Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
141/16.2TNLSB.L1-7
Relator: CARLA CÂMARA
Descritores: TRANSPORTE MARÍTIMO
RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR
CONVENÇÃO DE BRUXELAS
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/24/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: i) O regime de limitação da responsabilidade civil do transportador marítimo de mercadoria, previsto nos termos do artigo 4º, nº 5, da Convenção de Bruxelas é de aplicação oficiosa pelo Tribunal, não estando a sua aplicação dependente da sua invocação pelo interessado a quem beneficia. Tal regime é o regime regra, cuja aplicação a lei não faz depender da arguição pelos interessados. Consequentemente, não ocorre excesso de pronúncia gerador de nulidade da sentença (615º, nº1, d) do CPC).
ii) A responsabilidade civil do transportador alicerça-se, em regra, no contrato realizado entre o expedidor e o transportador e refere-se, assim, à responsabilidade obrigacional. Todavia, a ressarcibilidade pelos danos que advenham do transporte marítimo de mercadorias encontra, igualmente, guarida nas regras da responsabilidade extracontratual: independentemente de qualquer relação contratual entre as partes, a responsabilidade poderá advir da prática pelo transportador de um facto ilícito que convoque a aplicação do artigo 483º, nº 1, do CPC.
iii) Tendo a A. fundado a sua pretensão indemnizatória na responsabilidade contratual, pretendendo por via do recurso que se afira a verificação dos pressupostos da responsabilidade extracontratual, não está inviabilizado a este tribunal de recurso fazê-lo, alicerçando tal conhecimento nos factos jurídicos concretos alegados e que se vieram a apurar. Tal não constitui questão nova, cujo conhecimento está vedado a este Tribunal.
iv) No contrato de transporte internacional de mercadorias, que no caso tinha como destinatário a entidade que solicitou o transporte, existe uma presunção iuris tantum de que a mercadoria foi recebida pelo transportador em conformidade com as indicações contidas no conhecimento de carga, como previsto no artigo 3º §4 da Convenção de Bruxelas. Para responsabilizar o transportador em termos diversos do que dele consta, caberia ao destinatário contratante afastar tal presunção.
v) O limite da responsabilidade do transportador marítimo de mercadoria, afere-se pelas «perdas e danos causados às mercadorias» como expressamente refere o artigo 4 §5 da Convenção de Bruxelas e não pelo valor de todos os volumes transportados, independentemente de terem ou não sido danificados. 
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

A  (actualmente Seguradoras Unidas, SA), intentou a presente acção declarativa sob a forma comum, contra B  e  C, pedindo a condenação solidária das Rés no pagamento da quantia de € 20.627,11 (vinte mil seiscentos e vinte e sete euros e onze cêntimos) acrescida de juros calculados desde a data da citação, bem como custas, procuradoria e o mais legal.
 Alegou, em síntese, ter celebrado com a Novarroz – Produtos Alimentares, SA, um contrato de seguro, do ramo Mercadorias Transportadas, a qual solicitou à 2ª R. o transporte de 10 “Jumbo Bags” de arroz vaporizado, da India para Portugal (Leixões), para o que a 2ª Ré contactou a 1ª Ré MSC.
 Ocorre que quando a mercadoria chegou ao destino, nos dias 11 e 12 de Novembro de 2015, apresentava danos resultantes do contacto com água, vindo a Novarroz a rejeitar a mercadoria, por não poder ser introduzida no circuito de comercialização e de consumo humano a que se destinava, mercadoria com valor de factura de USD 40.956,80 e a que foi vendida foi vendida para ser utilizada em rações para animais pelo valor de € 21.315,60.
No âmbito do contrato de seguro, a Autora procedeu ao pagamento à Novarroz, em Janeiro de 2016, da quantia € 18.816,30, tendo ficado subrogada nos direitos daquela contra o responsável pelos danos causados à mercadoria transportada; a Autora teve ainda de suportar as despesas com a elaboração do relatório pericial, indispensável à averiguação das causas e consequências do sinistro reportado, no valor de € 1.810,81.  
A Ré C contestou por excepção e por impugnação tendo, por excepção, invocado a prescrição do direito que a Autora contra si pretende exercer.
A Ré B também contestou por excepção e por impugnação. Por excepção, invocou a limitação da responsabilidade que eventualmente sobre si possa recair ao montante de € 2.494,00.
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Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, vindo a ser proferida sentença final que decidiu nos seguintes termos:
 «Em face do exposto, julga-se parcialmente procedente a presente acção e, consequentemente, decide-se:
a) Absolver integralmente a Ré B do pedido que contra a mesma foi formulado pela Autora A;
b) Condenar a Ré C a pagar à Autora A a quantia de € 2.494,00 (dois mil e quatrocentos e noventa e quatro euros), acrescida de juros de mora, contados, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento;
c) Absolver a Ré C do demais contra si peticionado pela Autora A »
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Não se conformando com a decisão, dela apelou a A., formulando as seguintes conclusões:
I – A 1ª Ré B, na qualidade de entidade que se considerou responsável pela deterioração/avaria das mercadorias durante o período em que as mesmas estavam à sua guarda e cuidados, deverá, também, ser condenada ao pagamento da indemnização peticionada pela avaria das mercadorias, a título de responsabilidade extracontratual (artigo 483º e ss. do Código Civil)
II – A 1ª R. B é chamada a responder perante a NOVARROZ (em cuja posição a A. se encontra sub-rogada) por ter violado o direito real desta sobre a mercadoria transportada, atendendo à eficácia externa dos direitos reais, situação esta que se distingue daquela em que se apela à aplicação da doutrina da eficácia externa das obrigações,
III – Ainda que assim não se entendesse, o que não se concede e aduz apenas por mero dever de patrocínio, mesmo que se tivesse que convocar a eficácia externa das obrigações, considera-se que o melhor entendimento desta doutrina é aquele que permite ao primeiro contraente valer-se da acção directa contra o subcontrato, desde que se verifiquem todos os pressupostos da exigida responsabilidade extracontratual.
IV – Verifica-se que as mercadorias foram embarcadas num navio que é propriedade da 1ª R. B e que a mesma é a transportadora efectiva ou de facto (“actual carrier”, na designação anglo-saxónica),
V – No regime da Convenção de Bruxelas, para além do transportador contratual, o proprietário do navio e o transportador efectivo (pessoas que executam alguns dos deveres previstos na Convenção – artigos 1º, alínea b), 2º, 3º e 4º da Convenção) devem ser solidariamente responsáveis perante os interessados na carga, sob pena de se por em causa o regime de protecção mínima imposto pela Convenção – artigo 3º nº 8 da Convenção de Bruxelas;
VI – A efectivação da responsabilidade civil por via extracontratual, em face da perda ou avaria da mercadoria, sempre foi considerada admissível no âmbito do regime da Convenção de Bruxelas, tanto, assim, que se vulgarizou a introdução da chamada Cláusula Himalaia, por forma a estender os benefícios da exoneração e limitação da responsabilidade a terceiros que fossem chamados a responder pelos danos causados às mercadorias (fossem estes propostos, agentes ou subcontratados do transportador contratual)
VII – No mesmo sentido, o próprio artigo 31º nº 3 do D.L. nº 352/86, de 21/10, que estende a limitação legal de responsabilidade ao capitão e às demais pessoas utilizadas pelo transportador para a execução do contrato, o que só se justifica mediante a admissão da responsabilização extracontratual ou do funcionamento da acção directa contra estas pessoas,
VIII – Admite-se, no entanto, quanto à 1ª R. B, que por ter sido devidamente excepcionado o direito de limitação de responsabilidade, o montante da indemnização se deva circunscrever ao limite de € 498,80 por volume ou unidade, aplicável nos termos das disposições conjugadas dos artigos 4º nº5 e 9º, 2º parágrafo da Convenção de Bruxelas, artigo 1º § 1º do D.L nº 37748, de 1/2 e artigos 24º nº1 e 31º nº1 do D.L. nº 352/86, de 21/10.
IX – O Tribunal recorrido andou mal ao aplicar a limitação de responsabilidade invocada pela 1ª Ré B em benefício da 2ª R. C, pois esta última não invocou qualquer excepção relativa à limitação de responsabilidade do transportador e/ou transitário.
X – O estabelecimento de um montante do quantum indemnizatório acima do limite mínimo de responsabilidade fixado na Convenção, trata- se de uma faculdade conferida às partes (cfr. artigo 4º nº 5, 1º parágrafo in fine e artigo 5º da Convenção de Bruxelas), a qual, na prática, pode traduzir-se na não invocação da limitação da responsabilidade por parte do transportador.
XI – A invocação da excepção peremptória de limitação de responsabilidade por se tratar de matéria não excluída da disponibilidade das partes, deverá funcionar como uma excepção em sentido próprio, pelo que não tendo sido invocada pela 2ª R C na Contestação, verifica-se uma preclusão da defesa;
XII – A douta Sentença recorrida ao ter aplicado a limitação de responsabilidade, excepção esta invocada pela 1ª R. B em favor da 2ª R. C (que a não invocou) incorreu em nulidade, por ter conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento (artigo 625º nº 1, alínea d) do CPC);
XIII – Devendo, portanto, a 2ª R. ser condenada a pagar à A. o montante que corresponde à totalidade dos prejuízos causados às mercadorias (após dedução dos salvados) de € 18.816,30;
XIV – A segurada da A. (NOVARROZ) não se encontra vinculada pelos termos e condições do Sea Waybill, que serve de título ao contrato de transporte celebrado entre a 2ª R. C e a 1ª R. B,
XV – Na origem, foi indicada a natureza e o valor da mercadoria conforme resulta dos documentos de fls. 53/54 dos autos (factura comercial e packing list), pelo que deve ser este valor declarado da mercadoria o montante a considerar para efeitos de cálculo da indemnização e não o valor da limitação de responsabilidade,
XVI – A natureza e valor das mercadorias foram transmitidos à 2ª R. C (ou ao seu agente local) e se esta Ré não fez constar a declaração da natureza e valor das mercadorias no contrato celebrado com a B, titulado pelo Sea Waybill, tal sempre lhe seria imputável, pelo que não poderia operar em relação a ela o limite de responsabilidade;
XVII – A 2ª Ré C não procedeu à emissão de qualquer documento de transporte, de forma a permitir à segurada da A. (NOVARROZ) derrogar contratualmente o limite previsto na lei, pelo que nunca poderia esta Ré beneficiar da limitação de responsabilidade (pois o exercício de tal faculdade sempre constituiria um abuso de direito por exceder os limites impostos pela boa fé e pelo fim económico e social do direito),
Ainda que assim não se entenda, o que se aduz, sem conceder por mero dever de patrocínio, a título subsidiário,
XVIII – Atendendo ao elemento literal do artigo 4º nº 5 da Convenção de Bruxelas, à teleologia da mesma, ao enquadramento conferido pelas demais Convenções internacionais (em particular o Protocolo de Visby de 1968) e ao disposto no artigo 24º nº 1 do D.L. nº 322/86, de 21/10, deverá considerar-se que os volumes ou unidades a considerar para efeitos da limitação da responsabilidade do transportador são os volumes e unidades que estiverem enumerados no conhecimento de embarque e não os volumes ou unidades de carga que respeitem à mercadoria perdida ou avariada,
XIX – No presente caso, teríamos 10 sacos x € 498,80, o que importaria a quantia global de €4.988,00 (quatro mil e novecentos e oitenta e oito euros), montante que, a entender-se aplicável a limitação de responsabilidade à 2ª R. C, o que se aduz a título subsidiário, deveria ser o montante da condenação desta.
Nestes termos e nos demais de direito que Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada parcialmente a douta Sentença recorrida, de modo a que a 2ª R. C seja condenada a pagar à A. o valor do prejuízo causado às mercadorias de € 18.816,30, acrescido dos juros de mora peticionados, e a 1ª R. B condenada solidariamente com aquela até ao montante de limitação de responsabilidade de € 4.988,00, e assim se fará J U S T I Ç A
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Foram apresentadas contra-alegações pela B – MEDITERRANEAN SHIPPING COMPANY, S.A., vindo a concluir nos seguintes termos:
A) A sentença recorrida é absolutamente irrepreensível quanto á sua fundamentação e à adequação das soluções jurídicas por si preconizadas ao caso concreto, não sendo merecedora de qualquer reparo ou modificação;
B) A pretensão deduzida pela ora Recorrente tem como causa de pedir o cumprimento defeituoso dos contratos de transporte celebrados por um lado, entre a segurada da Apelante (Novaroorz SA) e a Co-Recorrida  C e, por outro lado entre esta e a ora Recorrida B (este ultimo titulado pelo pelo Sea Waybill  UID571429);
C) O pedido de condenação da Recorrida B a coberto do regime da responsabilidade extracontratual, constitui uma questão totalmente nova, nunca antes suscitada no processo e invocada pela primeira vez no âmbito do seu recurso;
D) Consequentemente, por constituir uma questão jurídica nova, deverá a alegada responsabilidade extra-contratual da Recorrida ser considerada excluída do objecto do presente recurso, por impossibilidade legal de apreciação, indeferindo-se liminarmente a pretensão da Recorrente;
Por outro lado,
E) Face ao objecto dos autos, nunca poderia a ora Recorrida vir a ser responsabilizada a título extra-contratual, pois subsumindo-se a relação material controvertida exclusivamente às relações contratuais estabelecidas entre as partes e enquadrando-se todos os danos invocados no âmbito do referido quadro contratual – conforme se constata da condenação da Ré C - a responsabilidade civil das Rés deverá forçosamente ser avaliada à luz das regras de responsabilidade civil contratual;
F) De resto a Recorrente optou expressamente por enquadrar os referidos danos no âmbito da responsabilidade civil contratual, conformando-se com tal solução. Tal resulta não só da posição expressa na petição inicial, mas também da sua concordância com a fundamentação jurídica que presidiu à condenação da C nos presentes autos.
G) Independentemente do atrás referido, no caso concreto, nunca existiria qualquer hipótese de responsabilizar civilmente a Recorrida B por facto ilícito, porquanto não se encontram demonstrados todos os requisitos e pressupostos legalmente exigidos para o efeito, previstos no artº 483º do CC!
H) Da análise da matéria de facto julgada provada em 1ª instância resulta, de forma clara e indisputável, que não resultaram demonstrados quais os factos (ou acções) que pudessem ter estado na origem dos danos em apreço, nem tão pouco qualquer factualidade passível de concluir pela ilicitude da actuação da Recorrida B ou sequer da sua eventual culpa pelos danos na mercadoria avariada (não tendo sequer alguma vez tal sido invocado ou concretizado pela Recorrente).
I) Sendo que ao contrário do que sucede no domínio da responsabilidade contratual, não existe neste âmbito qualquer presunção de culpa do transportador, incidindo em exclusivo sobre o Autor (neste caso a ora Recorrente) o ónus de invocar e demonstrar a existência de uma actuação ilícita e culposa, bem como do respectivo nexo de causalidade adequada – o que não se verificou na situação objecto dos autos.
J) O caso subjudice deverá assim ser enquadrado no âmbito da responsabilidade contratual. E neste contexto, não tendo a segurada da Recorrente sido parte do contrato de transporte titulado pelo Sea Waybill nº UID571429 celebrado entre as Co-Rés e não tendo a Recorrida ou algum dos seus agentes (na origem ou no destino) tido algum contacto com a segurada da Recorrente, por força do princípio da relatividade dos contratos, acolhido no art. 406º n.º2 do CC, não pode a Recorrida responder perante ela (e, consequentemente, perante a Recorrente).
K) Existindo falta de legitimação substantiva da Recorrente para reclamar à ora Recorrida B a indemnização peticionada, situação que conduzirá, invariavelmente, à sua absolvição do pedido, conforme bem decidido na sentença recorrida.
Por fim, a título meramente subsidiário
L) Por força do disposto no arts. 4º, nº 5 e 9º da Convenção de Bruxelas de 25.08.1924, conjugados com os artºs 2º e 31º n.º1 do Decreto-Lei nº 352/86, de 21 de Outubro e do § 1º do art. 1º do Decreto-Lei nº 37.748, de 1 de Fevereiro de 1950, a responsabilidade do transportador marítimo encontra-se limitada a € 498,80 (100.000$00) por volume;
M) No caso concreto, a Recorrida B recebeu para transporte 10 contentores de 20 pés, tendo aquando do embarque o expedidor declarado que cada contentor acondicionava 1 saco gigante (Jumbo Bag) com arroz vaporizado, num total de 10 sacos, pelo que a responsabilidade do transportador estaria limitada, sempre e em qualquer caso, a € 2.494,00 (€ 498,80 x 5 contentores), conforme bem reconheceu o Tribunal a quo;
N) Em consequência, face a tudo o exposto, deve o presente recurso ser julgado improcedente por não provado, confirmando-se a Sentença recorrida, com o que se fará a costumada JUSTIÇA!
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O âmbito de intervenção do tribunal ad quem é delimitado em função do teor das conclusões com que os recorrentes findam a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pedem a alteração ou anulação da decisão recorrida), só sendo lícito ao tribunal de recurso apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente nos termos enunciados pelo artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo Código.
Assim, sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, as questões a decidir são:
i. A nulidade da decisão recorrida, por ter conhecido de questão de que não poderia tomar conhecimento;
ii. A responsabilidade extracontratual da 1º Ré B – MEDITERRANEAN SHIPPING COMPANY, S.A..
iii. A medida da responsabilidade da 2ª R. C – NAVEGAÇÃO E LOGÍSTICA, LDA..
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
A SENTENÇA RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
1. A Autora é uma sociedade que exerce a actividade dos seguros.
2. No exercício dessa sua actividade, celebrou com a NOVARROZ – Produtos Alimentares, S.A., um contrato de seguro, do ramo Mercadorias Transportadas, titulado pela apólice nº 181 (da então Império Bonança, actualmente renumerada com o nº MM82529758), nos termos que constam do documento junto a fls. 20/22 que se dá por reproduzido.
3. A Ré B é uma empresa que se dedica à actividade dos transportes marítimos de mercadorias.
4. A Ré C é uma empresa que se dedica à actividade dos transportes e logística.
5. Em Setembro de 2015, a NOVARROZ comprou, na India, à empresa Jay Baba Bakreswar Rice Mill(P) Ltd., com domicílio em West Bengal, uma partida de 254.740 Kgs. de arroz vaporizado, acondicionado em 10 “Jumbo Bags”, nos termos que constam dos documentos juntos a fls. 53/54 e que se dão por reproduzido.
6. A compra foi feita na modalidade FOB Porto de Kolcata, na India, competindo à NOVARROZ obter o transporte até Leixões e efectuar o seguro da mercadoria.
7. A NOVARROZ solicitou à Ré C o transporte dos referidos 10 “Jumbo Bags”, em 10 contentores de 20 pés, da India para Portugal (Leixões).
8. Para o efeito, a Ré C contactou a Ré B.
9. Os 10 “Jumbo Bags”, com o peso total de 254.740 kgs., foram assim acondicionados em 10 (dez) contentores de 20 pés, cujos números de identificação se encontram descritos no “Sea Way Bill” emitido pela Ré B.
10. Embarcaram, em 3 de Outubro de 2015, no porto de Kolkata na India, no navio da Ré B denominado “KAI PING V, com destino a Leixões.
11. A Ré B procedeu à emissão do respectivo Sea Way Bill, com o nº UI571429, comprovativo da recepção a bordo da mercadoria para transporte até ao destino, nos termos que constam do documento junto a fls. 56/57 e que se dá por reproduzido.
12. Quando a mercadoria chegou ao destino, nos dias 11 e 12 de Novembro de 2015, apresentava danos significativos resultantes do contacto com água.
13. Esta situação foi de imediato comunicada às Rés.
14. No âmbito do contrato de seguro, a NOVARROZ participou igualmente o sinistro à Autora.
15. Para apuramento das causas e consequências das avarias constatadas, a Autora solicitou à empresa PERILIDER a realização de uma peritagem à mercadoria  transportada, tendo a mesma emitido o seu Certificado de Vistoria nº ST 4238, nos termos que constam do documento junto a fls. 23/41 e que se dá por reproduzido.
16. À chegada dos contentores às instalações da Segurada da A., esta constatou que os mesmos “largavam água”,
17. Sendo visível uma marca de água no exterior de vários contentores.
18. No relatório junto a fls. 23/41, a PERILIDER, após a realização das averiguações necessárias, refere que “tudo aponta para que a mercadoria tenha sido danificada por entrada de água nos contentores”, “Por deficiente estanquicidade dos mesmos, quer das portas quer do tecto de um deles (MEDU 360598/1) que apresentava um rombo, junto ao canto do pino (ver foto 4) o que indicia poder ser resultante de uma deficiente acoplação do aparato normalmente utilizado na sua movimentação (spreader – ver foto 48)”.
19. Após a descarga dos 10 contentores, refere-se no relatório junto a fls. 23/41: os CONTENTORES MEDU 355172/0, MEDU 215522/0 e TCKU 237141/8, “foram descarregados normalmente, tendo a respectiva mercadoria sido acondicionada na tulha 18 pronta para seguir para o processo de tratamento (branqueamento) e embalamento”; o CONTENTOR MEDU 360598/1, “apresentava a mercadoria aglutinada, por ter estado em contacto com água, sendo que vieram apurar que o contentor apresentava um furo no canto superior direito, junto à porta”; “A mercadoria deste contentor foi acondicionada em armazém para posterior análise”; os CONTENTORES TCKU 216311/6 e CRXU 329316/9 “foram descarregados mas a sua mercadoria (50.400 kgs) foi colocada em armazém, para posterior análise”; aquando da abertura do CONTENTOR MEDU 314648/1, apurou-se “que a mercadoria existente junto ao chão apresentava-se podre e aglutinada, com uma altura na ordem dos 15 cms)”; “Interiormente toda a carga exalava um cheiro intenso, apresentando-se com uma temperatura bem superior ao desejado, dando indícios que estava já num processo de fermentação”; Esta mercadoria foi descarregada e acondicionada em “big bags” (de cerca de 1.250 kg cada), para posterior análise; “As mercadorias acondicionadas nos  CONTENTORES GLDU 391726/8, MEDU 623552/0 e MEDU 171350/2 “exalavam um cheiro a podre muito intenso, para além de se encontrar “quente”, isto é, com uma temperatura superior aos 30ºC em vez dos 20º como desejado”; “Os testes que foram realizados nos contentores que apresentavam indícios de terem sofrido infiltrações de água, pela base inferior das portas, indiciavam a presença de cloretos de sódio (sal – água do mar)”.
20. No mesmo relatório refere-se também que “Tal poderá indiciar que esses danos possam estar relacionados com água de lastro ou então com alguma inundação que possa ter ocorrido durante o parqueamento dos contentores em terra, sendo que os mesmos, no porto de Colombo no Sri Lanka estiveram parqueados durante 6 dias (de 8 a 14 de Outubro de 2015), salientando-se que as monções neste país se dividem entre maio e agosto; e outubro a janeiro”.
21. Foram constatados nos 10 (dez) contentores em causa 6860 Kg de arroz podre, 3460 Kg de arroz 100% danificado e 161730 Kg de arroz não conforme.
22. Foram realizados diversos testes, por amostragem, com execução de branqueamentos e cozedura, a fim de se apurar até que ponto a mercadoria avariada (“Não conforme”) poderia ser utilizada pela NOVARROZ.
23. Após a realização destes testes, a PERILIDER constatou que o arroz separado pelo departamento de qualidade da NOVARROZ, como “Não Confome”, mantinha um forte cheiro após as operações de branqueamento, que inclusivamente foram levadas ao limite (3 vezes mais tempo que o processo normal).
24. Em face destas análises a NOVARROZ rejeitou a mercadoria, pois não poderia ser introduzida no circuito de comercialização e de consumo humano a que se destinava, não só pelas diferenças organoléticas mas também bacteriológicas, que certamente o processo de fermentação em que mercadoria notoriamente se encontrava, já tinha desencadeado.
25. A mercadoria quantificada como “Podre” e “Não Conforme”, tem um valor de factura de USD 40.956,80.
26. A mercadoria “Não Conforme” foi vendida pelo preço de 180 Euros a Toneladam no total de Euros 21.315,60.
27. No âmbito do contrato de seguro, a Autora procedeu ao pagamento à NOVARROZ, em Janeiro de 2016, da quantia Euros 18.816,30 (dezoito mil oitocentos e dezasseis Euros e trinta cêntimos), nos termos que constam do documento junto a fls. 42 e que se dá por reproduzido.
28. A Autora suportou as despesas com a elaboração do relatório da PERILIDER, respeitante à averiguação das causas e consequências do sinistro reportado, que ascenderam a Euros 1.810,81, nos termos que constam do documento junto a fls. 43 e que se dá por reproduzido.
29. A Autora reclamou junto das Rés o ressarcimento dos prejuízos causados, nos termos que constam dos documentos juntos a fls. 44/46 e que se dão por reproduzidos, não tendo, até ao momento, logrado obter qualquer pagamento.
30. A Ré C é portadora da Alvará emitido pelo IMTT.
31. A Ré C planeou o transporte, através de um terceiro, de molde a satisfazer a pretensão do expedidor: que as mercadorias chegassem (em boas condições) às instalações do destinatário.
32. A Ré B é uma empresa de reconhecido nome nacional e internacionalmente, transportadora experiente e conhecedora de todas as vicissitudes e exigências do transporte marítimo.
33. A compra da mercadoria foi efectuada directamente pela Nova Arroz ao fornecedor JAY BABA BAKRESWAR RICE MILL LTD.
34. A entrega da mercadoria foi efectuada no Porto de Kolkata tendo como consignatário a Nova Arroz e fornecedor JAY BABA BAKRESWAR RICE MILL LTD.
35. A factura foi emitida no dia 22.09.2015 e a entrega das mercadorias no porto ocorreu a 23.09.2015.
36. O controlo sanitário da mercadoria ocorreu a 24.09.2015.
37. Os referidos contentores foram colocados no parque de exportação a 26.09.2015.
38. Em 03/10/2015 foram os contentores colocados a bordo no barco da Ré B.
39. Em Setembro de 2009, a Ré C contactou a Ré B, na pessoa do seu agente de navegação “B Portugal”, solicitando-lhe a disponibilização na Índia e o transporte de 10 contentores de 20 pés, do porto de Kolkata (Índia) para o porto de Leixões.
40. As condições do transporte, nomeadamente o valor do frete marítimo, foram acordadas entre a “B Portugal”, em nome e por conta da Ré B, e a Ré C.
41. A Ré B realizou o referido transporte ao abrigo do Sea Waybill nº UID571429, emitido em 3.10.2015 pelo seu agente na origem (“B Índia”), no qual surge como transportadora, a sociedade “Continental Carriers PVT LTD” como expedidora e a Ré Seatrnship como consignatária e parte a notificar.
42. Em 1.10.2015, a Ré C subscreveu o documento junto a fls. 176, que se dá por reproduzido, nos termos do qual declara que recebeu, tem conhecimento e aceita, enquanto parte do contrato de transporte, as respectivas condições, insertas no verso do Sea Waybill que lhe serve de título.
43. Em 6.11.2015, a “B Portugal”, em nome e por conta da Ré B, facturou à Ré C o frete marítimo, os adicionais de frete e as despesas locais inerentes ao transporte, para o que emitiu a sua factura nº 16778, cuja cópia foi junta a fls. 177/178 e que se dá por reproduzida, que foi paga pela Ré C.
44. Nunca a Ré B ou algum dos seus agentes (na origem ou no destino) tiveram algum contacto com a “Novarroz”.
45. Os 10 contentores foram objecto de transbordo nos portos de Colombo e de Valência.
46. Em 9.11.2015, os 10 contentores desembarcaram no porto de Leixões.
47. Em 11.11.2015, a “B Portugal”, na sua qualidade de agente da Ré B, recebeu uma mensagem da Ré C, pela qual esta lhe deu conta da existência de avarias na mercadoria transportada ao abrigo do Sea Waybill nº UID571429.
48. Com vista ao apuramento da natureza, extensão e causas dos danos objecto de reclamação, a “B Portugal”, em cumprimento das instruções recebidas da Ré B, nomeou a empresa de peritagens “Comismar Supervisão, Lda.”.
49. Em 12 e 13 de Novembro de 2015, a “Comismar” deslocou-se às instalações da “Novarroz”, em Oliveira de Azeméis, para onde a Ré C promovera a deslocação de todos os contentores.
50. Na sequência da peritagem efectuada, a “Comismar” emitiu o relatório junto a fls. 179/189, que se dá por integralmente reproduzido.
51. No relatório da “Comismar” consta que: os contentores chegaram às instalações da “Novarroz” em 11.11.2015, pelo que, aquando da deslocação da “Comismar” às instalações daquela, apenas 3 dos 10 contentores se encontravam por descarregar; segundo as declarações então recolhidas aos responsáveis da “Novarroz”, os contentores MEDU2155220, MEDU3551720, TCKU2371418, TCKU2163116 e CRXU3293169 encontravam-se em bom estado, sem quaisquer danos; ainda de acordo com essas declarações, os contentores MEDU3605981 e MEDU3146481 apresentavam o piso molhado, sendo que o primeiro ostentava, ainda, um furo no canto superior direito, da parte de trás; os restantes 3 contentores (GLDU3917268, MEDU1713502 e MEDU6235520), inspeccionados pela “Comismar”, apresentavam o piso molhado e marcas visíveis nos respectivos painéis indicadoras de que a base (isto é, a parte inferior) dos contentores havia estado submersa em água, em cerca de 30 cm de altura; os testes efectuados aos contentores com sinais de terem sofrido infiltrações de água indicaram a presença de cloretos de sódio (isto é, água salgada); ainda que não se tenha apurado,  concretamente, o que é que esteve na origem da aparente submersão de alguns dos contentores, admite-se que tal situação esteja relacionada com algum incidente eventualmente ocorrido durante a operação de transporte marítimo; todo o arroz transportado nos contentores MEDU2155220, MEDU3551720, TCKU2371418, TCKU2163116 e CRXU3293169 se encontrava em perfeitas condições; quanto ao arroz transportado nos contentores MEDU3605981 e MEDU3146481, 1.440 Kg encontravam-se em situação de perda total, por se encontrarem podres, com mau cheiro e sinais de terem estado submersos em água; do arroz acondicionado nos contentores GLDU3917268, MEDU1713502 e MEDU6235520, 8.880 Kg foram considerados perda total, pelas mesmas razões referidas no artigo anterior; a restante mercadoria acondicionada nesses últimos 5 contentores (únicos que chegaram com problemas) foi objecto de análises, cujos resultados revelaram que 117.670 Kg de arroz se encontram desconformes, por apresentarem cheiro durante a cozedura e sabor incompatíveis com os normais parâmetros de qualidade; dos 254.740 Kg de arroz acondicionado nos 10 contentores, 126.750 Kg encontravam-se em condições normais, 10.320 Kg (1.440 kg + 8.880 Kg) podres e 117.670 Kg desconformes.
52. Em 22.9.2015, data de emissão da referida factura comercial de venda da mercadoria, a taxa de conversão do Euro em Dólar dos Estados Unidos era € 1 = USD 1,1155
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A SENTENÇA RECORRIDA CONSIDEROU COMO NÃO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
- Foi na qualidade de transitária que a Ré C foi contratada pela NovaArroz, para que esta efectuasse o planeamento, contratação e gestão do transporte de 254.740kgs de arroz vaporizado em 10 jumbo bags. em nome da Nova Arroz.
- A Ré C não assumiu a obrigação de efetuar, ela própria, o transporte, mas sim de contratar um terceiro para o fazer.
- A Ré não foi contratada para efectuar o transporte da mercadoria.
- A Nova Arroz sabia que a Ré Sratranship tinha apenas um papel de consultora, intermediária, sendo os contratos de transporte celebrados por conta da Nova Arroz com empresas transportadoras, entre as quais a Ré B.
- A Ré C actuou apenas como intermediária.
- A entrega da mercadoria no porto de Kolkata ficou por conta da empresa expedidora JAY BABA BAKRESWAR RICE MILL LTD.
- O transporte e acondicionamento da mercadoria até ao referido Porto e no próprio porto, até ser colocado a bordo, era assumido pela empresa expedidora JAY BABA BAKRESWAR RICE MILL LTD.
- No período em que os contentores permaneceram no porto Kolkata, este encontrava se sob as condições climatéricas de monções.
- O transporte marítimo ocorreu sem quaisquer incidentes ou ocorrências.
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O MÉRITO DO RECURSO
i. A nulidade da decisão recorrida, por ter conhecido de questão de que não poderia tomar conhecimento;
Veio a apelante invocar a nulidade da sentença recorrida, ao ter aplicado a limitação de responsabilidade da obrigação de indemnização, excepção esta invocada pela 1ª R. B, em favor da 2ª R. C (que a não invocou), tendo conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do artigo 615º, nº1, alínea d) do CPC, é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Tal ocorre sempre que o tribunal fundamenta a sua decisão em matéria não alegada, bem como quando conhece de matéria alegada ou pedido formulado em condições em que está impedido de o fazer.
Esta impossibilidade pode ser absoluta, quando o tribunal não pode conhecer, de todo, dessa questão (porque não suscitada pelas partes e não é de conhecimento oficioso) ou relativa, se apenas não pode conhecer em determinadas circunstâncias mas, verificadas outras, pressuposto daquele conhecimento, já o pode fazer.
Vejamos.
Na sua contestação a 2ª R. C, efectivamente, como pretende a apelante, não veio invocar a limitação da responsabilidade do transportador marítimo a que alude o artigo 4º nº 5, da Convenção de Bruxelas). De facto, tal Ré assentou a sua defesa na circunstância de «50.º (…) os danos nas mercadorias não derivaram do contrato de transporte marítimo celebrado com a 1.ªR., mas tão simplesmente pelo contrato de transporte terrestre e carregamento celebrado com a JAY BABA BAKRESWAR RICE MILL LTD.. 51.º Pelo que, não existe qualquer responsabilidade das RR..».
Refere-se na sentença recorrida que: « importa ter presente a limitação da sua responsabilidade invocada pela Ré B, fazendo apelo ao artigo 4.º, n.º 5, da Convenção de Bruxelas, onde se dispõe que «[t]anto o armador como o navio não serão obrigados, em caso algum, por perdas e danos causados às mercadorias ou que lhe digam respeito, por uma soma superior a 100 libras esterlinas por volume ou unidade, ou o equivalente desta soma numa diversa moeda, salvo quando a natureza e o valor destas mercadorias tiverem sido declaradas pelo carregador antes do seu embarque e essa declaração tiver sido inserida no conhecimento.» .
A decisão recorrida, depois de ter procedido irrepreensivelmente à apreciação da responsabilidade da Ré C, veio a fixar a medida da sua obrigação indemnizatória fazendo apelo ao artigo 4.º, n.º 5, da Convenção de Bruxelas e, limitando, consequentemente a sua responsabilidade.
Ora, esta responsabilidade tem o regime especial estabelecido pela Convenção de Bruxelas e, designadamente, os limites de responsabilidade ali fixados.
«No Direito Marítimo, a responsabilidade do transportador de mercadorias por incumprimento do contrato é sempre limitada a uma quantia pré-fixada pela Lei.
Além de um sistema exonerativo próprio, com causas definidas e arroladas em extenso elenco, cuja presença afasta a responsabilidade de reparar o dano provocado na mercadoria transportada, o regime da responsabilidade civil do transportador marítimo também é excepcional, porque impõe um limite indenizatório em favor do transportador, em evidente desvio à função de reparação integral do dano.
A limitação da responsabilidade, portanto, é parte integrante do sistema de responsabilidade do transportador, na medida em que procura equilibrar os riscos, os interesses, e a posição das partes no contrato de transporte. »[1]
Assim, no Direito Marítimo, contrariamente ao regime regra da responsabilidade civil com assento no Código Civil, a responsabilidade do transportador de mercadorias por incumprimento do contrato é sempre limitada a uma quantia pré-definida na lei.
A Convenção de Bruxelas, para além de definir causas próprias de exoneração da responsabilidade, fixa um limite indemnizatório, ao arrepio da regra geral de reparação integral do dano. E apenas se as partes declararem diversamente, tal limite é excedido.
Este é o regime regra.
«No Direito Marítimo, a responsabilidade civil adquire contornos dogmáticos específicos que a diferenciam do sistema tradicional.
O sistema tradicional da responsabilidade civil é assentado na premissa de que a parte responsável pelo incumprimento de uma obrigação ou quem ilicitamente causar dano a outrem fica obrigado a reparar integralmente o prejuízo suportado pelo lesado.
 (…)
O limite indenizatório vem compensar o regime da responsabilidade mais rigoroso que recai sobre o transportador. Essa compensação, portanto, visa garantir e dar condições econômicas para a viabilidade do negócio, não desencorajando a atividade empreendedora do transportador, e contrabalançar os riscos naturais e as dificuldades técnicas a que o transporte está sujeito.
A limitação da responsabilidade do transportador é uma limitação econômica e abrange o montante a ser indenizado em favor do credor lesado. O transportador responde com todo o seu patrimônio, entretanto, somente até uma determinada quatia, limitada pela Convenção. »[2]
Nesta medida e nos termos do §5 do artigo 4º da Convenção de Bruxelas, «tanto o armador como o navio não serão obrigados, em caso algum, por perdas e danos causados às mercadorias ou que lhe digam respeito, por uma soma superior a 100 libras esterlinas por volume ou unidade, ou o equivalente desta soma numa diversa moeda, salvo quando a natureza e o valor destas mercadorias tiverem sido declarados pelo carregador antes do seu embarque e essa declaração tiver sido inserida no conhecimento».
Esta é a regra que o D.L. 352/86, de 21 de Outubro, não alterou, excepto no segmento atinente ao valor estabelecido no § 1.º do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 37748 (12500$00) por se encontrar manifestamente desactualizado, como do preâmbulo do referido diploma consta procedendo, então, à sua actualização: «Artigo 31.º (Limitação legal da responsabilidade) 1 - É fixado em 100000$00 o valor referido no § 1.º do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 37748, de 1 de Fevereiro de 1950. 2 - Se o conhecimento de carga não contiver a enumeração a que alude o n.º 1 do artigo 24.º deste diploma, por ela não constar da declaração de carga referida no artigo 4.º, cada contentor, palete ou outro elemento análogo é considerado, para efeitos de limitação legal de responsabilidade, como um só volume ou unidade de carga. 3 - A limitação legal de responsabilidade aplica-se ao capitão e às demais pessoas utilizadas pelo transportador para a execução do contrato.»
Nestes termos, apurados os valores dos danos porque é responsável o transportador, excedendo o mesmo o limite da indemnização previsto pela Convenção de Bruxelas, no seu artigo 4º, nº 5, tem tal valor que se conter dentro daqueles limites. Não será assim se as partes tiverem estabelecido um diferente tecto indemnizatório, mais favorável ao expedidor o que, no caso, não ocorreu.
A regra estatuída quanto ao limite indemnizatório fixado no parágrafo 5 do artigo 4º encontra excepção na circunstância de actuação dolosa.[3]
Ora, considerando o regime legal aplicável aos factos apurados, não tendo a decisão recorrida feito mais do que o seu enquadramento jurídico, manifestamente não ocorre excesso de pronúncia.
De igual modo, a invocação da limitação estabelecida na lei não configura matéria de excepção peremptória, cuja não invocação faz precludir o seu conhecimento, como pretende a recorrente.
Nos termos preceituados pelo artigo 579º do CPC, o Tribunal conhece oficiosamente das excepções peremptórias cuja invocação a lei não torne dependente da vontade do interessado.
O regime estabelecido pelo artigo 4º §5 da Convenção de Bruxelas é o regime regra, cuja aplicação a lei não faz depender da arguição pelos interessados.
Nesta medida, a decisão recorrida conheceu da matéria alegada pela apelante, fazendo o seu enquadramento jurídico e, por via dele, aplicando as limitações enunciadas no regime do transporte marítimo de mercadorias pelo que, fazendo o enquadramento jurídico dos factos apurados, aplicou as normas correspondentes, aplicação esta que não depende de qualquer arguição da parte.
Assim, a decisão recorrida mais não fez do que aplicar as regras de direito convocadas pelos factos, as quais são de aplicação pelo Tribunal independentemente da sua arguição.
Não se verifica, consequentemente, a invocada nulidade.
*
ii. A responsabilidade extra-contratual da 1º Ré B – MEDITERRANEAN SHIPPING COMPANY, S.A..
Pretende a recorrente que a 1ª Ré B, na qualidade de entidade que se considerou responsável pela deterioração/avaria das mercadorias durante o período em que as mesmas estavam à sua guarda e cuidados deverá, também, ser condenada ao pagamento da indemnização peticionada pela avaria das mercadorias, a título de responsabilidade extracontratual (artigo 483º e ss. do Código Civil).
Deverá tal Ré, absolvida na decisão recorrida, ser chamada a responder perante a NOVARROZ (em cuja posição a A. se encontra sub-rogada) por ter violado o direito real desta sobre a mercadoria transportada, atendendo à eficácia externa dos direitos reais, situação esta que se distingue daquela em que se apela à aplicação da doutrina da eficácia externa das obrigações.
Ainda que assim não se entendesse, mesmo que se tivesse que convocar a eficácia externa das obrigações, considera-se que o melhor entendimento desta doutrina é aquele que permite ao primeiro contraente valer-se da acção directa contra o subcontrato, desde que se verifiquem todos os pressupostos da exigida responsabilidade extracontratual.
Importa, antes de mais, aferir se a pretensão da recorrente, de conhecimento da responsabilidade extracontratual da recorrida B – MEDITERRANEAN SHIPPING COMPANY, S.A., constituiu a pretensão de conhecimento por esta instância de recurso de questão nova, como pretende a recorrida.
Apreciemos.
Não é lícito aos recorrentes invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida, na medida em que os recursos se destinam a reapreciar decisões proferidas. Por via do recurso, impugnam-se decisões proferidas, que serão objecto de reapreciação na instância de recurso e, em consequência desta reapreciação, serão as decisões proferidas confirmadas, revogadas ou anuladas.
«os recursos são meios de modificar decisões e não de criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre, visando, assim, um reestudo das questões já vistas e resolvidas pelo tribunal recorrido e não a pronúncia sobre questões novas».[4]
«quando um recorrente vem colocar perante o Tribunal superior uma questão que não foi abordada nos articulados, não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida, então estamos perante o que se costuma designar de questão nova. Por definição, a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido, pois só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido»[5].
«o que delimita o recurso e constitui o seu ponto de cognoscibilidade é a decisão impugnada, não podendo, o respectivo âmbito, exceder o que foi fixado e delimitado pela actividade cognoscente do órgão jurisdicional. Os recursos são meios de obter a reponderação das questões já anteriormente colocadas e a eventual reforma de decisões dos tribunais inferiores, e não de alcançar decisões novas, só assim não acontecendo nos casos em que a lei determina o contrário, ou relativos a matéria indisponível, sujeita por isso a conhecimento oficioso»[6].
Assim, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida, ou sobre pedidos que não hajam sido formulados.
Cabendo ao Tribunal conhecer de todas as questões suscitadas, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras ( conforme resulta da conjugação do disposto no artigo 663.º, n.º 2, do CPC, com o previsto no artigo 608.º, n.º 2, do mesmo Código), considerando a função dos recursos, ao Tribunal de recurso apenas cumpre conhecer das decisões sobre as questões suscitadas e daquelas que, não o tendo sido, sejam de conhecimento oficioso ( nos termos previstos pelo artigo 608º, nº 2, parte final do CPC).
Para além destas questões de conhecimento oficioso, em matéria de qualificação jurídica dos factos, o Tribunal de recurso não está limitado pela iniciativa das partes, nos termos preceituados pelo artigo 5º, nº 3, do CPC, o qual dispõe que: «O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito».
É, assim, lícito ao Tribunal ad quem conhecer de questões suscitadas à sua apreciação em matéria de direito, desde que os elementos factuais sejam aqueles em que a decisão recorrida alicerçou o enquadramento jurídico dos factos.
À luz do que deixámos exposto, vejamos se a apreciação da responsabilidade extracontratual da 1ª Ré está no âmbito do conhecimento deste Tribunal.
Da petição inicial decorre que a apelante, subrogada nos direitos da Novarroz, fundou a sua pretensão na falta de diligência do transportador – contratado pela 2ª Ré C – NAVEGAÇÃO E LOGÍSTICA, LDA., a quem a segurada da A. contratara o transporte da mercadoria -, com a mercadoria entregue à sua guarda, na falta de cuidados de que a mercadoria carecia, permitindo a sua contaminação com água e que o tecto de um dos contentores fosse furado, provavelmente nas operações de carga/descarga do contentor (49º, 50º, 51º  pi). Conclui no sentido de que a 1ª R., aqui recorrida, na sua qualidade de transportadora efetiva da mercadoria, é responsável pelas avarias causadas durante o transporte.
Às partes cabe alegar os factos essenciais que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções. O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo dos factos instrumentais que resultem da instrução da causa, dos factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido oportunidade de se pronunciarem, dos factos notários e daqueles de que o Tribunal tenha conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
O facto ou factos que integram a causa de pedir, são aqueles em que a A. assenta a sua pretensão e do qual emerge o seu direito.
«Quando se diz que a causa de pedir é o acto ou facto jurídico de que emerge o direito que o autor se propõe fazer valer, tem-se em vista não o facto jurídico abstracto, tal como a lei o configura, mas o facto jurídico concreto, cujos contornos se enquadram na definição legal. Por outras palavras: se eu demando certa pessoa com base num contrato de compra e venda, a causa de pedir da acção não é a categoria legal contrato de compra e venda; é aquele contrato particular de compra e venda que eu invoco e identifico.»[7]
A responsabilidade a assacar à 1º Ré é a que resultar daqueles factos concretos alegados: a tutela jurídica peticionada é neles que assenta.
O Tribunal está vinculado à matéria factual alegada, mas não ao enquadramento jurídico que dela faça o Autor ou a decisão recorrida.
Nesta medida, a aferição da responsabilidade extracontratual não configura questão nova, cujo conhecimento esteja vedado a este Tribunal.
A decisão recorrida absolveu a 1ª Ré, assim fundamentando a sua decisão:
«Começando pela responsabilidade assacada pela Autora à Ré B diremos, desde já, que não poderá ser responsabilizado pelo pagamento da quantia aqui peticionada, essencialmente, porque também não poderia ser responsabilizado perante a Novarroz pelo ressarcimento dos prejuízos decorrentes da mercadoria pela mesma adquirida e transportada pela Ré B.
É que, tal como a Ré B sustenta na sua contestação e resulta da factualidade provada, nunca esta Ré, ou algum dos seus agentes (na origem ou no destino) tiveram algum contacto com a segurada da Autora (“Novarroz”), tendo o contrato de transporte por esta celebrado tido como contraparte a Ré C, que, por sua vez, subcontratou a Ré B para a realização da etapa marítima do transporte.
Por isso, em consonância com o princípio da relatividade dos contratos, acolhido no artigo 406.º, n.º 2, do Código Civil (de acordo com o qual, em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei), o contrato de transporte celebrado entre ambas as Rés nenhuns efeitos produz quanto à segurada da Autora, sendo igualmente verdade que daquele contrato não resultam para esta quaisquer direitos sobre a Ré B, que perante ela (e, consequentemente, a Autora) não responde.»
A decisão recorrida alicerça-se, ainda, nos seguintes fundamentos:
«O regime jurídico do contrato de transporte marítimo (nacional e internacional) de mercadorias não prevê a acção directa dos interessados na carga (expedidor ou destinatário) de facto contra o subtransportador. Por outro lado, tal como sucedia na situação analisada no aresto que acima se citou, a Ré B é terceira em relação ao direito de crédito contratual aqui invocado pela Autora. Finalmente, não se demonstrou qualquer actuação dolosa da Ré B na interferência do crédito, por violação do direito da Autora à entrega da totalidade mercadoria transportada em perfeito estado.»
Apreciemos a pretensão da apelante de condenação da 1ª Ré por responsabilidade extracontratual pela perda ou avaria da mercadoria, aferindo se a mesma é admissível no âmbito do regime da Convenção de Bruxelas, como alega a recorrente.
«Sobre o transporte de mercadorias, várias questões são extraídas, com o objetivo de se analisar o regime jurídico da responsabilidade civil do transportador. Não se olvida que a matéria tem surtido inúmeras controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais. Para o desenvolvimento do presente trabalho, entretanto, o estudo é centrado nas regras da Convenção de Bruxelas, por ser este o arquétipo legal básico de incidência no plano interno e externo no ordenamento jurídico português.
À partida, o sistema de responsabilidade civil do transportador está consubstanciado no contrato realizado entre o expedidor e o transportador.
Portanto, o regime jurídico básico da responsabilidade civil do transportador, de modo geral, é o obrigacional, com previsão no artigo 798 do Código Civil. O incumprimento da obrigação assumida absorve os pressupostos do fato, ilicitude e culpa. E nos termos do artigo 799 do Código Civil, existe uma presunção de culpa do devedor inadimplente (transportador), invertendo-se o ônus da prova.
Entretanto, não se pode ignorar que o regime indenizatório decorrente do transporte marítimo de mercadorias também encontra guarida no sistema da responsabilidade civil extraobrigacional. O dano passível de indenização pode ser decorrência da violação de um dever geral de proteção.».[8]
A resposta à questão colocada é, assim, afirmativa.
Efectivamente, inexiste fundamento para afastar a aplicação das regras gerais da responsabilidade civil em matéria extracontratual, por facto ilícito do autor do dano. Tendo o transportador, com dolo ou mera culpa, violado o dever geral de custódia, de manutenção e guarda das mercadorias que transportou, responde pelos danos que tiver causado.
Assim, independentemente de qualquer relação contratual entre as partes que, no caso, inexistiu, a responsabilidade poderá advir da prática pelo transportador de um facto ilícito, nos termos preceituados pelo artigo 483º do CPC, nº 1, do CPC.
«Como exemplo desse regime de responsabilidade civil extraobrigacional, tem-se a situação do proprietário da mercadoria transportada que não fez parte do contrato de transporte e que teve coisa transportada danificada durante o deslocamento da mercadoria. Uma eventual ação indenizatória proposta pelo proprietário da mercadoria, em face do transportador, estará fundamentada numa relação extraobrigacional.»[9]
Considerada a possibilidade de responsabilizar o transportador, nos termos do referidos pelo artigo 483º do CC, cabe aferir dos seus pressupostos.
No âmbito da responsabilidade extracontratual, está a cargo do lesado a prova da culpa do transportador (contrariamente ao que ocorre na responsabilidade contratual, em que se presume tal culpa, presunção esta que determinou, nos termos da decisão recorrida, a condenação da 2ª Ré).
Devendo o transportador tomar todas as cautelas e todas as providências necessárias para que o navio tenha aptidão para a expedição marítima, aptidão para a navegação, para receber a carga e transportá-la em condições de segurança durante toda a viagem, impendia sobre a A., apelante, alegar e provar os factos atinentes à violação culposa destes deveres.
Vejamos o que está provado nos autos, com relevo para a apreciação da questão em apreço:
«12. Quando a mercadoria chegou ao destino, nos dias 11 e 12 de Novembro de 2015, apresentava danos significativos resultantes do contacto com água.
(…)
16. À chegada dos contentores às instalações da Segurada da A., esta constatou que os mesmos “largavam água”,
17. Sendo visível uma marca de água no exterior de vários contentores.
18. No relatório junto a fls. 23/41, a PERILIDER, após a realização das averiguações necessárias, refere que “tudo aponta para que a mercadoria tenha sido danificada por entrada de água nos contentores”, “Por deficiente estanquicidade dos mesmos, quer das portas quer do tecto de um deles (MEDU 360598/1) que apresentava um rombo, junto ao canto do pino (ver foto 4) o que indicia poder ser resultante de uma deficiente acoplação do aparato normalmente utilizado na sua movimentação (spreader – ver foto 48)”.
19. Após a descarga dos 10 contentores, refere-se no relatório junto a fls. 23/41: os CONTENTORES MEDU 355172/0, MEDU 215522/0 e TCKU 237141/8, “foram descarregados normalmente, tendo a respectiva mercadoria sido acondicionada na tulha 18 pronta para seguir para o processo de tratamento (branqueamento) e embalamento”; o CONTENTOR MEDU 360598/1, “apresentava a mercadoria aglutinada, por ter estado em contacto com água, sendo que vieram apurar que o contentor apresentava um furo no canto superior direito, junto à porta”; “A mercadoria deste contentor foi acondicionada em armazém para posterior análise”; os CONTENTORES TCKU 216311/6 e CRXU 329316/9 “foram descarregados mas a sua mercadoria (50.400 kgs) foi colocada em armazém, para posterior análise”; aquando da abertura do CONTENTOR MEDU 314648/1, apurou-se “que a mercadoria existente junto ao chão apresentava-se podre e aglutinada, com uma altura na ordem dos 15 cms)”; “Interiormente toda a carga exalava um cheiro intenso, apresentando-se com uma temperatura bem superior ao desejado, dando indícios que estava já num processo de fermentação”; Esta mercadoria foi descarregada e acondicionada em “big bags” (de cerca de 1.250 kg cada), para posterior análise; “As mercadorias acondicionadas nos CONTENTORES GLDU 391726/8, MEDU 623552/0 e MEDU 171350/2 “exalavam um cheiro a podre muito intenso, para além de se encontrar “quente”, isto é, com uma temperatura superior aos 30ºC em vez dos 20º como desejado”; “Os testes que foram realizados nos contentores que apresentavam indícios de terem sofrido infiltrações de água, pela base inferior das portas, indiciavam a presença de cloretos de sódio (sal – água do mar)”.
20. No mesmo relatório refere-se também que “Tal poderá indiciar que esses danos possam estar relacionados com água de lastro ou então com alguma inundação que possa ter ocorrido durante o parqueamento dos contentores em terra, sendo que os mesmos, no porto de Colombo no Sri Lanka estiveram parqueados durante 6 dias (de 8 a 14 de Outubro de 2015), salientando-se que as monções neste país se dividem entre maio e agosto; e outubro a janeiro”.
(…)
51. No relatório da “Comismar” consta que: os contentores chegaram às instalações da “Novarroz” em 11.11.2015, pelo que, aquando da deslocação da “Comismar” às instalações daquela, apenas 3 dos 10 contentores se encontravam por descarregar; segundo as declarações então recolhidas aos responsáveis da “Novarroz”, os contentores MEDU2155220, MEDU3551720, TCKU2371418, TCKU2163116 e CRXU3293169 encontravam-se em bom estado, sem quaisquer danos; ainda de acordo com essas declarações, os contentores MEDU3605981 e MEDU3146481 apresentavam o piso molhado, sendo que o primeiro ostentava, ainda, um furo no canto superior direito, da parte de trás; os restantes 3 contentores (GLDU3917268, MEDU1713502 e MEDU6235520), inspeccionados pela “Comismar”, apresentavam o piso molhado e marcas visíveis nos respectivos painéis indicadoras de que a base (isto é, a parte inferior) dos contentores havia estado submersa em água, em cerca de 30 cm de altura; os testes efectuados aos contentores com sinais de terem sofrido infiltrações de água indicaram a presença de cloretos de sódio (isto é, água salgada); ainda que não se tenha apurado, concretamente, o que é que esteve na origem da aparente submersão de alguns dos contentores, admite-se que tal situação esteja relacionada com algum incidente eventualmente ocorrido durante a operação de transporte marítimo; todo o arroz transportado nos contentores MEDU2155220, MEDU3551720, TCKU2371418, TCKU2163116 e CRXU3293169 se encontrava em perfeitas condições; quanto ao arroz transportado nos contentores MEDU3605981 e MEDU3146481, 1.440 Kg encontravam-se em situação de perda total, por se encontrarem podres, com mau cheiro e sinais de terem estado submersos em água; do arroz acondicionado nos contentores GLDU3917268, MEDU1713502 e MEDU6235520, 8.880 Kg foram considerados perda total, pelas mesmas razões referidas no artigo anterior; a restante mercadoria acondicionada nesses últimos 5 contentores (únicos que chegaram com problemas) foi objecto de análises, cujos resultados revelaram que 117.670 Kg de arroz se encontram desconformes, por apresentarem cheiro durante a cozedura e sabor incompatíveis com os normais parâmetros de qualidade; dos 254.740 Kg de arroz acondicionado nos 10 contentores, 126.750 Kg encontravam-se em condições normais, 10.320 Kg (1.440 kg + 8.880 Kg) podres e 117.670 Kg desconformes».
Não foi provada – e sequer alegada - a violação pela 1ª Ré de qualquer regra de diligência.
Tratando-se de um evento que não teve subjacente qualquer contrato celebrado entre a segurada da A. e a 1ª Ré, não pode presumir-se a culpa nos termos gerais da responsabilidade contratual, não beneficiando, igualmente, de qualquer presunção de culpa que pudesse advir da prova de que, por exemplo, o transporte marítimo em cujo âmbito de execução ocorreu o sinistro, se tratava de uma actividade perigosa, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 493º, nº 2, do CC.
Analisada a causa de pedir invocada pela apelante, para fundar o pedido de indemnização formulado contra as RR., desde logo se constata claudicar a mesma na óptica da pretensão indemnizatória em que a apelante pretende agora alicerçar o seu recurso, fundado na responsabilidade do artigo 483º do CC.. 
Não estando feita a prova da violação culposa pela 1ª Ré dos deveres que sobre si impendiam e a que estava adstrita na actividade de transporte de mercadorias, nem que esta violação foi causal dos danos nas mercadorias que transportou, tem que improceder a pretensão deduzida.
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iii. A medida da responsabilidade da 2ª R. C – NAVEGAÇÃO E LOGÍSTICA, LDA..
Refere a apelante que «O Tribunal recorrido andou mal ao aplicar a limitação de responsabilidade invocada pela 1ª Ré B em benefício da 2ª R. C, pois esta última não invocou qualquer excepção relativa à limitação de responsabilidade do transportador e/ou transitário. (…) A invocação da excepção peremptória de limitação de responsabilidade por se tratar de matéria não excluída da disponibilidade das partes, deverá funcionar como uma excepção em sentido próprio, pelo que não tendo sido invocada pela 2ª R C na Contestação, verifica-se uma preclusão da defesa.»
Relativamente ao excesso de pronúncia e à arguida nulidade, foi a mesma já conhecida.
Vejamos o mais que vem invocado.
Pretende a apelante dever ser a 2ª R. condenada a pagar à A. o montante que corresponde à totalidade dos prejuízos causados às mercadorias (após dedução dos salvados) de € 18.816,30, na medida em que segurada da A. (NOVARROZ) não se encontra vinculada pelos termos e condições do Sea Waybill, que serve de título ao contrato de transporte celebrado entre a 2ª R. C e a 1ª R. B.
Está provado, designadamente, que:
«42. Em 1.10.2015, a Ré C subscreveu o documento junto a fls. 176, que se dá por reproduzido, nos termos do qual declara que recebeu, tem conhecimento e aceita, enquanto parte do contrato de transporte, as respectivas condições, insertas no verso do Sea Waybill que lhe serve de título. »
Como resulta da decisão recorrida, o transporte a que se referem os autos, diz respeito a mercadoria adquirida pela Novarroz e a esta destinada, apresentando-se a Ré C perante a Novarroz como transportadora, transportadora esta que aceitou, como referimos, os termos e condições do Sea Waybill.
Refere a apelante que «A natureza e valor das mercadorias foram transmitidos à 2ª R. C (ou ao seu agente local) e se esta Ré não fez constar a declaração da natureza e valor das mercadorias no contrato celebrado com a B, titulado pelo Sea Waybill, tal sempre lhe seria imputável, pelo que não poderia operar em relação a ela o limite de responsabilidade;».
O documento em apreço titula o contrato de transporte, sendo representativo das condições contratuais, disciplinando todas as circunstâncias essenciais para sua boa execução, designadamente quanto ao objeto do contrato e, assim, descrição das mercadorias, sua quantidade, qualidade e estado.
Nos termos do artigo 3º §4 da Convenção de Bruxelas, «Um tal conhecimento constituirá presunção, salvo a prova em contrário, da recepção pelo armador das mercadorias tais como foram descritas conforme o § 3., alíneas a), b) e c).»
«A declaração de valor estabelecida entre as partes e aportada no conhecimento de carga tem o condão de estabelecer o valor das mercadorias objeto do transporte. Uma vez aceita pelo transportador, tem como consequência a derrogação do teto indenizatório legalmente estabelecido, constituindo uma presunção sobre o valor das mercadorias.
O valor das mercadorias deve ser declarado pelo expedidor antes do embarque e deve, obrigatoriamente, constar no conhecimento de carga expedido pelo transportador. Além disso, para a assunção dos riscos, torna-se necessário, obrigatoriamente, que seja especificada a natureza das mercadorias objeto do transporte.
A declaração do valor das mercadorias é feita pelo expedidor e inserida no âmbito do conhecimento de carga expedido pelo transportador, presumindo-se sua aceitação. A natu-reza jurídica da declaração do valor é de cláusula contratual.»[10]
A segurada da A., Novarroz, contratou a Ré C para o transporte, da Índia para Portugal, de 10 «Jumbo Bags», em 10 contentores de 20 pés.
Caberia à Novarroz, para responsabilizar o transportador em termos diferentes daqueles que constam do conhecimento de carga, afastar a presunção da responsabilidade do transportador nos limites do que consta do título de transporte, o que não fez.
Aliás, sempre se dirá que na petição inicial, a A. invoca aquele referido Sea Way Bill, sem que faça qualquer referência à desconformidade que em sede de alegações de recurso vem suscitar, o que sempre inviabilizaria tal conhecimento.
Como referido na decisão recorrida:
«Importa aqui atender à função do conhecimento de embarque enquanto recibo da mercadoria embarcada. Depois de receber e carregar as mercadorias, o transportador deve entregar ao carregador um conhecimento contendo, entre outros elementos, o número de volumes, ou de objectos, ou a quantidade, ou o peso, segundo os casos, tais como foram indicados por escrito pelo carregador (artigo 3.º, n.º 3, al. b), da Convenção). Nenhum transportador está obrigado a proceder a essa declaração se tiver sérios motivos para suspeitar ou não puder verificar por meios suficientes (artigo 3.º, n.º 3 in fine, da Convenção). Mas uma vez feita essa declaração, tal conhecimento constitui presunção, salvo prova em contrário, da recepção pelo armador das mercadorias tais como foram descritas (artigo 3.º, n.º 4, da Convenção). Por isso, é nula toda a cláusula num acordo de transporte exonerando o transportador da responsabilidade por perda ou dano concernente a mercadorias proveniente de negligência, culpa ou omissão dos deveres ou obrigações, ou simplesmente atenuando essa responsabilidade, por modo diverso do preceituado na Convenção (artigo 3.º, n.º 8, da Convenção).
O referido limite indemnizatório apenas se aplica directamente nos casos em que os danos ocorrem no decurso do período temporal abarcado pelo regime internacional, ou seja, durante o tempo decorrido desde que as mercadorias são carregadas a bordo do navio até ao momento em que são descarregadas (artigos 2.º, al. e), e 7.º da Convenção).
Na ausência de uma definição do que sejam volumes ou unidades, deve perfilhar-se o entendimento de que a mercadoria embalada (em sacos, caixas ou embrulhos, por exemplo) constitui um volume (por saco, caixa ou embrulho, seguindo o mesmo exemplo), sendo uma unidade em todos os outros casos (leia-se, de carga não embalada).
Na situação específica dos contentores, deve ter-se em consideração o número de volumes ou unidades neles carregados, desde que no conhecimento de embarque conste tal enumeração, a qual se basta com a mera quantificação da cifra de volumes ou, quando as mercadorias não estiverem embaladas, a indicação do respectivo peso ou volume. Se o documento de transporte apenas fizer referência a um contentor ou se o conteúdo deste não esteve enumerado de uma forma clara no conhecimento, o cálculo do limite ressarcitório será feito em função de um único volume.
No caso concreto, foi documentado, no conhecimento de embarque (que titula o contrato de transporte), que cada um dos contentores afectos ao acondicionamento da mercadoria em apreço transportava um saco (“bag”), donde, apurado que a avaria parcial da mercadoria transportada se verificou em cinco dos dez contentores em que aquela mercadoria foi transportada (e, consequentemente, em cinco sacos), parece inevitável a aplicação da referida limitação convencional e legal da responsabilidade da Ré, concretamente cingida ao limite de € 2.494,00. Diga-se, igualmente, que o parâmetro de quantidade (número de volumes ou unidades) a ter em conta no caso vertente não pode ir além do número de sacos em que se verificou a existência de mercadoria avariada, não admitindo a letra da Lei (mormente o artigo 31.º, n.º 2, do DL 352/86) a interpretação de que, independentemente dos volumes ou unidades em que se verifique a génese da obrigação indemnizatória, a limitação deverá ser computada por referência a todos os volumes ou unidades constantes do conhecimento de embarque, atendendo que essa interpretação, para além de não ter qualquer justificação material consistente, desvirtuaria a individualização de cada volume ou unidade legalmente afirmada..»
Tendo-se apurado que a avaria parcial da mercadoria transportada se verificou em cinco dos dez contentores em que aquela mercadoria foi transportada e mostrando-se documentado no conhecimento de embarque que cada contentor comporta um saco «parece inevitável a aplicação da referida limitação convencional e legal da responsabilidade da Ré, concretamente cingida ao limite de € 2.494,00.»
Vejamos se existem outros fundamentos, dos alegados pela apelante, para afastar os limites da responsabilidade, nos termos que vieram a ser decididos pelo Tribunal recorrido.
Atentemos na aplicação do artigo 4º §5 da Convenção de Bruxelas e, assim, na verificação dos pressupostos para o pretendido afastamento do regime ali estatuído que limita a indemnização a atribuir.
Na aplicação da Convenção de Bruxelas à responsabilidade do transportador, devem ser respeitados os limites indemnizatórios fixados pelo mesmo texto internacional no seu artigo 4.º, n.º 5. Independentemente da natureza dos danos, a indemnização não pode exceder os € 498,80 por volume ou unidade da mercadoria, a não ser que tenha havido declaração no conhecimento de carga da natureza e valor dessas mercadorias – art. 4.º, n.º 5, da Convenção de Bruxelas).
De facto, dispõe este preceito que «Tanto o armador como o navio não serão obrigados, em caso algum, por perdas e danos causados às mercadorias ou que lhe digam respeito, por uma soma superior a 100 libras esterlinas por volume ou unidade, ou o equivalente desta soma numa diversa moeda, salvo quando a natureza e o valor destas mercadorias tiverem sido declaradas pelo carregador antes do seu embarque e essa declaração tiver sido inserida no conhecimento».
Temos, assim, um limite indemnizatório, que apenas pode ser afastado por declaração do carregador e se essa declaração tiver sido inserida no conhecimento, o que não ocorreu no caso em apreço.
A sua não inclusão no caso em apreço, não obsta à aplicação do regime regra da limitação à responsabilidade, por verificação de abuso de direito, como pretende a apelante.
Alega o apelante que «A 2ª Ré C não procedeu à emissão de qualquer documento de transporte, de forma a permitir à segurada da A. (NOVARROZ) derrogar contratualmente o limite previsto na lei, pelo que nunca poderia esta Ré beneficiar da limitação de responsabilidade (pois o exercício de tal faculdade sempre constituiria um abuso de direito por exceder os limites impostos pela boa fé e pelo fim económico e social do direito).»
Não lhe assiste, manifestamente, razão.
É a apelante quem alega a contratação, nos exactos termos constantes dos factos que vieram a ser considerados apurados: «a NOVARROZ comprou, na India, à empresa Jay Baba Bakreswar Rice Mill(P) Ltd., com domicílio em West Bengal, uma partida de 254.740 Kgs. de arroz vaporizado, acondicionado em 10 “Jumbo Bags”, nos termos que constam dos documentos juntos a fls. 53/54 e que se dão por reproduzido. »
A alegada falta de emissão pela 2ª Ré C de documento de transporte nos termos agora equacionados pela apelante (mas antes aceites, como referimos já, considerando a sua alegação na petição inicial), por forma a permitir à sua segurada (NOVARROZ) derrogar contratualmente o limite previsto na lei, carece de apuramento, sendo insusceptível de afastar os limites impostos pela Convenção de Bruxelas para a indemnização pelos danos.
À Novarroz cabia contratar com a 2ª Ré os exactos termos do transporte pretendido, indicando rigorosamente o objecto transportado.
Não sendo transmitido mais do que os elementos apurados, não pode imputar-se àquela qualquer desadequação no preenchimento do documento de transporte.
Pretende, ainda, a apelante « Atendendo ao elemento literal do artigo 4º nº 5 da Convenção de Bruxelas, à teleologia da mesma, ao enquadramento conferido pelas demais Convenções internacionais (em particular o Protocolo de Visby de 1968) e ao disposto no artigo 24º nº 1 do D.L. nº 322/86, de 21/10, deverá considerar-se que os volumes ou unidades a considerar para efeitos da limitação da responsabilidade do transportador são os volumes e unidades que estiverem enumerados no conhecimento de embarque e não os volumes ou unidades de carga que respeitem à mercadoria perdida ou avariada.»
Subscreve-se inteiramente a decisão recorrida, no que a tal propósito refere e que deixámos acima enunciado.
A consideração, para efeitos de limitação legal da responsabilidade, assenta na existência de danos e por referência aos volumes ou unidades de carga danificados.
A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, nos termos do artigo 563.º do Código Civil. A obrigação de indemnizar radica nos danos e inexiste se estes se não verificarem.
Inexistindo dano, inexiste qualquer obrigação de o reparar, de indemnizar.
O limite indemnizatório tem como medida de referência os danos sofridos nas mercadorias, independentemente do valor total das mesmas.
Tal limite de ressarcibilidade aferir-se-á pelas «perdas e danos causados às mercadorias» como expressamente refere o artigo 4 §5 da Convenção de Bruxelas e não pelo valor de todos os volumes transportados, independentemente de terem ou não sido danificados. 
«O regime de limitação da responsabilidade civil do transportador marítimo de mercadoria está assegurado pelo cálculo do limite máximo do valor objeto da indenização em caso de perda ou avaria da mercadoria transportada.
Em regra, apurado o valor dos danos, cabe aferir se o montante do prejuízo reconhecido pela condenação excede o limite da indenização previsto pela Convenção de Bruxelas, no seu artigo 4º, nº 5, que será o montante máximo da indenização devida.
Somente com o estabelecimento expresso entre as partes, com uma declaração de valor ou outro teto indenizatório acordado, desde que seja mais favorável ao expedidor, ou por danos que resultem de uma conduta dolosa do transportador é que será possível estabelecer uma obrigação indenizatória cujo valor monetário seja acima do teto indenizatório previsto na Convenção.
(…)
Logo, para apuração do valor total máximo da indenização é necessário, primeiramente, apurar o valor total da carga transportada que foi objeto do dano, contabilizando o número de volumes ou unidades. Depois, multiplicar esse montante apurado pela unidade monetária estabelecida pela Convenção.»[11]
Pretende, ainda, a apelante que se considere o Protocolo de Visby de 1968, como elemento de interpretação no sentido de que deverá considerar-se que os volumes ou unidades a considerar para efeitos da limitação da responsabilidade do transportador, são os volumes e unidades que estiverem enumerados no conhecimento de embarque e não os volumes ou unidades de carga que respeitem à mercadoria perdida ou avariada.
Pelo Protocolo de 1968 (Regras de Visby) passou a prever-se o afastamento deste limite de responsabilidade, quando o dano na mercadoria resultou de um acto ou omissão do transportador que represente intenção de provocá-lo, bem como quando o transportador, temerariamente, aja com a consciência de que um dano provavelmente resultaria desse ato ou omissão. Todavia, Portugal não aderiu a este Protocolo que não tem, assim, por esta razão, aplicação à situação em apreço, que sempre seria de afastar por não estarem apurados os pressupostos da sua aplicação.
A decisão recorrida é, assim, de manter.
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DECISÃO
Em face do exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
As custas são a cargo da apelante.
Registe e Notifique.
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 Lisboa, 24-11-2020
Carla Câmara
José Capacete
Carlos Oliveira
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[1] Alessandro Meliso Rodrigues, in «O CONTRATO DE TRANSPORTE MARÍTIMO DE MERCADORIAS E O REGIME ESPECIAL EXONERATIVO E LIMITATIVO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR NO ORDENAMENTO JURÍDICO PORTUGUÊS» RJLB, Ano 1 (2015), nº 1 | 353-354.
[2] Neste sentido, Alessandro Meliso Rodrigues in «O CONTRATO DE TRANSPORTE MARÍTIMO DE MERCADORIAS E O REGIME ESPECIAL EXONERATIVO E LIMITATIVO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR NO ORDENAMENTO JURÍDICO PORTUGUÊS», RJLB, Ano 1 (2015), nº 1, pgs. 353-354.
[3] No sentido de que o afastamento da limitação apenas pode operar em caso de dolo e que este não compreende a culpa grave, entre outros, MÁRIO RAPOSO, «Perda do direito à limitação legal da responsabilidade do transportador marítimo de mercadorias», «Estudos sobre arbitragem comercial e direito marítimo», Almedina, 2006, pp. 142-145.
[4] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29-04-2019, Processo 10776/15.5T8PRT.P1, relator MANUEL DOMINGOS FERNANDES.
[5] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08-11-2018, Processo 212/16.5T8PTL.G1, relator AFONSO CABRAL DE ANDRADE.
[6] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-05-2019, Processo 424/13.3T2AVR.P1.S1, relator OLIVEIRA ABREU.
[7] Alberto dos Reis, in. Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, pág. 123.
[8] Escreve Alessandro Meliso Rodrigues, in «O CONTRATO DE TRANSPORTE MARÍTIMO DE MERCADORIAS E O REGIME ESPECIAL EXONERATIVO E LIMITATIVO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR NO ORDENAMENTO JURÍDICO PORTUGUÊS» RJLB, Ano 1 (2015), nº 1 | 312.
[9] Alessandro Meliso Rodrigues, Ob cit., pag. 313.
[10] Alessandro Meliso Rodrigue, ob cit., p. 360.
[11] Alessandro Meliso Rodrigues, ob cit. Pag. 358.