão