Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1922/05.8TVLSB.L1-7
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: PROVA
DECISÃO DE FACTO
OBRIGAÇÃO DE MEIOS
ÓNUS DA PROVA
FALTA DE CUMPRIMENTO DOS DEVERES
DEVER DE CUIDADO
DANO
PERDA DE CHANCE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/29/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDÊNCIA PARCIAL
Sumário: 1. A valoração probatória traduz-se num raciocínio problemático, argumentativamente fundado no húmus da razão prática, a desenvolver mediante análise crítica dos dados de facto veiculados pela actividade instrutória, em regra, por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência colhidas da normalidade social, que não pelo mero convencimento íntimo do julgador, não podendo a intuição deixar de passar pelo crivo de uma razoabilidade persuasiva e susceptível de objectivação, o que não exclui, de todo, a interferência de factores de índole intuitiva, compreensíveis ainda que porventura inexprimíveis; ponto é que a motivação se norteie pelo princípio da completude racional, de forma a esconjurar o arbítrio.
2. É nessa linha que se deve aferir a razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise crítica do material probatório constante dos autos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextual histórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos, segundo o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto no art.º 396.º do CC, em conjugação com o art.º 655.º, n.º 1, do CPC, com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima.
3. No âmbito da responsabilidade contratual emergente do não cumprimento de uma obrigações de meios, recai sobre o credor não só o ónus de provar a falta de verificação do resultado pretendido, mas também o ónus de provar a falta de cumprimento do dever objectivo de diligência ou de cuidado, mormente requeridos pelas leges artis, como pressuposto de ilicitude, incumbindo, por seu turno, ao devedor o ónus de provar a inexigibilidade desse comportamento, a fim de ilidir a presunção da culpa.
4. No caso do exercício do patrocínio judiciário, requer-se que o advogado desenvolva a sua actividade com a máxima diligência e rigor, utilizando os conhecimentos técnico-jurídicos e os recursos da experiência profissional ao seu alcance, para levar a causa a bom termo, e não que garanta em absoluto o sucesso da acção, não bastando apelar a um critério de diligência de homem médio, mas antes tomar em consideração um padrão de conduta definido à luz dos ditames das respectivas leges artis, sem prejuízo da autonomia técnica inerente ao exercício daquela profissão liberal, o que significa que a obrigação contratual do advogado perante o seu constituinte é, claramente, uma obrigação de meios integrada por um dever de diligência qualificado.
5. Assim, numa causa em que se discuta a responsabilidade do advogado pelo insucesso obtido noutra acção, ao credor lesado incumbe provar, além da verificação desse insucesso, os factos demonstrativos de que o advogado não usou dos meios técnico-jurídicos e dos recursos da experiência ao seu alcance, requeridos pelas respectivas regras profissionais estatutárias e deontológicas, de forma a qualificar a ilicitude dessa conduta; provado que seja esse comportamento ilícito, impenderá então sobre o advogado o ónus de provar factos que revelem não lhe ser subjectivamente exigível ou censurável tal comportamento, de modo a ilidir a presunção de culpa estabelecida no art.º 799.º, n.º 1, do CC.
6. Traduzindo-se a perda de chance em situações ainda incipientes na nossa ordem jurídica, não perfeitamente sedimentadas na doutrina nem enraízadas na prática jurisprudencial, como o são as situações dos lucros cessantes e dos danos futuros, para mais de ocorrência multifacetada, um método de análise que parta de uma definição dogmática de dano para a ela depois subsumir o caso concreto não será, porventura, o método mais seguro, podendo mesmo mostrar-se redutor. Ao invés, uma metodologia que procure seguir uma pista mais casuística, de modo a aferir cada caso à luz das exigências legais sobre a probabilidade suficiente para o reconhecimento da ressarcibilidade do dano, pode ser mais promissora.
7. Assim, no campo da responsabilidade civil contratual por perda de chances processuais, em vez de se partir do princípio de que o sucesso de cada acção é, à partida, indemonstrável, talvez se deva questionar, perante cada hipótese concreta, qual o grau de probabilidade segura desse sucesso, pois pode muito bem acontecer que o sucesso de determinada acção, à luz de um desenvolvimento normal e típico, possa ser perspectivado como uma ocorrência altamente demonstrável, à face da doutrina e jurisprudência então existentes.
8. Nessa linha, uma vantagem perdida por decorrência de um evento lesivo, desde que consistente e séria, deve ser qualificada como um dano autónomo, não obstante a impossibilidade absoluta do resultado tido em vista, reconduzindo-se a um dano autónomo existente à data da lesão, portanto qualificável como dano emergente, segundo um juízo de probabilidade suficiente, independente do resultado final frustrado.
9. A garantia dos princípios da certeza do dano e das regras da causalidade ficará, pois, assegurada pelo grau de consistência a conferir à vantagem ou prejuízo em causa, tal como sucede no domínio dos lucros cessantes ou dos danos futuros previsíveis.
10. No caso de perda de chances processuais, a primeira questão está em saber se o frustrado sucesso da acção assume tal padrão de consistência e seriedade, para o que releva ponderar, face ao estado da doutrina e jurisprudência então existente, ou mesmo já em evolução, se seria suficientemente provável o êxito daquela acção, devendo ter-se em linha de conta, fundamentalmente, a jurisprudência então seguida nessa matéria pelo tribunal daquela causa, impondo-se fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atentando no que poderia ser considerado como altamente provável por esse tribunal; tal apreciação inscreve-se, enquanto tal, numa questão de facto, que não de direito.
11. Assim demonstrada essa espécie de dano, questão diferente será a da avaliação do quantum indemnizatório devido, segundo o critério da teoria da diferença nos termos prescritos no art.º 566.º, n.º 2, do CC, podendo então lançar-se mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do n.º 3 do mesmo normativo, o qual não pode, pois ser utilizado em sede de determinação da própria consistência da perda de chance.
12. Em caso de perda de chances processuais, a frustração do investimento feito pelo autor na preparação e instauração da causa perdida, desde que se inscreva na finalidade da prestação assumida pelo advogado de diligenciar pelo sucesso final da acção e na confiança que o autor depositara nele para tal efeito, constitui dano patrimonial emergente e ressarcível.
13. No mesmo tipo de caso, são susceptiveis de compensação os danos não patrimoniais, desde que revelem, segundo as regras da experiência, um grau de afectação intenso, tendo em conta, por um lado, o montante que estava em causa na referida acção, bem como o grande empenhamento, motivações e a expectativa dos A.A. no seu sucesso, e, por outro lado, a forma como terminou essa causa, por exemplo, abruptamente por deserção de um recurso imputável, a título de negligência grave, ao advogado.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório
1. LM e AM intentaram, em 29/03/…, junto das Varas Cíveis de Lisboa, acção declarativa, sob a forma de proces-so ordinário, contra M.P., Sociedade de Advogados e advogados sócios de capital e/ou indústria da dita sociedade AP e outros, em que pedem a condenação solidária de todos os R.R. no pagamento do montante total de € 11.801.197,33, acrescidas de juros de mora a contar da citação, compreendendo:
A – A quantia de € 6.128.744,83, a título de indemnização por da-nos patrimoniais, que, por sua vez, inclui:
a) - a parcela de € 5.736.912,00, relativa ao dano por perda de chance;
b) - a parcela de € 391.832,83, correspondente a honorários e outras despesas pagas pelos A.A.;
B - A quantia de € 5.672.452,50, a título de danos não patrimoniais.
Alegam, no essencial, o seguinte:
- Em 1998, os A.A. outorgaram procuração a favor da sociedade R. para intentar uma acção contra o Estado a pedir a correcção monetária do valor recebido pela nacionalização das 203.408 acções que aqueles A.A. detinham na sociedade CEL, no valor unitário de 4.190$50, atenta a evolução da inflação verificada nas últimas três décadas;
- Essa acção foi precedida de pareceres de alguns jurisconsultos portugueses, tendo a sociedade R. e alguns dos seus advogados aceite patrociná-la por considerarem provável o seu merecimento e ganho, estando os A.A. dispostos a recorrer para todas as instâncias, incluindo o Tribunal Constitucional (TC) e o TEDH, tanto mais que o R. CV estava particularmente credenciado para litigar nesta instância por ter sido juiz em foros internacionais.
- Em 20/03/…, o TAC de Lisboa proferiu decisão desfavorável aos A.A., da qual foi interposto recurso para o STA cujo prazo para alegações terminava no dia 17/06/..;
- Porém, as alegações de recurso foram enviadas por fax para o STA, sendo que, segundo aquele Tribunal, parte das mesmas começaram a ser enviadas às 00H01m13 do dia 18/06/..;
- O TAC de Lisboa considerou as referidas alegações extemporâneas e deserto o recurso, decisão que foi confirmada pelo STA, em 22/05/ …, tendo sido interposto novo recurso para o TC, que foi rejeitado, implicando o trânsito em julgado da decisão do STA;
- Em virtude disso, os A.A. perderam a possibilidade de vir a obter uma sentença que lhes reconhecesse o direito de receber do Estado Português uma indemnização superior a 20 milhões de contos.
- Os advogados que patrocinavam então os A.A. poderiam, de forma mais segura, ter apresentado aquelas alegações em mão na secretaria do tribunal até às 16h30 do dia 17/06/…, ou usado dos meios alternativos por via postal;
- O uso de telefax, pouco antes da meia-noite do último dia do prazo, para envio das referidas alegações era muito arriscado, como os R.R. bem sabiam, o que os faz incorrer em negligência grave pelo sucedido;
- Além disso, os R.R. nem sequer invocaram, como deviam, o justo impedimento com fundamento na anomalia ocorrida na transmissão por fax;
- A negligência dos advogados que patrocinavam a causa foi grave e grosseira, tendo daí resultado danos materiais correspondentes à perda de possibilidade de obter a condenação do Estado Português no pagamento de uma indemnização superior a 23 milhões de contos;
- Tendo em atenção que não havia garantia de êxito da acção, e sen-do a obrigação dos advogados uma obrigação de meios, o dano material deverá ser calculado com base no coeficiente de 5% sobre o valor da causa, acordado para efeito de honorários, tendo ainda em conta o valor que os A.A. teriam de pagar ao Estado, a título de custas nas três instâncias, caso per-dessem a acção pela totalidade do pedido, valor este que computam na ordem dos € 5.736.912,18;
- Acresce que os AA sofreram outros danos materiais correspon-dentes a entregas para honorários e despesas no valor de € 391.832,83;
- Os A.A., perante o desfecho daquele processo, sofreram imenso, com revolta e descrédito na seriedade dos homens e das instituições em Portugal, tendo em conta que a decisão de instaurar a acção contra o Estado foi reflectida e de molde a honrar a memória e a vontade do seu pai, que construiu a fábrica de celulose, a qual foi nacionalizada em 1975, encon-trando-se em fase de reprivatização, e que os A.A. lutaram durante 20 anos nos tribunais para tentar fazer valer os seus direitos;
- Justifica-se, assim, a condenação dos R.R. no pagamento de uma indemnização, a esse título, equivalente ao montante das custas que o Estado reclama àqueles que recorrem aos tribunais e perdem demandas, no valor de € 5.672.452,50;
- Com a referida conduta os R.R. incorreram em responsabilidade civil contratual, por violação dos deveres profissionais, nos termos do disposto no art.º 83.º, alínea d), do EOA, correspondente ao art.º 95.º, n.º 1, alínea b), do actual EOA, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26/01, bem como nos artigos 1157.º, 1158.º, n.º 1, 1161.º, alínea a), 1178.º, 798.º, 799.º, n.º 1 e 2, 487.º, 485.º, n.º 2, e 486.º do CC.
2. Os R.R. contestaram, sustentando que:
- O valor da compensação pela nacionalização de cada uma das acções da CEL foi definitivamente fixado em 4.190$50, em 1996, na sequência de vários processos instaurados pelos A.A. e patrocinados por outro escritório de advogados, tendo os A.A. deixado passar largos meses sobre a decisão judicial e, apenas em 11/03/97, contactaram o R. CV no sentido de estudar a possibilidade de recorrer a qualquer instância internacional com vista a rever o valor da compensação que lhes tinha sido definitivamente arbitrada;
- O R. CV, ficou de estudar a possibilidade de instaurar uma acção que constituísse o pressuposto necessário da possibilidade de apresentar uma queixa contra o Estado Português no TEDH;
- Foi acordado que, apesar de serem reduzidas as probabilidades de se conseguir uma mudança da jurisprudência portuguesa (STA e TC), no que concerne à diferença de regimes entre expropriação e nacionalização, se iria equacionar a proposição de uma acção em que a decisão de fundo - de actualização da indemnização fixada por acção - fosse objecto de decisão;
- A acção teve por finalidade o reconhecimento do direito dos A.A. pelos prejuízos sofridos em consequência da desvalorização monetária e da evolução das taxas de juro ou da imobilização de capital entre a data da nacionalização e a data do efectivo pagamento da compensação, tendo sido pedidos vários pareceres;
- Foi dado a conhecer aos A.A. que o TEDH não costumava ser muito “generoso” nas indemnizações fixadas, não sendo, pois, criadas quaisquer expectativas àqueles quanto ao êxito da acção;
- Algum tempo depois de ter ocorrido o episódio que integra os fundamentos da presente acção, os R.R. propuseram aos A.A. a instauração de nova acção cujo fundamento seria o enriquecimento sem causa do Estado Português, atento o processo de privatização em curso, tendo chegado a elaborar um projecto de petição, com vista a que a questão da majoração da indemnização fosse colocada ao TEDH, mas os AA não aceitaram instaurá-la, dizendo que pretendiam receber dos R.R. o valor que ora reclamam;
- A apresentação das alegações no último dia do prazo não resultou de nenhum descuido dos R.R., mas sim do facto de os advogados incumbidos de elaborar o recurso terem estado à espera de pareceres pedidos a fim de reflectir a argumentação aí expedida na motivação do recurso;
- Como os pareceres chegaram em cima do termo do prazo, as alegações foram sendo sucessivamente aperfeiçoadas, completadas, alteradas em conformidade com tais argumentos;
- As alegações ficaram definitivamente concluídas cerca das 23h40 do dia 17/06/… e foram de imediato enviadas por fax, mas, apesar de várias tentativas, não foi possível estabelecer comunicação de imediato;
- O envio iniciou-se às 23h58m48s do dia 17/06/…, mas, sendo as mesmas extensas, a comunicação foi interrompida por causas não respeitantes ao fax do escritório da sociedade R., tendo ainda sido enviadas mais 38 páginas, não se tornando possível enviar mais, enquanto que o original das alegações foi entregue no início da manhã do dia seguinte;
- Quer o TAC de Lisboa, quer o S.T.A., entenderam que as alegações não tinham sido apresentadas tempestivamente pelo facto da totalidade da peça não ter sido recebida até às 24h do dia 17/06/…, entendimento esse que os R.R. têm por controverso;
- Uma vez que as probabilidades de insucesso da acção eram muito superiores às de ganho da causa, o que os A.A. sabiam, a perda da possibilidade do recurso para o STA não constitui, em si mesma, no caso concreto, um dano indemnizável autonomamente;
- Não ocorre um nexo causal entre a deserção do recurso e um qualquer dano que os A.A. possam invocar, pelo que não existe qualquer obrigação de os R.R indemnizarem os A.A., à excepção do pagamento das cus-tas devidas pela deserção, o que já fizeram;
- Os factos invocados para fundamentar os danos morais não têm correspondência com a realidade, tanto mais que boa parte da doutrina não admite danos morais na responsabilidade civil contratual;
- A responsabilidade dos sócios da sociedade de advogados é subsidiária e não solidária, nos termos do art.º 19.º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 513-Q/79;
- Os R.R. não invocaram o justo impedimento por entenderem que a sua interpretação do art. 150.º, n.º 2, alínea c), do CPC era a correcta e que as alegações tinham sido apresentadas tempestivamente;
- O dano da perda da “chance” não é reconhecido nem admitido pela ordem jurídica portuguesa;
- A R recebeu apenas € 122.783,99, a título de honorários e despesas de expediente, sendo que as demais despesas dizem respeito ao pagamento de pareceres e estudos;
Concluíram os R.R. pela improcedência da acção e pela sua absolvi-ção do pedido, tendo, a par disso, deduzido incidente de intervenção principal provocada da Seguradora CST, S.A., com a alegação de que a R. transferira para esta a responsabilidade civil profissional.
3. Os A.A. apresentaram réplica, dizendo que:
- O primeiro objectivo dos A.A. era receber a justa indemnização por força da nacionalização da sua sociedade, uma vez que aquela que lhe foi fixada era ridícula e irrisória e já que as indemnizações fixadas pelo TEDH eram tão baixas;
- Os R.R. afirmaram aos A.A. que a acção a propor era repleta de possibilidades de sucesso, não sendo crível que decidissem patrociná-la se o não fosse, mas não sabem porque razão se aceitou pedir tantos pareceres;
- Os A.A. não quiseram que a R os continuasse a representar na sugerida nova acção que lhes foi apresentada por terem perdido a confiança nos R.R., sendo que a primeira acção tinha mais probabilidades de êxito;
- Os R.R., ao pretenderem instaurar nova acção sem custos para os A.A., ao admitir devolver os honorários cobrados, suportar as despesas em pareceres liquidadas pelos A.A., ao ter suportado o pagamento de um parecer pedido ao Prof. Menezes Cordeiro, admitiram o dano, tal nexo causal e a responsabilidade civil;
Terminaram reiterando o petitório.
4. Foi admitida a intervenção principal provocada da CST, S.A., que apresentou contestação, sustentando, em resumo, que:
- O contrato de seguro estava em vigor em 17/06/… e o capital seguro foi fixado em € 5.000.000 e estipulada uma franquia de € 2.500,00;
- O entendimento do STA que fez vencimento não parece ser o que melhor se harmoniza com o disposto no art. 143.º, n.º 3, e 150.º, n.º 2, alínea c), do CPC, a consagrar o princípio da data da expedição;
- O justo impedimento pressupõe a omissão da prática de um acto que deveria ter sido praticado num certo prazo e não foi;
- No caso em apreço, a prática do acto iniciou-se antes do termo do prazo pelo que não se enquadra na figura do justo impedimento;
- Os mandatários que patrocinaram a causa não ignoraram a legislação aplicável, nem actuaram contra princípios da doutrina ou jurisprudência geralmente conhecidos pelos advogados, nem agiram com falta de zelo;
- A jurisprudência e a doutrina entendem que não basta a demonstração de que um advogado agiu negligentemente para que nasça a obrigação de indemnizar, mas que também dessa actuação resultem danos numa relação de causa-efeito;
- No caso em apreço, ainda que se admita que tenha havido negligência dos mandatários dos A.A., o que é certo é que nenhum dano sofreram.
- A pretensão dos A.A. não oferecia qualquer viabilidade, uma vez que, enquanto para as expropriações se exige o pagamento de justa indemnização, para as formas de intervenção e apropriação colectiva dos meios de produção será a lei a fixar os critérios de fixação da indemnização, nunca tendo o legislador feito qualquer referência à desvalorização monetária, pelo que o facto, em abstracto, não era causa adequada do dano;
- O conceito de “perte d’une chance” assenta no princípio de que uma eventual perda da oportunidade de ganhar uma acção constitui em si um dano patrimonial, mas este conceito não é harmonizável com o art.º 562.º do CC, ao consagrar a teoria da diferença, impondo a determinação em concreto do prejuízo efectivamente verificado;
- Fazendo o legislador apelo à probabilidade de dano, no caso concreto, conclui-se que a pretensão dos A.A. não tinha possibilidades de obter vencimento;
- Por outro lado, o prazo de 6 meses previsto na CEDH já estava ultrapassado, face à decisão de 23/05/..;
Concluiu aquela interveniente a pedir a improcedência da acção e a consequente absolvição do pedido.
5. Os A.A. responderam a tal contestação, dizendo que:
- Entregaram à R. a quantia de € 200.152,53, pelo que a R. não pode alegar que acção era manifestamente inviável
- Ninguém pode prever qual seria a decisão do STA, ao julgar o recurso que foi perdido.
Concluiu assim pela improcedência da excepção peremptória deduzida pela interveniente.
6. Findos os articulados, foi proferido despacho saneador e, seguidamente, seleccionada a matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória, (acta de fls. 1266-1312, no Vol. 4.º e aditamento de fls. 2511-2514 Vol.º 8.).
7. Procedeu-se à realização da audiência final, com gravação da prova, tendo sido julgada a matéria de facto controvertida pela forma constante do despacho de fls. 3284 a 3307 (Vol. 11.º), datado de 12-07-2011 e, por fim, foi proferida sentença, datada de 04/01/.., constante de fls. 3671 a 3727 (Vol. 13.º), a julgar a acção parcialmente procedente, condenando-se:
a) - os R.R., solidariamente, a pagarem aos A.A. da quantia de € 2.500,00, correspondente à franquia, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora a partir deste momento;
b) - a Interveniente a pagar aos A.A. da quantia de € 2.305.213,81, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora a partir deste momento;
c) - a Interveniente a pagar aos A.A. da quantia de € 67.743,03, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, a partir da data da citação até efectivo e integral pagamento;
d) – solidariamente, os R.R. a pagarem ao 1.º A., LM, da quantia de € 30.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora a partir deste momento;
e) – solidariamente, os R.R. a pagarem ao 2.º A., AM, da quantia de € 15.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora a partir deste momento.

8. Inconformados com tal decisão, tanto os R.R. como a interveniente CST interpuseram recursos de apelação da mesma, os quais foram admitidos com efeito suspensivo, sujeito a prestação de caução, tendo sido formuladas as seguintes conclusões:
8.1. Por parte dos R.R., nos seguintes termos:
A1 - IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO QUE DECIDIU A MATÉRIA DE FACTO RELATIVA AOS DANOS MORAIS
1.ª - Pelos motivos detalhadamente acima invocados (secções 6, 7.1, 7.2, 8 e 9 do corpo das alegações), a resposta ao n.o 40 da base instrutória deverá ser modificada, devendo a mesma passar a ser do seguinte teor:
“Construiu a fábrica e colocou à cabeça da mesma um filho, o A.LM, o qual, num acidente fabril, aí perdeu uma mão”.
2.ª - Pelas razões expressas nas secções 10, 11.1, 11.2 e 11.3 do corpo das alegações, a resposta ao n.° 41 da base instrutória deverá ser alterada, passando a mesma a ser a seguinte:
Em 1975, 3 anos depois da festa da inauguração, fruto do ambiente revolucionário que se viveu no país e na sequência de reivindicações salariais, o pai dos A.A., e o A. LM foram impedidos de sair da empresa, tendo sido necessária a intervenção do COPCON para a abandonarem.
3.ª - Pelos argumentos que se elencaram nas secções n.° 12.1 a 12.10 das alegações, as respostas aos n.° 46 e 47 da base instrutória deverão ser alteradas, nos termos que a seguir se reproduzem:
Resposta ao quesito 46.°: Provado que a nacionalização da empresa em 1975 surpreendeu o pai dos AA e que, nos últimos anos de vida, pediu aos filhos que lutassem pela recuperação da empresa.
Resposta ao quesito 47.°: Provado que os A.A. se propuseram satisfazer a vontade do Pai.
4.ª - Por força do que se invocou nas secções n.° 13.1 a 13.12 das alegações, as respostas aos n.° 48 e 56 da base instrutória devem ser modifica-das, de modo a reproduzirem com precisão a prova produzida, devendo os quesitos ser objecto de uma resposta conjunta com o seguinte conteúdo: Provado que a "perda do prazo" causou ao 1.° A. um sentimento de revolta.
5.ª - As respostas aos n.° 49 a 52 da base instrutória também devem ser alteradas pelos motivos explicitados nas secções 14.1 a 14.3. das alega-ções, uma vez que o tribunal, em face da prova produzida, deveria ter-se limitado a dar, em resposta conjunta aos aludidos quesitos, como provado que: “O sócio de capital e indústria, CV, conheceu os A.A. e um terceiro irmão dos mesmos numa viagem ao ….”
A2 - MATÉRIA DE FACTO RELATIVA AOS DANOS PATRIMONIAIS E AO DANO DA PERDA DA CHANCE ENQUANTO PRESSUPOSTO DA OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
6.ª - A legitimidade para a impugnação dos factos relativos aos danos patrimoniais decorre da circunstância de os recorrentes também estarem condenados a pagar a indemnização pelos danos patrimoniais até ao limite do valor da franquia.
7.ª - A impugnação da decisão sobre estes factos justifica-se, assim, pela necessidade de o processo conter todos os elementos de facto indispensá-veis à correcta aplicação dos factos ao direito.
8.ª - Pelo que se explanou na secção 15.1 das alegações, a resposta ao n.° 5 da base instrutória deve passar a ser a seguinte: “Provado apenas que os pareceres referidos em 4.º foram unânimes em reconhecer o direito dos A.A., tese que foi defendida pelos advogados da PL”;
9.ª - De igual modo, pelo que se aduziu na secção 15.2 das alegações, a resposta ao n.° 6 da base instrutória deve ser modificada, passando a ser a seguinte: “Para demonstração de que os valores pagos ficavam aquém dos valores que os autores reclamavam, também se juntaram dois relatórios periciais de natureza financeira, elaborados pelo BANCO AR e pelo Dr. MB”;
10.ª - Por força dos depoimentos das testemunhas, documentos e demais razões invocadas nas secções 15.4 a 16 das alegações, os n.° 59, 60 e 61 da base instrutória deverão ser declarados provados e o n.° 58 declarado provado sem qualquer espécie de restrição;
11.ª - As respostas aos n.° 62 a 72 da base instrutória também têm de ser alteradas, devendo todos estes quesitos ser declarados como provados e o n.° 71 dado como provado sem qualquer espécie de restrição ou limitação.
12.ª - As razões que justificam a modificação aludida em 11 destas conclusões são as detalhadamente indicadas nas secções 18.1 a 18.2 das presentes alegações;
13.ª - Ao decidir, como decidiu, a decisão sobre a matéria de facto sobre os artigos 5.º, 6.º, 40.º, 41.º, 46.º, 47.º, 48.º, 49.º, a 52.º, 58.º, 59.º, 60.º, 61.º e 62.º a 72.º da base instrutória aludidos nas conclusões 1.ª a 12.ª, fez uma errada apreciação e valoração da prova, violando o disposto na alínea a) do n.o 1 do art.º 712.º do CPC, visto que os elementos probatórios constantes do processo impunham uma resposta diversa daquela que o Tribunal deu.
B - IMPUGNAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA
14.ª - No que respeita à indemnização por danos morais, a primeira observação que a decisão recorrida suscita é a de que não se vê, mesmo à face da maté-ria de facto que o Tribunal declarou provada, como é que foi possível arbitrar uma reparação ao autor AM, uma vez que em relação a ele nada se provou atenta a resposta restritiva dada aos n.° 48 e 56 da base instrutória.
15.ª - A condenação da sociedade ré no pagamento de uma indemnização ao autor AM não tem, por conseguinte, fundamento, mesmo à face da matéria de facto declarada provada pelo Tribunal.
16.ª - Em relação a este A., o Tribunal não deu como provado qualquer facto que possa constituir fonte do direito a receber uma reparação por danos morais.
17.ª - Trata-se de um caso evidente de uma decisão em que o corolário (reconhecimento do direito) não tem postulado (prova do facto de onde o mesmo emerge e em que o silogismo judiciário é desvirtuado por completo).
18.ª - Em relação aos danos não patrimoniais, os únicos números da base instrutória que directamente dizem respeito a um dos autores, concretamente o autor LM, são os n.º 48 e 56, cujas respostas se espera sejam alteradas nos termos preconizados na conclusão 4.ª supra;
19.ª - Os restantes factos têm a ver com o pai dos A.A. e o seu percurso de vida, pelo que, salvo melhor opinião, nenhum relevo poderão ter para o reconhecimento do direito ao ressarcimento do dano não patrimonial e à fixação do montante deste.
20.ª - Ainda em relação à avaliação do dano moral, o Tribunal ignorou que a conduta dos A.A. não se poderá considerar ter sido particularmente louvável ou edificante, do ponto de vista ético - moral (ver n.° 42 e 43 da bi), porquanto, se não fosse o pai, teriam praticado uma infracção criminal grave ao proporem-se retirar da empresa, importâncias que pertenciam a esta e só a esta, conduta que demonstra que se movem por razões exclusivamente de ordem patrimonial, diametralmente opostas ao “legado moral” de “recuperarem a empresa" de que alegadamente o pai os teria "incumbido”;
21.ª - De todo o modo, é evidente que o facto de se ter criado uma situação que possibilitou a interpretação que prevaleceu de considerar que as alegações foram apresentadas fora de prazo, não foi uma boa notícia para o A. e que naturalmente lhe terá causado um certo sentimento de desencanto que, na melhor das hipóteses, em face da prova produzida, se terá traduzido num sentimento de revolta.
22.ª - Apesar da forma como o Tribunal apreciou a prova, certo é que não se deu como provado que o sucedido tivesse provocado qualquer perturbação psicológica ou emocional; ninguém falou que houve necessida-de de recorrer a apoio médico, nem isso foi alegado.
23.ª - E, alteradas, como fundadamente se esperam, as respostas aos n.° 40, 41, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52 e 56 da b.i., afigura-se que o A. LM não sofreu danos morais que mereçam a tutela do direito.
24.ª - Caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela se pondera, é irrecusável que o valor de € 30.000,00 arbitrado ao autor LM se mostra exagerado.
25.ª - O que significa que "in casu" o valor a fixar terá - a entender-se existir obrigação de indemnizar - de ser substancialmente inferior aos € 30.000 que lhe foram atribuídos pelas razões invocadas na secção 23 das presentes alegações.
26.ª - E isto também porque se encontra excluída a possibilidade de atribuir qualquer dimensão ou função sancionatória à indemnização que possa vir a ser estabelecida.
27.ª - Na verdade, as decisões que entenderam não terem as alegações sido apresentadas dentro do prazo fixado, perfilharam um entendimento que não é inequívoco (ver secções 30.1 a 30.4 das presentes alegações): os pressupostos de facto não tiveram sequer correspondência com a realidade demonstrada no presente processo, uma vez que a expedição das alegações se iniciou antes das 24 horas do dia 17 de Junho de ….
28.ª - Não se pode, por isso, concluir que se tratou de um caso de culpa grave, não havendo o esquecimento de qualquer prazo, nem está em causa a prescrição ou caducidade de qualquer direito.
29.ª - A sociedade ré não teve nenhuma vantagem com o alegado facto ilícito (não apresentação das alegações de modo a que não se tivesse suscitado a possibilidade de se entender que as mesmas não tinham sido apresentadas dentro do prazo).
30.ª - Mas, para além da função sancionatória da indemnização por danos morais não ser admissível em abstracto, acresce ainda que tal dimensão punitiva sempre teria de ser excluída em face do comportamento da sociedade R. em concreto descrito na secção 28 das presentes alegações.
31.ª - A inexistência da obrigação de indemnizar em relação aos alegados danos não patrimoniais não resulta, porém, apenas de não se ter provado o pressuposto do dano. Também o requisito da ilicitude se não encontra demonstrado.
32.ª - Em matéria do pressuposto da ilicitude, o juízo a fazer é o de saber se o envio das alegações nas condições que constam dos autos consubstanciará o incumprimento do dever de apresentar o articulado no prazo fixado na lei.
33.ª - Em relação à verificação desse pressuposto, importa relembrar que:
a) - No Ac. de 22-05-2003, aludido na alínea AM) da matéria assente, o STA entendeu que a interpretação correcta do artigo 150.º, n.º 2, do CPC é aquela que faz coincidir a data da expedição, para efeito do cômputo dos prazos processuais, com a do início do envio;
b) – A apresentação das alegações só não foi considerada tempestiva, porquanto o STA considerou que a remessa do articulado tinha sido remetida às 00.01.13 do dia 18-06-20…, ou seja, 01 m e 13 s depois de ter terminado o prazo e ainda porque não tinha sido possível enviar a totalidade das restantes folhas que compunham as alegações - alíneas A3) e AM) da matéria assente;
c) - Aquilo que efectivamente sucedeu foi, porém, o que se encontra provado nas alíneas AW, AX, AY, AZ, AP, AQ e AR da matéria assente dos presentes autos, ou seja:
. As alegações de recurso referidas em AI e AJ ficaram definitivamente concluídas cerca das 23 horas e 40 minutos do dia 17-06-… - AW da matéria assente;
. E foram de imediato introduzidas no FAX - AX da matéria assente;
. A despeito de várias tentativas não foi possível estabelecer a comunicação de imediato - AY da matéria assente;
. E assim é que o envio das alegações para o tribunal se iniciou apenas às 23 horas e 58 minutos e 48 segundos do dia 17 de Junho de … - AZ da matéria assente;
. Foram feitas novas chamadas para o aparelho do Tribunal tem-tando enviar, de novo, as alegações do recurso - AP da matéria assente;
. Numa segunda chamada, foram enviadas seis folhas e numa terceira enviaram 32 folhas das alegações de recurso, num total de 41 páginas, tendo sido enviadas, até às 24 horas, na primeira chamada, apenas três folhas, até que a máquina do tribunal deixou de atender o escritório que expedia as alegações - AQ da matéria assente;
. E deixou de atender o escritório, por uma razão que se desconhece, mas que poderá ter sido a falta de papel, como, com frequência, acontece - AR da matéria assente.
34.ª - Do que se acaba de expor resulta que as decisões que entenderam que as alegações não tinham sido enviadas atempadamente perfilharam uma opinião subjectiva e partiram de pressupostos de facto que não têm correspondência com a realidade, conforme resulta da factualidade constante das alíneas AW, AX, AY, AZ, AP, AQ e AR da matéria assente nos presentes autos.
35.ª - Pelas razões apontadas, dos factos provados não resulta demonstrada a ilicitude da conduta dos réus (violação do dever de apresentar as alegações de recurso dentro do prazo).
36.ª - A expedição das alegações iniciou-se dentro do prazo, ou seja, antes das 24 horas do dia 17 de Junho de ….
37.ª - A interrupção que ocorreu no envio e em que o STA também se baseou para manter a decisão que julgou o recurso deserto, não pode ser imputada aos réus a título de culpa ou de negligência: “O fax deixou de atender o escritório, por uma razão que se desconhece, mas que poderá ter sido a falta de papel, como, com fre-quência, acontece” - AR da matéria assente;
38.ª - E isto tanto mais que o início das tentativas de expedição ocorreu cerca de vinte minutos antes das 24 horas do dia 17-06-…2.
39.ª - Os réus cumpriram, pois, o dever ou obrigação a que estavam adstritos: concluir as alegações dentro do prazo e começar a enviá-las antes do final do prazo, já que, conforme o STA entendeu, o relevante é o exacto momento do início da expedição das alegações.
40.ª - Não é igualmente sustentável que a ilicitude e a culpa dos R.R. reside também no facto de estes não terem invocado o justo impedimento.
41.ª - Em primeiro lugar, de acordo com a própria interpretação feita pelo STA, o decisivo era a data do início da expedição da peça processual.
42.ª - Em segundo lugar, a jurisprudência entendia que o justo impedimento não poderia ser invocado quando os prazos estão a ser cumpridos, a título excepcional, nos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo ordinário.
43.ª - Não era, por conseguinte, exigível - ou sequer aconselhável - que os réus fossem suscitar o incidente do justo impedimento por o mesmo não ser admissível.
44.ª - Salvo melhor opinião, o requisito da ilicitude da conduta dos réus não se mostra verificado.
45.ª - Também por esta razão, os réus não deveriam, por conseguinte, ter sido condenados a indemnizar os autores.
46.ª - Ao contrário que a sentença recorrida entendeu, os autores da acção não estavam igualmente dispensados de alegar e provar todos os factos integradores dos pressupostos da obrigação de indemnizar e em particular o montante do dano e o nexo de causalidade entre este e o alegado facto ilícito.
47.ª - No n.o 3 do artigo 566.° do CC estabelece-se que " se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados".
48.ª - Ao contrário do que a sentença recorrida entendeu, esta norma não autoriza a que o Tribunal decida arbitrariamente. Se não existir certeza quanto à existência do dano e não apenas quanto ao seu "quantum", o julgador não poderá basear-se na norma para arbitrar uma indemnização sob pena " de se estar a prescindir do dano, como pressuposto essencial da responsabilidade civil".
49.ª - O lesado não fica desvinculado do ónus de alegar e provar os factos que revelem a existência de danos e permitam a sua avaliação de acordo com juízos de equidade. Ora, quanto a essa matéria, os autores nada alegaram de concreto a não ser o montante dos gastos em pareceres e honorários.
50.ª - E não é seguramente aceitável considerar que o ónus da alegação foi cumprido com as despropositadas referências feitas na petição inicial ao montante das custas devidas pelo insucesso da acção na jurisdição comum.
51.ª - Daí que o Tribunal não estivesse legitimado para fixar qualquer indemnização por equidade.
52.ª - Pelas razões referidas na secção 36 das presentes alegações, o julgamento por equidade não permite que o Tribunal, com recurso a juízos indu-tivos, conclua pela existência de danos.
53.ª - Erro em que a sentença recorrida incorreu ao decidir fixar a indemnização por equidade com base numa percentagem sobre o valor do pedido formulado na acção.
54.ª - Como o Tribunal não só não apurou qualquer probabilidade de êxito do recurso, como ignorou a circunstância de a jurisprudência consolidada se não ter alterado, forçoso é concluir que a decisão ficcionou a existência de um dano (o dano de os A.A. terem perdido a possibilidade de verem a sua pretensão reapreciada pelo STA) e, em consequência, arbitrou aleatoriamente um montante indemnizatório: a decisão por equidade é necessariamente subjectiva, mas não pode ser discricionária.
55.ª - A sentença recorrida afirma que o “dano da perda chance” ao abrigo do qual entendeu atribuir a indemnização aos autores nada tem a ver com a teoria da "perte da chance" que a decisão diz inscrever-se "numa causalidade probabilística não admissível no Direito Português atento o disposto no art. 563.° do CC ".
56.ª – A sentença não esclarece os fundamentos da distinção que faz, limitando-se a salientar que não está em causa o dano da perda da acção, "mas o dano que os autores sofreram de não ver a sua pretensão reapreciada pelo STA";
57.ª - Em primeiro lugar, esse será necessariamente também um “dano da perda da chance”, no sentido de um dano da perda de uma oportunidade, pelo que está em causa uma mera distinção “conceitual” que assenta numa falácia e não tem apoio na lei.
58.ª - E a melhor prova disso, ou seja, a cabal demonstração de que se trata de um "argumento formal" para ultrapassar a inultrapassável dificuldade de a tese postular a "desconstrução" do instituto da responsabilidade civil, é que a sentença, para arbitrar a indemnização por equidade, chama à colação o valor do pedido, ou seja, a perda da acção, dano que diz não pretender ressarcir justamente por estar em causa uma "mera causalidade probabilística" inadmissível no ordenamento jurídico português.
59.ª - A indemnização do dano da perda da oportunidade de a questão ser reapreciada no STA não supera a questão da "causalidade probabilística", porquanto está necessariamente a ficcionar que o tribunal de recurso não confirmaria a decisão da 1.ª instância: sendo a decisão confirmada, como tudo leva a indicar que sucederia em face da circunstância de a jurisprudência se ter mantido, até hoje, inalterada, a sentença ressarciu um dano inexistente.
60.ª - Aliás, uma indemnização do valor da que foi fixada a título de danos patrimoniais não é minimamente justificável a não ser à luz da pressuposição da chamada “causalidade probabilística” que a sentença reconhece não ser admissível no direito português, encerrando a sentença recorrida, por conseguinte, uma contradição insanável.
61.ª - Quem admita o dano de perda da chance no ordenamento jurídico positivo português, ainda que com a "nuance" que a sentença lhe introduz, tem necessariamente de "desconstruir" o instituto da responsabilidade civil.
62.ª - A aceitação do instituto, nos termos em que os A.A. o concebem e a sentença o acaba por admitir, ainda que formalmente o negue, pressupõe que a obrigação de indemnizar poderá existir sem qualquer certeza da existência de nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano e até sem a menor demonstração de que este último existiu.
63.ª - Só, por conseguinte, ignorando ou desvirtuando o sentido e alcance das normas que regulam a responsabilidade civil, ou seja, “desconstruindo o instituto”, será possível reconhecer que o chamado “dano de perda da chance” é passível, em qualquer caso, de reparação, conforme a sentença recorrida admite.
64.ª - A realidade é que o “dano de perda da chance”, mesmo na interpretação que a sentença lhe confere, indo além do que o Prof. Doutor Carneiro da Frada sustenta no texto que publicou após a emissão dos pareceres, não é admissível à face do ordenamento jurídico positivo português.
65.ª - E isto porque a obrigação de indemnizar, ainda que para quem entenda que o dano de perda da chance constitui uma espécie de "terceira via" entre a responsabilidade civil contratual e a extracontratual, não pode deixar de convocar a necessidade de demonstração que o facto ilícito ofendeu bens jurídicos do lesado.
66.ª - Daí que a oportunidade perdida nunca possa ser nula, escassa ou muito reduzida.
67.ª - Admitir isso seria “abrir a porta” a graves injustiças, para autênticos enriquecimentos do lesado, como sucederá se a decisão recorrida vier a ser confirmada.
68.ª - A existência de um prejuízo tem de ser certa ou pelo menos altamente provável sob pena de o Tribunal, ao fixar o montante da reparação, ter de emitir um juízo não jurídico, mas, antes pelo contrário, uma espécie de “previsão astrológica” de natureza puramente indutiva sem qualquer apoio em nenhum facto certo.
69.ª - O nexo causal, ou seja, a imputação objectiva, também carece de ser demonstrado mesmo para quem sustente a aplicabilidade do dano de perda da chance.
70.ª – Não pode, no Direito Português, haver lugar à reparação de um dano, em face das regras da responsabilidade civil enquanto fonte de uma obrigação, sem uma prova patente da causalidade.
71.ª - Aceitar a possibilidade de reconhecer um dano sem uma prova mínima do nexo causal da ofensa dos bens jurídicos transformaria a administração da justiça numa espécie de “jogo de sorte ou de azar”.
72.ª - Por essa razão é que os defensores do instituto da perda de chance não se bastam com uma qualquer perda de oportunidade mas com uma perda de oportunidade cuja probabilidade de determinar o evento danoso seja, em regra, superior a mais de cinquenta por cento de probabilidades de o mesmo vir a ocorrer.
73.ª - Ora, tal juízo de probabilidade não só se não provou, como, pelas razões invocadas na secção 46 das alegações, se demonstrou o inverso, ou seja, que os anos entretanto decorridos vieram demonstrar que a jurisprudência não se alterou.
74.ª - Não é a perda de qualquer chance que é passível de ser ressarcida mas a perda de oportunidade com um determinado grau de probabilidade de vir a concretizar-se.
75.ª - Não existe nos autos qualquer facto alegado nem provado, que permitisse ao Tribunal fazer aquilo que os defensores do “dano de perda da chance” designam de “juízo dentro do juízo” ou, por outras palavras, de “julgamento dentro do julgamento”.
76.ª - Os A.A. tinham o ónus de alegar os factos e os argumentos de direito que permitissem ao Tribunal fazer um juízo de prognose sobre o resultado da acção e ou do recurso.
77.ª - Só em face da probabilidade de êxito do recurso que o Tribunal viesse a apurar, é que este poderia concluir, com concluiu na sentença recorrida, pela existência ou não do direito à reparação da “chance” e pela determinação do seu quantum.
78.ª - Sem este “juízo dentro do juízo” o Tribunal, mesmo na perspectiva do dano da “perda de chance” que adoptou, estava impedido de fixar uma indemnização do modo como o fez por referência a uma percentagem do valor do pedido formulado na acção, percentagem que tem necessariamente subjacente um juízo de probabilidade do êxito do recurso em relação ao qual nenhuma prova foi feita.
79.ª - No caso sub judice a atribuição da indemnização pressupõe que o Tribunal concluiu que:
. todos os Magistrados do STA e do TC que fixaram jurisprudência uniforme citada na sentença aludida em AG da matéria assente, tinham decidido erradamente;
. o Magistrado que decidiu a acção em primeira instância também se tinha equivocado;
. finalmente, que todos os Magistrados, que posteriormente mantiveram e consolidaram a jurisprudência já então uniforme, também tinham errado;
80.ª - Não se está a ver que o Tribunal pudesse ter chegado a essa conclusão, em face de a jurisprudência consolidada que a decisão do TAC seguiu não ter sido alterada, mesmo que os autores tivessem tentado fazer o "julgamento dentro do julgamento".
81.ª - Não o tendo feito o Tribunal estava impedido, mesmo aderindo à orientação do “dano de perda da chance” com a “nuance” enunciada na sentença recorrida, de concluir que esta existiu em termos reais, sérios e com um grau de probabilidade que justifique a fixação de uma indemnização: na verdade, o ressarcimento do dano da impossibilidade de os autores terem perdido a possibilidade de o STA reapreciar a decisão da 1.ª instância também só será passível de indemnização se se tivesse provado uma probabilidade séria/elevada de procedência do recurso, ou seja, não ultrapassa, nem supera o problema de se estar perante uma mera “causalidade probabilística” que a sentença reconhece não ser admissível.
82.ª - A sentença recorrida alheou-se também dos reflexos da instauração da acção administrativa comum referida na alínea AAH da matéria assente em sede da obrigação de indemnizar por “perda da chance”: a perda da chance só será indemnizável, como tal, se a perda for irreversível e irremediável.
83.ª - Ora, a instauração da acção referida na conclusão anterior permite concluir que assim não é.
84.ª - Acresce que a instauração desta acção, ainda que a mesma improceda na jurisdição portuguesa, permitirá que a questão seja discutida no TEDH, assim se ultrapassando a dificuldade a que a sentença alude no 3.° parágrafo de fls 51: o recurso ao TEDH não se tornou inviável, uma vez que o mesmo pode ser apresentado, dentro dos seis meses após a decisão definitiva daquela acção na jurisdição portuguesa.
85.ª - A "chance", por conseguinte, de discutir o valor da indemnização nesta instituição supra nacional não foi perdida, como em última análise não foi perdida a oportunidade de obter do Estado Português a satisfação da pretensão deduzida na acção instaurada pela sociedade de advogados ré: é isso que significa a instauração da acção aludida na alínea AAH da matéria assente.
86.ª - Como, numa síntese particularmente feliz, se escreveu no Acórdão de 29 de Abril de 2010, de que foi relator o Cons. Sebastião Póvoas - processo n.o 2622/07.OTBPNF.PI.SI da 1.a secção:
“Na perda de chance, ou de oportunidade, verificou-se uma situação omissiva que, a não ter ocorrido, poderia razoavelmente propiciar ao lesado uma situação jurídica vantajosa.
Trata-se de imaginar ou prever a situação que ocorreria sem o desvio fortuito não podendo constituir um dano presente (imediato ou mediato) nem um dano futuro (por ser eventual ou hipotético) só relevando se pro-vado que o lesado obteria o direito não fora a chance perdida.
Se um recurso não foi alegado, e em consequência ficou deserto, não pode afirmar-se ter havido dano de perda da oportunidade, pois não é demonstrada a causalidade já que o resultado é sempre aleatório por de-pender das opções jurídicas, doutrinárias e jurisprudenciais dos julgadores chamados a reapreciar a causa”
87.ª - Sustentar a tese que a sentença acolheu traduz-se em ignorar por completo a teoria da diferença consagrada no n.o 2 do artigo 566.º do CC, não tendo o valor da condenação arbitrada a menor justificação à luz do critério consagrado na norma.
88.ª - Decidindo, como decidiu, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 496.º, n.o 1, 562.°, 563.° e 566.° n.o 2, do CC.
Pedem os apelantes que seja revogada a sentença recorrida, absolvendo-se os R.R./recorrentes do pedido.
8.2. Por parte da interveniente, CST, nos seguintes moldes:
A) QUANTO À IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
1.ª - A resposta ao artigo 5.º da base instrutória (b.i.) é do seguinte teor "Provado apenas que os pareceres referidos em 4° foram unânimes em reconhecer o direito dos A.A., tese que foi plenamente abraçada pelos advogados da PL”;
2.ª - No depoimento da testemunha AC que foi o interlocutor da Sociedade Ré diz-se o seguinte: "Falou, falou. Falou também nisso. Falou que a acção era difícil que era uma acção que não era fácil. Falou nessa questão de ... (julgo) que chamava-se jurisprudência".
3.ª - Assim, impõe-se que a resposta seja mais restritiva pois torna-se patente que os advogados da PL não abraçaram a tese sustentada, antes a defenderam como lhes cumpria.
4.ª -Daí que se afigure como mais adequado à prova produzida que a resposta seja de âmbito mais restrito e do teor que o Tribunal entender como adequado, para tal resposta se sugerindo, no entanto, o seguinte teor: "Provado apenas que os pareceres referidos em 4° foram unânimes em reconhecer o direito dos A.A. tese que os advogados da PL sustentaram".
5.ª - No que concerne ao n.º 6 da b.i. nenhuma prova de fez sobre se os valores pago pela nacionalização eram irrisórios, pelo que tal qualificação não pode ser dada como provada.
6.ª – Deve, pois, substituir-se a expressão "montante irrisório" por "montante inferior ao pretendido" ou outra de carácter semelhante o que, consequentemente, se requer.
7.ª - Os quesitos 58.°, 59.°, 60.° e 61.° devem ser considerados como integralmente “Provados”.
8.ª - Na verdade, embora a testemunha AC se recuse a admitir que a sua intenção ao contactar a sociedade R., e designadamente o R. CV, era a de recorrer à Justiça Internacional a prova documental constante de fls. 2243 a fls. 2252 revela que o estudo levado a cabo por essa mesma Sociedade foi no sentido de encontrar uma via que permitisse submeter a questão à aprecia-ção dos Tribunais Internacionais.
9.ª - O mesmo se extrai dos depoimentos da testemunha Dr. PM "O objectivo seria obter uma Decisão do Tribunal Europeu, que reconhecesse a injustiça de um valor daqueles ter sido pago ao longo e – previa-se na altura, que o pagamento ocorresse em 23 anos – e com uma taxa de juro tão pequena; da testemunha Dr.ª MM; "Exactamente; Era ao TEDH. Só que, lá esta, tínhamos primeiro que discutir e esgotar as vias internas"; e da testemunha PM; "Porém, o CV o que ... disse é: "o P., mas não podemos ir directamente ao Tribunal Europeu, ou a qualquer utra instância, porque na ver-dade há um período de 6 meses portanto há uma necessidade de criarmos uma segunda causa ..." e aqui se dão por reproduzidos.
10.ª - Bem como igualmente se extrai do teor integral destes mesmos depoimentos que, por já transcritos, seria ocioso repetir.
11.ª - Impõe-se, consequentemente, até pela fragilidade da prova oposta, que os n.º 58.°, 59.°, 60.° e 61.° da b.i. sejam considerados PROVADOS pelo que as respostas negativas que lhes foram dadas devem ser alteradas no sentido suprareferido.
12.ª - Devem ser considerados como PROVADOS os factos constantes dos n.º 62.° a 67.° da b.i..
13.ª - Tal se extrai dos depoimentos transcritos em 3.2 alínea c) das presentes alegações a págs. 16 e segs., e designadamente do afirmado pelas testemunhas PM que refere, no que respeita ao objectivo pretendido pelos A.A., que: "a ideia era ver se alguma coisa se podia fazer fora", MM, ao referir que: "É verdade, era a ideia que todos nós na Equipa tínhamos. É que, de facto, era claramente necessário fazer aqui uma revolução na jurisprudência" e o PM ao dizer: "Agora a questão é ver se a hipótese é maior ou menor. Normalmente, era reduzida" e mais adiante: "Mas tínhamos alguma esperança, um bocadinho maior, que pelo menos pudéssemos, no âmbito internacional, conseguir alguma coisa" e o Prof. Doutor JC: "Julgo que era de muito difícil viabilidade. Era uma acção muito difícil... aliás é nesse contexto que eu fico na convicção que se tratava essencialmente de uma estratégia para chegar ao TEDH. Dado o juízo sobre a viabilidade da acção"
14.ª - Consequentemente, face ao teor do depoimento das testemunhas supraidentificadas os factos constante dos n.° 62.°, 63.°, 64.°, 65.°, 66.°, 67.°, 68.°, 69.°, 70.°, 71.° e 72.° devem ser considerados como "PROVADOS" alterando-se, consequentemente as respostas dadas a estes quesitos, no sentido suprareferido.
B) QUANTO À RESTANTE MATÉRIA DE FACTO E À MATÉRIA DE DIREITO:
15.ª - Entender-se, como confiadamente se espera, que as respostas aos supraindicados números serão alteradas no sentido propugnado, torna-se evidente que inexiste qualquer dano ressarcível como mais adiante se concluirá.
16.ª - Antes, porém, como igualmente se extrai da matéria de facto apurada a acção proposta pela Sociedade R. contra o Estado Português era de elevada complexidade o que justifica que se tenha recorrido ao prazo suplementar de 3 dias para apresentar as alegações que tinham de ser consonantes com os pareceres e opiniões dos jurisconsultos consultados o que impôs que se retardasse a sua entrega até ao limite do possível.
17.ª - Não pode afirmar-se que o recurso à expedição pelo Correio fosse, nas circunstâncias que ocorriam, mais seguro do que o envio por fax pois as alegações consideravam-se entregues logo que a expedição se iniciasse o e recurso aos CTT a ocorrer algum incidente de percurso impediria a sua entrega, sem justificação
18.ª - Por outro lado, o justo impedimento é ininvocável se o atraso na entrega das Alegações ocorrer no decurso ou após se ter esgotado o prazo suplementar.
19.ª - Logo, a Soc. Ré e os respectivos mandatários, não actuaram com negligência, antes procuraram, orientados pela necessidade da defesa dos interes-ses dos Clientes, articular a alegação com os pareceres que as suportavam.
20.ª - Em resumo, não houve, assim, violação do disposto nos artigos 798.°, 562.°, e 563.° do CC, nem nos artigos 145.° e 146.° do CPC.
21.ª - Mas, mesmo a não se entender assim, inexiste obrigação de indemnizar.
22.ª - A relação profissional que se estabelece entre um advogado e o seu cliente é, maioritariamente, qualificada como contratual por radicar no contrato de mandato pelo que a responsabilidade civil emergente do seu incumprimento tem de se qualificar como responsabilidade civil contratual.
23.ª – A falta de cumprimento de uma qualquer obrigação emergente de um contrato só dá lugar à obrigação de indemnizar se houver dano.
24.ª - E só haverá dano se o facto ilícito for causa adequada do dano, ou seja, constituir uma consequência normal e típica daquele.
25.ª - A alterar esse Alto Tribunal, no sentido que indicado se deixa nas conclu-sões 1.a a 14.a das presentes alegações, a matéria de facto constatar-se-á, de imediato, face às respostas dos artigos 58.° a 72.° que passarão a haver-se por provados, que a não apreciação da sentença proferida na acção n° 1105/1998, do TAC de Lisboa, não traduz qualquer dano não só porque aos A.A. foi dado conhecimento de que só uma radical alteração da jurisprudência que se iria tentar poderia traduzir-se em eventual sucesso, mas também porque, efectivamente, se veio a constatar que tal alteração de jurisprudência nunca se concretizou.
26.ª - Assim, porque inexiste dano, inexiste igualmente obrigação de indemnizar, o que deveria ter sido decidido pela douta sentença ora sob recurso com a inerente absolvição do pedido em relação à Interveniente CST;
27.ª - Daí que não aplicando à hipótese dos autos as normas dos artigos 562.° e 563.° do CC a decisão recorrida tenha violado tais normas que interpretou inadequadamente.
28.ª - Acresce que em sede de responsabilidade civil do advogado, e em hipótese de omissão ou preclusão do prazo para interposição do recurso, só existirá dano a verificar-se que a sentença foi condição desse mesmo dano e para que tal ocorra necessário se torna que ela padeça de erro grosseiro de que resultaria a revogação da sentença e a procedência do pedido.
29.ª - Ora, a sentença de que se recorria do TAC de Lisboa para o STA e que se encontra parcialmente transcrita no Ponto 33 da sentença de que ora se recorre, encontra-se adequadamente fundamentada, destrinçando-se à luz da CRP, o regime legal das nacionalizações do regime legal das expropriações, assinalando-se a natureza excepcional daquele e a natureza comum deste e fundamentando-se adequadamente a decisão proferida que foi desfavorável aos A.A..
30.ª - Não está, pois, a decisão supra-referida afectada nem de erro, nem de falta de fundamentação, pelo que não pode ser considerada como condição de um dano que seria reparado pela interposição de recurso, ou seja, à luz da causalidade ade-quada inexiste dano e consequentemente obrigação de indemnizar.
31.ª - Acontece, porém, que a decisão recorrida adere à tese dos A.A. de que a "perda de chance" ou de oportunidade é um dano autónomo que, no caso concreto, se traduz em não terem os mesmos A.A. visto a sua pretensão reapreciada pelo STA.
32.ª - Porém, a "perda de chance" traduz-se em imaginar e prever a situação que ocorreria se não se tivesse concretizado uma omissão ou desvio fortuito e não pode constituir nem um dano presente, nem um dano futuro, apenas relevando se provado que o lesado obteria o direito não fora a chance perdida.
33.ª - Ora, face à matéria de facto apurada, e designadamente que aos A.A. não foram dadas garantias de êxito da acção lhes foi explicado que a acção era complexa (respostas aos quesitos 70.° e 71.°) e que estão de acordo quanto às reduzidas possibilidades de sucesso não se pode concluir que estes obteriam o direito não fora a chance perdida.
34.ª - De resto, na própria decisão recorrida se reconhece a óbvia prognose desfavorável aos A.A. já que se quantifica a "chance" destes em 2%.
35.ª - Por isso, uma tão exígua previsão de sucesso não permite, em hipótese alguma, fundamentar à luz dos princípios que regem a obrigação de indemnização e do adequado nexo causal entre o facto ilícito e o dano qualquer indemnização.
36.ª - Não o entendendo assim a sentença ora sob recurso violou o disposto nos artigos 798.°, 562.°, 563.° e 566.°, n.° 3, do CC.
37.ª - Sem conceder se acrescentará que importa, também, ter presente que os A.A. instauraram acção comum contra o Estado Português, a qual corre termos com o n° … na 4.ª - UOTAC de Lisboa a qual embora tenha causa de pedir assente em facto jurídico diverso - enriquecimento sem causa (a venda da empresa dos A.A. que havia sido nacionalizada e subsequentemente integrada na PL foi reprivatizada recebendo o ESTADO).
38.ª – Assim, embora a viabilidade desta pretensão seja também inexistente ou exígua não deixa de, por um lado, demonstrar que não houve qualquer "perda de chance" e, por outro lado, de originar, a proceder, uma duplicação da indemnização já que, como se extrai da alínea (AAH)) e da resposta ao artigo 73°, o pedido, ainda que assente em facto jurídico diverso, terá idêntico efeito.
39.ª - Não o ponderando assim, e considerando que o dano aqui em causa nada tem a ver com a acção referida nas duas conclusões anteriores (págs. 51), a sentença ora sob recurso fez, mais uma vez, errada interpretação das normas dos artigos 562.°, 563.° e 566.° do CC.
40.ª - Decidiu-se, também, na decisão recorrida e perante os factos dados como provados nos seus Pontos 92, 94 97 e 103 a 106, condenar a Interveniente a pagar ao 1° A. 50% dos custos dos estudos e pareceres que, no seu todo, perfazem o montante global de € 135.486,07, por tais estudos e pareceres não terem tido a total correspondência que se pretendia já que a pretensão deduzida não foi apreciada no Tribunal Superior.
41.ª – Salvo melhor opinião, porém, a correspondência pretendida pelos A.A. foi integralmente conseguida pois esses estudos e pareceres suportaram a pretensão em 1.a Instância, a ela se destinavam e em recurso o que estaria em apreciação seria a decisão recorrida.
42.ª - Daí que se não justifique que a Interveniente satisfaça € 67.743,03 ao 1.º A. como resulta duma adequada interpretação do disposto no artigo 562.º do CC.
43.ª - Por outro lado, mesmo a não se entender que a matéria de facto dada como provada deve ser alterada nos termos propostos a verdade é que dos factos que o Tribunal considerou como provados se não pode concluir pela negligência grosseira dos R.R. já que estes não actuaram por forma a que a sua culpa se possa qualificar de conduta irreflectida ou ligeira ou de não entenderem o que todos entendem.
44.ª - Acresce que é irrelevante, para os efeitos de cálculo da indemnização, a existência de um seguro de responsabilidade civil já que apenas se têm de ponderar as situações económicas dos lesantes e dos lesados.
45.ª - Como acresce, e é o mais relevante, que os A.A. fixaram o seu dano patri-monial emergente da não apreciação por parte do STA do recurso que haviam interposto, em € 5.736.912,18 sendo o remanescente, no âmbito dos danos patrimoniais, referente a despesas.
46.ª - Tendo os A.A. fixado o seu dano no montante acima referido e tendo a Mm.º Juiz "a quo" entendido que a acção proposta pelos R.R., mandatados pelos A.A. tinha um baixíssimo grau de hipótese de sucesso que fixou em 2%, deviam tais 2% incidir sobre o valor em que o dano, na presente acção, foi fixado - € 5.736.912,18 - e não no valor da acção pelos R.R. proposta no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, que foi de Esc.: 23.132.754$00.
47.ª - Ou seja, mesmo a aderir-se à tese sustentada pelos A.A. e suportada pela decisão ora sob recurso o valor da condenação deveria ser o correspondente a 2% de € 5.736.912,18, isto é, € 114.738,24.
48.ª - No sentido suprareferido deveriam pois ter sido interpretadas as normas dos artigos 798.°, 562.°, 563.° e 566.°, n.° 3, do CC e 498.°, n.° 3, 457.°, n.° 1, alínea e), 305.° e 306.° do CPC, pelo que, ao decidir por forma diversa, a decisão ora sob recurso violou tais normas.
49.ª - Do todo o exposto resulta, portanto, que se fez uma inadequada apreciação da matéria de facto dada como provada e uma errada interpretação das normas legais aplicáveis.
50.ª - Deve conceder-se provimento ao recurso e, em consequência, proferir-se acórdão em que, alterando-se os pontos da matéria de facto no sentido propugnado e decidindo-se que não se demonstrou a existência de qualquer dano patrimonial, se absolva a Interveniente CST do pedido ou, sem conceder, se limite a indemnização a € 114.738,24, com as inerentes legais consequências.
9. Os A.A. apresentaram contra-alegações, em que, além de suscitar a questão da inadmissibilidade do recurso, pugnam pela confirmação do julgado, formulando um extenso quadro conclusivo, essencialmente de cariz argumentativo, que aqui se dispensa de reproduzir, por não relevar para a delimitação do objecto dos recursos
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – Delimitação do objecto do recurso
Como é sabido, o objecto do recurso é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 684.º, n.º 3, e 690.º- A, n.º 1, do CPC, na redacção anterior às alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, que continua aplicável ao presente processo, dado tratar-se de acção instaurada antes de 01-01-2008 com decisão final proferida antes de 01-09-2013, nos termos do disposto no art.º 7.º, n.º 1, a contrario sensu, da Lei n.º 41/2013, de 26-06 Doravante, a referência a CPC sem qualquer outra menção reporta-se ao CPC na redacção em vigor antes das alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24-08..
Dentro desses parâmetros:
A – No âmbito do recurso interposto pelos R.R., as questões nele suscitadas consistem no seguinte:
a) – A impugnação da decisão de facto com fundamento em erro na apreciação da prova, no âmbito das respostas aos artigos 5.º, 6.º, 40.º, 41.º, 46.º, 47.º, 48.º, 49.º a 52.º, 56.º, 58.º, 59.º, 60.º, 61.º e 62.º a 72.º da base instrutória;
b) - A impugnação da decisão de direito, com fundamento:
(i) - na falta de ilicitude e de culpa em sede do facto imputado aos R.R. pelo atraso no envio das alegações de recurso da decisão do TAC de Lisboa, que levara a deserção desse recurso;
(ii) – em inexistência de dano pela alegada “perda de chance” e do nexo de causalidade com o pretenso facto ilícito, seja em face da factualidade dada como provada, seja em decorrência da pretendida alteração das respostas impugnadas no domínio de tais danos;
(iii) - em inexistência de dano não patrimonial ressarcível:
- quer relativamente ao A. A…, em face à própria factualidade dada como provada;
- quer quanto ao A. L…, na decorrência da pre-tendida alteração das respostas aos artigos 48.º e 56.º da base instrutória;
(iv) – subsidiariamente, em exorbitância da indemnização arbitrada a titulo de danos não patrimoniais;
B– No âmbito do recurso interposto pela interveniente CST, as questões suscitadas são as seguintes:
a) – A impugnação da decisão de facto com fundamento em erro na apreciação da prova, no âmbito das respostas aos artigos 5.º, 6.º, 58.º, 59.º, 60.º, 61.º e 62.º a 72.º da base instrutória;
b) – A impugnação da decisão de direito, com fundamento:
(i) – na inexistência de negligência, por parte dos R.R. segurados, relativamente ao facto que lhe vem imputado;
(ii) – na inexistência de dano pela alegada “perda de chance” e do nexo de causalidade com o pretenso facto ilícito, tanto em face da factualidade dada como provada, como na decorrência da pretendida alteração das respostas impugnadas no domínio de tais danos;
(iii) – na inexistência de nexo de causalidade entre a conduta imputada aos R.R. e os honorários e outras despesas pagas pelos A.A.;
(iv) – subsidiariamente, na injustificada condenação da interveniente a pagar a quantia de € 67.743,03, correspondente a 50% dos custos com estudos e pareceres que suportaram a pretensão dos A.A. na 1.ª instância dos tribunais administrativos e que, portanto, não se destinaram ao recurso julgado deserto que serve de fundamento à presente acção;
(v) – também a título subsidiário, na exorbitância da indemnização de € 2.305.213,81, arbitrada a título de danos patrimoniais, por aplicação da taxa de 2% ao valor da acção proposta pelos R.R. no TAC de Lisboa, na cifra de 23.132.754$00, quando o devia ser pelo valor do dano fixado em € 5.736.912,18, ficando assim tal indemnização reduzida ao montante de € 114.738,24.
Por seu lado, os recorridos arguíram a inadmissibilidade dos recursos interpostos, com fundamento:
a) – em renúncia ao recurso sobre a decisão de facto;
b) – em extemporaneidade dos recursos sobre a decisão de direito.
III – Da questão prévia sobre a admissibilidade dos recursos interpostos
Os Recorridos suscitaram, nas contra-alegações, a questão da inadmissibilidade dos recursos interpostos, sustentando, em síntese, que:
a) – quanto à decisão de facto, os ora Recorrentes não apresentaram, oportunamente, reclamação das respostas dadas pelo tribunal de julgamento, tendo, com isso, aceite tacitamente o julgado, o que se traduziu na renúncia ao recurso daquela decisão; b) – em sede de decisão de direito, estando prejudicado o recurso sobre a decisão de facto, os recorrentes não beneficiavam do prazo suplementar de 10 dias para recorrer daquela decisão de direito.
Vejamos.
Como é sabido, logo após a leitura e o exame das respostas à matéria da base instrutória, respectivamente pelo juiz do julgamento e pelos advogados das partes, assistia a cada uma delas a faculdade de deduzir reclamação contra deficiência, obscuridade ou contradição da decisão de facto, ou contra a falta da sua motivação, nos termos do artigo 653.º, n.º 4, do CPC então em vigor, o que, no caso concreto não ocorreu, tendo as partes decla-rado nada ter a reclamar, como se alcança da acta de fls. 3306 – Vol. 11.º.
Ora, tais vícios, radicando em error in procedendo, são de natureza meramente processual ou formal, o que não deve ser confundido com o erro de julgamento na apreciação das provas (error in judicando). De resto, os vícios de deficiência, obscuridade ou contradição da decisão de facto são susceptíveis de conhecimento oficioso pelo tribunal da relação, indepen-dentemente de ter sido deduzida reclamação, podendo implicar anulação do julgamento no domínio das respostas afectadas, nos termos do n.º 4 do artigo 712.º do CPC.
Por sua vez, a impugnação da decisão de facto com fundamento em erro de julgamento na apreciação das provas não se enquadra sequer na economia do mecanismo da reclamação nem é passível de recurso autónomo, podendo, no entanto, ser deduzida como fundamento do recurso da sentença, nos termos do art.º 690.º-A do CPC.
Do que fica dito decorre, necessariamente, que a falta de reclamação sobre a decisão de facto jamais pode ser tida como renúncia tácita ao recurso da mesma, fundado em erro de julgamento, em sede de impugnação da sentença final.
Acresce que, no caso vertente, a impugnação da decisão de facto deduzida nos recursos interpostos incide sobre pretensos erros na apreciação das provas gravadas, pelo que os recorrentes beneficiavam do prazo suple-mentar de 10 dias para alegações estabelecido no n.º 6 do artigo 698.º do CPC então em vigor.
Assim, improcedem, manifestamente, todos os fundamentos invocados pelos Recorridos, quanto à arguida inadmissibilidade dos recursos interpostos.
IV – Fundamentação
1. Quanto à impugnação da decisão de facto
1.1. Enquadramento preliminar
No âmbito de reapreciação da decisão de facto, importa ter presente que, em conformidade com o regime de recursos em vigor, não cabe ao tribunal ad quem proceder a um novo julgamento da causa propriamente dito, mas apenas sindicar os invocados erros de julgamento da 1.ª instância sobre os pontos de facto questionados, mediante reapreciação das provas produzidas no âmbito dos segmentos da decisão de facto impugnados, tomando por base o teor das alegações do recorrente e do recorrido e ainda, mesmo a título oficioso, dos elementos probatórios que serviram de fundamento à decisão impugnada sobre os pontos da matéria de facto em causa, nos termos prescritos no artigo 712.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do CPC.
No que respeita aos critérios da valoração probatória, nunca é demais sublinhar que se trata de um raciocínio problemático, argumentativamente fundado no húmus da razão prática, a desenvolver mediante análise crítica dos dados de facto veiculados pela actividade instrutória, em regra, por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência colhidas da normalidade social, que não pelo mero convencimento íntimo do julgador, não podendo a intuição deixar de passar pelo crivo de uma ra-zoabilidade persuasiva e susceptível de objectivação, o que não exclui, de todo, a interferência de factores de índole intuitiva, compreensíveis ainda que porventura inexprimíveis Sobre o modelo cognitivo racional da prova, em detrimento de modelo puramente empírico, vide, entre outros autores, Marina Gascón Abellán, Los Hechos en el Derecho – Bases argumentales de la prueba, Marcial Pons, Barcelona, 1999, pag. 97 a 123.. Ponto é que a motivação se norteie pelo princípio da completude racional, de forma a esconjurar o arbítrio Sobre o princípio da completude da motivação da decisão judicial ditado, pela necessidade da justificação cabal das razões em que se funda, com função legitimidora do poder judicial, vide acórdão do STJ, de 17-01-2012, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Gabriel Catarino, no processo n.º 1876/06.3TBGDM.P1.S1, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj. .
É, pois, nessa linha que se deve aferir a razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise crítica do material probatório constante dos autos, incluindo as gravações ou transcrições dos depoimentos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextual his-tórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos. Só assim se poderá satisfazer o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto, designadamente no artigo 396.º do CC, em conjugação com o artigo 655.º, n.º 1, do CPC, com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima.
Será com base na convicção desse modo formada pelo tribunal de recurso que se concluirá ou não pelo acerto ou erro da decisão recorrida.
Nos presentes recursos, vêm impugnadas as respostas aos seguintes artigos da base instrutória:
a) – por parte dos R.R., as respostas aos artigos 5.º, 6.º, 40.º, 41.º, 46.º a 52.º, 56.º, 58.º a 72.º;
b) – por banda da Interveniente, CST, as respostas aos artigos 5.º, 6.º, 58.º a 72.º.
Delimitado assim o objecto sobre que incide a impugnação da decisão de facto, importa agora proceder à sua reapreciação, tomando por base o contexto e teor dessas respostas, a própria fundamentação dada pelo tribunal recorrido e, particularmente, as teses, meios e argumentos probatórios aduzidos pelos recorrentes e recorridos.
1.2. Da impugnação conjunta dos R.R. e da Interveniente às respostas aos artigos 5.º, 6.º e 58.º a 72.º da base instrutória
Neste capítulo, comecemos por discriminar cada uma das respostas impugnadas, tomando como referencial o teor dos respectivos artigos da base instrutória.
No artigo 5.º, perguntava-se o seguinte.
Os pareceres foram unânimes em reconhecer o direito dos A.A, tese que, como já se referiu, foi plenamente abraçada pelos advogados da …?
O tribunal julgou provado apenas que “os pareceres referidos no ponto 4.º da base instrutória (correspondente ao ponto 1.65) foram unânimes em reconhecer o direito dos A.A., tese que foi plenamente abraçada pelos advogados da PL”.
No artigo 6.º, perguntava-se:
Para demonstração do montante irrisório dos valores pagos, também se juntaram dois relatórios periciais de natureza financeira, elaborados pelo Banco AR e pelo Exm.º Sr. Dr. MB?
O tribunal deu tal matéria como provada.
No artigo 58.º, perguntava-se:
Em 11 de Março de 1997, o R. CV foi contactado por um cunhado dos A.A., Eng. AC, no sentido de ser estudada a possibilidade de recorrer a qualquer instância Internacional, tendo em vista rever o valor da compensação que lhes tinha sido definitivamente arbitrada?
O tribunal deu como provado apenas que “em 11/03/97, o R. CV foi contactado por um cunhado dos A.A., Eng. AC, no sentido de ser estudada a possibilidade de rever o valor da compensação que lhes tinha sido definitivamente arbitrada”.
No artigo 59.º, perguntava-se:
De acordo com aquilo que foi transmitido ao R. CV, os A.A. da acção, depois de se terem convencido que nada mais haveria a fazer a não ser aceitar o valor que tinha sido fixado, tinham sabido que talvez fosse possível conseguir rever o valor estabelecido através do recurso a um Tribunal Internacional?
O tribunal deu essa matéria como não provada.
No artigo 60.º, perguntava-se:
O R. CV deu conta, ao cunhado dos A.A., que a única possibilidade de recurso para uma instância jurisdicional internacional residiria na apresentação de uma queixa no TEDH, mas que tal direito teria, em princípio, caducado, pois o artigo 35.º, n.o 2, da CEDH estabelecia um prazo de seis meses após se terem esgotado as vias de recurso internas?
O tribunal julgou essa matéria não provada.
No artigo 61.º, perguntava-se:
Como tal tinha sucedido com a prolação do acórdão do Tribunal Constitucional e, por o prazo já há muito se tinha esgotado, o R. CV ficou de estudar a possibilidade de instau-ração de uma acção que constituísse o pressuposto necessário da possibilidade de apresentar uma queixa contra o Estado Português no TEDH?
O tribunal deu como provado apenas que “o R. CV ficou de estudar o que lhe foi pedido”.
No artigo 62.º, perguntava-se:
Na altura foi referido aos A.A. que não era conhecida qualquer decisão dos Tribunais Portugueses que tivesse alterado o valor das indemnizações fixadas ao abrigo dos critérios legais estabelecidos pelo Estado Português?
O tribunal deu como provado apenas que “foi referido ao Eng. AC que a jurisprudência dos Tribunais Portugueses não era favorável à pretensão dos A.A.”.
No artigo 63.º, perguntava-se:
Foi mencionado que existia jurisprudência consolidada nesse senido, quer do STA, quer do Tribunal Constitucional, justamente pelo facto de a Constituição da República Portuguesa diferenciar o regime da expropriação onde o texto constitucional (artigo 62.º da CRP) alude a uma "justa indemnização" que vinha sendo interpre-tada como uma reparação integral dos danos sofridos, do da nacionalização que apenas impediria que o legislador fixasse critérios de reparação/compensação que conduzissem a indemnizações irrisórias ou absolutamente desproporcionadas em relação ao valor do bem objecto de apropriação colectiva?
O tribunal deu essa matéria como não provada.
No artigo 64.º, perguntava-se:
Foi explicado aos A.A. que as probabilidades de se conseguir uma mudança da jurisprudência portuguesa seriam reduzidas, mas que, uma vez que a instauração da acção seria um pressuposto necessário da possibilidade da apresentação de uma queixa no TEDH, se iria tentar pensar numa acção que permitisse ultrapassar uma série de questões que se poderiam liminarmente suscitar, como a do caso julgado "lato sensu" e da prescrição do direito dos A.A., e levar a que a questão de fundo (direito à actualização da indemnização fixada por acção e consequentemente do montante da compensação global a que os A.A. teriam direito) fosse objecto de uma decisão?
O tribunal deu essa matéria como não provada.
No artigo 65.º, perguntava-se:
Foi acordado entre os A.A. e R.R. que, apesar de ser conhecida a jurisprudência do STA e o do Tribunal Constitucional, se iria argumentar da forma mais convincente possível, tendo em vista tentar inflectir a jurisprudência, ou seja, fazer uma autêntica "revolução", pois todas as outras acções, instauradas contra o Estado Português, e onde tinham sido deduzidas pretensões semelhantes, não tinham obtido "ganho de causa"?
O tribunal deu essa matéria como não provada.
No artigo 66.º, perguntava-se:
Mesmo após a obtenção dos pareceres, foi chamada a atenção dos A.A. que se estava a fazer um "esforço" no sentido de modificar posições de sempre dos Tribunais Portugueses e que tinham atingido os interesses de dezenas de milhares de cidadãos, pois, pouco tempo antes da Revolução do 25 de Abril, o mercado bolsista tinha vivido um período de grande euforia, pelo que muitas das empresas nacionalizadas tinham sido objecto de dispersão do capital pelo público, ou seja, por muito cidadão anónimo que aí colocou as suas economias e que também tinha sido afectado pelos baixos valores das indemnizações fixadas?
O tribunal deu essa matéria como não provada.
No artigo 67.º, perguntava-se:
O primeiro objectivo prosseguido pela acção era o de permitir que a questão fosse colocada ao TEDH, ou seja, reparar um erro que os A.A. tinham cometido ao não instaurarem a acção dentro do prazo de seis meses após a decisão definitiva referida na AB) da matéria assente: se a sociedade R. tivesse sido contactada pelos A.A. dentro do referido prazo não teria sido instaurada nenhuma acção contra o Estado Português nos Tribunais Portugueses e o processo teria sido de imediato proposto no TEDH?
O tribunal deu essa matéria como não provada.
No artigo 68.º, perguntava-se:
A propósito da queixa junto do TEDH foi dado a conhecer aos A.A. que este não costumava ser muito "generoso" nas indemnizações fixadas, pois os valores das condenações eram normalmente baixos, mas que se iria fazer um esforço para demonstrar que, neste caso, se justificava uma alteração do critério seguido?
O tribunal deu como provado apenas que “foi transmitido ao Eng. AC que o TEDH não costumava ser muito generoso nas indemnizações aí fixadas”
No artigo 69.º, perguntava-se:
Não foram criadas aos A.A. quaisquer expectativas de que poderiam vir a receber a quantia reclamada na petição inicial ou sequer um valor próximo deste: sempre foi dito que havia a possibilidade de a acção ter êxito, mas que a probabilidade disso suceder não era muito elevada, pelo que tudo poderia, em última análise, depender de se conseguir, ou não, que o TEDH alterasse os critérios de determinação das indemnizações que normalmente seguia?
O tribunal deu essa matéria como não provada.
No artigo 70.º, perguntava-se:
Em todas as conversas mantidas com os A.A., quer pelo R. CV, quer pelos demais elementos da equipa que foi constituída para tratar do processo, nunca foram dadas quaisquer garantias de êxito da acção?
O tribunal deu como provado apenas que “não foram dadas garantias de êxito da acção”.
No artigo 71.º, perguntava-se:
E, sempre foi explicado que a acção era muito complexa, que poderia soçobrar por questões liminares, o que não veio a suceder, e que se ia tentar fazer uma "revolução" na jurisprudência?
O tribunal deu como provado apenas que “foi explicado que a acção era complexa”.
No artigo 72.º, perguntava-se:
Caso, como era muito provável isso não viesse a suceder, inverter a tendência do TEDH para fixar indemnizações pouco mais do que simbólicas e que normalmente não ultrapassavam as dezenas de milhares de Euros?
O tribunal deu essa matéria como não provada.
O tribunal a quo baseou tais respostas no seguinte argumentário probatório:
O Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica dos depoimentos de parte, das testemunhas, do exame pericial e dos documentos nos termos abaixo referidos - 1.º a 6.º, 18.º, 19.º, 57.º a 72.º:
- O R CV, em depoimento de parte, admitiu a matéria dada como provada em 2°, 3°, 5°, 18°, 19° da B.I.. Apesar das tentativas do Tribunal para que se cingisse apenas à matéria dos art. da B.I. a que havia sido indicado o R acabou por abordar outras matérias sobre as quais não podia depor e que consubstanciam a defesa da R. pelo que, naturalmente, apenas revela a parte confessória da matéria a que podia depor.
- A testemunha AC, cunhado dos A.A., pessoa que de facto os representava em Portugal, foi a única testemunha que, do lado dos A.A., revelou saber detalhadamente o que foi pedido, acordado e comunicado aos R.R. e também o que estes lhes transmitiram ao longo do tempo. Por ser quem escolheu a sociedade R. e quem mais acompanhou o processo percebe-se a sua mágoa acerca do sucedido e principalmente com a posição da R. na segunda reunião subsequente à "perda do prazo", na qual aquela se negou a assumir qualquer responsabilidade. Contudo, a nosso ver, esta mágoa não tirou a clareza, a coerência e a credibilidade ao seu depoimento.
Referiu ter contactado a sociedade R., na pessoa do Dr. CV (a conselho do irmão que tinha sido aluno deste), com o objectivo de obter uma segunda opinião acerca do valor definitivo fixado pelo Estado Português das acções dos A.A. na CEL, S.A.R.L. objecto de nacionalização, processo esse que tinha até então sido conduzido pelo escritório do Dr. GT. Este havia comunicado aos A.A. que, no seu entender, não havia mais nada a fazer do ponto vista jurídico. O 1.º A pediu ajuda à testemunha no sentido de obter uma segunda opi-nião, o que esta fez. Disse ter entregue ao Dr. CV cópia de todo aquele processo. Admitiu ter contactado este uns meses depois da decisão referida em AB da M.A. Disse que, numa l.a reunião, não se falou do TEDH.
Depois da sociedade R. ter estudado o assunto a testemunha teve uma reunião com o Dr. CV e outros advogados que lhe disseram que a acção era difícil (uma vez que as indemnizações atribuídas eram pequenas), mas que era viável. Nesta reunião falou-se do TEDH e foi referido que também as indemnizações aí praticadas eram baixas.
Esta testemunha comunicou aos R.R. que os A.A. estavam "dispostos a tudo", em quaisquer instâncias. E confirmou a matéria dada como provada nos art. 4° a 6°, 18° e 19°, 61°, 62°, 68°, 70° e 71° da B.I..
A testemunha DJ, amigo, advogado dos A.A. no … e pessoa da confiança destes, referiu que estes queriam obter do Estado Português uma indemnização que fosse justa e que estavam dispostos a "ir até ao limite dentro da Justiça Portuguesa" e, se fosse necessário, até aos tribunais internacionais. Não revelou conhecimento directo acerca da demais matéria ora em apreço uma vez que não esteve presente nos primeiros contactos entre AA e RR, mas revelou saber do optimismo dos A.A. em relação ao desfecho da acção. A esse facto não era alheio terem contratado um dos melhores escritórios de advogados de Lisboa.
A testemunha MM, à data dos factos advogada associada e depois sénior da R., disse que, no último trimestre de 1997, foi chamada a colaborar, juntamente com outros colegas, na acção dos AA contra o Estado que estava a ser supervisionada pelo Dr. CV. Esclareceu ter havido parece-res que não foram juntos aos autos por não serem favoráveis à pretensão dos A.A., como por exemplo do Prof. Doutor Lucas Pires, ou por não serem compatíveis com os demais, como por exemplo dos Prof. Freitas do Amaral e Pinto Monteiro. O mesmo resulta dos doc. de fls. 1875 a 2200/cópia de pareceres.
Esta testemunha não revelou ter tido, em 1997, qualquer reunião com os AA ou com Eng. AC pelo que não revelou conhecimento directo acerca da matéria plasmada nos art. 58° a 72° da B.I..
A testemunha PM, à data dos factos advogado associado da l.a R, que trabalhava em contencioso administrativo, não revelou conhecimento directo no que concerne à matéria dos art. 61° a 64° e 70° a 71° da B.I.. Referiu ter intervindo na processo em causa em três momentos, a saber, no estudo de questões prévias a conhecer na .la instância; na produção das alegações finais/de direito também em 1a instância e depois em sede de elaboração das alegações de recurso da decisão da 1.ª instância. Esclareceu ter sido o Dr. CV quem lhe explicou, bem como a outros colegas, o que se pretendia com a acção.
A testemunha NP, professor universitário da área do direito internacional público, revelou nada saber acerca do que foi conversado entre os AA e os RR tendo apenas feito considerações acerca da jurisprudência do TEDH, designadamente acerca do acórdão contra o Estado Turco de 1997, considerado matricial, mas cuja indemnização foi muito baixa (cerca de 1048 USD). Aludiu ao facto da CEDH apenas ter passado a vincular o Estado Português em 1978, pelo que, no entender da testemunha, o TEDH. Não se poderia pronunciar acerca das nacionalizações ocorridas em 1974.
A testemunha JC, professor universitário da área do direito administrativo, também nada revelou saber acerca das conversas tidas entre os AA e os advogados da R. Limitou-se a pronunciar-se acerca do texto de uma petição que leu pela primeira vez duas semanas antes do seu depoimento, acerca da sua viabilidade e jurisprudência dos tribunais administrativos.
A testemunha PM, advogado sénior da R à data dos factos, nada revelou saber acerca da razão pela qual o Eng. AC contactou o Dr. CV e as conversas tidas entre os A.A. e os advogados da R. Não revelou conhecimento directo acerca do referido em 58° a 72° da B.I. apenas revelando saber o que constava do dossier que veio do escritório do Dr. GT e o que foi conversado por si com os colegas de escritório acerca das dificuldades e estratégia processual. Não mereceu credibilidade a sua afirmação de que a acção instaurada no Tribunal Administrativo é apenas um meio para chegar ao TEDH. Afirmou não saber quem redigiu a procuração subscrita pelos AA acrescentando que o normal é que a mesma seja redigida pelo advogado contactado. Confirmou apenas a matéria dada como provada nos art. 1.°, 2.°, 4.° a 6.° da B.I..
O Tribunal atendeu ainda aos seguintes documentos:
- 72 a 194 (p.i. da acção para reconhecimento de direitos instaurada no TAC de Lisboa em que são A.A. LM e AM e R o Ministro das Finanças, subscrita pelos Drs. NL e PM);
- 195 a 196 (procuração, datada de 09/06/97, outorgada pelos AA ao R. CV, sócio da sociedade R.; RO e PC, a quem aqueles conferem "os mais amplos poderes forenses em Direito permitidos e com a faculdade de substabelecer, poderes estes que, no seu mais amplo âmbito, são especiais em relação à CEDH ao TEDH, bem como em relação a todas as instâncias judiciais portuguesas") – esta alusão ao TEDH não demonstra, a nosso ver, que a acção administrativa fosse um mero "trampolim" para este Tribunal, mas apenas que, desde logo, ficavam salvaguar-dados os poderes concedidos para tal fim, caso o mesmo viesse a ocorrer;
- 800 a 827 (parecer de MB, datado de 27/07/98);
- 828 a 856 (parecer do Banco AR, datado de 29/06/98);
1875 a 1903 (parecer do Prof. Doutor António Pinto Monteiro de Junho de 1997);
-1904 a 1973 (parecer do Prof. Doutor Antunes Varela de 05/06/97);
- 1974 a 1993 (parecer do Prof. Doutor Lucas Pires, enviado por fax em Outubro de 1997);
- 1994 a 2035 (parecer do Prof. Doutor Freitas do Amaral e do Dr. Rui Medeiros de 30/09/97);
- 2036 a 2967 (parecer do Prof. Doutor Vieira de Andrade de Dezembro de 1997);
- 2068 a 2138 (parecer do Prof. Doutor Mário Esteves de Oliveira de Março de 1998);
- 2139 a 2200 (parecer do Prof. Doutor Almeida e Costa de Novembro de 1997);
- 2240 a 2255 (Factura n° …, de 11/07/97, referente a honorários e despesas, em nome da Soc. AFR, S.A., descriminação, e recibo n.° …, de 05/08/97) - a referência ao recurso para o TEDH não tem a virtualidade de, a nosso ver, demonstrar que este era o verdadeiro e único objectivo dos AA;
- 3196 a 3200V (carta do Dr. CV, dirigida à Sociedade …, datada de 11/04/97, on-de alude aos custos estimados de processo contra Estado Português, aos parece-res dos Prof. Dr. Pinto Monteiro e Vieira de Andrade e onde se refere "(...) a decisão de prosseguir ou não com o referido processo judicial dependerá das conclusões a que chegarem os Professores contactados" e onde em anexo se refere a "Recurso para o TEDH"...) - renovo aqui as considerações feitas supra acerca da não prova que a instauração da acção administrativa não fosse um fim em si mesmo.
a) – Quanto à resposta ao art.º 5.º
Discordam os R.R. da parte final da resposta em foco, quando nela se afirma que a tese defendida nos pareceres foi plenamente abraçada pelos advogados da PL, observando que houve pareceres não juntos ao processo que foram contrários à tese dos A.A., como resulta dos depoimentos das testemunhas MM e PM, e sustentando que, neste particular, a resposta devia ter sido mais rigorosa, atentas as dúvidas existentes quanto ao sucesso da acção, que foram transmitidas aos A.A., como se poderá colher dos depoimentos das testemunhas AC e DJ.
Pedem, pois, a alteração da sobredita resposta, no sentido de se dar como provado apenas que “os pareceres referidos em 4.º foram unânimes em reconhecer o direito dos A.A., tese que foi defendida pelos advogados da PL”.
Na mesma linha, a Recorrente/Interveniente defende que todas as testemunhas com conhecimento da matéria, em especial a testemunha AC, se pronunciaram no sentido de que a acção em causa era de viabilidade, no mínimo, duvidosa, não se podendo concluir da prova produzida que a tese favorável aos A.A. tivesse sido abraçada plenamente pelos seus advogados.
Por isso, pugna pela alteração daquela resposta, no sentido de se dar como provado apenas que “os pareceres referidos em 4.º foram unânimes em reconhecer o direito dos A.A., tese que os advogados da PL sustentaram”.
Por sua vez, os Recorridos limitam-se, neste ponto, a concluir que a resposta em causa, entre outras, está correcta e foi devidamente fundamentada.
Vejamos
A matéria seleccionada sob o art.º 5.º da base instrutória foi literalmente colhida do alegado pelos A.A. no art.º 61.º da petição inicial, por sua vez, inserido no contexto factual descrito sob os artigos 56.º a 60.º do mesmo articulado, que foi também transposto para os artigos 1.º a 4.º da base instrutória, de cujas respostas, aqui não impugnadas, consta que:
- A apresentação da acção referida no ponto 29 (AC)) foi antecedida da reunião de pareceres de alguns dos mais proeminentes jurisconsultos portugueses, os quais emitiram parecer favorável à posição dos então A.A. – resposta ao art.º 1.º da base instrutória correspondente ao ponto 1.62 acima consignado;
- A sociedade de advogados R. e o R. CV aceitaram instaurar a acção referida nos pontos 29 e 31 (AC) e AE)) por a considerarem viável e de possível merecimento e ganho – resposta ao art.º 2.º da base instrutória instrutória correspondente ao ponto 1.63;
- Os AA estavam disponíveis para litigar em todas as instâncias, incluindo o Tribunal Constitucional e TEDH – resposta ao art.º 3.º da base instrutória correspondente ao ponto 1.64;
- O pleito foi precedido de consultas, estudos e também de pareceres dos Prof. de Direito Almeida Costa, Vieira de Andrade, Antunes Varela e Esteves de Oliveira – resposta ao art.º 4.º da base instrutória correspondente ao ponto 1.65;
Porém, tanto os R.R. como a Interveniente impugnaram aquela alegação, tendo aqueles sustentado, em resumo, a tese de que “não foram criadas aos A.A. quaisquer expectativas de que poderiam vir a receber a quantia reclamada ou sequer um valor próximo desse, sendo-lhe sempre dito que havia possibilidade de a acção ter êxito, mas que a probabilidade disso suceder não era muito elevada, pelo que tudo poderia, em última análise, depender de se conseguir ou não que o TEDH alterasse os critérios de determinação das indemnizações que normalmente seguia”, com se extrai do alegado, desenvolvidamente, sob os artigos 29.º a 39.º da contestação.
Nesse contexto alegatório, o enunciado do artigo 61.º da petição inicial apresenta-se, de certo modo, algo conclusivo em decorrência do anteriormente descrito sob os antecedentes artigos 56.º a 60.º, sendo que a locução plenamente abraçada traduz uma linguagem metafórica e adjectivada, de cariz emotivo, pouco adequada a descrever a factualidade pertinente.
Ora, o que estava em causa era saber se os R.R., ao aceitar patrocinar a referida acção, transmitiram aos A.A. a ideia de um êxito garantido ou, pelo menos, de uma adesão sem reservas aos pareceres favoráveis que obtiveram, sob o ponto de vista do sucesso da acção.
Conforme foi consignado na fundamentação da decisão de facto, a testemunha MM esclareceu que a acção instaurada pelos A.A. contra o Estado foi precedida também de pareceres desfavoráveis à pretensão daqueles, como, por exemplo, o do Prof. Doutor Lucas Pires (fls. 1974 a 1903) ou de pareceres não compatíveis com os demais, como, por exemplo, os dos Prof. Doutores Freitas do Amaral (fls. 1994 a 2035) e Pinto Monteiro (fls. 1875 a 1903).
A primeira observação que importa sublinhar é a de que do depoimento de parte do R. CV não se extrai que o mesmo tenha admitido a matéria da resposta aqui em foco, na parte em que nela se afirma que a tese defendida nos pareceres foi plenamente abraçada pelos advogados da PL. O que daquele depoimento se retira, no essencial com relevo neste particular, é de que foram pedidos 3 tipos de pareceres – pareceres jurídicos quanto à admissibilidade de uma nova causa de pedir e à viabilidade da acção respectiva com a análise de várias questões de mérito, bem como estudos de carácter económico e financeiro (vide extracto desse depoimento na acta de fls. 2528, Vol. 8.º) -, que permitissem ultra-passar as diversas dificuldades perspectivadas, e que foi transmitido aos A.A. que a acção “muito dificilmente poderia fazer vencimento, mas valia a pena intentá-la, porque era uma condição para chegar ao TEDH”.
Por seu lado, dos depoimentos mais relevantes nesta matéria, como é o da testemunha AC, cunhado dos A.A., que contactou directamente com o Dr. CV, colhe-se que foi comunicado aos referidos A.A. que a acção a propor era difícil, face à jurisprudência existente, embora fosse viável e com capacidade de ganho. Não se ignora que a testemunha DJ, advogado …amigo dos A.A., referiu o optimismo destes no êxito da acção, o que atribui às expectativas que teriam sido criadas pelos seus advogados, mas não revelou conhecimento directo de tal facto nem conseguiu explicar, de forma convincente, a razão desse optimismo, face à complexidade do caso e do insucesso de uma anterior acção, a não ser a de que a tese apresentada se mostrava bem construída.
Perante tais dados probatórios, considerando ainda a natureza metafórica e algo emotiva da expressão “plenamente abraçada”, impõe-se alterar a resposta ao artigo 5.º da base instrutória no sentido de dar apenas como provado que:
Os pareceres referidos em 4.º foram unânimes em reconhecer o direito dos A.A., tese que foi sustentada pelos advogados da PL, ao aceitar instaurar a acção nos termos referidos na resposta ao artigo 2.º da base instrutória.
b) – Quanto à resposta ao art.º 6.º;
Sustentam os R.R. que nenhuma testemunha se referiu “a valores irrisórios”, mera qualificação que apenas consta dos relatórios contabilísticos de fls. 800 a 856 e da qual não foi feita prova, pelo que aquela locução de-verá ser substituída pela expressão “aquém dos valores que os autores reclamavam”.
Por sua vez, a Interveniente argumenta no mesmo sentido, pedindo a eliminação daquele qualificativo por “montante inferior ao pretendido”.
O que se pretendia no âmbito da matéria em foco era tão só apurar o suporte pericial da análise económico-financeira em que se alicerçou a sustentabilidade da acção visada, tendo sido juntos, para o efeito, os dois pareceres constantes de fls. 800 a 856 (Vol. 3.º), um da autoria de MB, datado de 27-07-1998 (fls. 800-827), e outro do Banco AR, de 29-06-1998 (fls. 829-856).
Nessa linha, a referência neles feita a montante irrisório dos valores pagos, transposta para a resposta em apreço, traduz-se numa mera qualificação abstracta sem qualquer conteúdo factual útil, o que, de resto, se presta à pura especulação argumentativa.
Mas também terá de se reconhecer que os enunciados propostos pelos recorrentes, no sentido de se substituir aquela expressão por “aquém dos valores que os autores reclamavam” ou por “montante inferior ao pretendido”, nada de concreto e útil consubstanciam, limitando-se a um mero juízo conclusivo, cuja única premissa seria o valor peticionado pelos A.A. na acção em referência.
O que importa, pois, é respigar de tais pareceres o que contêm como conclusão essencial sobre a aludida discrepância de valores.
Ora, do parecer da autoria de MB, que teve por objectivo fundamentar a possibilidade dos ex-accionistas da CEL demandarem o Estado para obter o pagamento de juros compensatórios por perda do valor real das respectivas acções, resultante do sistema de pagamento das indemnizações por nacionalização daquela sociedade, consta o seguinte:
1 Como conclusão sintética global, a ideia-base a reter é a de que a análise jurídica e as demonstrações baseadas nas técnicas financeiras permitem afirmar que as condições de pagamento da indemnização (atrasos nas entregas dos títulos e no crédito e pagamento dos juros entretanto vencidos, taxas de juro muitíssimos baixas e sem qualquer relação com as realidades do mercado financeiro de 1975/77, extensos períodos de carência e amortização, mesmo antecipados por mobilizações e sorteios, lhe atribuíram as qualificações de irrisórias, falsas, quase nulas e manifestamente desproporcionadas à perda dos bens nacionalizados.
2. Para compensar a desvalorização real dos títulos recebidos, referida às datas de amortização ou sorteio, justifica-se, legal e tecnicamente, o direito a juros compensatórios, calculados periodicamente a juros sim-ples aplicando uma taxa que represente, em cada momento, a diferença entre uma taxa normal do mercado e a taxa estabelecida, e a juros com-postos, aplicando essa taxa normal aos juros simples sucessivamente calculados e acumulados, enquanto não forem pagos.
3. A taxa normal que, tecnicamente, se considera mais adequada para compensar os ex­-accionistas da CEL da impossibilidade de, na data da nacionalização, terem recebido a indemnização estabelecida e aplicá-la de forma a obter um rendimento real, para além da reposição do seu poder de compra com o evoluir dos anos, é a dos títulos de dívida pública a longo prazo, que conduz à chamada taxa "Ad Temporis" (AT), que representa as taxas médias de emissão dos vários títulos de Dívida Pública tomando, ano a ano, as várias taxas de cupão ponderadas pelo número de dias decorridos entre a data de emissão e o fim do ano civil.
4. A apresentação de cálculos resultantes também da aplicação das taxas de inflação e de correcção monetária, que corresponderiam apenas à reposição do poder de compra dos valores que ficaram em dívida a partir da data da nacionalização, tem essencialmente por objectivo fornecer alternativas para eventuais orientações de decisão em que a óptica técni-ca não seja predominante.
5. Embora se entenda, em termos de técnica financeira, que os juros compensatórios calculados desde a data da nacionalização até às datas em que se registaram amortizações ou sorteios (e convencionando 31.12.1997 como data limite para os cálculos feitos) são a via mais correcta para repor os direitos dos ex-accionistas, tem também interesse registar que a aplicação de um índice acumulado, ao longo dos anos, com base na AT, permite calcular a desvalorização real do valor nominal dos títulos, quer na data da sua entrega, em que valiam, em média, apenas 20,1% do seu valor nominal, quer nas datas efectivas de amortização/sorteio, em que o valor real era apenas de 5,67%, o que é eluci-dativo da natureza irrisória da indemnização, apenas consequente das condições de pagamento sintetizadas no número 1, pois não está em causa, nesta oportunidade, a análise dos critérios utilizados para estabelecer o valor-base da indemnização.
6. Como corolário da desvalorização real, a aplicação dos índices acumulados. com base nas AT, nas datas de amortizações/sorteios, conduz a um valor total de 15 193 657 contos para compensar a desvalorização de um valor nominal de 753 132 contos amortizado/sorteado até 30.06.1997 (que valia então apenas 42 724 contos); este valor é, no entanto, evidenciado apenas como visão adicional da natureza irrisória do valor da indemnização, ainda que possa ser, eventualmente, tico em conta para uma situação como a admitida no número 4.
7. Os juros compensatórios, calculados segundo o método enunciado no número 2 pressupõem, como hipótese simplificadora, que os juros devidos anualmente foram sendo pagos; na realidade, cerca de 50% dos juros apurados até 31.12.1997 foram tardiamente incluídos em títulos ou pagos a dinheiro; os reflexos desses atrasos, calculados aplicando os índices acumulados com base na AT nos anos das entregas dos títulos, conduzem a um valor global de 687 925 contos, pelo que, adicionados ao valor de 22 444 829 contos, correspondente aos juros compensatórios calculados, à mesma taxa, apenas para o capital (excluindo, portanto, os juros incluídos nos títulos), nas datas de amortização/sorteio e com referência à data da nacionalização, conduzem ao valor global de 23 132 754 contos de juros compensatórios.
8. Tendo presente o espírito enunciado no número 4., os juros compensatórios resultantes da aplicação da taxa de inflação seriam, sem contar com os juros adicionais referidos no número anterior, de 16 316 244 contos: e seriam de 17 104 129 contos, nas mesmas condições, aplicando a taxa de correcção monetária.
9. Dentro do mesmo espírito, admitiu-se a hipótese, que alguns juristas defendem, de a exigibilidade dos juros compensatórios só dever contar-se a partir de 24 de Janeiro de 1978: nesse caso, os juros compensatórios baixariam para 16 853 665 contos calculados às AT, 9 279 475 contos às taxas de inflação e 9 663 415 contos às taxas de correcção monetária, a que acresceriam os 687 925 contos de juros compensatórios adicionais.
Por sua vez, no relatório elaborado pelo Banco AR, que visava “a medição do impacto da modalidade e prazos de pagamento, unilateralmente escolhidos pelo Estado para indemnizar os ex-accionistas da CEL, no valor efectivo da definitiva indemnização fixada”, foi formulada a conclusão final de que:
As metodologias antes explanadas e sucessivamente operacionalizadas com o máximo de detalhe, e finalmente comparadas objectivamente, convergem num intervalo consistente de valores de 21.067.672 contos (se considerarmos o momento efectivo da nacionalização - Quadro IV do Anexo 3 e Quadro VII do Anexo 4) e 15.851.185 contos (no caso de se considerar a data de 24 de Janeiro de 1978, conforme evidenciado no Quadro IV-A do Anexo 3 e no Quadro VII-A do Anexo 4).
Estes valores delimitam um intervalo dentro do qual se situa a justa reparação devida pelo Estado aos Ex-Accionistas da CEL decorrente da iníqua forma de pagamento da indemnização devida por força da nacionalização da CEL.
Perante tais elementos, considera-se que o juízo probatório mais objectivo e condizente com eles é de considerar, como resposta ao art.º 6.º da base instrutória, provado que:
Para a instauração da acção referida na alínea AC dos factos assentes, os advogados da PL obtiveram os dois pareceres constantes de fls. 820 a 856:
a) – Um da autoria de Mário Baptista, datado de 27-07-1998, em que se concluiu que:
(i) – como corolário da desvalorização real, a aplicação dos índices acumulados, com base nas chamadas taxas ad temporis (AT), nas datas de amortizações/sorteios, conduz a um valor total de 15.193.657 contos para compensar a desvalorização de um valor nominal de 753.132 contos amortizado/sorteado até 30/06/1997, que valia então apenas 42.724 contos;
(ii) - … cerca de 50% dos juros apurados até 31.12.1997 foram tardiamente incluídos em títulos ou pagos a dinheiro, pelo que os reflexos desses atrasos, aplicando os índices acumulados com base na AT nos anos das entregas dos títulos, conduzem a um valor global de 687.925 contos, que, adicionados ao valor de 22.444 829 contos, correspondente aos juros compen-satórios calculados, à mesma taxa, apenas para o capital (excluindo os juros incluídos nos títulos), nas datas de amortização/sorteio e com referência à data da nacionalização, conduzem ao valor global de 23.132.754 contos de juros compensa-tórios;
(iii) - os juros compensatórios resultantes da aplicação da taxa de inflação seriam, sem contar com os juros adicionais referidos no número anterior, de 16.316.244 contos e seriam de 17.104.129 contos, nas mesmas condições, aplicando a taxa de correcção monetária;
(iv) - admitindo-se a hipótese de só se contar a exigibilidade dos juros compensatórios a partir de 24 de Janeiro de 1978, os juros compensatórios baixariam para 16.853.665 contos calculados às AT, 9.279.475 contos às taxas de inflação e 9.663.415 contos às taxas de correcção monetária, a que acresceriam os 687.925 contos de juros compensatórios adicionais;
b) – Outro elaborado pelo Banco Alves Ribeiro, datado de 29-06-1998, em que se concluiu que os valores de 21.067.672 contos, considerando o momento efectivo da nacionalização, e de 15.851.185 contos, no caso de se considerar a data de 24 de Janeiro de 1978, delimitam um intervalo dentro do qual se situa a justa reparação devida pelo Estado aos ex-accionistas da CEL decorrente da … forma de pagamento da indemnização devida por força da nacionalização da CEL.
c) – Quanto às respostas aos art.º 58.º a 61-º;
Sustentam os R.R. a matéria constante dos artigos 58.º, 59.º, 60.º e 61.º deve ser dada como provada sem quaisquer restrições, convocando, para tanto, os depoimentos das testemunhas Dr. PM, Dr.ª MM e Dr. PM, bem como o teor dos seguintes documentos juntos aos autos: a procuração de fls. 196; a relação dos serviços profissionais prestados anexos à factura …, de 11/07/97, de fls. 2243 a 2252; a carta da PL, datada de 11/04/ 1997, de fls. 3196; os custos estimados de processos contra o Estado português, de fls. 3197.
A seu favor, argumentam aqueles recorrentes que o tribunal a quo desvalorizou sem justificação os indicados depoimentos, os quais foram prestados com isenção, não obstante os depoentes serem sócios de indústria da sociedade R., de forma a explicar o que se passou e até o modo como salvaguardaram o conhecimento indirecto que tinham de alguns factos. Além disso, consideram que o mesmo tribunal atribuiu injustificadamente credibilidade ao depoimento de AC, em particular quando esta testemunha nega que o objectivo com que contactou a sociedade R. fosse o de conseguir modificar nos tribunais internacionais o resultado que o Dr. GT tinha conseguido junto dos tribunais portugueses.
Por sua vez, a Recorrente/Interveniente pugna por solução idêntica, convocando, no essencial, os mesmos meios de prova e frisando que “o objectivo dos A.A., ao contactarem o escritório da sociedade R., na pessoa do Dr. CV, era o de recorrerem à jurisdição internacional”.
O que está em causa no âmbito da matéria em referência é a determinação do objectivo pretendido pelos A.A., ao solicitarem os serviços dos advogados da PL, e bem assim da subsequente estratégia processual que, por estes, lhes foi traçada.
Da prova produzida, neste domínio, resultam duas linhas divergentes:
a) – uma, apoiada, no essencial, nos depoimentos de parte do R. Dr. CV e nos depoimentos das testemunhas dos R.R. PM, MM e PM, que vai no sentido de que o que os A.A. pretenderiam era simplesmente accionar o Estado português juntos os tribunais nacionais por forma a esgotarem os meios processuais internos para poderem então apresentar queixa contra o mesmo junto do TEDH, com vista a obterem uma condenação daquele na pretendida indemnização, o que exigiria a propositura de uma acção em bases distintas de outra anteriormente instaurada pelos A.A., que teve desfecho negativo, em relação à qual já se encontrava exaurido o prazo para apresentar queixa no TEDH;
b) – outra linha, ancorada, fundamentalmente, nos depoimentos da testemunhas AC e DJ, segundo a qual o que os A.A. pretendiam era, em primeira linha, obter a condenação do Estado português nessa indemnização pelos próprios tribunais nacionais, mas com a eventualidade de recorrer aos tribunais internacionais, no caso de insucesso junto da jurisdição nacional.
Recorde-se que sobre tal matéria, o tribunal a quo, julgando não provada a matéria constante dos artigos 59.º e 60.º da base instrutória, deu apenas como provado que:
- “em 11/03/97, o R. CV foi contactado por um cunhado dos A.A., Eng. AC, no sentido de ser estudada a possibilidade de rever o valor da compensação que lhes tinha sido definitivamente arbitrada” – resposta restritiva ao art.º 58.º da base instrutória;
- “o Dr. CV ficou de estudar o que lhe foi pedido” – resposta restritiva ao art.º 61.º.
E ao justificar tal decisão, o tribunal deu especial enfoque ao depoimento de AC, que contactara directamente como o Dr. CV, desmerecendo, por seu lado, os depoimentos das testemunhas DJ, MM, PM e PM, consignando que não tinham revelado conhecimento directo sobre a matéria em questão.
Além disso, o tribunal ponderou também, no que aqui releva, o teor dos seguintes documentos:
- a procuração de fls. 195 a 196, considerando que a alusão, nela feita, ao TEDH não demonstra que a acção administrativa fosse um mero “trampolim” para este Tribunal, mas apenas que, desde logo, ficavam salvaguardados os poderes concedidos para tal fim, caso o mesmo viesse a ocorrer;
- a factura n.º …, de 11/07/97, constante de fls. 2240 a 2255, referente a honorários e despesas, em nome da Soc. AFR, S.A., discriminação e recibo n.° …, de 05/08/97 -, considerando que a referência ao recurso para o TEDH não tem a virtualidade de demonstrar que este era o verdadeiro e úni-co objectivo dos AA;
- a carta do Dr. CV, dirigida à Sociedade AFR, SA, A/C Eng. AC, datada de 11/04/97, constante de fls. 3196 a 3200/v.º, na qual se alude aos cus-tos estimados de processo contra Estado Português, aos pareceres dos Prof. Dr. Pinto Monteiro e Vieira de Andrade, onde também se refere que a decisão de prosseguir ou não com o referido processo judicial dependerá das conclusões a que chegarem os Professores contacta-dos e, em anexo, se refere a “Recurso para o TEDH”, renovando aqui as anteriores considerações feitas acerca da não prova que a instauração da acção administrativa não fosse um fim em si mesmo.
Vejamos.
O primeiro parâmetro a definir é de que os contactos havidos entre os A.A. e a sociedade R. se processaram directamente entre o Dr. CV, ilustre jurisconsulto, mormente na esfera das instituições judiciárias europeias, e o Eng. AC, em representação dos A.A., sem qual-quer habilitação jurídica. Nenhuma das restantes testemunhas tomaram conhecimento directo do teor de tais contactos, embora tenham ouvido falar deles, com mais ou menos pormenor, a testemunha DJ, advogado …, por via dos A.A., e as testemunhas MM, PM e PM, através do R. CV, de quem eram colegas de escritório na sociedade R., em particular no contexto de preparação da acção que se iria in-terpor em nome dos A.A.. Daí que os depoimentos destas testemunhas, na matéria aqui em apreço, seja meramente contextual, mostrando-se portanto fundamental o confronto entre os depoimentos da testemunha AC e o depoimento de parte do R. CV, pese embora a ligação pessoal daquele aos A.A. e o interesse de parte deste.
Ora, do depoimento da testemunha AC, cunhado dos A.A., colhe-se que a decisão de consultar o Dr. CV surge após os A.A. tomarem conhecimento do fracasso do litígio por eles instaurado, sob o patrocínio do Dr. GT, com vista a obterem a valorização dos títulos que lhe foram atribuídos a título de indemnização pela nacionalização da CEL e de que nada mais haveria a fazer. Segundo o referido depoimento, perante tal situação, foi o próprio depoente quem, depois de falar com o seu irmão e com um primo, advogado, tomou a iniciativa de contactar o R. CV, do escritório de …, em 1997, com vista estudar o caso, mas que, na primeira reunião, em que o depoente entregou o processo ao R. CV e lhe contou o que se tinha passado, nem tão pouco se falou em obter a condenação do Estado português junto do TEDH, tendo o R. CV pedido tempo para estudar o processo e que depois voltariam a falar. Só mais tarde é que o R. CV teria falado na existência do TEDH, o que o próprio depoente então desconhecia, e na possibilidade de recurso para aquele tribunal, depois de se esgotarem todos os meios junto dos tribunais nacionais, referindo, no entanto, que as indemnizações arbitradas pelo TEDH eram muito baixas. Por várias vezes, o mesmo depoente afirma que o objectivo essencial dos A.A. era obter a condenação do Estado português junto dos tribunais nacionais, no máximo de indemnização pelo valor nacionalizado, embora com a hipótese de recorrer ao TEDH, em caso de fracasso junto daqueles tribunais, daí se justificando o montante a despender em honorários, na ordem dos 200 mil euros e mais 191 mil, o que já não se justificaria apenas em face do baixo nível de indemnização que se poderia obter através do TEDH. A mesma testemunha referiu ainda que lhe foi dito pelo R. CV, depois de estudar o processo, que a composição da acção em vista tinha sido difícil, que era complicada, mas que, conforme estava, era viável e tinha possibilidade de ganho de causa, tendo-lhe falado na necessidade de ultrapassar a jurisprudência, litigando com base na natureza irrisória da indemnização. Referiu também que, na opinião de todos os advogados com quem tem falado, a acção estava muito bem fundamentada na perspectiva de corrigir os 850 milhões de contos pagos à ordem da nacionalização para chegar aos 22 milhões de contos, coisa que só se lembra de ter havido no processo de….
Por seu lado, o R. CV afirmou, ao longo do seu depoimento de parte, que foi contactado pessoalmente pelo Eng. AC, cunhado dos A.A., para avaliar da possibilidade de apresentar uma queixa nos tribunais europeus, sendo esse o sentido do conteúdo da diligência feita por aquele, o que, nesse contexto, só poderia ser junto da CEDH e do TEDH, mas que os A.A. estavam perante a situação de terem deixado esgotar o prazo para apresentar essa queixa, uma vez que já tinham decorrido mais de seis meses sobre o trânsito em julgado da última decisão do caso patrocinado pelo Dr. GT. E refere que, na altura, os representantes dos A.A. já teriam obtido uma primeira indicação do Professor Oliveira Ascensão, que os teria colocado nessa pista, tendo o depoente reuniões com esse Professor, e da análise que fez concluiu que haveria que reabrir o caso com base na criação de uma nova causa de pedir, dupla, em que, sem pôr em causa o valor de indemnização paga, mas tendo em conta o decurso do tempo, um dos pilares seria a sua correcção pelos índices de inflação e outro a evolução das taxas de juro. Nessa linha, diz o depoente que “é evidente que para metermos uma acção pretendíamos que ela fosse viável e, se possível, bem sucedida”, tendo sido pedidos três tipos de pareceres: pareceres de natureza civilista e processualista que permitissem ultrapassar a primeira dificuldade - a criação de uma nova causa de pedir - e obter uma decisão de fundo; um terceiro tipo de pareceres consistia em estudos de carácter económico-financeiro para sustentar o pedido; que era, no entanto, uma acção inovadora, tendo sido dito aos A.A. que ela era de muito difícil vencimento, mas que valia a pena intentá-la, porque era uma condição para chegar a Estrasburgo.
Passando agora aos depoimentos das testemunhas MM, PM e PM, deles se colhe que os depoentes não tiveram nenhum conhecimento directo do teor dos contactos entre o R. CV e os A.A., nomeadamente como AC. Desses depoimentos transparece claramente que a informação de que dispõem sobre o objectivo e a estratégia concertados com os A.A. lhe foi veiculada pelo R. CV, coincidindo, no essencial, com o depoimento deste, e que, por isso mesmo, não assumem valor probatório relevante. Aspecto diferenciado desse é a linha estratégica seguida pelo escritório na construção da acção, mas, ainda a admitir que tivesse sido no sentido de usar os meios processuais como mero “trampolim” para depois formular a queixa junto do TEDH, tal não significa que tivesse sido esse o objectivo essencial dos A.A. nem que tenha sido essa a estratégia delineada com eles.
De qualquer modo, do depoimento da testemunha PM destaca-se a afirmação de que estavam “a tentar criar algo de novo … a inovar algo que, até ali, não existia de facto … a jurisprudência nacional - na altura, em 97 – era toda no mesmo sentido …, portanto seria muito difícil, para não dizer impossível, que uma acção dessa natureza tivesse ganho de causa”; e de que “relativamente aos tribunais europeus, … também seria muito difícil” … era claramente necessário fazer aqui uma revolução na jurisprudência”.
Por seu turno, do depoimento da testemunha PM colhe-se a afirmação de que “nós não iríamos aconselhar alguém que tenha uma hipótese zero …; a questão era se a hipótese é maior ou menor … nacionalmente, era reduzida, porque nós conhecíamos o ponto em que estávamos, mas tínhamos alguma esperança, um bocadinho maior, que pelo menos pudéssemos, no âmbito internacional, conseguir alguma coisa; mas, de facto, também aí a evolução não foi aquela que nós esperávamos; conhecíamos as dificuldades, desde o início, e julgo que elas foram explicadas”.
Em suma, destes dois depoimentos retira-se que as expectativas de sucesso do caso, por parte daqueles causídicos, eram problemáticas tanto a nível nacional como internacional, embora mais difíceis no plano interno.
Em face destes resultados probatórios, qual a conclusão a tirar no plano da matéria aqui em reapreciação?
Relativamente ao depoimento de parte do R. CV afigura-se que a posição por ele assumida não pode ser valorada por não se traduzir em reconhecimento de facto que lhe seja desfavorável, nos termos dos artigos 352.º, 358.º e 361.º do CC. Por semelhantes razões não podem ser con-siderados os depoimentos das testemunhas MM, PM e PM na parte em que revelam conhecimento que lhe fora veiculado por aquele depoente, que não meramente circunstancial.
Quanto ao depoimento da testemunha AC, embora o mesmo possa ser valorado segundo a livre e prudente convicção do julgador, nos termos do artigo 396.º do CC e 655.º, n.º 1, do CPC, não poderá deixar de ser ponderada a sua relação pessoal com os A.A..
Seja como for, a tese dos R.R. de que a interposição da acção junto dos tribunais nacionais era um mero “expediente” para depois accionar o Estado português junto do TEDH, havendo apenas que garantir um pronunciamento de mérito nas instâncias nacionais, o que implicaria, pelo menos a viabilidade da acção, salvo o devido respeito, não se afigura convincente.
Com efeito, os advogados da PL empenharam-se em obter vários pareceres junto de ilustres jurisconsultos portugueses com vista a sustentar a acção a propor, tanto no plano processual como em sede de mérito, e até a munir-se de pareceres económico-financeiros, por forma a construir uma pretensão inovadora face a jurisprudência nacional existente, como eles próprios reconhecem. De resto, os custos envolvidos nessa aposta não parecem justificar-se só na perspectiva remota de conseguir a condenação do Estado português junto do TEDH, para mais com vista a obter um montante indemnizatório que, na altura, se vislumbrava de nível acentuadamente baixo.
É, pois, natural que, perante um tal empenhamento, os A.A. tenham alimentado a expectativa de virem a ter, pelo menos, algum sucesso junto da jurisdição nacional, daí que a testemunha AC se tenha referido ao muito bom nível de fundamentação da acção estruturada sob a orientação do R. CV de forma corrigir os 850 milhões de contos pagos à ordem da nacionalização para chegar aos 22 milhões de contos.
Perguntar-se-á quem, perante um empenhamento desses, ancorado em pareceres de uma pleiâde de ilustres jurisconsultos e levado a cabo por um dos mais prestigiados escritórios de advocacia no nosso País, não acalentaria, legitimamente, a expectativa de vir a ter sucesso na justiça portuguesa? Talvez só um céptico pirrónico…
É certo que o grau de probabilidade de sucesso será equacionado de forma bem diversa, consoante se trate de juristas ou de leigos na matéria, mas, nestes caso, tudo indica que até os especialistas não desmereciam a hipótese de se poder alcançar um resultado inovador, quiçá até pioneiro, junto dos tribunais nacionais, pese embora o estigma latente do conservadorismo que atribuem à nossa jurisprudência.
Porém, para os leigos na matéria, como eram os A.A., não atormentados pelas especificidades técnicas, é compreensível que, nas circunstâncias descritas, confiassem num resultado favorável junto dos tribunais portugueses, sem descurar, no entanto, a possibilidade derradeira de recorrer, se necessário, ao TEDH. Dir-se-á que esta é, à luz da experiência comum, a atitude mais normal e até a mais salutar.
Quanto ao valor probatório dos documentos convocados, sufraga-se aqui inteiramente as considerações feitas pelo tribunal recorrido. Com efeito, o facto de tais documentos se referirem ao recurso para o TEDH, possibilidade essa que os próprios A.A. admitiam, não poderá significar, por sí só que não tivessem como objectivo e estratégia principal o sucesso nos tribunais nacionais.
Perante o que fica dito, tem-se por correcta a resposta restritiva ao artigo 58.º, bem como a resposta negativa ao art.º 59.º, que se mantêm nos seus precisos termos.
quanto à matéria dos artigos 60.º e 61.º, os resultados probatórios permitem que as respectivas respostas sejam substituídas por uma resposta conjunta do seguinte teor:
Provado apenas que o Dr. CV, após o estudo do caso, informou os A.A. da viabilidade de uma nova acção perante os tribunais nacionais, numa base diferente da invocada no recurso contencioso referido na alínea W) dos factos assentes, e de, em caso de insucesso dessa nova acção, se accionar então o Estado português perante o TEDH, com o esclarecimento de que o Dr. CV advertiu os mesmos A.A. das dificuldades em obter ganho de mérito nessa nova acção, face à jurisprudência nacional então existente, bem como do baixo nível de indemnizações que vinha então sendo arbitrado pelo TEDH.
d) – Quanto aos artigos 62.º a 72.º
Sustentam os R.R. que, face aos depoimentos das testemunhas MM, PM e PM, os factos constantes dos artigos em epígrafe devem ser dados como provados.
Nessa linha, argumentam ainda que o que foi dito por tais testemunhas é corroborado pelo facto de a testemunha AC ter acabado por admitir que lhe tinham falado na dificuldade e complexidade da acção, na existência de jurisprudência consolidada contra a tese que iria ser defendida e na qual se baseou a decisão do TAC e de aquela testemunha ter reconhecido que lhe tinha sido transmitido que as indemnizações do TEDH não eram elevadas. E questionam se, desde o início do contacto com o processo se encarava o cenário do recurso ao TEDH, como decorre dos docu-mentos acima indicados, como será possível negar a evidência de que o grande objectivo era esse?
Acrescentam que, depois de o escritório do Dr. GT ter dito que nada mais havia a fazer na ordem jurídica interna, não existe, de acordo com os critérios de plausibilidade, lógica e experiência, outra explicação para a testemunha AC procurar especificamente um sócio da Sociedade R., o R. CV, especialista em direito comunitário, a não ser o objectivo predeterminado de tentar obter a majoração da indemnização numa instância jurisdicional supranacional.
Por fim, quanto à complexidade e dificuldade da acção e ao facto de, desde então a jurisprudência não ter mudado até ao momento, convocam como relevante o depoimento da testemunha Professor Doutro JC que transcrevem.
Também, a Interveniente sustenta que sejam dada como provada a matéria constante dos artigos em referência, convocando os mesmos meios de prova invocados pelos R.R.
Sobre a análise do depoimento de parte do R. CV, e dos depoimentos das testemunhas AC, MM, PM e JM, valem aqui as considerações feitas em sede da reapreciação da matéria constante dos artigos 58.º a 61.º.
Passando agora ao plano argumentativo, o facto de a testemunha AC ter admitido que foi informada pelo R. CV da complexidade da acção, da existência de jurisprudência contra a tese que ia ser defendida e do valor baixo das indemnizações arbitradas pelo TEDH não significa que o objectivo essencial dos A.A. fosse o de demandar o Estado português perante o TEDH, pela razões já acima expostas.
Nem também do depoimento dessa testemunha se extrai que o facto de ter tomado a iniciativa de consultar o R. CV, perante o insucesso do caso patrocinado pelo escritório do Dr. GT, significa, por si só, que tivesse como objectivo fundamental aquela demanda. Com efeito, como acima ficou descrito a referida testemunha explicou as razões que o levaram a consultar o R. CV ligado ao escritório do …, tendo até afirmado que, ao que julga, na 1.ª reunião que teve com o R. CV, nem se falou sequer no TEDH, acrescentando que: “mais tarde o R. CV é que me falou que tinha sido juiz no TEDH, que existia o TEDH, eu não sabia que existia, mas que era muito, como é que ele disse, que era muito, que as indemnizações que eram muito baixas …”
Assim, a conclusão de que a referida testemunha procurou o R. CV por ser especialista de direito comunitário e com o objectivo predeterminado de tentar obter a majoração da indemnização numa instância jurisdicional supranacional não passa de uma mera conjectura que não encontra qualquer suporte objectivo no teor do mencionado depoimento.
Relativamente ao depoimento da testemunha Professor Doutor JC, não oferece dúvida que a acção a propor se revelava de grande complexidade e dificuldade face à jurisprudência nacional então existente. Nem que os A.A. não tenham sido informados dessa complexidade e dos riscos de insucesso, sem, evidentemente, o detalhe das especificidades técnicas, como, aliás, resulta do teor da testemunha AC, ao referir-se, de forma genérica, a tais dificuldades e à alusão a jurisprudência, o que se revela natural para quem é leigo na matéria.
Mas, como já foi referido, o certo é que, apesar de tudo isso, os advogados da PL obtiveram uma série de pareceres favoráveis junto de ilustres jurisconsultos com vista a sustentar a admissibilidade processual da acção e o seu mérito junto dos tribunais portugueses, apostando num desfecho inovador, embora com os riscos inerentes.
Posto estas considerações:
a) - a resposta restritiva ao art.º 62.º mostra-se condizente com o depoimento da testemunha AC, não infirmado, nessa parte, pelos demais meios de prova convocados pelos Recorrentes;
b) – quanto à matéria do art.º 63.º a 66.º, dos meios de prova convocados, e em especial do depoimento da testemunha AC, não resulta, minimamente, que lhe tenham sido transmitidas as especificidades técnicas ali discriminadas, para além da advertência genérica ressalvada no esclarecimento à resposta ao art.º 60.º e 61.º acima consignada;
c) – quanto à resposta ao artigo 67.º, dos mesmos meios de prova só resulta o que foi dado como provado na resposta conjunta aos artigos 60.º e 61.º, como já foi amplamente referido, o que prejudica a resposta ao art.º 67.º, sendo, por isso, compatível com o juízo negativo ali formulado;
d) – a resposta restritiva ao art.º 68.º mostra-se conforme à prova produzida, com especial referência ao depoimento da testemunha AC, não infirmado, nesta parte, pelos demais meios de prova convocados, e está em sintonia com o esclarecimento aditado na resposta conjunta aos artigos 60.º e 61.º;
e) – quanto à resposta ao art.º 69.º, da prova em apreço só resulta o que consta da resposta conjunta aos artigos 60.º e 61.º. pelo que o mais correcto, neste caso, para evitar qualquer incongruência, é con-siderar apenas provado o que consta da resposta conjunta aos artigos 60.º e 61.º;
f) – as respostas restritivas aos art.º 70.º e 71.º e à resposta negativa ao art.º 72.º, as mesmas estão em conformidade com prova produ-zida, em particular com o depoimento da testemunha AC, não infirmado nesta parte, pelos demais meios de prova convocados, o que se mostra em sintonia com a resposta conjunta dada aos artigos 60.º e 61.º.
Em suma, mantém-se as respostas aos artigos 62.º, 63.º a 68.º e 70.º a 72.º e, quanto à resposta ao artigo 69.º, altera-se a mesma, dando como provado apenas o que consta da resposta conjunta aos artigos 60.º e 61.º.
1.3. Da impugnação dos R.R. às respostas aos artigos 40.º, 41.º, 46.º a 52.º e 56.º
Também aqui comecemos por enunciar as respostas em apreço com referência à matéria seleccionada nos artigos da base instrutória.
O artigo 40.º é do seguinte teor:
Construiu a fábrica e colocou à cabeça da mesma um filho, o A. LM, o qual, num acidente fabril, aí perdeu uma mão, tendo corrido o risco de ser completamente esmagado por uma máquina que, como lhe esmagou a mão ia continuar a destruir o braço e o resto do corpo?
O tribunal julgou essa matéria como provada.
No artigo 41.º, perguntava-se:
Em 1975, três anos depois da festa da inauguração, fruto do ambiente revolucionário que se viveu no país, a fábrica foi sitiada, ocupada, o pai dos A.A. e os A.A. foram sequestrados no interior da mesma e aí permaneceram até serem libertados, saindo pelo seu pé da sua propriedade, de onde foram violentamente expulsos?
O tribunal deu essa matéria como provada.
No artigo 46.º, perguntava-se:
Tal golpe e acção surpreenderam e feriram de morte o pai dos A.A., que nunca esperou que o seu país o tratasse desse modo, e por isso, momentos antes de morrer, ordenou aos A.A., o seguinte: "deixo-vos o que construí no … e, além disso, um encargo, peço-vos que me jurem que até ao limite das vossas vidas vão lutar pela recuperação da minha fábrica em VVR"?
O tribunal deu como provado que “a nacionalização da empresa em 1975 surpreendeu e feriu de morte o pai dos A.A. que nunca esperou que o seu país o tratasse desse modo e que pediu aos filhos, antes de morrer, que lutassem pela recuperação da minha fábrica em VVR
No artigo 47.º, perguntava-se:
Os A.A. que amavam e amam o pai a quem tudo devem, começando pela vida e acabando no património, naturalmente, juraram que iam lutar pela recuperação da fábrica, até ao limite das suas vidas?
O tribunal deu essa matéria como provada.
No artigo 48.º, perguntava-se:
Esta perda do direito porque muito ansiavam, por ser a única forma de cumprir a vontade de seu pai, (recuperar a fábrica); direito esse ligado a facto pessoais muito dolorosos, marcantes, produtores duma imensa ferida moral e até íntima, causou e causa aos A.A. um grande abalo moral, até porque estavam convictos do seu sucesso, no final da demanda, dado estarem estribados em insignes opiniões de Ilustres Advogados e em memoráveis pareceres de grandes Mestres do Direito nacional?
O tribunal deu como provado que “a perda do prazo causou e causa ao 1.º A. um grande abalo moral, até porque estava convicto do sucesso da demanda dado estarem patrocinados por Ilustres Advogados e a causa estar estribada em pareceres de grandes mestres do direito nacional”.
No artigo 49.º, perguntava-se:
Acresce que a sociedade parte contrária e os seus sócios, ou associados que contactaram com os A.A. conheciam todos estes factos e esta realidade?
O tribunal deu como provado que “a sociedade R. e alguns dos seus sócios ou associados que contactaram com os A.A. conheciam os factos dados como provados sob os pontos 33.º a 47.º da base instrutória”.
No artigo 50.º, perguntava-se:
Conheciam estes factos, porque o sócio de capital e indústria, Exmo. Sr. Dr. CV, foi ao … falar com os autores, para os conhecer?
O tribunal deu essa matéria como provada.
No artigo 51.º, perguntava-se:
Aí contactou com o A. AM e com um terceiro irmão (que não era sócio da sociedade) e, então, todos lhe explicaram as suas motivações, a razão de ser da sua luta ao longo de mais de vinte anos e o teor da sua promessa, para com o seu pai, antes do mesmo morrer?
O tribunal deu essa matéria como provada.
No artigo 52.º, perguntava-se:
A sociedade R. e os seus sócios, ou os seus agentes, conheciam a afeição dos A.A. e, mais do que isso, sabiam as razões de ser da pro-fundidade dessa afeição?
O tribunal deu essa matéria como provada.
No artigo 56.º, perguntava-se:
Causou-lhes e causa-lhes muita noite sem dormir, muita revolta e descrédito na seriedade dos homens e das instituições em Portugal?
O tribunal deu como provado que “a perda do prazo causou ao 1.º A. um sentimento de revolta e de descrédito nas pessoas e nas instituições de Portugal”.
Na fundamentação das respostas aos artigos 32.º a 52.º, em que se incluem as dadas aos artigos 40.º, 41.º, 46.º a 52.º, aqui impugnadas, o tribu-nal “a quo” consignou o seguinte:
A testemunha AC confirmou o referido em 33.° a 36.°, 37.°, 39.° a 47.° da B.I.. Acrescentou que os filhos de JM tinham preferido que o pai, em vez de investir em Portugal, o tivesse feito no Canadá. Referiu que a nacionalização surpreendeu, "feriu de morte" o pai dos AA e causou-lhe uma profunda mágoa para com Portugal, tanto mais que a fábrica era "a menina dos olhos dele". Esclareceu que JM pediu aos filhos, antes de morrer, que diligenciassem pela recuperação da fábrica ou pela entrega da respectiva indemnização uma vez que se sentia responsável por não ter seguido os conselhos dos filhos e investido no Canadá. Esta testemunha não revelou conhecimento directo deste pedido, mas o mesmo é credível face a todas as diligências e acções judiciais levadas a cabo pelos AA ao longo de quase 30 anos. Entendemos que a prova de que os AA "não baixaram os braços" e conti-nuam a lutar por uma indemnização que considerem justa é a instauração da nova acção com base no enriquecimento sem causa. Esta testemunha foi perem-ptória em afirmar que o referido em 33° a 47° da B.I. era do conhecimento do Dr. CV por lhe ter sido transmitido, além do mais, pela própria testemunha. Acresce que aquele reuniu com os AA e demais família no ….
A testemunha DJ, amigo dos AA, confirmou a matéria dos art. 33° a 36°, 39° (parte) a 41°, 48° da B.I. no que mereceu credibilidade. Não revelou conhecimento directo acerca do art. 46° e 47° da B.I.. Revelou conhecimento directo acerca de duas reuniões ocorridas depois da "perda do prazo" em que participou e nas quais os advogados da R presenciaram a indignação do 1.° A em relação ao ocorrido. Trocou alguma correspondência com a 1.a R, desi-gnadamente referente à sugerida acção com base no enriquecimento sem causa. Esclareceu o percurso de vida de JM e filhos e o sofrimento relacionado, quer com a nacionalização, quer com a "perda do prazo". Apesar de ser amigo e advogado dos A.A. esta testemunha teve um depoimento muito claro, sereno e coerente que convenceu o Tribunal.
A testemunha VV, natural de …, amigo do 1.° A e ex-empregado dos AA numa fábrica em …, no período compreendido entre 1977 e 1989, aludiu com detalhe ao percurso de vida de JM desde que deixou Portugal e emigrou para o …, aos seus negócios neste país, à fortuna que aí obteve, à construção da fábrica de celulose em VVR, à sua inauguração e, em 1975, à sua nacionalização. Em conversas que teve com o "velho J." no … este transmitiu-lhe a sua amargura pela nacionalização. Depôs com credibilidade acerca do sofrimento sentindo por JM e LM com a nacionalização e acerca da vontade de recuperar a fábrica.
A testemunha FA foi funcionário da CEL de 1970 a 1974 e de 1978 a 2003, sendo que, entre 1975 e 1978, foi "saneado". Descreveu detalhadamente os tempos conturbados de 74 e 75 vividos naquela empresa. A simplicidade de discurso da testemunha, aliado a factos por todos conhecidos, convenceu o Tribunal. Revelou saber o referido em 33° a 36°, 40°, 41° da B.I. (tendo precisado que também ficou sequestrado no interior da fábrica). Não revelou conhecimento directo acerca do referido nos art. 42° a 44° da B.I., mas disse que tais factos lhe haviam sido relatados pelo 1° A e percebeu que os mesmos eram perfeitamente compatíveis com a personalidade do pai dos AA.. Referiu que a nacionalização da fábrica magoou profundamente JM que nunca se conformou e ultrapassou tal facto. Por fim, referiu saber que sempre foi uma prioridade do 1.° A, ou recuperar a fábrica, ou o pagamento pelo Estado de um preço justo.
A testemunha MM não revelou conhecer as conversas tidas entre a R e os clientes.
A testemunha PM revelou saber da promessa que os AA fizeram ao pai antes deste falecer. Já não logrou convencer que as "dores dos AA" são exclusivamente patrimoniais e que nesta matéria apenas esteve e está em causa dinheiro.
O Tribunal atendeu ainda aos documentos de fls.:
- 1800 a 1802 (Resolução do Cons. de Ministros n° 108/2005);
- 1821 a 1823 (cópia certidão narrativa de registo de nascimento de JM).-Nenhuma prova foi feita acerca dos eventuais danos morais sofridos pelo 2° A daí a restrição na resposta ao art. 48° da B.I..-53° e 54°
O R NL, em depoimento de parte, reconheceu o referido no art. 53° da B.I..-
O mesmo foi confirmado pelas testemunhas MM e MR. Esta última testemunha esclareceu que a conta corrente em cau-sa não se mostra fechada.
Nenhuma testemunha respondeu à matéria do art. 54° da B.I..
Quanto à resposta ao artigo 56.º, o tribunal a quo consignou que:
A testemunha AC confirmou a matéria dada como provada. Disse que o facto dos AA apenas terem sabido da perda do prazo em Julho de 2003, no decurso de um telefonema que a testemunha teve com o R. CV, magoou os A.A.. Aludiu à primeira e segunda reuniões nos mesmos termos que a testemunha DJ. Referiu que, na primeira reunião, foi mencionado que o Dr. NL, na data em causa, estava no Oriente e que o R. CV estava em Nova Iorque, o que fez com que o A. LM tivesse questionado "mas então quem estava a tomar conta do processo?". Disse que os RR negaram sempre qualquer responsabilidade. Aludiu igualmente ao facto de, na segunda reunião, não terem sido, na opinião da testemunha, correctamente tratados, tendo-se sentido o 1.º A tratado "abaixo de cão". Refere que a maior mágoa do 1.° A é o facto da sociedade R. não ter pedido desculpas pelo sucedido.
A testemunha DJ, como amigo e advogados dos AA no …, revelou saber que a "perda do prazo" foi recebida por estes com profunda indignação e a consequente impossibilidade de "renovar o pedido/acção" com revolta e com descrença. Foi peremptório e convincente em afirmar que o que mais magoou o 1.º A foi o modo como decorreu uma segunda reunião tida no escritório da R, na qual a testemunha esteve presente, e em que, em vez de serem recebidos pelo R. CV conforme teria sido combinado, foram recebidos friamente por outros senhores advogados que lhes transmitiram que a sociedade R não se - 1800 a 1802 (Resolução do Cons. de Ministros n° 108/2005);
- 1821 a 1823 (cópia certidão narrativa de registo de nascimento de JM).
-Nenhuma prova foi feita acerca dos eventuais danos morais sofridos pelo 2.° A daí a restrição na resposta ao art.º 48.° da RI..
Os R.R./Recorrentes consideram que a matéria de facto dada como provada em sede das respostas aos artigos 40.º, 41.º, 46.º a 52.º e 56.º padece de vários equívocos e desconformidades em relação à prova produzida, entre outras razões, pela inexplicável credibilidade dada à testemunha AC. E censuram o tribunal a quo, dizendo que fez uma adesão emocional à versão dos factos alegados pelos A.A., sustentada numa simples “crença” nos depoimentos das testemunhas AC, DJ, VV e FA.
Questionam, pois, a credibilidade do depoimento da testemunha AC, observando que esta se assumiu como parte interessada, incorrendo em contradições insanáveis e fazendo afirmações carecidas de qualquer plausibilidade, por exemplo, no que respeita à fixação dos honorários. Relativamente à testemunha DJ, dizem que a mesma desconhecia tudo quanto se passou até ser proferido o despacho que julgou deserto o recurso interposto nos tribunais administrativos.
Depois de destacarem vários extractos dos depoimentos convocados, concluem, em síntese, que:
a) – a resposta ao art.º 40.º, deve alterada no sentido de dar como provado apenas que “construiu a fábrica e colocou à cabeça da mesma um filho, o A. LM, o qual, num acidente fabril, aí perdeu uma mão”;
b) – quanto à matéria do art.º 41.º, deve ser dado como provado apenas que “em 1975, três anos depois da festa da inauguração, fruto do ambiente revolucionário que se viveu no país e na sequência de reivindicações salariais, o pai dos A.A. e o A. LM foram impedidos de sair da empresa, tendo sido necessária a intervenção do COPCON para a abandonarem”;
c) – a resposta ao artigos 46.º deve ser alterada no sentido de dar como provado apenas que “a nacionalização da empresa em 1975 surpreendeu o pai dos A.A. e que, nos últimos anos de vida, pediu aos filhos que lutassem pela recuperação da empresa”;
d) – a resposta ao art.º 47.º deve ser alterada no sentido de dar como provado apenas que “os A.A. se propuseram satisfazer a vontade do pai”;
e) – as respostas aos artigos 48.º e 56.º, devem também ser alteradas no sentido de dar como provado apenas que “a perda do prazo causou ao 1.º A. um sentimento de revolta”;
f) – devem igualmente ser modificadas as respostas aos artigos 49.º a 52.º, no sentido de ser dado como provado apenas que “o sócio de capital e indústria, Exm.º Sr. Dr. CV, conheceu os A.A. e um terceiro irmão dos mesmos numa viagem ao …”.
Vejamos.
No âmbito do art.º 40.º, como já ficou referido, o tribunal a quo deu como provada toda a matéria dele constante.
Sucede que dos depoimentos das testemunhas VV (transcrição de fls. 4544 – Vol. 16.º) e FA (transcrição de fls. 4568 – Vol. 16.º), que tiveram conhecimento directo dos factos, apenas se colhe que o A. LM, num acidente ocorrido na fábrica, perdeu uma mão, que ficou completamente esmagada, ao ficar entalada entre dois cilindros de uma máquina que processava a secagem da pasta de papel. Por sua vez, as testemunhas AC e DJ também se referiram a esse facto, em termos mais genéricos, tendo aquela testemunha precisado que o cunhado perdera a mão esquerda.
Perante tal resultado probatório, a resposta dada, na parte em que inclui o facto de o A. LM ter “corrido o risco de ser completamente esmagado por uma máquina que, como lhe esmagou a mão, ia continuar a destruir o braço e o resto do corpo”, é excessiva, não encontrando suporte naqueles depoimentos.
Assim, impõe-se alterar a sobredita resposta ao art.º 40.º no sentido de dar como provado apenas que:
O pai dos A.A. construiu a fábrica e colocou à cabeça da mesma o filho LM, ora A., o qual, num acidente ocorrido numa máquina daquela fábrica, aí perdeu uma mão.
Quanto ao art.º 41.º, o tribunal a quo deu também como provada toda a matéria dele constante.
Ora, do depoimento da testemunha FA (fls. 4568 a 4569 – Vol. 16.º), que teve conhecimento directo dos factos, colhe-se que, em 1974, uma parte dos operários da fábrica CEL, fazendo reivindicações salariais e exigindo outras regalias, retiveram dentro da mesma os patrões e outro pessoal, incluindo o depoente, trancando as portas e fechando os portões, para não deixar sair ninguém, e que os retidos só saíram após a intervenção de um piquete da GNR. Por seu lado, a testemunha VV disse desconhecer tal facto, embora tenha ouvido falar nele. Já as testemunhas AC e DJ, que não tiveram conhecimento directo desse facto, aludiram ao mesmo, dizendo que o pai dos A.A. e o A. LM ficaram sitiados ou presos na fábrica, umas horas na sequência da ocupação dos trabalhadores.
Assim, a resposta ao art.º 41.º em apreço não reflecte com rigor aquele resultado probatório, pelo que se altera a mesma no sentido de dar como provado apenas que:
Em 1974, no contexto sócio-político em que se vivia no País logo após “o 25 de Abril”, uma parte dos trabalhadores da CEL, movidos por reivindicações salariais, retiveram o pai dos A.A. e o A. LM dentro da fábrica durante algumas horas, os quais só saíram dali auxiliados pela intervenção de uma força militar.
Ao art.º 46.º foi dada resposta restritiva a julgar provado apenas que “a nacionalização da empresa em 1975 surpreendeu e feriu de morte o pai dos A.A. que nunca esperou que o seu país o tratasse desse modo e que pediu aos filhos, antes de morrer, que lutassem pela recuperação da minha fábrica em VVR”.
Desde logo, a locução feriu de morte, para além de conclusiva é uma expressão metafórica, portanto inadequada para descrever objectivamente qualquer factualidade.
Por outro lado, dos meios probatórios aqui convocados e auditados apenas se retira com segurança a prova do efeito de surpresa do pai dos A.A. perante a nacionalização da empresa em 1975, bem como da sua preocupação e do pedido que, nos últimos anos de vida, dirigiu aos filhos para lutarem pela recuperação da fábrica.
Assim, altera-se a resposta ao art.º 46.º, dando-se apenas como provado que:
A nacionalização da CEL em 1975 surpreendeu o pai dos A.A., o qual revelou grande preocupação com tal situação, tendo, antes de morrer, pedido aos filhos para que lutassem pela recu-peração da empresa.
A matéria do art.º 47. foi dada como inteiramente provada com o seguinte teor os A.A., que amavam e amam o pai a quem tudo devem, começando pela vida e acabando no património, naturalmente, juraram que iam lutar pela recuperação da fábrica, até ao limite das suas vidas?
Também aqui, face à prova convocada e auditada, impõe-se depurar o juízo probatório das expressões de pendor mais emotivo, que até se mostram desnecessárias, retendo o que de essencial se colhe.
Assim, altera-se a sobredita resposta ao art.º 47.º, dando como provado apenas que:
Os A.A. propuseram-se a satisfazer a vontade então manifestada pelo seu pai.
À matéria dos art.º 48.º e 56.º, respectivamente que:
(i) - a perda do prazo causou e causa ao 1.º A. um grande abalo moral, até porque estava convicto do sucesso da demanda dado estarem patrocinados por Ilustres Advogados e a causa estar estribada em pareceres de grandes mestres do direito nacional;
(ii) - a perda do prazo causou ao 1.º A. um sentimento de revolta e de descrédito nas pessoas e nas instituições de Portugal.
Dos meios probatórios convocados e aqui auditados não se poderá concluir que os A.A. nutrissem uma convicção sólida no sucesso da demanda, mas apenas que acalentavam a expectativa de poder vir a ter sucesso, dado os diversos pareceres favoráveis obtidos junto de prestigiados juris-consultos nacionais e o empenho revelado pelos seus advogados, em especial pelo R. CV, também estes de renome, para patrocinar a acção. De resto, do próprio depoimento da testemunha AC extrai-se que os A.A. foram informados pelo R. CV da complexidade da acção, mormente face à doutrina que vinha a ser seguida, em sentido desfavorável, pela jurisprudência nacional. Também desse depoimento se colhe o sentimento de frustração e revolta do 1.º A. quando soube que tinha ocorrido a perda do prazo de recurso para o STA, o que, aliás, se mostra como uma reacção natural, à luz das regras da experiência comum, tendo em conta o investimento feito e a expectativa gerada pelos A.A. com a referida acção.
Assim, afigura-se mais ajustado, com tais dados probatórios, alterar as respostas em foco e responder, conjuntamente, à matéria dos artigos 48.º e 56.º no sentido de dar como provado apenas que:
Tendo o 1.º A. criado a expectativa sobre a possibilidade do sucesso da demanda, por estar suportada em pareceres de prestigiados jurisconsultos do direito nacional e patrocinada por advogados de reconhecido mérito, a perda do prazo causou-lhe um grande abalo psíquico e um sentimento de revolta.
Relativamente à matéria constante dos artigos 49.º a 52.º, o tribunal a quo deu como provado o seguinte:
- ao artigo 49.º: “a sociedade R. e alguns dos seus sócios ou associados que contactaram com os A.A. conheciam os factos dados como provados sob os pontos 33.º a 47.º da base instrutória”;
- ao artigo 50.º: “conheciam estes factos, porque o sócio de capital e indústria, Exm.º Sr. Dr. CV, foi ao … falar com os A.A., para os conhecer;
- ao artigo 51.º: “aí contactou com o A. AM e com um terceiro irmão (que não era sócio da sociedade) e, então, todos lhe explicaram as suas motivações, a razão de ser da sua luta ao longo de mais de vinte anos e o teor da sua promessa, para com o seu pai, antes do mesmo morrer;
- ao artigo 52.º: “a sociedade R. e os seus sócios, ou os seus agentes, conheciam a afeição dos A.A. e, mais do que isso, sabiam as razões de ser da profundidade dessa afeição.
Neste âmbito, o meio de prova decisivo é o depoimento de AC, que descreveu os contactos que teve com o R. CV e das informações que lhe prestou sobre a envolvente histórica do caso. Neste particular, o referido depoimento revela-se espontâneo, coerente e credível, não sendo esbatido por dúvida séria em sede de contraprova. A mesma testemunha também se referiu ao contacto directo do R. CV com os A.A., no decurso de uma viagem daquele ao ….
Tem-se, pois, como seguro que o Dr. CV foi informado, pelo menos por AC, sobre as motivações que levavam os A.A. a empenhar-se na pretendida acção, nomeadamente sobre o historial da fábrica conforme o que consta das respostas aos artigos 33.º a 47.º da base instrutória. Aliás, constitui prática corrente de qualquer causídico inteirar-se junto do seu cliente do clima moral do litígio para desse modo melhor equacionar a sua estratégia processual e, subsequentemente, orientar a actividade instrutória. Acresce que, no caso vertente, a complexidade da causa e o risco que envolvia não podiam prescindir de uma tal indagação, que é de presumir ter sido empreendida pelos experientes e conceituados advogados dos A.A., o que reforça, pois, a credibilidade do depoimento da sobredita testemunha.
No entanto, para melhor ajustar as respostas em apreço ao resultado probatório conseguido, mostra-se curial substituir as referidas respostas por uma resposta conjunta aos artigos 49.º a 52.º no sentido de dar apenas como provado que:
Os advogados dos A.A. conheciam os factos dados como provados sob os pontos 33.º a 47.º da base instrutória, os quais foram transmitidos ao R. CV por AC, em representação daqueles A.A., tendo o R. CV contactado também directamente com o A. AM e com um irmão deste que não era sócio da CEL, no decurso de uma viagem ao …, com vista à propositura da acção.
1.4. Conclusão final sobre a impugnação da decisão de facto
Em face do que acima ficou exposto, decide-se:
A – Alterar a resposta ao art.º 5.º, dando como provado apenas que os pareceres referidos em 4.º foram unânimes em reconhecer o direito dos A.A., tese que foi sustentada pelos advogados da PL, ao aceitar instaurar a acção nos termos referidos na resposta ao artigo 2.º da base instrutória.
B – Alterar a resposta ao art.º 6.º, dando como provado que:
Para a instauração da acção referida na alínea AC dos factos assentes, os advogados da PL obtiveram os dois pareceres constantes de fls. 820 a 856:
a – Um da autoria de MB, datado de 27-07-1998, em que se concluiu que:
(i) – como corolário da desvalorização real, a aplicação dos índices acumulados, com base nas chamadas taxas ad temporis (AT), nas datas de amortizações/sorteios, conduz a um valor total de 15.193.657 contos para compensar a desvalorização de um valor nominal de 753.132 contos amortizado/sorteado até 30/06/1997, que valia então apenas 42.724 contos;
(ii) - … cerca de 50% dos juros apurados até 31.12.1997 foram tardiamente incluídos em títulos ou pagos a dinheiro, pelo que os reflexos desses atrasos, aplicando os índices acumulados com base na AT nos anos das entregas dos títulos, conduzem a um valor global de 687.925 contos, que, adicionados ao valor de 22.444 829 contos, correspondente aos juros compensatórios calculados, à mesma taxa, apenas para o capital (excluindo os juros incluídos nos títulos), nas datas de amortização/sorteio e com referência à data da nacionalização, conduzem ao valor global de 23.132.754 contos de juros compensatórios;
(iii) - os juros compensatórios resultantes da aplicação da taxa de inflação seriam, sem contar com os juros adicionais referidos no número anterior, de 16.316.244 contos e seriam de 17.104.129 contos, nas mesmas condições, aplicando a taxa de correcção monetária;
(iv) - admitindo-se a hipótese de só se contar a exigibilidade dos juros compensatórios a partir de 24 de Janeiro de 1978, os juros compensatórios baixariam para 16.853.665 contos calculados às AT, 9.279.475 contos às taxas de inflação e 9.663.415 contos às taxas de correcção monetária, a que acresceriam os 687.925 contos de juros compensatórios adicionais;
b) – Outro elaborado pelo Banco AR, datado de 29-06-1998, em que se concluiu que os valores de 21.067.672 contos, considerando o momento efectivo da nacionalização, e de 15.851.185 contos, no caso de se considerar a data de 24 de Janeiro de 1978, delimitam um intervalo dentro do qual se situa a justa reparação devida pelo Estado aos ex-accionistas da CEL decorrente da … forma de pagamento da indemnização devida por força da nacionalização da CEL.
C – Alterar a resposta ao art.º 40.º, dando como provado apenas que o pai dos A.A. construiu a fábrica e colocou à cabeça da mesma o filho LM, ora A., o qual, num acidente ocorrido numa máquina daquela fábrica, aí perdeu uma mão;
D – Alterar a resposta ao art.º 41.º, dando como provado apenas que em 1974, no contexto sócio-político em que se vivia no País logo após “o 25 de Abril”, uma parte dos trabalhadores da CEL, movidos por reivindicações salariais, retiveram o pai dos A.A. e o A. LM dentro da fábrica durante algumas horas, os quais só saíram dali auxiliados pela intervenção de uma força militar;
E – Alterar a resposta ao art.º 46.º, dando como provado apenas que a nacionalização da CEL em 1975 surpreendeu o pai dos A.A., o qual revelou grande preocupação com tal situação, tendo, antes de morrer, pedido aos filhos para que lutassem pela recuperação da empresa;
F – Alterar a resposta ao art.º 47.º, dando como provado apenas que os A.A. propuseram-se a satisfazer a vontade então manifestada pelo seu pai.
G – Substituir as respostas aos artigos 48.º e 56.º, por uma resposta conjunta, dando como provado apenas que, tendo o 1.º A. criado a expectativa sobre a possibilidade do sucesso da demanda, por estar suportada em pareceres de prestigiados jurisconsultos do direito nacional e patrocinada por advogados de reconhecido mérito, “a perda do prazo” causou-lhe um grande abalo psíquico e um sentimento de revolta.
H – Substituir as respostas aos artigos 49.º a 52.º por uma resposta conjunta, dando como provado apenas que os advogados dos A.A. conheciam os factos dados como provados sob os pontos 33.º a 47.º da base instrutória, os quais foram transmitidos ao R. Dr. CV por AC, em representação daqueles A.A., tendo o Dr. CV contactado também directamente o A. AM e um irmão deste que não era sócio da CEL, no decurso de uma viagem ao …, com vista à propositura da acção.
I - Substituir as respostas aos artigos 60.º e 61.º por uma resposta conjunta, dando como provado que o Dr. CV, após o estudo do caso, informou os A.A. da viabilidade de uma nova acção perante os tribunais nacionais, numa base diferente da invocada no recurso contencioso referido na alínea W) dos factos assentes, e de, em caso de insucesso dessa nova acção, se accionar então o Estado português perante o TEDH, tendo o Dr. CV advertido os mesmos A.A. das dificuldades em obter ganho de mérito nessa nova acção, face à jurisprudência nacional então existente, bem como do baixo nível de indemnizações que vinha então sendo arbitrado pelo TEDH.
J – Alterar a à resposta ao artigo 69.º, dando como provado apenas o que consta da resposta conjunta aos artigos 60.º e 61.º;
K - Manter as respostas aos artigos 58.º, 59.º, 62.º, 63.º a 68.º e 70.º a 72.º.
2. Factualidade dada como provada
Em face da matéria dada por adquirida em 1.ª instância e das alterações das respostas acima consignadas, e que aqui importa reordenar para uma melhor compreensão de todo o universo fáctico relevante Perante a constatada enunciação dos factos provados pela 1.ª Instância, não se pode aqui deixar de criticar o método, aliás frequente, de sequenciar os mesmos, sem a mínima preocupação de os reordenar lógica e cronologicamente, na sentença, sabido como é que o seu parcelamento, em sede de base instru-tória, por decorrência do ónus de impugnação, os desloca dos nichos contextuais em que foram alegados pelas partes e, que por isso, devem ser reconduzidos à sua ordenação primitiva, sob pena de prejudicar a sua coerência semântica, podendo mesmo conduzir a leituras erróneas e dificultando a própria reapre-ciação da matéria de facto pelo tribunal de recurso. , considera-se provada a seguinte factualidade:
2.1. A partir de 1995, passaram a ser sócios de capital e de indústria da sociedade “MP, Sociedade de Advogados”, ora 1.ª R., aos seguintes Exm.º Advogados e Advogadas: AP, CV e outros … - alínea B) dos Factos Assentes;
2.2. No ano de …, com a alteração do pacto social então consagrada e registada na Ordem dos Advogados (OA), passaram a ser sócios de capital e de indústria mais as seguintes: … – alínea C) dos Factos Assentes;
2.3. Como atesta o mesmo documento, passaram a ser sócios de indústria os seguintes Exm.º Advogados e Advogadas: … – alínea D) dos Factos Assentes;
2.4. Pela alteração ao pacto social, consagrada pelo averbamento n.º … , exonerou-se de sócio de capital e de indústria o sócio JS – alínea E) dos Factos Assentes;
2.5. Seguidamente os sócios de mera indústria PS e MJ subscreveram participações no capital social, tendo passado a ser sócios de capital e indústria – alínea F) dos Factos Assentes;
2.6. No ano de 1998, a sociedade acima referida, ora R., recebeu mandato dos A.A. para, em representação e interesse dos mesmos, intentarem uma acção contra o Estado, tendo sido outorgada àquela sociedade R. a procuração reproduzida a fls. 196 – alíneas A) e G) dos Factos Assentes;
2.7. Essa acção surgiu porque os A.A., antes de 1975, eram donos e legítimos possuidores de 203.408 de acções da CEL - S.A.R.L. – alínea H) dos Factos Assentes;
2.8. Em 9 de Maio de 1975, pelo Dec.-Lei n.º 221-B/75 de 09 de Maio - art.º 1.º, n.º 1, alínea b), e art.º 3.º -, as acções representativas do capital social da sociedade CEL, foram nacionalizadas – alínea I) dos Factos Assentes;
2.9. Os A.A., com as acções de que eram proprietários, possuíam uma posição de cerca de 80%, o que lhes assegurava o controlo de gestão e uma maioria qualificada de direito de voto na Assembleia-Geral daquela sociedade – alínea J) dos Factos Assentes;
2.10. A 26 de Outubro de 1977, foi publicada a Lei n.º 80/77, que foi alterada pelos Dec.-Lei n.º 31/80, de 06 de Março, Dec.-Lei n.º 343/81, de 31 de Agosto, Dec.-Lei n.º 51/86, de 14 de Março, pelo Dec.-Lei n.º 351/ 87, de 5 de Novembro, e pelo Dec.-Lei n.º 332/91, de 06 de Setembro, legislação que regulou o regime jurídico do processo de pagamento das indemnizações devidas pelas nacionalizações – alínea K) dos Factos Assentes;
2.11. Em 26 de Abril de 1979, o Estado fixou o valor provisório de cada uma das acções da CEL no valor de 1.447$00 – alínea L) dos Factos Assentes;
2.12. Posteriormente este valor foi corrigido sucessivamente: em Outubro de 1984 para 2.392$00; em 12 de Março de 1986 foi publicado o Despacho Normativo n.º 22/86 que fixou o “valor definitivo” do valor de cada acção da CEL em 2.990$00 – alínea M) dos Factos Assentes;
2.13. Na sequência da aplicação da legislação que regulava a atribuição das indemnizações decorrentes das nacionalizações, designadamente nos termos da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, como forma de proceder ao início do pagamento da indemnização devida pela nacionalização da CEL, o Estado foi entregando aos A.A. títulos do Tesouro – alínea N) dos Factos Assentes;
2.14. Esses títulos do Tesouro tinham o valor nominal de 1.000$00, e, na sua generalidade, independentemente dos sorteios, eram amortizáveis em 2008 – alínea O) dos Factos Assentes;
2.15. Os A.A. não concordaram com o valor “definitivo” atribuído a cada uma das suas acções e, por isso, requereram a constituição de uma Comissão Arbitral para a fixação do valor definitivo das referidas acções usando da faculdade prevista no art.º 16.º, n. º 1, da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, com a redacção que lhe foi dada pelo Dec.-Lei n.º 343/80, de 02 de Setembro – alínea P) dos Factos Assentes;
2.16. Essa comissão arbitral acabou por, em 16 de Janeiro de 1987, entender que o valor unitário de cada acção da CEL, à data da nacionalização, seria de 4.927$42 – alínea Q) dos Factos Assentes;
2.17. Seguidamente esta decisão da Comissão Arbitral foi submetida a homologação do Ministro das Finanças nos termos do art. 24.° do Dec.-Lei n.º 51/86 de 14 de Março de 1986 tendo sido objecto do despacho n.º 1.136/87/X, de 14 de Julho de 1987, do Secretário de Estado do Tesouro, através do qual este último, no uso da sua competência delegada, não homologou a mesma – alínea R) dos Factos Assentes;
2.18. Perante a recusa de homologação, os A.A., em 28 de Setembro de 1987, recorreram para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), interpondo recurso contencioso de anulação da decisão do Secretário de Estado do Tesouro de não homologação da decisão da Comissão Arbitral – alínea S) dos Factos Assentes;
2.19. Esse recurso foi concluído com o acórdão de 1 de Abril de 1993, proferido no âmbito do Proc. n.º 25.373, da 1.ª Secção do STA, que declarou nulo o Despacho n.º 1.136/87/X, de 14 de Julho de 1987, do Se-cretário de Estado do Tesouro, por julgar materialmente inconstitucional a norma que sujeitava a homologação governamental as decisões das Comissões Arbitrais (n.º 6 do art.º 16.º da Lei n.º 80/77, na redacção que lhe foi dada pelo Dec.-Lei n.º 343/80, de 02 de Setembro, e art.º 24.º do Dec-Lei n.º 51/86, de 14 de Março) – alínea T) dos Factos Assentes;
2.20. Como sempre sucedia na época o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, o qual, por acórdão de 17-10-1995, proferido no âmbito do Proc. n.º 379/93 decidiu não reconhecer a inconstitucionalidade das citadas normas – alínea U) dos Factos Assentes;
2.21. Em 06 de Setembro de 1991, foi publicado o Dec.-Lei n.° 332/ 91 de 06 de Setembro, o qual fixou, de “modo definitivo”, o regime jurídico do processo de cálculo das indemnizações concedidas aos ex-titulares de direitos sobre os bens nacionalizados – alínea V) dos Factos Assentes;
2.22. Na sequência desse Dec.-Lei, em 07 de Maio de 1992, foi publicado o Despacho Normativo n.º 60/92, de 15 de Abril, pelo qual o Estado fixou, unilateralmente, o valor de cada acção da CEL, à data da nacionalização, em 4.190$50 – alínea X) dos Factos Assentes;
2.23. Os A.A., insatisfeitos, em 3 de Setembro de 1992, interpuseram recurso contencioso para o STA do despacho normativo n.º 60/92, de 15 de Abril – alínea W) dos Factos Assentes;
2.24. Dando, assim, origem a um novo processo, que correu termos na 1.ª Subsecção da 1.ª Secção do STA, sob o n.º 31.111, processo que veio a ser concluído pelo acórdão de 27 de Outubro de 1994, que declarou nulo o Despacho n.º 60/92, de 15 de Abril, por força da inconstitucionalidade da disposição legal em que a decisão se baseara – alínea Y) dos Factos Assentes;
2.25. Foi, assim, declarado inconstitucional o art. 80.º do Dec.-Lei n.º 332/91, de 06 de Setembro, por se ter entendido que o mesmo atribuía ao poder administrativo um verdadeiro poder jurisdicional, permitindo, por isso, a prática de actos administrativos com o vício de usurpação de poder – alínea Z) dos Factos Assentes;
2.26. Em 16 de Novembro de 1994, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Constitucional (TC), tendo este último, por acórdão de 11 de Janeiro de 1996, decidido pela não inconstitucionalidade da norma do art. 80.º do Dec.-Lei n.º 332/91, de 6 de Setembro – alínea AA) dos Factos Assentes;
2.27. Consequentemente, por acórdão de 23 de Maio de 1996, o STA procedeu à reforma do anterior acórdão de 27/10/94 acima citado, em conformidade com o julgado pelo Tribunal Constitucional, ficando assim en-cerrada a questão da determinação do valor das acções – alínea AB) dos Factos Assentes;
2.28. Em 11/03/97, o R. CV foi contactado por um cunhado dos A.A., Eng. AC, no sentido de ser estudada a possibilidade de rever o valor da compensação que lhes tinha sido definitivamente arbitrada – resposta ao art.º 58.º da base instrutória;
2.29. O R. CV, após o estudo do caso, informou os A.A. da viabilidade de uma nova acção perante os tribunais nacionais, numa base diferente da invocada no recurso contencioso referido em 2.23 (corres-pondente à alínea W dos factos assentes), e de, em caso de insucesso dessa nova acção, se accionar então o Estado português perante o TEDH, tendo o R. CV advertido, no entanto, os mesmos A.A. das dificuldades em obter ganho de mérito nessa nova acção, face à jurisprudência nacional então existente, bem como do baixo nível de indemnizações que vinha sendo então arbitrado pelo TEDH - resposta conjunta alterada aos art.º 60.º e 61.º da base instrutória;
2.30. Foi referido ao Eng. AC que a jurisprudência dos Tribunais Portugueses não era favorável à pretensão dos A.A. – resposta ao art.º 62.º da base instrutória;
2.31. Foi transmitido ao Eng. AC que o TEDH não costumava ser muito “generoso” nas indemnizações aí fixadas – resposta ao art.º 68.º da base instrutória;
2.32. Foi explicado que a acção era complexa (resposta ao art.º 71.º da base instrutória) e não foram dadas garantias de êxito da mesma (resposta ao art.º 70.º da base instrutória);
2.33. Os A.A. estavam disponíveis para litigar em todas as instâncias, incluindo o Tribunal Constitucional e Tribunal Europeu dos Direitos do Homem – resposta ao art.º 3.º da base instrutória;
2.34. A sociedade de advogados R. e o R. CV aceitaram instaurar a acção referida por a considerarem viável e de possível merecimento e ganho – resposta ao art.º 2.º da base instrutória;
2.35. A sociedade R. considerou a acção viável e acordou com os A.A., a título de honorários, uma remuneração correspondente a 5% do valor do vencimento – respostas aos art.º 26.º e 27.º da base instrutória;
2.36. Assim, após ter sido proferido o acórdão referido no ponto 2.27 (correspondente à alínea AB dos factos assentes), os A.A., patrocinados pela sociedade de advogados R., instauraram uma nova acção contra o Estado Português, em cuja petição inicial, elaborada por alguns dos ilustres Advogadas e Advogados identificados naquele articulado, foram formulados os pedidos referidos no ponto 2.38 (correspondente à alínea AE dos factos assentes) – alínea AC) dos Factos Assentes;
2.37. A sociedade de advogados R. e as ilustres pessoas singulares identificadas como parte contrária, na presente acção, aceitaram, pois, o contrato de mandato para a intentarem, no ano de 1998, tendo a acção sido distribuída nesse mesmo ano – alínea AD) dos Factos Assentes;
2.38. Os pedidos formulados nessa acção foram os seguintes:
- Se requer a V. Exa. se digne reconhecer o direito dos AA. a obterem a compensação pela depreciação do capital pago em virtude na nacionalização da CEL, o direito dos mesmos a serem compensados pela imobilização forçada por várias décadas que unilateralmente lhes foi imposta, o direito a serem compensados, nos mesmos termos, pelos juros que lhes foram pagos através de entrega de TNE's, e ainda o direito a verem os TNE's ainda em seu poder indexados a uma taxa justa, tudo conforme exposto e, em consequência,
I - A título principal:
A) Reconhecer o direito dos AA. a receberem uma compensação, pela actualização monetária e pela imobilização do capital no valor de 20.595.587.000$00 (BAR) ou de 22.444.829.000$00 (MB), consoante o critério técnico adoptado pelo Tribunal; e pela actualização monetária e pela imobilização dos títulos entregues para pagamento de juros, no valor de 472.085.000$00 (BAR) ou de 687.925.000$00 (MB), consoante o critério técnico adoptado pelo Tribunal;
B) A reconhecer o direito aos AA de os TNE's ainda em seu poder passarem, desde 01.01.98, a serem remunerados, no ano de 1998, à taxa de 5,375% e, nos anos que medeiem até à sua completa amortização, à taxa média das Obrigações do Tesouro emitidas em cada ano; a reconhecer o direito dos AA a que a compensação peticionada em A) seja paga em dinheiro ou em TNE's, com prazo de amortização igual aos originais, sendo remunerados nos termos da al. B).
C) Em juros de mora à taxa de 10%, desde a data de citação e até integral e efectivo pagamento (em dinheiro ou em TNE's, das quantias referidas em A).
D) No valor dos honorários dos técnicos e peritos a que os AA já despenderam ou venham a despender para efeitos da presente, bem como no valor dos honorários dos seus Advogados, valores esses que serão liquidados na pendência da presente.
E) Em custas, procuradoria condigna e o mais que for de lei
II - Pedido Subsidiário:
Subsidiariamente, ao peticionado em I A),a reconhecer o direito dos AA:
A) A receberem uma compensação a título de actualização monetária no valor de 15.892.785.000$00 (BAR) ou de 16.316.244$00 (MB) consoante o critério adoptado pelo Tribunal acrescida da compensação pela imobilização que venha a ser determinada pelo Tribunal;
B) e ainda a receberem uma compensação, pela actualização monetária e pela imobilização dos títulos entregues para pagamento de juros, no montante que venha a ser determinado pelo Tribunal;
III Segundo Pedido Subsidiário
Subsidiariamente ao peticionado em I A) i) e II A) e B), o reconhecimento dos direitos aí peticionados, mas por referência à data de 24.01.78, caso em que os valores serão de: I a) i) ….15.379.100.000$00 (BAR) e 16.853.665.000$00 (MB); II a) 9.042.097.000$00 (BAR) e 9.279.475.000$00 (MB);
- alínea AE) dos Factos Assentes;
2.39. A apresentação da acção referida no ponto 2.36 (correspondente à alínea AC dos factos assentes) foi antecedida da reunião de pareceres de alguns dos mais proeminentes jurisconsultos portugueses, os quais emitiram parecer favorável à posição dos então A.A. – resposta ao art.º 1.º da base instrutória;
2.40. O pleito foi precedido de consultas, estudos e também de pareceres dos Prof. de Direito Almeida Costa, Vieira de Andrade, Antunes Varela e Esteves de Oliveira – resposta ao art.º 4.º da base instrutória;
2.41. Os pareceres referidos em 2.40 (correspondente à resposta ao art.º 4.º) foram unânimes em reconhecer o direito dos A.A., tese que foi sustentada pelos advogados da PL, ao aceitar instaurar a acção nos termos referidos em 2.34 (correspondente à resposta ao art.º 2.º) - resposta alterada ao art.º 5.º da base instrutória;
2.42. Para a instauração da acção referida em 2.36 (correspon-dente à alínea AC dos factos assentes), os advogados da PL obtiveram os dois pareceres constantes de fls. 820 a 856:
a) – Um da autoria de MB, datado de 27-07-1998, em que se concluiu que:
(i) – como corolário da desvalorização real, a aplicação dos índices acumulados, com base nas chamadas taxas ad temporis (AT), nas datas de amortizações/sorteios, conduz a um valor total de 15.193.657 contos para compensar a desvalorização de um valor nominal de 753.132 contos amortizado/sorteado até 30/06/1997, que valia então apenas 42.724 contos;
(ii) - … cerca de 50% dos juros apurados até 31.12.1997 foram tardiamente incluídos em títulos ou pagos a dinheiro, pelo que os reflexos desses atrasos, aplicando os índices acumulados com base na AT nos anos das entregas dos títulos, conduzem a um valor global de 687.925 contos, que, adicionados ao valor de 22.444 829 contos, correspondente aos juros compensatórios calculados, à mesma taxa, apenas para o capital (excluindo os juros incluídos nos títulos), nas datas de amortização/sorteio e com referência à data da nacionalização, conduzem ao valor global de 23.132.754 contos de juros compensatórios;
(iii) - os juros compensatórios resultantes da aplicação da taxa de inflação seriam, sem contar com os juros adicionais referidos no número anterior, de 16.316.244 contos e seriam de 17.104.129 contos, nas mesmas condições, aplicando a taxa de correcção monetária;
(iv) - admitindo-se a hipótese de só se contar a exigibilidade dos juros compensatórios a partir de 24 de Janeiro de 1978, os juros compensatórios baixariam para 16.853.665 contos calculados às AT, 9.279.475 contos às taxas de infla-ção e 9.663.415 contos às taxas de correcção monetária, a que acresceriam os 687.925 contos de juros compensatórios adi-cionais;
b) – Outro elaborado pelo Banco AR, datado de 29-06-1998, em que se concluiu que os valores de 21.067.672 contos, considerando o momento efectivo da nacionalização, e de 15.851.185 contos, no caso de se considerar a data de 24 de Janeiro de 1978, delimitam um intervalo dentro do qual se situa a justa reparação devida pelo Estado aos ex-accionistas da CEL decorrente da … forma de pagamento da indemniza-ção devida por força da nacionalização da CEL – resposta alterada ao art.º 6.º da base instrutória;
2.43. Os Ilustres Mandatários dos A.A. disseram-lhes que a acção era uma acção viável, que podia fazer vencimento e por isso aceitaram escrevê-la e apresentá-la em juízo – resposta ao art.º 18.º da base instrutória;
2.44. Essa expectativa era reforçada pelo facto da acção estar suportada nos pareceres dos maiores jurisconsultos portugueses que emitiram parecer em suporte da acção – resposta ao art.º 19.º da base instrutória;
2.45. O Ministério Público, na acção referida no ponto 2.36 (correspondente à alínea AC), tinha lavrado um parecer concordante com a posi-ção dos A.A., favorável ao seu vencimento – alínea AS) dos Factos Assen-tes;
2.46. A acção acima referida seguiu seus termos e, em 20 de Março de ..., o Mm.º Juiz de Direito do Tribunal Administrativo de Círculo (TAC) de Lisboa proferiu a decisão que se encontra documentada de fls. 215 a 250 dos autos – alínea AF) dos Factos Assentes;
2.47. Essa decisão foi desfavorável aos A.A., constando da parte decisória dessa sentença na parte relativa ao fundo, não, incluindo a decisão das excepções, o seguinte:
Apreciação do caso concreto, à luz dos critérios normativos definidos supra a pretendida correcção monetária e remuneração pelo período de indisponibilidade do capital.
Pretendem os Autores o reconhecimento do direito à actualização monetária da compensação que lhes foi atribuída pelo Estado, e à remuneração pelo período de indisponibilidade do capital (remuneração por indexação a taxa de mercado). Recapitulando o processo de fixação do valor das acções:
Em 6 (L.. Setembro de 1991 foi publicado o DL 332/91, que alterou os critérios legais de fixação da indemnização a atribuir aos titulares de acções de empresas nacionalizadas, o qual dispõe no n.° 2 do artigo 8°:
O Ministro das Finanças fixará, por despacho, o novo valor de indemnização resultante do estipulado no n.° 1, o qual substituirá o anteriormente atribuído"
Em 07 de Maio de 1992 foi publicado no DR. 1a Série, o Despacho Normativo na 60/92, subscrito pelo então Secretário de Estado do Tesouro, através do qual foi fixado o valor de cada acção da CEL em Esc: 4.190$50, constando do referido despacho: "Nos termos do disposto no artigo 8.° do Decreto-Lei n.° 332/91 de 6 de Setembro, e ao abrigo do Despacho n.° 18/91-XII, de 6 de Dezembro, do Ministro das Finanças, determino que sejam fixados os seguintes valores definitivos para as indemnizações respeitantes às sociedades adiante indicadas:...".
- Os Autores não se conformaram com o valor atribuído às acções, tendo interposto recurso que correu termos na 1ª Secção do STA. (1ª Subsecção - Proc. n° 31.111), da deliberação contida no Despacho Normativo 60/92, na parte que lhes era desfavorável.
- O Tribunal Constitucional decidiu por Acórdão de 11 de Janeiro de 1996 pela não declaração de inconstitucionalidade das normas do art.º 8.º do Dec.-Lei n.º 332/91 de 6 de Setembro.
Por Acórdão de 23 de Maio de 1996, o STA decidiu pela improcedência de todas as conclusões dos Autores, negando provimento ao recurso, assim, o acto recorrido.
Ficou assim definitivamente fixado nesta data (23/05/1996), o valor de cada acção.
Como forma de pagamento da compensação pela nacionalização da CEL, o Estado foi entregando aos AA, em "dação em cumprimento", Títulos do Tesouro com valor nominal de 1.000$00 e amortizáveis na sua generalidade em 2008.
- Para pagamento da compensação fixada, foram entregues em 31.07.81 -294.331 Títulos; em 15.04.85 -192.221 Títulos; em 21.07.8 E -121.740 Títulos e em 18.05.92 - 244.090 Títulos, num total de 852.381 Títulos do Tesouro, vencendo a primeira das tranches juros à taxa média de 2,66% ao ano e as três res-tantes à taxa média de 2,5%. Para pagamento dos juros que ao longo dos vários anos se foram vencendo (a uma taxa média de 2,5%) foram sendo entregues por um lado novos títulos (num total de 100.998 TNE's), e por outro paga em dinheiro a parte remanescente dos referidos juros. Foram entregues aos AA., em Julho de 1981 36.467 TNE's; em Abril de 1985 22.625 TNE's, em Julho de 1986 14.624 TNE's e em Maio de 1992 27.282 TNE's. Todos eles venciam, também, juros à taxa de 2,5%. Se, contrariamente à jurisprudência unânime do Tribunal Constitucional, fosse aplicável às nacionalizações o critério de cálculo de inde-mnização previsto no art.º 62.º, n.º 2, da Constituição, não restam dúvidas de que a pretensão dos Autores seria integralmente procedente.
Acontece, no entanto, que tal critério não é aplicável no caso Sub Judice, porque o legislador constitucional expressamente o quis, prevendo noutra norma (art.º 830.º), critério diferente. Esta questão está já decidida nos autos, face ao acórdão de 29/10/1998, do STA (1.ª Secção – 1.ª Subsecção - Proc. n.º 25.373), junto aos autos a fls. 600, proferido na sequência de recurso interposto pelos ora Autores, cujo sumário se transcreve parcialmente:
"(…) III - O instituto da nacionalização tem carácter excepcional, enquanto o instituto da expropriação tem natureza comum;
IV - No primeiro caso há que atender ao estatuído no artigo 83° da CRP, e no segundo ao disposto n°2 do artigo 62° do citado diploma legal;
V- No caso de nacionalização há que respeitar apenas o princípio de justiça, evitando que sejam pagas indemnizações irrisórias ou manifestamente despro-porcionadas à perda dos bens nacionalizados;
VI - Respeitado o princípio de justiça, o legislador goza de certa liberdade na definição dos critérios utilizados para fixar o valor da indemnização" - (disponível em http://www.dgsi.pt).
Apreciando a aplicação ao caso concreto do critério legal que se alicerça no artigo 83.º da Constituição, resta averiguar se com ela é respeitada a exigência decorrente do princípio da justiça subjacente à ideia de Estado de direito (e dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, como exigências que são do princípio da justiça), ou seja, se os critérios que o legislador adoptou, de determinação do quantum da indemnização por nacionalização não poderão ser «susceptíveis de conduzir ao pagamento de indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda dos bens nacionalizados, nem a pagamentos tão diferidos no tempo que equivalham a indemnizações irrisórias ou absolutamente desproporcionadas» (acórdão do Tribunal Constitucional n.° 39/88 de 9 de Fevereiro, publicado no Diário da República, I Série, de 3 de Março de 1988). Vejamos, no que respeita especificamente à pretendida correcção monetá-ria e remuneração pelo período de indisponibilidade do capital: Considerando que a legislação para a determinação da indemnização foi produzida vários anos após as nacionalizações, e que os valores a obter com a aplicação desses critérios legais se reportam à data das nacionalizações, não podem restar dúvidas de que o legislador, no momento em que criou os critérios legais, sabia que se verificava uma desvalorização monetária, com referência à data das nacionalizações.
Se era assim quando publicou o Dec.-Lei n.º 528/76, a Lei n.º 80/77 e a legislação complementar, a questão torna-se ainda mais evidente, quando os critérios legais, através da publicação do Dec.-Lei n.º 332/81 (em causa neste caso específico).
No entanto, tendo o legislador necessariamente conhecimento deste factor, nem no Dec.-Lei n.º 528/76, nem na Lei n.º 80/77, nem no Dec.-Lei n.º 332/81, se referiu à depreciação monetária.
Impõe-se assim como única conclusão legítima, a leitura de que o legislador, ou ainda a considerou compensada pelos juros dos títulos vencidos desde a data da nacionalização (refira-se que a taxa de 13% prevista para a Classe I no quadro anexo ao artigo 19° da Lei n.º 80/77 era a taxa de desconto do Banco de Portugal), ou não quis compensá-la (pelo menos totalmente, no caso de algumas classes a que correspondem montantes indemnizatórios mais elevados).
Parece-nos mesmo ser a segunda conclusão, a correcta, no que respeita concretamente ao caso Sub Judice, já que, no quadro anexo ao artigo 19.º da Lei n.º 80/77, em função do capital a indemnizar, se fixam taxas que variam entre 13% (taxa de desconto do Banco de Portugal à data), e 2,5% - a incidir sobre o mais elevado montante indemnizatório. A taxa referida - 2,5%, correspondente à Clas-se XII, é objectivamente baixa, face aos níveis de inflação e de depreciação monetária, sendo juridicamente insustentável, se o critério de fixação da indemnização fosse o previsto no artigo 66°/2 da CRP (referente à expropriação) - reparação integral.
Mas, como se disse e ora se repete, não é esse o critério aferidor, mas sim o que se prevê no artigo 83.º da lei fundamental e, face à jurisprudência constitucional citada, há que averiguar 4.ª, 5.ª e 6.ª Varas Cíveis de Lisboa se o quantum indemnizatório por nacionalização se traduz no pagamento de indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda dos bens nacionalizados.
Pensamos, salvo o devido respeito, que não.
Não se verifica a reparação integral, face aos valores da inflação e da depreciação monetária, mas também não se trata de valores irrisórios, face aos critérios definidos pelo legislador, no exercício de um poder que a Constituição expressamente lhe confere no artigo 83.°.
No sentido de que não há lugar a correcção monetária, nem a actualização, para além dos juros que a lei expressamente prevê, se tem pronunciado o STA, como se vê no acórdão de 17/01/2002, proferido no Processo 047033 – 1.ª Subsecção (disponível em http://www.dgsi. pt em versão integral), cujo sumário se transcreve parcialmente:
"(...) V - O valor da indemnização a prestar, relativa a produtos florestais, correspondente ao rendimento líquido florestal a preços dos respectivos anos de extracção não está sujeito a actualização, por aplicação supletiva dos arts. 22° e 23° do CExp/91, mas ao regime de pagamento estabelecido pela Lei 80/77, de 26-10, e pelo DL 213/79, de 14-7.
VI - Este regime não viola o art. 62° da CRP, preceito não aplicável ao regime decorrente das situações da Reforma Agrária a que é aplicável o art.º 94.º da CRP, pois em tais indemnizações não é imposta a reconstituição integral, mas a atribuição de compensação pecuniária que cumpra as exigências mínimas de justiça e que não conduzam ao estabelecimento de montantes irrisórios.".
No acórdão citado, suscita-se a questão sobre se o montante da indemnização deve ser actualizado para correcção da depreciação do valor da moeda, concluindo-se que, de acordo com o art.º 13.º da Lei n.º 80/77 e artigos seguintes, resulta que "uma vez determinado o valor da indemnização a atribuir, o pagamento da indemnização anteriormente fixada será efectuado de acordo com os critérios aí estabelecidos, com prazos de amortização e juros aí igualmente fixados. O que significa que, aí sim, o Estado, no âmbito do artigo 82.º da Constituição da República Portuguesa, fixou um regime de pagamento dos valores de forma discri-cionária, de acordo com o que o texto constitucional lhe permitia e sem violação do princípio (por inaplicável) constante do artigo 62.", n.° 2, da Constituição da República Portuguesa ".
Assim, "o valor encontrado será capitalizado até à emissão das obrigações destinadas ao pagamento das indemnizações provisórias e pagos os juros vencidos pelos títulos da dívida pública a 213/79, de 14 de Julho, Mas concretamente, a actualização dos valores é a que resulta do mecanismo estabelecido pelo artigo 24.º da Lei n.º 80/77, aplicável nos termos do artigo 1.º do Dec-Lei n.º 199/88 e do artigo 32.° da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro.
E certo que o próprio legislador teve presente a inadequação do regime de pagamento em títulos de indemnização para restaurar o valor aquisitivo do montante calculado, ou seja, para satisfazer o interesse subjacente ao princípio da contemporaneidade da indemnização por expropriação. Como se reconheceu no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 199/88. «Tais valores não correspondem natural-mente aos valores actuais desses bens ou direitos, pois estão decorridos treze anos (à data do diploma) e existe uma considerável diferença entre o nível geral dos preços (incluindo o dos prédios rústicos) em 1975-1976 e o actual.
Trata-se, no entanto, de problema de âmbito mais geral, que afecta também as indemnizações por nacionalizações de empresas e participações sociais, e que só à Assembleia da República cabe resolver, atenta a sua competência reservada neste domínio: julga-se, porém, que tal questão não deverá atrasar a fixação dos critérios de avaliação dos bens e direitos expropriados e nacionalizados ao abrigo da legislação sobre reforma agrária, já que sempre será possível em momento ulterior e, sendo caso disso, proceder aos eventuais ajustamentos que um novo regime dos títulos de indemnização deva acarretar»".
Em suma: no âmbito dos poderes que a Constituição lhe confere no artigo 83.°, o legislador fixou critérios para definição e actualização do quantum indemnizatório, com a preocupação de disciplinar integralmente essa matéria, fixando para além do montante a indemnizar, a taxa de juros e o período de amortização (art.º 19.° da Lei n.° 80/77 e quadro anexo).
Não se verifica assim qualquer lacuna no sistema, sendo certo que os valores definidos ao abrigo de tais critérios não correspondem a uma reparação integral, contrariamente ao que ocorre na expropriação, porque o legislador constituinte assim o admitiu, consagrando de forma diferente na Lei Fundamental, a «justa indemnização» por expropriação (art. 62.°) e a indemnização mediante critérios a fixar pelo legislador no que respeita a nacionalizações (art.º 83.°, onde não consagrou a mesma menção de «justa indemnização»).
Poderá legitimamente objectar-se que desta interpretação decorre a imposição aos titulares das acções, de um sacrifício patrimonial injusto, porque sem reparação integral.
Sem deixar de ter presente, como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 452/95 (BMJ 451 — Suplemento, pág. 343), que o elevado número de nacionalizações no nosso país ocorreu antes da entrada em vigor da Constituição de 1976, num contexto revolucionário e não num período de um Estado de Direito devidamente consolidado, sempre se dirá que decorre dos princípios desse mesmo Estado de Direito, hoje consolidado, a subordinação das decisões judiciais à lei, não sendo possível contornar os ditames legais perseguindo um conceito "puro" de justiça material, nomeadamente através da equidade (art.º 4.º CC).
Ora, a interpretação da lei, tendo em conta a unidade e coerência do sistema (art.º 9.°/1 CC), nomeadamente face à norma constitucional (art. 83°), não nos permite concluir doutra forma, para além da que ficou expressa supra, não cabendo ao poder judicial a formulação de qualquer juízo de censura relativamente aos critérios legais, que o legislador soberanamente entendeu fixar.
Pelas razões expostas, terá que improceder na íntegra a pretensão formulada pelos Autores na presente acção.
DECISÃO:
Com os fundamentos expostos, julgo totalmente improcedente por não provada a presente acção e, em consequência, absolvo o Réu dos pedidos formulados pelos Autores
alínea AG) dos Factos Assentes;
2.48. Esse recurso foi intentado e foi recebido, após a conclusão de 6 de Maio de 2… tendo sido admitido, com efeito suspensivo, sendo tramitado como agravo, em conformidade com a legislação então aplicável, por despacho do mesmo dia 6 de Maio de .. – alínea AH) dos Factos Assentes;
2.49. Dando-se a notificação no dia 9 de Maio de …, o prazo para apresentar as alegações, que era de trinta dias, terminava no dia 11 de Junho de …. Contudo, aplicando o previsto no 145.º, n.º 5, do CPC, porque o dia 13 de Junho foi feriado municipal em Lisboa, o prazo para apresentar as alegações terminava no dia 17 de Junho de …, segunda-feira – alínea AI) dos Factos Assentes;
2.50. Os R.R. escreveram umas alegações com 104 páginas, acompanhadas de documentos que atingem as 148 páginas – resposta ao art.º 24.º da base instrutória;
2.51. As alegações desse recurso, que se estendiam por 105 páginas ficaram definitivamente concluídas cerca das 23 horas e 40 minutos do dia 17 de Junho de … – alínea AW) e AAA) dos Factos Assentes;
2.52. E foram de imediato introduzidas no fax – alínea AX) dos Factos Assentes;
2.53. As alegações, ao serem expedidas por telefax, não foram dirigidas para o telefax do tribunal do qual se recorria, tendo sido dirigidas para o telefax do Tribunal para o qual se recorria – resposta ao art.º 15.º da base instrutória;
2.54. Conjuntamente com as alegações propriamente ditas foram juntos documentos com 148 páginas – resposta ao art.º 16.º da base instrutória;
2.55. A despeito de várias tentativas não foi possível estabelecer a comunicação de imediato – alínea AY) dos Factos Assentes;
2.56. Resulta da consulta do processo que os Ilustres Advogados que patrocinaram os A.A. tiveram o cuidado de proceder a novas chamadas para o aparelho do Tribunal tentando enviar, de novo, as alegações do recurso – alínea AP) dos Factos Assentes;
2.57. E, numa segunda chamada, enviaram seis folhas e numa terceira enviaram 32 folhas das alegações de recurso, num total de 41 páginas, tendo sido enviadas, até às 24 horas, na primeira chamada, apenas três folhas, até que a máquina do tribunal deixou de atender o escritório que expedia as alegações – alínea AQ) dos Factos Assentes;
2.58. E deixou de atender o escritório por uma razão que se desconhece, mas que poderá ter sido a falta de papel, como, com frequência, acontece – alínea AR) dos Factos Assentes;
2.59. Assim é que o envio das alegações para o tribunal se iniciou apenas às 23 horas, 58 minutos e 48 segundos do dia 17 de Junho de … – alínea AZ) dos Factos Assentes;
2.60. O original das alegações foi entregue no tribunal no dia seguinte – resposta ao art.º 78.º da base instrutória;
2.61. Os R.R. podiam ter invocado o instituto do justo impedimento no dia 18/07/02, com a junção das alegações completas, motivando-o no deficiente funcionamento do telefax do Tribunal para justificar o facto de só terem sido recebidas 41 folhas – resposta ao art.º 23.º da base instrutó-ria;
2.62. As alegações, caso estivessem concluídas, podiam ter sido apresentadas, em mão, na secretaria do tribunal de que se recorria, até às 16H30m horas do dia 17/06/… – resposta ao art.º 7.º da base instrutória;
2.63. As alegações, caso estivessem concluídas, podiam ter sido expedidas por correio registado, sendo que, próximo do escritório da socie-dade R. existe a estação dos Restauradores a qual, à data, estava aberta até às 22H – resposta ao art.º 8.º da base instrutória;
2.64. Existia igualmente a estação de correios de Cabo Ruivo, a qual estava aberta até às 18H00 – resposta ao art.º 9.º da base instrutória;
2.65. Existia igualmente a Estação dos CTT do Aeroporto, a qual permanecia aberta até depois das 00h00m, sendo que aqui existiam senhas de registo de entrada, que marcavam a hora de entrada do utente na estação dos correios, para garantir o acesso a carimbo do dia anterior, no caso da estampilhagem da correspondência ocorrer depois da mudança do dia de calendário – resposta ao art.º 10.º da base instrutória;
2.66. As máquinas de telefax podem esgotar papel e, nesse caso, memorizam automaticamente as páginas não impressas, mas apenas em função da capacidade de memória do equipamento em causa – resposta ao art.º 11.º B e C da base instrutória;
2.67. Existe a possibilidade do papel na máquina de telecópia do tribunal “encravar” e, nesse caso, tal máquina memoriza automaticamente as páginas não impressas, mas apenas em função da capacidade de memória do equipamento em causa – resposta ao art.º 11.º D da base instrutória;
2.68. Existe a possibilidade da chamada cair e, consequentemente, o texto não chegar ou não chegar integralmente ao seu destino – resposta ao art.º 11.º G da base instrutória;
2.69. Existe a possibilidade do tinteiro da máquina que recebe o telefax se esgotar e, nesse caso, tal máquina memoriza automaticamente as páginas não impressas, mas apenas em função da capacidade de memória do equipamento em causa – resposta ao art.º 11.º H da base instrutória;
2.70. A máquina de telecópia que recebe o fax memoriza automaticamente as páginas não impressas, mas apenas em função da capacidade de memória do equipamento em causa – resposta ao art.º 11.º J da base instrutória;
2.71. Todos estes aspectos são do conhecimento de todos aqueles, advogados ou não, que estão familiarizados com o uso de aparelhos de telecópia, porque, já todos sofreram a frustração de desejar enviar um determinado texto e o mesmo não ser recebido – resposta ao art.º 12.º da base instrutória;
2.72. O Mm.º Juiz do TAC de Lisboa considerou a apresentação das citadas alegações extemporâneas, dando por adquirido que as mesmas foram apresentadas no dia 18 e não no dia 17 de Junho de … – alínea AK) dos Factos Assentes;
2.73. Nessa altura, os Ilustres mandatários dos ora A.A. interpuseram recurso da decisão do Mm.º Juiz do TAC de Lisboa para o STA, tendo apresentado as suas novas alegações tempestivamente – alínea AL) dos Factos Assentes;
2.74. O STA, por acórdão lavrado na data de 22 de Maio de 2003, veio a decidir o que se passa a transcrever, parcialmente:
“1. Como se vê dos autos, os recorrentes foram notificados do despacho de admissão do recurso por notificação remetida a 06.05…. (fls. 676). Essa notificação presume-se feita no 3.º dia útil posterior ao do registo (art. 1.º, n.º 3, do DL n.º 121/76, de 11 de Fevereiro), ou seja, a 09.05…., pelo que o prazo de 30 dias para apresentação das alegações (art.º 106.º da LPTA conjugado com o art.º 6.º, al. e), do DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro) teve início a 10.05…. e terminaria a 08.06…. (sábado), transferindo-se o seu termo, nos termos do disposto no art.º 144.°, n.º 2, do CPC, para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, 11.06…. Considerando o disposto no art.º 145.º, n.º 5 do CPC, e ainda que o dia 13 de Junho foi feriado em Lisboa, e 15/16 foram sábado e domingo, o dia limite para a prática do acto, com pagamento de multa, era 17.06…, 2.ª feira.
Ora, as alegações de fls. 677 e segs. foram apresentadas na Secretaria do STA a 18.06…, ou seja, em data posterior à do termo do referido prazo, pelo que não poderiam deixar de ser consideradas extemporâneas, à luz dos apontados preceitos legais.
Na sequência, porém, do requerimento de fls. 911 e segs., e documentos anexos, em que os recorrentes invocam a expedição das referidas alegações por telecópia, alegadamente iniciada nos últimos minutos do dia 17.06….2, o despacho judicial de fls. 945, objecto do presente recurso jurisdicional, continua a considerar extemporânea tal apresentação, mantendo que a mesma ocorreu a 18.06…., conforme menção horária constante dos documentos fax referidos.
O despacho impugnado julgou deserto o recurso por falta de alegações dentro do prazo legal, considerando irrelevante o facto de a transmissão se ter iniciado no final do dia anterior àquele que consta dos referidos documentos fax.
Temos por correcta a decisão, ainda que por razões não coincidentes.
2. É evidente, como alegam os recorrentes, que os actos processuais praticados por telecópia ou por correio electrónico podem, nos termos do CPC, ser praticados "em qualquer dia e independentemente da hora da abertura e do encerramento das tribunais" (art.º 143.°, n.° 4), "valendo como data da prática da acta processual a da sua expedição" (art.º 150.°, n.º 2).
E admitimos como mais correcto (ainda que a lei o não refira expressamente) que se deva entender por data da "expedição", para efeito de cômputo dos prazos processuais, a do início dessa mesma expedição, caso a mesma não coincida com a do seu termo, isto é, que não seja irrelevante o momento em que se inicia a transmissão, nas situações em que a mesma, iniciada antes das 24 horas de um determinado dia, se processa continuadamente e se completa já no dia seguinte, mormente em casos de transmissão prolongada, por virtude da extensão dos documentos ou da ociosidade do sistema operacional.
Só que, no caso dos autos, e ao invés do que vem alegado, não cremos que os recorrentes tenham logrado demonstrar a tempestividade da apresentação das suas alegações, ou seja, que tenham demonstrado que a transmissão via fax das peças de fls. 915 a 917 tenha ocorrido no dia 17.06…..
Na verdade, o que consta das referidas folhas que a transmissão fax ocorreu nos dois primeiros minutos do dia 18.06…., contendo a primeira folha a menção horária "18 JUN ..2 00:01", e as outras duas folhas a menção horária "18 JUN .… 00:02", contendo igualmente o relatório de recepção, de fls. 918, as menções de "18.06….", e de "01' 54" de tempo gasto com a transmissão.
E o mesmo se diga do documento de fls. 920, no qual a Novis, confirmando a realização de urna chamada telefónica iniciada às 00.01.13 horas do dia 18.06.2…002, com a duração de 1 minuto e 55 segundos, alude à realização de uma outra chamada telefónica iniciada às 23:59:55 horas do dia 17.06…., de duração "igual a zero por motivos que não podem ser apurados pela Novis Telecom S.A.", nada ficando pois esclarecido quanto a essa primeira chamada, da qual nada de concreto resultou em termos de transmissão.
3. Mas, ainda que assim não seja (e se dê crédito ao documento de fls. 941, em que a Novis vem, numa segunda declaração a posteriori, referir ter havido um desfasamento horário do seu relógio, de 2 minutos, assim fazendo recuar a hora real da referida chamada para as 23:59:01 horas do dia 17.06….), sempre estaria correcta, embora por outros motivos, a decisão que julgou deserto o recurso por extemporaneidade das alegações.
Na verdade, para que possa falar-se de apresentação atempada de alegações (por qualquer das formas legalmente previstas, incluindo por fax ou telecópia), forçoso é que haja alegações, ou seja, que se apresente ou transmita integralmente o referido articulado, não bastando um esboço ou ensaio inacaba-do dessa apresentação ou transmissão.
O articulado "alegações" é uma peça processual típica e definida, em que o recorrente condensa os motivos determinantes da sua discordância com o julgado que pretende ver alterado pelo tribunal superior, formulando sintéticas conclusões que delimitam o objecto e o âmbito do recurso, nos termos do disposto no art. 690°, n° 1 do CPCivil.
Ora, como facilmente se vê dos autos, as únicas peças transmitidas por fax foram as de fls. 915 a 917, ou seja, 3 págs. de um total de 233 que constituem as alegações de fls. 677 e segs., sendo certo que a primeira dessas páginas nem sequer integra as alegações, sendo o oficio da remessa das mesmas.
Não pode pois afirmar-se que houve apresentação ou expedição das alegações, mas apenas de duas folhas desse articulado que, por si só, não consubstanciam a peça processual em causa.
A entender-se de outro modo, estaria a abrir-se a porta a uma autêntica subversão da lei processual, bastando então ao recorrente redigir e transmitir por telecópia, nos instantes finais do último dia do prazo, a folha inicial do articulado, beneficiando depois do prazo previsto no n.º 3 do art.º 150.º do CPCivil para efectivamente as completar e remeter ao tribunal.
Não pode pois, com rigor, afirmar-se que houve transmissão de alegações, pelo que é legalmente correcta a decisão de deserção do recurso por falta ou extemporaneidade da respectiva apresentação.
Também por esta via, e com este fundamento, se imporia sempre a decisão de deserção do recurso por falta ou extemporaneidade das respectivas alegações.
(Decisão)
Termos em que se nega provimento ao recurso, confirmando, ainda que com fundamentos não coincidentes, a decisão impugnada.”
alínea AM) dos Factos Assentes;
2.75. Segundo o STA, a parte das mesmas alegações que chegou àquela secretaria, enviada por telefax, começou a ser enviada às 00:01:13 do dia 18 de Junho de … – alínea AJ) dos Factos Assentes;
2.76. Quer o TAC de Lisboa quer o STA entenderam que as alegações não tinham sido apresentadas tempestivamente, pelo facto de a totalidade da peça não ter sido recebida no fax do tribunal destinatário até às 24 horas do dia 17 de Junho de … – alínea AAB) dos Factos Assentes;
2.77. Seguidamente, após esta decisão, os Ilustres advogados que patrocinavam os ora A.A. recorreram para o TC, o qual rejeitou o recurso numa decisão vestibular; depois reclamaram dessa decisão, mas essa reclamação também não foi aceite, tendo o litígio jurisdicional destinado a saber se a decisão de considerar o recurso deserto transitado em julgado – alínea AN) dos Factos Assentes;
2.78. A decisão do STA, acima parcialmente transcrita, transitou em julgado – alínea AO) dos Factos Assentes;
2.79. Os A.A. ficaram impossibilitados de obter uma decisão proferida por um tribunal superior no âmbito do Proc. n.º 1…. - acção de reconhecimento de direito - 1.ª secção do TAC de Lisboa referida nos pon-tos 2.36 e 2.38 (correspondentes às alíneas AC e AErespostas aos art.º 17.º, 25.º e 29.º da base instrutória;
2.80. Algum tempo após o descrito em 2.78 (correspondente à alínea AO), os R.R. propuseram que os A.A. instaurassem uma nova acção cujo fundamento seria o enriquecimento sem causa do Estado Português – ali-nea AT) dos Factos Assentes;
2.81. A sociedade R. e os seus sócios não só minutou a acção, como se propôs instaurá-la sem qualquer custo para os A.A. – alínea AU) dos Factos Assentes;
2.82. A causa de pedir da acção referida no ponto 1.81 (correspondente à alínea AU) residia e reside no facto de, entretanto, as sociedades que resultaram do “fraccionamento” da PC- Empresa de …, E.P. (empresa que tinha sido o resultado da fusão de várias empresas de celulose nacionalizadas em 1975, entre as quais a CEL), se encontrarem em processo de “reprivatização” – resposta ao art.º 73.º da base instrutória;
2.83. Para além de ter minutado a acção, a sociedade R. pediu um parecer sobre a sua viabilidade ao Prof. Doutor MC, o qual sustenta, não só a sua tempestividade, como também a possibilidade de a mesma poder vir a proceder, tudo conforme doc. junto aos autos a folhas 657 a 734 – alínea AV) dos Factos Assentes;
2.84. Parecer cujo custo a sociedade R suportou e que enviou ao Advogado … dos A.A. Dr. DJ, cfr. doc. junto a folhas 735 a 739 – alínea AX) dos Factos Assentes;
2.85. Em 26/07/06, os A.A. instauraram acção administrativa comum contra o Estado Português, a qual corre termos com o n.º 1984/06.0BELSB na 4.ª Unidade Orgânica do TAC de Lisboa, pedindo:
“A - Por todo o exposto, pede-se a condenação do Estado a pagar aos autores, pelos danos materiais que lhes causou a nacionalização e com a posterior priva-tização da empresa já identificada, a quantia de 39.693.882,00 Euros, correspon-dente ao seu enriquecimento sem causa, derivado da diferença entre o valor de venda da empresa PC, no montante de 39.975.000,00 Euros, na data da sua privatização, em … de 2005, e o valor realmente pago aos Autores a título de indemnização pela nacionalização da empresa, devidamente deflacionado a valores de 1975.
B - Quando assim não se entenda, por se considerar que os Autores não têm direito a reclamar para si a totalidade da diferença entre o valor da indemnização paga pelo Estado aos proprietários da empresa nacionalizada e o valor recebido pelo Estado, na venda da mesma, no termo do processo de privatização, então, subsidiariamente, pedem que o montante da indemnização, sempre devida, a título de danos materiais, seja fixado pelo recurso à equidade, num valor que nunca deverá ser inferior, a dois terços da citada diferença, ou seja, nunca deverá ser inferior a 26.462.588,00 Euros.
C - A título de danos morais, a acrescer aos danos materiais, pede-se a condenação do Estado, por força da conduta descrita a pagar-lhes a quantia que o tribunal, no seu prudente critério, vier a fixar em termos de equidade, que acrescem ao pedido indemnizatório pelos danos materiais e que os autores não liquidam para deixar inteira e total liberdade a Tribunal Aos danos materiais acrescem juros moratórios, à taxa supletiva, contados dia a dia e capitalizados ano a ano, nos termos do artigo 560º do Código Civil, a contar da data da citação para contestar a presente acção, os quais igualmente pedem”
alínea AAH) dos Factos Assentes;
2.86. As custas do recurso no Tribunal Constitucional foram pagas pela sociedade R. justamente porque se tratou de uma despesa que esta, em face do que se passou, considerou dever adiantar por razões éticas – alínea AAC) dos Factos Assentes;
2.87. Os A.A. são dos maiores moageiros do … – alínea AAG) dos Factos Assentes;
2.88. A Sociedade AFR, SA, procedeu ao pagamento à 1.ª R, em data não apurada, mas anterior ou coincidente com 05/08/97, da factura n.º …, referente a honorários e despesas relacionadas com a acção, no valor de € 17.360,07 – resposta ao art.º 30.º A da base instrutória;
2.89. A Sociedade AFR, SA, procedeu ao pagamento à 1.ª R, em data não apurada, mas anterior ou coincidente com 05/08/97, da nota de débito n.º …, referente a despesas efectuadas por conta do cliente, no valor de € 17.512,79 – resposta ao art.º 30.º B da base instrutória;
2.90. A Sociedade AFR, S.A. procedeu ao pagamento à 1ª R, em data não apurada, mas anterior ou coincidente com 22/10/97, da nota de débito n.º … , referente a regularização de provisão para despesas, no valor de € 59.855,75 – resposta ao art.º 30.º C da base instrutória;
2.91. A Sociedade AFR, S.A. procedeu ao pagamento à 1.ª R, em data não apurada, mas anterior ou coincidente com 5/12/97, da factura n.º …, referente a honorários e despesas relacionadas com a acção no valor de € 16.034,82 – resposta ao art.º 30.º D da base instrutória;
2.92 A Sociedade AFR, S.A. procedeu ao pagamento a A…, Ld.ª, em data não apurada, mas anterior ou coincidente com 03/12/97, da factura n.º … referente a parecer, do valor de € 11.671,87 – resposta ao art.º 30.º E da base instrutória;
2.93. A Sociedade AFR, SA, procedeu ao pagamento ao Prof. Doutor …, em data não apurada, mas anterior ou coincidente com 04/12/97, pela elaboração de parecer, do valor de € 11.671,87 – resposta ao art.º 30.º F da base instrutória;
2.94. O 1.º A. (e não 1.º R como por manifesto lapso se lê na resposta à matéria de facto) procedeu ao pagamento ao Prof. Doutor LP, em data não apurada, mas anterior ou coincidente com 22/12/97, pela elaboração de parecer, do valor de € 8.753,90 – resposta ao art.º 30.º G da base instrutória;
2.95. A Soc. AFR, S.A. procedeu ao pagamento a Cet, Ld.ª, em data não apurada, mas anterior ou coincidente com 30/12/97, da factura n.º …, referente a parecer elaborado pelo Dr. MB, no valor de € 17.507,81 – resposta ao art.º 30.º H da base instrutória;
2.96. O 1.º A (e não 1.º R como por manifesto lapso se lê na resposta à matéria de facto) procedeu ao pagamento ao Prof. Doutor VA, em data não apurada, mas anterior ou coincidente com 16/01/98, pela elaboração de parecer, do valor de € 8.753,90 – resposta ao art.º 30.º I da base instrutória;
2.97. O 1.º A (e não 1.º R como por manifesto lapso se lê na resposta à matéria de facto) procedeu ao pagamento a Banco AR, S.A., em data não apurada, mas anterior ou coincidente com 27/02/98, pela elaboração de estudo financeiro, do valor de € 10.796,48 – resposta ao art.º 30.º J da base instrutória;
2.98. O 1.º A (e não 1.º R como por manifesto lapso se lê na resposta à matéria de facto) procedeu ao pagamento ao Prof. Doutor EO, em data não apurada, mas anterior ou coincidente com 17/07/98, pela elaboração de parecer, do valor de € 12.095,85 – resposta ao art.º 30.º L da base instrutória;
2.99. O 1.º A (e não 1.º R como por manifesto lapso se lê na resposta à matéria de facto) procedeu ao pagamento a Banco AR, SA, em data não apurada, mas anterior ou coincidente com 07/09/98, pela elaboração de estudo financeiro, do valor de € 5.835,94 – resposta ao art.º 30.º M da base instrutória;
2.100. A Sociedade AFR, SA, procedeu ao pagamento à 1.ª R, em data não apurada, mas anterior ou coincidente com 15 /09/98, da factura n.º …, referente a honorários e despesas relacio-nadas com a acção, no valor de € 50.706,11 – resposta ao art.º 30.º N da base instrutória;
2.101. A Sociedade AFR, SA, procedeu ao pagamento à 1.ª R, em data não apurada, mas anterior ou coincidente com 13/04/00, da factura n.º … referente a honorários e despesas relacionadas com a acção, no valor de € 9.554,08 – resposta ao art.º 30.º O da base instrutória;
2.102. A Sociedade AFR, SA, procedeu ao pagamento à 1.ª R., em data não apurada, mas anterior ou coincidente com 09/02/01, da factura n.º …, referente a honorários e despesas relacionadas com a acção, no valor de € 7.052,41 – resposta ao art.º 30.º P da base instrutória;
2.103. O 1.º A. (e não 1.º R como por manifesto lapso se lê na resposta à matéria de facto) procedeu ao pagamento à 1.ª R., em 11/06/.., da factura n.º ... , referente a honorários e despesas relacionadas com a acção, no valor de € 22.076,50 – resposta ao art.º 30.º Q da base instrutória;
2.104. A Sociedade AFR, SA, procedeu ao pagamento ao Prof. Doutor MR, em data não apurada, mas anterior ou coincidente com 08/07/…, pela elaboração de parecer, do valor de € 15.345,00 – resposta ao art.º 30.º R da base instrutória;
2.105. O 1.º A. procedeu ao pagamento ao Prof. Doutor VA, em 28/08/.., pela elaboração de parecer, do valor de € 17.850,00 – resposta ao art.º 30.º S da base instrutória;
2.106. O 1.º A. procedeu ao pagamento ao Prof. Doutor PO, em 26/09/02, pela elaboração de parecer, do valor de € 35.700,00 – resposta ao art.º 30.º T da base instrutória;
2.107. O 1.º A. procedeu ao pagamento ao Prof. Doutor GC, em 05/11/02, pela elaboração de parecer, do valor de € 17.850,00 – resposta ao art.º 30.º U da base instrutória;
2.108. O 1.º A. procedeu ao pagamento ao Prof. Doutor JM, em 05/11/02, pela elaboração de parecer, do valor de € 17.850,00 – resposta ao art.º 30.º V da base instrutória;
2.109. A instauração da acção contra o Estado correspondeu a uma decisão muito pensada e reflectida pelos A.A. – resposta ao art.º 32.º da base instrutória;
2.110. O pai dos A.A., JM, no início do Século XX, nasceu em Portugal, na Beira interior, muito perto de VVR, sendo uma pessoa muito humilde – resposta ao art.º 33.º da base instrutória;
2.111. Por força das suas limitações económicas, aos 21 anos, nos anos 30, antes da 2.ª Grande Guerra Mundial, emigrou para o …, onde se dedicou a várias actividades, até que estabilizou na actividade de produção de farinha – resposta ao art.º 34.º da base instrutória;
2.112. Fruto do seu trabalho, sacrifício, disciplina e organização conseguiu realizar fortuna tornando-se num dos maiores moageiros do Estado de … e do … – resposta ao art.º 35.º da base instrutória;
2.113. Obtido este resultado quis regressar ao Concelho de VVR, para dar à sua região, o que a mesma nunca tinha tido até então, uma indústria que retirasse da miséria e do trabalho agrícola (de sol a sol) aqueles que, como ele, tinham nascido pobres e morriam pobres a menos que abandonassem a sua terra – resposta ao art.º 36.º da base instrutória;
2.114. No início dos anos 60, vivia-se um condicionamento industrial, ainda não se sentiam os efeitos do desenvolvimento provocado pela electrificação do país, a sociedade nacional era eminentemente rural, sendo regulada por autorizações verbais e pessoais do então Presidente do Conselho de Ministros – resposta ao art.º 37.º da base instrutória;
2.115. Na altura o pai dos A.A. foi autorizado a montar a sua fábrica de celulose no concelho de VVR, perto da sua terra, tendo sido autorizado a exportar para Portugal o seu dinheiro, para esse fim – resposta ao art.º 38.º da base instrutória;
2.116. O pai dos A.A. construiu a sua fábrica exclusivamente com capitais próprios, fazendo, à época, um investimento superior a dois mi-lhões de contos, valores entre 1965 e 1972, datas do início do projecto e da inauguração da fábrica, pelo Presidente da República de então – resposta ao art.º 39.º da base instrutória;
2.117. O pai dos A.A. construiu a fábrica e colocou à cabeça da mesma o filho LM, ora A., o qual, num acidente ocorrido numa máquina daquela fábrica, aí perdeu uma mão – resposta ao art.º 40.º da base instrutória;
2.118. Em 1974, no contexto sócio-político em que se vivia no País logo após “o 25 de Abril”, uma parte dos trabalhadores da CEL, movidos por reivindicações salariais, retiveram o pai dos A.A. e o A. LM dentro da fábrica durante algumas horas, os quais só saíram dali auxiliados pela intervenção de uma força militar – resposta alterada ao art.º 41.º da base instrutória;
2.119. A fábrica, na data da ocupação e do sequestro, tinha em caixa largos milhões de escudos, que os A.A. quiseram retirar dos cofres da mesma, enquanto a sua assinatura podia dar ordens a débito sobre as contas bancárias – resposta ao art.º 42.º da base instrutória;
2.120. O pai dos A.A. determinou que, uma vez que eles, donos, eram obrigados a abandonar a fábrica, eles, donos, porque respeitavam a obra por eles efectuada, deixavam todos os meios produzidos e depositados no banco, na conta onde estavam creditados, porque eles, donos, não retiravam dinheiro furtivamente das suas contas bancárias – resposta ao art.º 43.º da base instrutória;
2.121. Os A.A. cumpriram as ordens de seu pai e deixaram mais esse espólio no banco – resposta ao art.º 44.º da base instrutória;
2.122. Em 6 de Janeiro de 2005, a empresa que foi nacionalizada, no ano de 75, por imperativos de ordem pública, decorridos 30 anos, foi reprivatizada, voltando à iniciativa privada – resposta ao art.º 45.º da base instrutória;
2.123. A nacionalização da CEL em 1975 surpreendeu o pai dos A.A., o qual revelou grande preocupação com tal situação, tendo, antes de morrer, pedido aos filhos para que lutassem pela recuperação da empresa - resposta alterada ao art.º 46.º da base instrutória;
2.124. Os A.A. propuseram-se a satisfazer a vontade então manifestada pelo seu pai – resposta alterada ao art.º 47.º da base instrutória;
2.125. Tendo o 1.º A. criado a expectativa sobre a possibilidade do sucesso da demanda, por estar suportada em pareceres de prestigiados jurisconsultos do direito nacional e patrocinada por advogados de reconhecido mérito, “a perda do prazo” causou-lhe um grande abalo psíquico e um sentimento de revolta – resposta conjunta alterada aos art.º 48.º e 56.º da base instrutória;
2.126. Os advogados dos A.A. conheciam os factos dados como pro-vados sob os pontos 2.110 a 2.124 (correspondentes às respostas aos art.º 33.º a 47.º da base instrutória), os quais foram transmitidos ao R. Dr. CV por AC, em representação daqueles A.A., tendo o Dr. CV contactado também directamente o A. AM e um irmão deste que não era sócio da CEL, no decurso de uma viagem ao …, com vista à propositura da acção – resposta conjunta alterada aos artigos 49.º a 52.º da base instrutória;
2.127. Os R.R. assumiram a liquidação das custas do processo no ponto 2.36 (correspondente à alínea AC), não pedindo o reembolso das mesmas aos A.A. – resposta ao art.º 53.º da base instrutória;
2.128. Os activos da CEL…, em …, estavam a ser reprivatizados – resposta ao art.º 79.º da base instrutória;
2.129. Os A.A., através de terceiro, adquiriram o caderno de encargos referente ao concurso público para compra da PC, SA – resposta ao art.º 81.º da base instrutória;
2.130. Os A.A. pediram um estudo ao Banco AR com vista a tomarem a decisão de apresentar ou não uma proposta no referido concurso público – resposta ao art.º 82.º da base instrutória;
2.131. A R. “MP”, Sociedade de Advogados, celebrou com a ora Interveniente CST, SA, um contrato de seguro “Responsabilidade Civil Advogados”, nos termos do qual garantiu a responsabilidade civil profissional emergente da actividade de advocacia exercida exclusivamente através dessa sociedade, conforme tudo melhor consta da Apólice n.º …, cuja cópia já se encontra junta aos autos e aqui se dá por reproduzida para os legais efeitos - fls. 751 a 758 – alínea AAD) dos Factos Assentes;
2.132. O capital seguro foi fixado em € 5.000.000,00 e estipulada uma franquia de € 2.500,00 – alínea AAE) dos Factos Assentes;
2.133. O contrato de seguro estava em vigor na data de 17 de Junho de … – alínea AAD) dos Factos Assentes.
3. Quanto ao mérito das questões de direito suscitadas
3.1. Enquadramento preliminar
Na presente acção, os A.A. formularam contra os R.R. pretensão indemnizatória, desdobrada em duas vertentes:
a) - uma em sede de danos patrimoniais, no valor de € 5.736.912,00, a título de dano por perda de chance, e € 391.832,83, correspondente a honorários e outras despesas suportadas pelos A.A., perfazendo a cifra de € 6.128.744,83, acrescidos de juros de mora desde a citação;
b) - outra por danos não patrimoniais, no valor de € 5.672.452,50, também acrescida de juros de mora desde a citação.
Fundamentam tal pretensão em sede de responsabilidade contratual por violação do contrato de mandato forense celebrado com aqueles R.R., em 1997/98, para patrocinarem, em todas as instâncias nacionais, incluindo o Tribunal Constitucional, uma acção com vista à obtenção por parte do Estado português do reconhecimento da correcção monetária do valor recebido pelos mesmos A.A., em virtude da nacionalização de 203.408 acções que detinham na sociedade CEL, num total superior a 23 milhões de contos e para, se necessário, demandaram o Estado português junto do TEDH.
Consubstanciam tal violação no facto de, no âmbito dessa acção, os R.R. terem interposto recurso para o STA da decisão de improcedência proferida pelo TAC de Lisboa, em 20-03-2…002, já depois de esgotado o prazo legal para o efeito, com negligência grave daqueles R.R., o que determinou a deserção desse recurso e ao consequente trânsito em julgado daquela decisão, tornando assim irremediável a pretensão dos A.A..
Os R.R., por sua vez, contestaram a acção, quer impugnando a alegada falta de cumprimento contratual e a ocorrência dos danos invocados, sustentando, nesta parte, a não ressarcibilidade da perda de chance, quer excepcionado com a exclusão da culpa que lhes é imputada.
Foi também admitida a intervenção principal passiva da CST com vista a ser condenada, na qualidade de seguradora dos R.R., na indemnização peticionada a título de danos patrimo-niais, a qual também contestou a acção em termos similares aos pugnados pelos R.R.
A acção foi julgada, em 1.ª instância, parcialmente procedente, tendo sido condenados:
a) - os R.R., solidariamente, a pagarem aos A.A. da quantia de € 2.500,00, correspondente à franquia, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora a partir deste momento;
b) - a Seguradora Interveniente a pagar aos A.A. da quantia de € 2.305.213,81, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora a partir deste momento;
c) - a mesma Interveniente a pagar aos A.A. da quantia de € 67.743,03, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, a partir da data da citação até efectivo e integral pagamento;
d) – solidariamente, os R.R. a pagarem ao 1.º A., LM, da quantia de € 30.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora a partir deste momento;
e) – solidariamente, os R.R. a pagarem ao 2.º A., AM, da quantia de € 15.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora a partir deste momento
Além da impugnação da decisão de facto já acima apreciada, os R.R.. sustentam, em síntese, que:
a) – dos factos provados não resulta demonstrada a ilicitude e a culpa da conduta dos R.R. pela deserção do recurso interposto, segundo eles, tempestivamente, junto da jurisdição administrativa;
b) – não obstante isso, não é reconhecida pelo direito positivo português a ressarcibilidade pelo chamado dano por “perda de chance”, nem tão pouco se apura, no caso vertente, o grau de probabilidade relevante do êxito da acção proposta junto do TAC de Lisboa;
c) – não ocorre nexo de causalidade entre a conduta imputada aos R.R. e os honorários e outras despesas pagas pelos A.A.;
d) – dos factos provados não relevam elementos suficientes para concluir pelo dano não patrimonial atribuído ao A. LM, cujo montante consideram, ainda assim, exagerado, e, muito menos, ao A. AM, em relação ao qual nada se provou;
Em termos idênticos, a Interveniente apelante impugna a sentença da 1.ª instância no segmento respeitante à sua condenação a título de danos patrimoniais.
Neste quadro, as questões a apreciar no âmbito dos recursos inter-postos consistem:
a) – primeiramente, em caracterizar a relação contratual em que se inscrevem as obrigações de indemnização invocadas;
b) – seguidamente, em ajuizar sobre a falta de cumprimento impu-tada aos R.R., mormente nos planos da ilicitude e da culpa;
c) - depois, equacionar a questão dos danos e do respectivo nexo de causalidade com a conduta imputada aos R.R.:
(i) – no que respeita à dita perda de chance;
(ii) – no tocante às despesas de honorários e pareceres;
(iii) – no que concerne aos danos não patrimoniais, em relação a cada um dos A.A..
3.2. Quanto à caracterização da relação contratual em foco
Não sofre dúvida que as pretensões indemnizatórias deduzidas pelos A.A. contra os R.R. se inscrevem no âmbito do contrato de mandato fo-rense celebrado entre eles, em 1997/98, com vista à instauração da acção a propor junto dos tribunais nacionais e, se necessário, junto do TEDH, nos termos acima indicados, para o que foi outorgada a necessária procuração forense a conferir à sociedade R. e seus advogados poderes gerais a alguns poderes especiais forenses de representação.
Como muito bem vem qualificado pela 1.ª instância, trata-se, pois, de um contrato de mandato atípico, denominado mandato forense, com pode-res de representação, que se regia, à data da celebração desse contrato, em especial, pelo Estatuto da Ordem dos Advogados (EAO), aprovado pelo Dec.-Lei n.º 84/84, de 16 de Março, entretanto alterado e republicado pela Lei n.º 80/2001, de 20 de Julho, e por fim revogado e substituído pelo EOA aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, aplicando-se ainda, a título subsidiário, o regime do contrato de mandato civil constante dos artigos 1157.º a 1184.º do CC.
Embora o contrato de mandato forense constitua uma modalidade do tipo genérico de contrato de prestação de serviço, nos termos previstos nos artigos 1154.º e 1155.º do CC, apresenta como diferença específica a particularidade de ter por objecto a prática de actos jurídicos, por conta e em nome do mandante, no âmbito do exercício do patrocínio judiciário, em que relevam, além do interesse das partes, também o interesse de ordem pública de que seja assegurado aos litigantes uma assistência técnico-jurídica qualificada, essencial para a boa administração da justiça, conforme se proclama no art.º 208.º da Constituição da República.
Na realização desse desiderato, a profissão do advogado requer, além de outros requisitos, nas palavras do Dr. Amadeu Teles Marques In Ser-se Advogado, pag. 55. “… o es-tudo minucioso e aturado das leis, o que exige qualidades de trabalho, de reflexão e de empenho, permanentes e quotidianas, e da capacidade de transmitir, com clareza, oportunidade e convicção, o resultado desse conhecimento, o que determina o continuado aperfeiçoamento dos meios e técnicas de todas as formas de comunicação …”.
Por isso mesmo, é que, além das obrigações gerais do mandatário enunciadas no artigo 1161.º do CC, importa ter em particular consideração as obrigações específicas constantes do artigo 83.ºdo EAO, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 84/84, no domínio das relações com os clientes, com destaque para o disposto nas alíneas c), d) e j) do n.º 1 do citado artigo, nas quais se prescreve, no que aqui releva, o seguinte:
1. Nas relações com o cliente, constituem deveres do advogado:
c) – Dar ao cliente a sua opinião conscienciosa sobre o mereci-mento do direito ou pretensão que se invoca, assim como prestar, sempre que lhe for pedido, informação sobre o andamento das ques-tões que lhe forem confiadas;
d) – Estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando, para o efeito, todos os recursos da sua expe-riência, saber e actividade;
j) – Não abandonar o patrocínio do constituinte ou o acompanha-mento das questões que lhe estão cometidas sem motivo justificado.
O incumprimento de tais deveres pode implicar, além do mais, responsabilidade civil contratual pelos danos daí decorrentes, e que é, afinal, o que se discute na presente acção, como seja saber se o comportamento atribuído aos advogados ora R.R. pela alegada extemporaneidade do recurso por eles interposto, em nome dos ora A.A., na jurisdição administrativa, em .., se traduziu em falta de cumprimento contratual, que lhe seja imputável a título de culpa, e de que teriam decorrido os danos alegados.
3.3. Quanto à falta de cumprimento contratual
Neste capítulo, antes de mais importa definir qual o tipo de obrigação que incumbe ao advogado no exercício do patrocínio de uma causa.
Como é sabido, para este efeito, a doutrina distingue três tipos de obrigação: as obrigações de resultado, as obrigações de meios e as obrigações de garantia.
Segundo o ensinamento do Professor Almeida Costa, as obrigações de resultado, mais correntes nas prestações de quantia ou de coisa determinada, ocorrem quando da lei ou do negócio jurídico resulte que o devedor se encontra vinculado a obter certo efeito útil; neste caso, só fica exonerado se a prestação se tornar objectiva, que não culposamente, impossível (art.º 790.º do CC) Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11ª Edição, Almedina, pags. 1040.. Já, num pólo extremo, em sede das obrigações de garantia, o devedor assume o risco pela não verificação do resultado visado, não lhe sendo, por isso, sequer lícito invocar uma causa estranha que tenha tornado impossível a prestação Direito das Obrigações, 11ª Edição, Almedina, pags. 1040. .
Por sua vez, as obrigações de meios, que ocorrem com mais frequência no domínio das obrigações de prestação de facto positivo, em particular nas que se prendem com actividades profissionais liberais ou artísticas, nas palavras do Professor Almeida Costa, “são aquelas em que o devedor apenas se compromete a desenvolver, prudente e diligentemente, certa actividade para a obtenção de um determinado efeito, mas sem assegurar que o mesmo se produza” …. “Daí que o devedor fique exonerado na hipótese de o cumprimento requerer uma diligência maior do que a prometida, e que tanto a impossibilidade objectiva como a subjectiva não imputáveis ao de-vedor o liberem (artigos 790.º e 791.º)” Direito das Obrigações, 11ª Edição, Almedina, pags. 1039 e seguintes. .
Ora, conforme observa Carneiro da Frada, nas obrigações de meios, há que fazer a distinção entre a finalidade da obrigação, dirigida ao resultado pretendido, e o conteúdo estruturante do próprio dever objectivo de diligência ou de cuidado, sendo que a falta de cumprimento da obrigação ou o seu cumprimento defeituoso se aferem não pelo respectivo escopo, mas sim em função do teor daquele dever In Direito Civil/Responsabilidade Civil – O Método do Caso, Almedina, 2006, pag. 81/82..
Essa distinção torna-se essencial para equacionar a distribuição do ónus probatório sobre os pressupostos da responsabilidade civil emergente da falta de cumprimento ou do cumprimento defeituoso no quadro de uma obrigação de meios, nomeadamente em sede do disposto no artigo 799.º, n.º 1, do CC, segundo o qual se presume, juris tantum, que a falta de cumpri-mento do devedor lhe é imputável a título de culpa.
Quando a obrigação é de meios ou de diligência, segundo o ensinamento de Carneiro da Frada Ob. cit. pag. 81.:
“… é então ao devedor que compete identificar e fazer provar a exigibilidade de tais meios ou da diligência (objectivamente) devida. A presunção de culpa tende portanto a confinar-se à mera censurabilidade pessoal do devedor. Por outras palavras, se a falta de cumprimento carece de ser positivamente demonstrada pelo credor lesado, esta exigência traduz-se aqui, em termos práticos, na demonstração da ilicitude da conduta do devedor.
Tudo isso comporta a formulação do art.º 799.º, n.º 1, do CC. Nas obrigações de meios, (…) dada a ausência de um resultado devido, não é suficiente que o credor demonstre a falta de verificação do resultado. Ele tem sempre de individualizar uma concreta falta de cumprimento (ilícita). Dada a índole da obrigação, carece de demonstrar que os meios não foram empregues pelo devedor ou que a diligência prometida com vista a um resultado não foi observada.”
Por sua vez, o Prof. Antunes Varela, embora critique a tese que de que a violação do dever objectivo de cuidado exigível se coloque no plano da ilicitude, considerando que “não é essa, manifestamente, a concepção de ilicitude no direito civil português” Das Obrigações em Geral, Vol. 1.º, Almedina, 10.ª Edição, 2006, pag. 584 e 585., o certo é que, ao tratar do tema da “presunção de culpa”, na órbita da responsabilidade contratual, acaba por considerar que “nas obrigações de meios não bastará (…) a prova da não obtenção do resultado previsto com a prestação, para se considerar provado o não cumprimento.” E, tomando como exemplos as profissões de médico e de advogado, acrescenta que “é necessário provar que o médico ou o advogado não realizaram os actos em que normalmente se traduziria uma assistência ou um patrocínio diligente, de acordo com as normas deontológicas aplicáveis ao exercício da profissão Das Obrigações em Geral, Vol .2.º, Almedina, 7.ª Edição, pag. 101..
Significa isto que, no âmbito da responsabilidade contratual emergente do não cumprimento de uma obrigações de meios, recai sobre o credor não só o ónus de provar a falta de verificação do resultado pretendido, mas também o ónus de provar a falta de cumprimento do dever objectivo de diligência ou de cuidado, mormente requeridos pelas leges artis, como pressuposto de ilicitude, incumbindo, por seu turno, ao devedor o ónus de provar a inexigibilidade desse comportamento, a fim de ilidir a presunção da culpa Vide, neste sentido, o acórdão do STJ, de 05-02-2013, relatado pelo Exm.º Juiz Conselheiro Alves Velho, no processo 2035/05.8TVLSB.L1.S1, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj..
No caso do exercício do patrocínio judiciário, como profissão liberal, o que se requer é que o advogado desenvolva a sua actividade com a máxima diligência e rigor, utilizando os conhecimentos técnico-jurídicos e os recursos da experiência profissional ao seu alcance, para levar a causa a bom termo, e não que garanta em absoluto o sucesso da acção. Mas para tal não basta apelar a um critério de diligência de homem médio, devendo-se antes tomar em consideração um padrão de conduta definido à luz dos ditames das respectivas leges artis, sem prejuízo da autonomia técnica inerente ao exercício daquela profissão liberal A este propósito, vide acórdão do STJ, de 29-04-2010, relatado pelo Exm.º Juiz Conselheiro Sebastião Povoas, no âmbito do processo 2622/07.0TBPNF.P1.S1, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
. Nessa base, a obrigação contratual do advogado perante o seu constituinte é, pois, claramente, uma obrigação de meios integrada por um dever de diligência qualificado.
Assim, em conformidade com o que acima se deixou exposto, no âmbito dum litígio em que se discuta a responsabilidade civil do advogado pelo insucesso de uma acção, em primeira linha, competirá ao credor lesado provar, além da verificação desse insucesso, os factos demonstrativos de que o advogado não usou dos meios técnico-jurídicos e dos recursos da experiência ao seu alcance, requeridos pelas respectivas regras profissionais estatutárias e deontológicas, de forma a qualificar a ilicitude dessa conduta. Provado que seja esse comportamento ilícito, impenderá então sobre o advogado o ónus de provar factos que revelem não lhe ser subjectivamente exigível ou censurável tal comportamento, de modo a ilidir a presunção de culpa estabelecida no art.º 799.º, n.º 1, do CC.
Perante este quadro normativo, importa agora apurar se a conduta imputada pelos A.A. aos R.R. se traduz em falta de cumprimento da obrigação do mandatário, ilícita, e se lhe é imputável a título de culpa.
Dos factos provados, com relevo para a questão em apreço, respiga-se que:
a) - Notificados da decisão de improcedência da acção por eles instaurada, em nome dos A.A., em 1998, junto do TAC de Lisboa, dela interpuseram recurso, o qual foi admitido, com efeito suspensivo, sendo tramitado como agravo, em conformidade com a legislação então aplicável, por despacho datado de 6 de Maio de … (pontos 2.48 correspondente à alínea AH dos Factos Assentes);
b) - Dando-se a notificação no dia 9 de Maio de …, o prazo para apresentar as alegações, que era de trinta dias, terminava no dia 11 de Junho de …2, e, aplicando o previsto no 145.º, n.º 5, do CPC, porque o dia 13 de Junho foi feriado municipal em Lisboa, o prazo para apresentar as alegações terminava no dia 17 de Junho de …, segunda-feira – ponto 2.49 correspondente à alínea AI) dos Factos Assentes;
c) - Os R.R. escreveram umas alegações com 104 páginas, acompanhadas de documentos que atingem as 148 páginas – ponto 2.50 correspondente à resposta ao art.º 24.º da base instrutória;
d) - As alegações desse recurso, que se estendiam por 105 páginas ficaram definitivamente concluídas cerca das 23 horas e 40 minutos do dia 17 de Junho de … – ponto 2.51 correspondente alínea AW) e AAA) dos Factos Assentes;
e) - E foram de imediato introduzidas no fax – ponto 2.52 correspondente alínea AX) dos Factos Assentes;
f) - As alegações, ao serem expedidas por telefax, não foram dirigidas para o telefax do tribunal do qual se recorria, tendo sido dirigidas para o telefax do Tribunal para o qual se recorria – ponto 2.53 correspondente à resposta ao art.º 15.º da base instrutória;
g) - Conjuntamente com as alegações propriamente ditas foram juntos documentos com 148 páginas – ponto 2.54 correspondente à resposta ao art.º 16.º da base instrutória;
h) - A despeito de várias tentativas não foi possível estabelecer a comunicação de imediato – ponto 2.55 correspondente à alínea AY) dos Factos Assentes;
i) – Os Advogados que patrocinaram os A.A. tiveram o cuidado de proceder a novas chamadas para o aparelho do Tribunal tentando enviar, de novo, as alegações do recurso – ponto 2.56 correspondente à alínea AP) dos Factos Assentes;
j) - Numa segunda chamada, enviaram seis folhas e numa terceira enviaram 32 folhas das alegações de recurso, num total de 41 páginas, tendo sido enviadas, até às 24 horas, na primeira chamada, apenas três folhas, até que a máquina do tribunal deixou de atender o escritório que expedia as alegações – ponto 2.57 correspondente à alínea AQ) dos Factos Assentes;
k) - E deixou de atender o escritório por uma razão que se desconhece, mas que poderá ter sido a falta de papel, como, com frequência, acontece – ponto 2.58 correspondente à alínea AR) dos Factos Assentes;
l) - Assim é que o envio das alegações para o tribunal se iniciou apenas às 23 horas, 58 minutos e 48 segundos do dia 17 de Junho de … – ponto 2.59 correspondente à alínea AZ) dos Factos Assentes;
m) - O original das alegações foi entregue no tribunal no dia seguinte – ponto 2.60 correspondente à resposta ao art.º 78.º da base instrutória;
n) - Os R.R. podiam ter invocado o instituto do justo impedimento no dia 18/07/02, com a junção das alegações completas, motivando-o no deficiente funcionamento do telefax do Tribunal para justificar o facto de só terem sido recebidas 41 folhas – ponto 2.61 correspondente à resposta ao art.º 23.º da base instrutória;
o) - As alegações, caso estivessem concluídas, podiam ter sido apresentadas, em mão, na secretaria do tribunal de que se recorria, até às 16H30m horas do dia 17/06/02 – ponto 2.62 correspondente à resposta ao art.º 7.º da base instrutória;
p) - As alegações, caso estivessem concluídas, podiam ter sido expedidas por correio registado, sendo que, próximo do escritório da sociedade R. existe a estação dos Restauradores a qual, à data, estava aberta até às 22H – ponto 2.63 correspondente à resposta ao art.º 8.º da base instrutória;
q) - Existia igualmente a estação de correios de Cabo Ruivo, a qual estava aberta até às 18H00 – ponto 2.64 correspondente à resposta ao art.º 9.º da base instrutória;
r) - Existia igualmente a Estação dos CTT do Aeroporto, a qual permanecia aberta até depois das 00h00m, sendo que aqui existiam senhas de registo de entrada, que marcavam a hora de entrada do utente na estação dos correios, para garantir o acesso a carimbo do dia anterior, no caso da estampilhagem da correspondência ocorrer depois da mudança do dia de calendário – ponto 2.65 correspondente à resposta ao art.º 10.º da base instrutória;
s) - As máquinas de telefax podem esgotar papel e, nesse caso, memorizam automaticamente as páginas não impressas, mas apenas em função da capacidade de memória do equipamento em causa – ponto 2.66 correspondente à resposta ao art.º 11.º B e C da base instrutória;
t) - Existe a possibilidade do papel na máquina de telecópia do tribunal “encravar” e, nesse caso, tal máquina memoriza automaticamente as páginas não impressas, mas apenas em função da capacidade de memória do equipamento em causa – ponto 2.67 correspondente resposta ao art.º 11.º D da base instrutória;
u) - Existe a possibilidade da chamada cair e, consequentemente, o texto não chegar ou não chegar integralmente ao seu destino – ponto 2.68 correspondente à resposta ao art.º 11.º G da base instrutória;
v) - Existe a possibilidade do tinteiro da máquina que recebe o telefax se esgotar e, nesse caso, tal máquina memoriza automaticamente as páginas não impres-sas, mas apenas em função da capacidade de memória do equipamento em causa – ponto 2.69 correspondente à resposta ao art.º 11.º H da base instrutória;
w) - A máquina de telecópia que recebe o fax memoriza automaticamente as páginas não impressas, mas apenas em função da capacidade de memória do equipamento em causa – ponto 2.70 correspondente à resposta ao art.º 11.º J da base instrutória;
x) - Todos estes aspectos são do conhecimento de todos aqueles, advogados ou não, que estão familiarizados com o uso de aparelhos de telecópia, porque, já todos sofreram a frustração de desejar enviar um determinado texto e o mesmo não ser recebido – ponto 2.71 correspondente à resposta ao art.º 12.º da base instrutória;
z) - Porém, o Mm.º Juiz do TAC de Lisboa considerou a apresentação das citadas alegações extemporâneas, dando por adquirido que as mesmas foram apresentadas no dia 18 e não no dia 17 de Junho de … – ponto 2.72 corres-pondente à alínea AK) dos Factos Assentes;
a’ - Nessa altura, os Ilustres mandatários dos ora A.A. interpuseram recurso da decisão do Mm.º Juiz do TAC de Lisboa para o STA, tendo apresentado as suas novas alegações tempestivamente – ponto 2.73 correspondente à alínea AL) dos Factos Assentes;
b’ - O STA, por acórdão lavrado na data de 22 de Maio de 2003, negou provimento ao recurso, confirmando, ainda que com fundamentos não coincidentes, a decisão impugnada – ponto 2.74 correspondente à alínea AM) dos Factos Assentes;
c’ - Segundo o STA, a parte das mesmas alegações que chegou àquela secretaria, enviada por telefax, começou a ser enviada às 00:01:13 do dia 18 de Junho de …2 – ponto 2.74 correspondente à alínea AJ) dos Factos Assentes;
d’ - Quer o TAC de Lisboa quer o STA entenderam que as alegações não tinham sido apresentadas tempestivamente, pelo facto de a totalidade da peça não ter sido recebida no fax do tribunal destinatário até às 24 horas do dia 17 de Junho de … – ponto 2.75 correspondente à alínea AAB) dos Factos Assentes;
e’ - Seguidamente, após esta decisão, os advogados que patrocinavam os ora A.A. recorreram para o TC, o qual rejeitou o recurso numa decisão vestibular; depois reclamaram dessa decisão, mas essa reclamação também não foi aceite, tendo o litígio jurisdicional destinado a saber se a decisão de considerar o recurso deserto transitado em julgado – ponto 2.76 correspondente à alínea AN) dos Factos Assentes;
f’) A decisão do STA, transitou em julgado – ponto 2.77 correspondente à alínea AO) dos Factos Assentes;
Perante este bloco factual, a sentença recorrida concluiu que, tendo em atenção o prazo de que os advogados ora R.R. dispunham para, em representação dos A.A., interpor recurso para o STA da sentença proferida pelo TAC de Lisboa, no âmbito do processo ali instaurado em 1998, era indiscutível o incumprimento contratual e a falta de zelo dos advogados da sociedade R., nos termos do art.º 1161.º, alínea a), do CC e do art.º 83.º, n.º 1, alínea d), do EOA/84. E, no tocante à apreciação da culpa, depois de de-senvolvido argumentário sobre os aspectos jurídicos e técnicos relaciona-dos com a transmissão das peças processuais por telefax e sobre os meios legais de reacção às anomalias que ocorram, o tribunal a quo considerou que os R.R. não lograram afastar a presunção de culpa sobre o incumprimento contratual que lhe é imputado, não demonstrando que empregaram todos os esforços possíveis para que as alegações em causa desse entrada em juízo dentro do prazo, tendo agido com erro profissional indesculpável e portanto com negligência grosseira.
Assim, o tribunal a quo parece ter centrado a questão da violação objectiva do dever de cuidado mais no campo da culpa do que propriamente no terreno da ilicitude.
Por seu lado, os R.R./apelantes contrapõem, desenvolvendo a sua tese em dois planos distintos, ainda que complementares: em primeira linha, no plano da ilicitude; em segundo lugar, no domínio da culpa.
Relativamente à ilicitude, os R.R./apelantes procuram descaracterizá-la, sustentando que:
- O acórdão do STA, de 22/05/2003, referido na alínea AM) da matéria assente (alínea b’ supra), entendeu que a interpretação correcta do artigo 150.º, n.º 2, do CPC é a de fazer coincidir, para efeitos do cômputo dos prazos processuais, a data da expedição com a do início do envio;
- Não obstante isso, a apresentação das alegações aqui em causa só não foi considerada tempestiva, porquanto o STA considerou que a remessa do articulado tinha sido remetida às 00.01… do dia 18 de Junho de …, ou seja, um minuto e três segundos após ter terminado o prazo, e ainda porque não tinha sido possível enviar a totalidade das restantes folhas que compunham as alegações;
- Todavia o que aconteceu, conforme o que consta provado nestes autos nas alíneas AW, AX, AY, AZ, AP e AR - alíneas d), e), h), l), i), j) e k) supra, respectivamente – foi que:
. as alegações foram definitivamente concluídas cerca das 23h40 do dia 17/06/.. (alínea d), tendo sido imediatamente introduzidas no fax (alínea e), não tendo sido, no entanto, possível estabelecer a comunicação imediata (alínea h);
. assim o envio das alegações para o tribunal iniciou-se às 23h, 58 minutos e 48 segundos, do dia 17/06/… (alínea l);
. foram feitas novas chamadas para o aparelho do tribunal, tentando enviar de novo as alegações do recurso (alínea i);
. numa segunda chamada, enviaram seis folhas e numa terceira enviaram 32 folhas das alegações de recurso, num total de 41 páginas, tendo sido enviadas, até às 24 horas, na primeira chamada, apenas três folhas, até que a máquina do tribunal deixou de atender o escritório que expedia as alegações (alínea j);
. deixando de atender o escritório por uma razão que se desconhece, mas que poderá ter sido a falta de papel, como, com frequência, acontece (alínea k);
- Daí resulta que as alegações foram enviadas atempadamente, não tendo, portanto, o pressuposto de facto em que se fundou o acórdão do STA correspondência com a realidade dos factos aqui dados como provados.
Nessa base, concluem os apelantes que não resulta demonstrada a ilicitude da conduta imputada aos R.R. como sendo violadora do dever de apresentar as alegações de recurso em prazo.
Também a apelante/Interveniente parece entender que, tomando em consideração a matéria dada como assente nas alíneas AW, AX e AY, a tempestividade das alegações deve reportar-se ao início da expedição ali demonstrado.
Vejamos então se lhes assiste razão.
Do que já acima ficou dito, decorre que, estando em causa a falta de cumprimento contratual de uma obrigação de meios dos advogados ora R.R., enquanto mandatários dos A.A. no processo instaurado perante a jurisdição administrativa em 1998, incumbia aos referidos A.A., em sede de ilicitude, provar não só a falta de verificação do resultado pretendido, mas, em especial, os factos demonstrativos de que aqueles advogados não usaram dos meios técnico-jurídicos e dos recursos da experiência ao seu alcance, requeridos pelas respectivas regras profissionais estatutárias e deontológicas. Apurado que seja o comportamento ilícito dos faltosos, recairá então sobre estes o ónus de provar factos que revelem não lhe ser subjectivamente exigível ou censurável tal comportamento, de modo a ilidir a presunção de culpa estabelecida no art.º 799.º, n.º 1, do CC.
Nesta linha de entendimento, a questão que aqui importa equacionar a título de ilicitude é saber se os advogados ora R.R., ao remeterem as alegações recursórias em causa, observaram os padrões de diligência e rigor postulados pelos conhecimentos técnico-jurídicos e recursos da experiência profissionais, que são de presumir estar ao seu alcance, para garantir a tempestividade da apresentação em juízo dessas alegações.
Desde logo, no que respeita à contagem do prazo, da matéria dada como assente na alínea AI (alínea b supra) constata-se que o referido prazo terminava em 11 de Junho de .. (….), mas que, atento o disposto no n.º 5 do art.º 145.º do CPC, e sendo o dia 13 feriado municipal em Lisboa, o acto poderia ainda ser validamente praticado, com penalização, até às 24h00 do terceiro dia útil subsequente, o qual recaía, portanto, a 17 daquele mês (segunda-feira).
A este propósito, convém recordar que a introdução, no nosso regime processual civil, de uma atenuação do efeito preclusivo dos prazos peremptórios, por via de uma prorrogação legal especial, remonta já ao Dec.-Lei n.º 323/70, de 11-6, que aditando um número 5 ao artigo 145.º do CPC, veio possibilitar a prática de acto no primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo, dependente do pagamento imediato de multa, sem necessidade da prova do justo impedimento.
Subsequentemente, o Dec.-Lei n.º 224/82, de 8-6, na redacção dada, em sede de ratificação, pela Lei n.º 3/83, de 26-2, mas cuja vigência foi entretanto suspensa pelo Dec.-Lei n.º 356/83, de 2-9, alargou tal prazo para os três dias úteis subsequentes, o qual acabou por ficar instituído com a Reforma Intercalar do CPC, aprovada pelo Dec.-Lei n.º 242/85, de 9-7.
Tudo isto para salientar que o sobredito instituto de prorrogação especial do prazo, inspirado na ideia de prevalência da justiça material sobre os mecanismos formais, tende a obviar a situações imprevisíveis de última hora, e que, por isso, parece não tornar muito recomendável uma prática de uso sistemático pré-determinado daquela extensão de prazo, sob pena de a subtrair aos percalços imprevistos. Vale isto por dizer que relegar a prática do acto para os últimos minutos do terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo, como fizeram os advogados ora R.R., num caso complexo como esse, não se revela, de modo algum, como uma conduta que se possa pautar de prudente.
Feitas estas considerações, debrucemo-nos agora sobre o factualismo pertinente.
Como referem os R.R./Recorrentes, o acórdão do STA, de 22/05/2003 concluiu pela deserção do recurso por falta de apresentação tempestiva das respectivas alegações com base em dois fundamentos concorrentes: por um lado, por considerar provado que a remessa das alegações tinha sido remetida às 00.01… do dia 18 de Junho de …, ou seja, um minuto e três segundos após ter terminado o prazo; por outro lado, que ainda assim não tinha sido enviada a totalidade das restantes folhas que compunham as alegações.
Da prova feita nestes autos consta que:
- as mencionadas alegações escritas se estendiam por 104/105 páginas, acompanhadas de documentos que atingiam as 148 páginas, tendo ficado definitivamente concluídas cerca das 23h40 do dia 17 de Junho de …, sendo de imediato introduzidas para o telefax do tribunal de recurso (STA) e não para o do tribunal recorrido (TAC de Lisboa) - alíneas c), d), e) e f) supra;
- depois de várias tentativas sem ser possível estabelecer a ligação, a expedição para o tribunal daquela peça processual e dos documentos que a acompanhavam, acabou por se iniciar às 23h, 58 minutos e 48 segundos, do dia 17/06/… - alíneas h), i) e l) supra;
- assim, numa segunda chamada, foram enviadas seis folhas e numa terceira 32 folhas das referidas alegações, num total de 41 páginas, sendo que só foram enviadas, até às 24 horas, na primeira chamada, apenas três folhas, já que a máquina do tribunal deixou de atender o escritório que expedia as alegações, por causa desconhecida – alíneas j) e k) supra.
Quanto ao argumento dos R.R./recorrentes de que se deve ter em consideração a data de expedição aqui dada por provada - 23h, 58 minutos e 48 segundos, do dia 17/06/.. - e não a que o STA teve como provada - 00.01… do dia 18 de Junho de …, ou seja, um minuto e três segundos após ter terminado o prazo -, diversamente do considerado pela 1.ª instância, importa reconhecer que sobre esse fundamento de facto não recai caso julgado material de modo a sobrepor-se à data de expedição provada nos presentes autos. Porém, este ponto deixa de relevar, na medida em que subsiste o fundamento de que, apesar disso, as alegações não chegaram completas ao seu destino, visto que das 105 páginas em que se estendiam só chegou o total de 41 páginas, não sendo relevante a hora e data dessa chegada.
De todo o modo, o certo é que, não tendo aquelas alegações chegado em estado completo ao seu destino, no decurso da sobredita expedição, em parte substancial, não se vê como se possa considerar as mesmas apresentadas em tempo, como parece ser jurisprudência corrente e bem observa na sentença recorrida.
Mas ainda que se admita controvérsia jurídica sobre esse aspecto, poder-se-ia então suscitar a questão de saber se aos advogados R.R., devendo tê-la em consideração, a benefício do patrocínio, se impunha que, no dia útil seguinte, apresentassem em juízo as alegações completas, invocando logo o justo impedimento, nos termos dos artigos 145.º, n.º 4, e 146.º do CPC, o que não fizeram.
Como é sabido, a invocação de justo impedimento em situações de prática de actos processuais já no decurso da prorrogação excepcional dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo não tem sido acolhida favoravelmente por parte significativa da jurisprudência, o que, de certo modo, poderia justificar a não utilização daquele mecanismo legal. Todavia, não sendo pacífico tal entendimento restrito do justo impedimento pacífico, face à malha mais ampla da noção daquele instituto formulada na última redacção do n.º 1 do artigo 146.º do CPC, antes da recente Reforma introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26-6, a defesa do patrocínio impunha que, in extremis, fosse, pelo menos, desencadeado tal mecanismo.
De resto, como se refere na sentença recorrida, o próprio preâmbulo do Dec.-Lei n.º 28/92, de 27/2, que disciplinava então a prática de actos processuais através de telecópia, apontava para tal viabilidade, ao consignar que:
Alguma(s) complexidade(s) podem apresentar questões relacionadas com a possível desconformidade entre a telecópia e os originais, a impossibilidade de transmitir a totalidade do documento, a ilegibilidade da telecópia recebida e, em geral, todos os incidentes de fiabilidade do sistema. Crê-se, todavia, que a solução das questões daí decorrentes deverá, por agora, encontrar-se por recursos às normas civis e processuais vigentes, nomeadamente as relativas ao erro, à culpa e ao justo impedimento.
O que não procede é o argumento de que os advogados ora R.R. não o fizeram por estarem convencidos de que o acto fora validamente praticado, já que, perante o tipo de anomalia como a verificada na transmissão por via fax, impõe a qualquer advogado que reaja segundo a chamada “jurisprudência das cautelas”, prescindindo das suas opiniões técnicas pessoais e tomando em conta as soluções de direito que se mostrem plausíveis, como exigia o art.º 83.º, n.º 1, alínea d), do EOA, ao preceituar que é dever do advogado perante o cliente estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando, para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e actividade.
Seja como for, os advogados R.R. o que não podiam deixar de ter previamente equacionado era o entendimento que veio a ser perfilhado pelo STA, com vista a ponderar se afinal o meio de transmissão por fax, no leque dos meios legais previstos, seria o mais prudente e seguro para ser utilizado nas circunstâncias do caso.
Com efeito, embora a apresentação em juízo de peças processuais, por via de fax, seja um meio legalmente admissível, desde a sua introdução pelo Dec.-Lei n.º 28/92, de 27-2, e depois assumida pelo artigo 150.º, n.º 3, do CPC, na redacção dada pelos Dec.Leis n.º 329-A/95, de 12-12, e n.º 180/96, de 25-9, são bem conhecidas dos meios forenses as deficiências técnicas de funcionamento daquele meio de transmissão, em particular quando se trata de enviar peças de grande volume, como no caso presente, o que, aliás, se encontra bem evidenciado na matéria dada como provada indicadas nas alíneas s) a w) acima consignadas.
Ademais, tinham ainda os advogados R.R. outras alternativas mais seguras e também expeditas, como era o envio das alegações por carta registada através das estações dos CTT nos Restauradores, então aberta até às 22H (alínea p supra), de Cabo Ruivo, aberta até às 18H00 (alínea q supra) e do Aeroporto de Lisboa, aberta até depois das 00h00m, sendo que nesta estação até existiam senhas de registo que marcavam a hora em que o utente entrava na estação, para garantir o acesso a carimbo do dia anterior, no caso da estampilhagem da correspondência ocorrer depois da mudança do dia de calendário (alínea r supra), competindo-lhe organizar o seu trabalho de modo a, avisadamente, ultimar a conclusão das alegações em conformidade com tais horários de funcionamento.
Aqui mais uma vez, os advogados dos R.R. não observaram as regras estatutárias e deontológicas de cuidado e zelo, ao terem deixado para os últimos minutos do prazo a expedição, por via fax, de uma peça processual extensa, de 105 páginas, colocando em elevado risco a subsistência de um recurso, numa causa complexa em que se discutiam valores da ordem dos 23 milhões de contos, resultado que acabou por se concretizar através da deserção desse recurso, tornado irreversível o decaimento da pretensão dos A.A. decidida no TAC de Lisboa.
Assim sendo, não pode deixar de se concluir que o comportamento dos advogados R.R. acima demonstrado, consubstancia uma clara violação do dever de diligência e cuidado, na qualidade de mandatários forenses dos A.A., nos termos gerais dos artigos 762.º e 1161.º, alínea a), do CC e, em especial, do artigo 83.º, n.º 1, alínea d), do EOA, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 84/84, de 16-3, o que torna contratualmente ilícita a sua conduta.
No tocante agora ao plano da imputação daquele comportamento a título de culpa, segundo o artigo 799.º, n.º 1, do CC, presume-se juris tantum que a falta de cumprimento se deve a culpa do faltoso, o que significa que sobre este impende o ónus de ilidir tal presunção legal, nos termos doa artigos 344.º, n.º 1, e 350.º, n.º 2, do citado Código, provando alguma causa específica de exclusão da culpa ou qualquer outra situação reveladora de que não lhe é subjectivamente exigível outro comportamento.
Ora, enquanto que, nas palavras de Pessoa Jorge, o juízo de ilicitude “versa sobre o comportamento em si mesmo considerado e exprime o carácter socialmente nocivo dele”, o juízo de culpabilidade “incide sobre o ilícito como acto humano, em toda a sua dimensão, e exprime a censura éti-co-jurídica da actuação do agente” In Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1972, pag. 315.. Segundo o mesmo autor, “a culpabilidade é a qualidade ou conjunto de qualidades do acto que permitem formular, a respeito dele, um juízo ético-jurídico de reprovação ou censura” Ob. cit. na nota precedente, pag. 315..
Segundo o n.º 2 do artigo 799.º do CC, a apreciação da culpa no domínio da responsabilidade contratual deve fazer-se nos termos aplicáveis à responsabilidade civil, ou seja, em conformidade com o critério estabeleci-do no n.º 2 do artigo 487.º do mesmo Código, que manda pautar tal apreciação “pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso”.
Consagra-se aí a tese da culpa em abstracto nivelada pelo comportamento que seria esperado de um homem normal (bom pai de família) colocado nas circunstâncias concretas do caso Vide Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. 1.º, Almedina, 10.ª Edição, 2006, pag. 575 e 576. . Nessa medida, como escreve Antunes Varela “a culpa, considerando todos os aspectos circunstanciais que interessam à maior ou menor censurabilidade da conduta do agente, olha ao lado individual, subjectivo, do facto ilícito, embora na apre-ciação da negligência a lei inclua (…) elementos de carácter objectivo.Das Obrigações em Geral, Vol. 1.º, Almedina, 10.ª Edição, 2006, pag. 586..
Tal paradigma não dispensa, pois, as particularidades de cada situação concreta. Como esclarece o Prof. Almeida Costa Direito das Obrigações, 11ª Edição, Almedina, pags. 584.
, “… por homem mé-dio, não se entende o cidadão comum, mas o modelo de homem que resulta do meio social, cultural e profissional daquele indivíduo concreto”, ou seja, “o homem médio que interfere como critério de culpa é determinado a partir do círculo de relações em que está inserido o agente.”
Com já foi dito, presumida que é a culpa no campo da responsabilidade contratual, recai sobre o faltoso o ónus de ilidir tal presunção, provando algumas das causas específicas da sua exclusão, nomeadamente a falta de imputabilidade, a coacção, o erro desculpável, o medo, ou qualquer factualismo concreto demonstrativo de não lhe ser humanamente exigível outro comportamento, a chamada cláusula geral de inexigibilidade. Nesta base, os Recorrentes sustentam que:
- a interrupção ocorrida no envio das alegações não lhe é imputável, a título de culpa ou negligência, já que o fax deixou de atender o escritório, por razão desconhecida, mas que poderá ter sido a falta de papel, como com frequência acontece;
- tanto mais que o início das tentativas de expedição ocorreu cerca de vinte minutos antes das 24h00 do dia 17/6/…;
- o facto de não terem invocado o justo impedimento não pode relevar, uma vez que, segundo jurisprudência corrente, não poderia relevar quando estão em causa, a título excepcional, os três dias úteis subsequentes ao termo do prazo ordinário.
Sucede que tais factos não configuram qualquer causa específica de exclusão da culpa nem muito menos demonstram não ser exigível aos advogados R.R. comportamento diferente do praticado.
Com efeito, a anomalia verificada na transmissão por via fax não pode ser tida como caso fortuito ou de força maior, porquanto, como já foi dito, eram bem conhecido do meio forense esse tipo de anomalias, sendo, portanto, hipóteses previsíveis para uma prático experimentado e cauteloso.
No que se refere ao justo impedimento, a observação dos apelantes não deixa de ser pertinente, embora, como acima ficou dito, não lhe estaria completamente vedada essa hipótese. No entanto, importa observar que o que é criticável é precisamente o ter-se relegado, de forma predeterminada, a prática do acto para aquela extensão especial do prazo, correndo o risco de já não poder dispor dela em caso de imprevistos de última hora, como já acima foi dito.
Em suma, dos factos provados não se extraem elementos que consubstanciem qualquer causa específica da exclusão da culpa dos R.R. ou que demonstrem não lhes ser exigível outro comportamento, em face das circunstâncias do caso. Bem pelo contrário, o que se evidencia é que os advogados R.R. podiam ter optado pelos outros meios alternativos disponíveis mais seguros para o envio das alegações, e que o deviam ter feito, em vez protelaram tal envio para os derradeiros minutos da extensão excepcional do prazo, para mais através de um mecanismo de transmissão pouco fiável.
Aqui chegados, conclui-se que o comportamento dos advogados R.R. acima apreciado se mostra contratualmente ilícito, presumindo-se que lhe é imputável a título de culpa.
3.4. Quanto aos danos e respectivo nexo de causalidade
3.4.1. Considerações gerais
Antes de entrar na análise das várias questões que vêm suscitadas no âmbito dos danos invocados e do respectivo nexo de causalidade, convém recordar o quadro conceitual e normativo que lhe servirá de base.
Ora, além da ocorrência de facto ilícito e culposo, os outros pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente contratual, são a verificação de um dano e a sua imputação objectiva à conduta ilícita, imputação esta a fazer mediante o estabelecimento de um nexo de causalidade entre o evento lesivo e o dano.
Assim, no que respeita à responsabilidade contratual, o artigo 798.º do CC prescreve que:
O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.
Essa responsabilidade traduz-se, pois, na emergência de uma obrigação de reparar o dano causado, genericamente designada por obrigação de indemnização, cujo princípio geral se encontra enunciado no artigo 562.º do mesmo Código, ao consagrar que:
Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existira, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Por sua vez, o artigo 563.º daquele diploma, sob a epígrafe nexo de causalidade, a que está subjacente a chamada teoria da causalidade adequada, estabelece que:
A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse lesado.
Nas palavras do Prof. Almeida e Costa, “na perspectiva da responsabilidade civil (…), dano ou prejuízo é toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica” Direito das Obrigações, Almedina, 11.ª Edição, 2008, pag. 591. .
Os danos podem classificar-se em diversas espécies: danos patrimoniais, quando sejam susceptíveis de avaliação pecuniária, porque incidentes sobre interesses de natureza material ou económica, que se reflectem, portanto, no património do lesado; danos não patrimoniais, quando não são susceptíveis de avaliação patrimonial por respeitarem a interesses ou valores de ordem espiritual, ideal ou moral.
Noutra vertente, segundo o disposto no n.º 1 do artigo 564.º do CC, os danos patrimoniais podem ser: emergentes, se importam perda ou diminuição de valores já existentes no património do lesado; ou lucros cessantes, quando compreendem vantagens económicas que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
Além disso, em conformidade com o n.º 2 do mesmo normativo, os danos podem ser presentes, se já se verificam no momento em que são considerados; ou futuros, desde que sejam previsíveis, seja já como certos, seja, pelo menos, como suficientemente prováveis, não podendo ser meramente eventuais, incertos ou hipotéticos. Na feliz expressão de Vaz Serra In BMJ n.º 84, pag. 253., devem traduzir-se “num desenvolvimento seguro de um dano actual.”
Uma vez determinados os danos existentes, importará depois estabelecer o seu nexo de causalidade com o acto lesivo, nos termos preconizados no artigo 563.º do CC, para o que se tem vindo a adoptar a teoria da causa-lidade adequada, segundo a qual há que determinar, em primeira linha, se o evento lesivo é uma condição sine qua non do dano causado e, em segunda linha, se, em abstracto, aquele evento se revela adequado a produzir o dano, segundo o curso normal ou típico das circunstâncias, à luz das regras da experiência comum, atendendo-se tanto às circunstâncias cognoscíveis, à data do facto, por um cidadão médio, como às circunstâncias realmente co-nhecidas pelo agente.
Quanto ao valor do dano patrimonial, nos termos do artigo 566.º, n.º 1, do CC, o princípio é o da reconstituição natural, mas se esta não for possível ou for excessivamente onerosa para o devedor, proceder-se-á à indemnização por equivalente pecuniário, conforme o critério estabelecido no n.º 2 do mesmo artigo, à luz da teoria da diferença, procurando colocar o lesado na situação patrimonial que teria, à data mais recente que puder ser atendida, se não existissem os danos; e se não puder ser apurado o seu valor exacto o tribunal julgará segundo critérios de equidade, dentro dos limites tidos como provados (art.º 566.º, n.º 3).
No domínio dos danos não patrimoniais, como não se visa uma reconstituição patrimonial, mas apenas uma compensação pecuniária pela ofensa grave a valores espirituais ou morais merecedores de tutela jurídica, a indemnização será arbitrada pelo tribunal, também segundo juízos de equidade, tendo em conta a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias justificativas (art.º 496.º, n.º 4, com referência ao art.º 494.º do CC).
No caso vertente, os A.A. alegaram os seguintes espécies de dano:
a) – danos patrimoniais decorrentes da perda de chance em obter o ganho da causa, no valor de € 5.736.912,00, acrescidos de juros de mora desde a citação, mas que foram fixados em 1.ª instância, no valor de € 2.307.713,81, acrescidos de juros de mora desde a data da sentença;
b) – danos patrimoniais emergentes correspondentes aos honorários e despesas que suportaram com o investimento na acção instaurada junto da jurisdição administrativa, cujo recurso ficou deserto, no valor de no valor de € 391.832,83, acrescidos de juros de mora desde a citação, mas que foram fixados em 1.ª instância no valor de € 67.743,03, acrescidos de juros de mora desde a data peticionada;
c) – danos não patrimoniais pelo abalo psíquico que tiveram perante o desfecho infrutífero daquela acção, no valor de € 5.672.452,50, acrescidos de juros de mora desde a citação, mas que foram fixados em 1.ª instância nos valores de € 30.000,00 a favor do A. L… e € 15.000,00, a favor do A. A…, acrescidos de juros de mora a contar da data da sentença.
Relativamente aos danos patrimoniais, a Seguradora Interveniente foi condenada a pagar aos A.A.:
- a quantia de € 2.305.213,81, a título de danos patrimoniais, que tinham sido pedidos a título de perda de chance, acrescida de juros de mora a partir da data da sentença;
- a quantia de € 67.743,03, a título de danos patrimoniais pedidos pelos honorários e outras despesas suportadas pelos A.A., também acrescida de juros de mora, a partir da data da citação.
Por sua vez, os R.R. foram condenados, solidariamente, a pagar aos A.A. da quantia de € 2.500,00, acrescida de juros de mora a partir da data da sentença, correspondente à franquia, abatidos à quantia arbitrada a título de danos patrimoniais pedidos por perda de chance.
Ante este quadro referencial, importa agora passar à apreciação das várias questões que se colocam em cada uma daquelas espécies de dano.
3.4.2. No que respeita ao dano por perda de chance
A questão da ressarcibilidade do chamado dano por perda de chance é, sem sombra de dúvida, a questão mais problemática do presente recurso, desde logo, pela dificuldade em saber se estamos perante um dano patrimo-nial tutelado pela nossa ordem jurídica e, em caso afirmativo, qual o crité-rio a adoptar para o seu cálculo.
O tribunal a quo, ancorado na orientação doutrinária de Carneiro da Frada, perfilhou o entendimento de que “a perda de chance é um dano em si mesmo com expressão patrimonial, aludindo à sua distinção relativamente à teoria da perte de chance, inserida já numa causalidade probabilística não admissível no Direito português, atento o disposto no art.º 563.º do CC”.
E, quanto ao respectivo cálculo indemnizatório, seguindo a metodologia apresentada por Carneiro da Frada/Oliveira Ascensão nos seus pareceres juntos aos autos, tomou em linha de conta os seguintes factores:
- a espécie de acção em que se verificou a perda de prazo de recurso (acção para reconhecimento de direitos no tribunal administrativo), bem como o valor do pedido nela deduzido, que foi de 23.132.754.000$00, equivalente a € 115.385.690,49;
- a fase processual em que ocorreu essa perda de prazo, quando já havia sido proferida, em 1.ª instância, decisão desfavorável e o recurso em causa era para o STA;
- o grau de probabilidade de êxito dessa acção, tendo em conta que A.A. e R.R. estão de acordo com um baixíssimo grau de sucesso, uma vez que havia e continua a haver jurisprudência no sentido firmado na decisão do TCA de Lisboa;
- a culpa grosseira da R.;
- a boa situação patrimonial da sociedade R. e a transferência da responsabilidade para a Seguradora Interveniente até ao limite de € 5.000.000,00 com a franquia de € 2.500,00.
Nessa base, o tribunal fixou o montante indemnizatório no valor de € 2.307.713,81, por ser o correspondente a 2% do pedido formulado naquela acção (2% x € 115.385.690,49).
Os R.R./apelantes rebatem aquele entendimento, com o seguinte argumentário, que, para melhor ponderação, aqui respigamos das conclusões recursórias:
- A sentença recorrida afirma que o “dano da perda chance”, ao abrigo do qual entendeu atribuir a indemnização aos A.A., nada tem a ver com a teoria da “perte da chance” que a decisão diz inscrever-se "numa causalidade probabilística não admissível no Direito Português, atento o disposto no art.º 563.° do CC ", mas não esclarece os fundamentos da distinção que faz, limitando-se a salientar que não está em causa o dano da perda da ac-ção, "mas o dano que os autores sofreram de não ver a sua pretensão rea-preciada pelo STA";
- Esse será necessariamente também um “dano da perda da chance”, no sentido de um dano da perda de uma oportunidade (a oportunidade de a pretensão ser reapreciada no tribunal de recurso), pelo que está em causa uma mera distinção “conceitual” que assenta numa falácia e não tem apoio na lei;
- A melhor demonstração de que se trata de um "argumento formal" para ultrapassar a inultrapassável dificuldade de a tese postular a "desconstrução" do instituto da responsabilidade civil é que a sentença, para arbitrar a indemnização por equidade, chama à colação o valor do pedido, ou seja, a perda da acção, dano que diz não pretender ressarcir justamente por estar em causa uma "mera causalidade probabilística" inadmissível no ordenamento jurídico português;
- A indemnização do dano da perda da oportunidade de a questão ser reapreciada no STA não supera a questão da "causalidade probabilística", porquanto está necessariamente a ficcionar que o tribunal de recurso não confirmaria a decisão da 1.ª instância; sendo a decisão confirmada, como tudo leva a supor que sucederia, em face da circunstância de a jurispru-dência se ter mantido, até hoje, inalterada, a sentença ressarciu um dano inexistente;
- Uma indemnização no valor da que foi fixada a título de danos patrimoniais não é minimamente justificável a não ser à luz da pressuposição da chamada “causalidade probabilística” que a sentença reconhece não ser admissível no direito português, encerrando, por isso, uma contradi-ção insanável;
- Quem admita o dano de perda da chance no ordenamento jurídico positivo português, ainda que com a "nuance" que a sentença lhe introduz, tem necessariamente de "desconstruir" o instituto da responsabilidade civil;
- A aceitação do instituto, nos termos em que os A.A. o concebem e a sentença acaba por admitir, ainda que formalmente o negue, pressupõe que a obrigação de indemnizar poderá existir sem qualquer certeza da verificação de nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, e até sem a menor demonstração de que este último existiu;
- Só ignorando ou desvirtuando o sentido e alcance das normas que regulam a responsabilidade civil, ou seja, “desconstruindo o instituto”, será possível reconhecer que o chamado “dano de perda da chance” é passível, em qualquer caso, de reparação, conforme a sentença recorrida admi-te;
- O “dano de perda da chance”, mesmo na interpretação que a sentença lhe confere, indo além do que Carneiro da Frada sustenta no texto que publicou após a emissão dos pareceres, não é admissível à face do ordenamento jurídico positivo português, porquanto a obrigação de indemnizar, ainda que para quem entenda que o dano de perda da chance constitui uma espécie de "terceira via" entre a responsabilidade civil contratual e a extracontratual, não pode deixar de convocar a necessidade de demonstração de que o facto ilícito ofendeu bens jurídicos do lesado; daí que a oportunidade perdida nunca possa ser nula, escassa ou muito reduzida;
- Admitir isso seria “abrir a porta” a graves injustiças, para autênticos enriquecimentos do lesado, como sucederá se a decisão recorrida vier a ser confirmada;
- A existência de um prejuízo tem de ser certa ou pelo menos altamente provável sob pena de o tribunal, ao fixar o montante da reparação, ter de emitir um juízo não jurídico, antes pelo contrário, uma espécie de “previsão astrológica” de natureza puramente indutiva, sem qualquer apoio em nenhum facto certo;
- O nexo causal também carece de ser demonstrado mesmo para quem sustente a aplicabilidade do dano de perda da chance;
- Não pode, no Direito Português, haver lugar à reparação de um dano, em face das regras da responsabilidade civil, enquanto fonte de uma obrigação, sem uma prova patente da causalidade
- Aceitar a possibilidade de reconhecer um dano sem uma prova mínima do nexo causal da ofensa dos bens jurídicos transformaria a administração da justiça numa espécie de “jogo de sorte ou de azar”;
- Por essa razão é que os defensores do instituto da perda de chance não se bastam com uma qualquer perda de oportunidade mas com uma perda de oportunidade cuja probabilidade de determinar o evento danoso seja, em regra, superior em mais de cinquenta por cento de probabilidades de o mesmo vir a ocorrer;
- Tal juízo de probabilidade não só se não provou, como até se demonstrou o inverso, ou seja, que os anos entretanto decorridos vieram demonstrar que a jurisprudência não se alterou;
- Não é a perda de qualquer chance que é passível de ser ressarcida, mas a perda de oportunidade com um determinado grau de probabilidade de vir a concretizar-se;
- Não existe nos autos qualquer facto alegado e provado que permitisse ao Tribunal fazer aquilo que os defensores do “dano de perda da chance” designam de “juízo dentro do juízo” ou, por outras palavras, de “julgamento dentro do julgamento”;
- Os A.A. tinham o ónus de alegar os factos e os argumentos de direito que permitissem ao tribunal fazer um juízo de prognose sobre o resultado da acção e ou do recurso;
- Só em face da probabilidade de êxito do recurso que o tribunal viesse a apurar, é que este poderia concluir, com se concluiu na sentença recorrida, pela existência ou não do direito à reparação da “chance” e pela determinação do seu quantum;
- Sem este “juízo dentro do juízo”, o tribunal, mesmo na perspectiva do dano da “perda de chance” que adoptou, estava impedido de fixar uma indemnização do modo como o fez por referência a uma percentagem do valor do pedido formulado na acção, percentagem que tem necessariamente subjacente um juízo de probabilidade do êxito do recurso em relação ao qual nenhuma prova foi feita;
- No caso, a atribuição da indemnização pressupõe que o tribunal concluiu que: todos os juízes do STA e do TC que fixaram jurisprudência uniforme citada na sentença aludida em AG da matéria assente, tinham decidido erradamente; o juiz que decidiu a acção em primeira instância também se tinha equivocado; finalmente, todos os juízes que, posteriormente, mantiveram e consolidaram a jurisprudência já então uniforme também tinham errado;
- Não se vê que o tribunal pudesse ter chegado a tal conclusão, em face de a jurisprudência consolidada, que a decisão do TAC seguiu, não ter sido alterada, mesmo que os A.A. tivessem tentado fazer o "julgamento dentro do julgamen-to";
- Não o tendo feito, o tribunal estava impedido, mesmo aderindo à orientação do “dano de perda da chance” com a “nuance” enunciada na sentença recorrida, de concluir que esta existiu em termos reais, sérios e com um grau de probabilidade que justifique a fixação de uma indemnização: na verdade, o ressarcimento do dano da impossibilidade de os A.A. terem perdido a possibilidade de o STA reapreciar a decisão da 1.ª instância também só será passível de indemni-zação caso se tivesse apurado uma probabilidade séria/elevada de procedência do recurso, ou seja, não ultrapassa, nem supera o problema de se estar perante uma mera “causalidade probabilística” que a sentença reconhece não ser admissível;
- A sentença recorrida alheou-se também dos reflexos da instauração da acção administrativa comum referida na alínea AAH da matéria assente em sede da obrigação de indemnizar por “perda da chance”: a perda da chance só será indemnizável, como tal, se a perda for irreversível e irremediável, mas a instau-ração dessa acção permite concluir que assim não é;
- A instauração desta acção, ainda que a mesma improceda na jurisdição portuguesa, permitirá que a questão seja discutida no TEDH, assim se ultrapassando a dificuldade de o recurso a esse Tribunal se ter tornado inviável, uma vez que o mesmo pode ser apresentado, dentro dos seis meses após a decisão definitiva daquela acção na jurisdição portuguesa;
- A "chance" de discutir o valor da indemnização nesta instituição supra nacional não foi perdida, como em última análise não foi perdida a oportunidade de obter do Estado Português a satisfação da pretensão deduzida na acção instaurada pela sociedade de advogados ré: é isso que significa a instauração da acção aludida na alínea AAH da matéria assente;
- Como, numa síntese particularmente feliz, o acórdão do STJ, de 29-4-2010, no âmbito do processo n.o 2622/07.OTBPNF.PI.SI da 1.a secção, doutrinou que:
Na perda de chance, ou de oportunidade, verificou-se uma situação omissiva que, a não ter ocorrido, poderia razoavelmente propiciar ao lesado uma situação jurídica vantajosa;
Trata-se de imaginar ou prever a situação que ocorreria sem o desvio fortuito não podendo constituir um dano presente (imediato ou mediato) nem um dano futuro (por ser eventual ou hipotético) só relevando se provado que o lesado obteria o direito não fora a chance perdida.
Se um recurso não foi alegado, e em consequência ficou deserto, não pode afirmar-se ter havido dano de perda da oportunidade, pois não é demonstrada a causalidade já que o resultado é sempre aleatório por depender das opções jurídicas, doutrinárias e jurisprudenciais dos julgadores chamados a reapreciar a causa.
- No n.o 3 do artigo 566.° do CC estabelece-se que “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”;
- Ao contrário do que a sentença recorrida entendeu, esta norma não autoriza a que o se decida arbitrariamente, pois, se não existir certeza quanto à existência do dano e não apenas quanto ao seu “quantum”, o julgador não poderá basear-se na norma para arbitrar uma indemnização sob pena “de se estar a prescindir do dano, como pressuposto essencial da responsabilidade civil”;
- O lesado não fica desvinculado do ónus de alegar e provar os factos que revelem a existência de danos e permitam a sua avaliação de acordo com juízos de equidade; quanto a essa matéria, os autores nada alegaram de concreto a não ser o montante dos gastos em pareceres e honorários.
- Não é seguramente aceitável considerar que o ónus da alegação foi cumprido com as despropositadas referências feitas na petição inicial ao montante das custas devidas pelo insucesso da acção na jurisdição comum; daí que o tribunal não estivesse legitimado para fixar qualquer indemnização por equidade;
- O julgamento por equidade não permite que o Tribunal, com recurso a juízos indutivos, conclua pela existência de danos, erro em que a sentença recorrida incorreu, ao decidir fixar a indemnização por equidade com base numa percentagem sobre o valor do pedido formulado na acção;
- Como o tribunal não só não apurou qualquer probabilidade de êxito do recurso e ignorou a circunstância de a jurisprudência consolidada se não ter alterado, forçoso é concluir que a decisão ficcionou a existência de um dano (o dano de os A.A. terem perdido a possibilidade de verem a sua pretensão reapreciada pelo STA) e, em consequência, arbitrou aleatoriamente um montante indemniza-tório: a decisão por equidade é necessariamente subjectiva, mas não pode ser discricionária.
- Sustentar a tese que a sentença acolheu traduz-se em ignorar por completo a teoria da diferença consagrada no n.o 2 do artigo 566.º do CC, não tendo o valor da condenação arbitrada a menor justificação à luz do critério consagrado na norma, tendo sido violado o disposto nos art.º 496.º, n.o 1, 562.°, 563.° e 566.° n.o 2, do CC;
Também a Interveniente/apelante sustenta que:
- A “perda de chance” traduz-se em imaginar e prever a situação que ocorreria se não se tivesse concretizado uma omissão ou desvio fortuito e não pode constituir nem um dano presente nem um dano futuro, apenas relevando se provado que o lesado obteria o direito não fora a chance perdida.
- Face à matéria de facto apurada, designadamente que aos A.A. não foram dadas garantias de êxito da acção, sendo-lhes explicado que a acção era complexa (conforme respostas aos quesitos 70.° e 71.°), e que estão de acordo quanto às reduzidas possibilidades de sucesso, não se pode concluir que estes obteriam o direito não fora a chance perdida.
- Na própria decisão recorrida se reconhece a óbvia prognose desfavorável aos A.A., já que se quantifica a "chance" destes em 2%.
- Por isso, uma tão exígua previsão de sucesso não permite, em hipótese alguma, fundamentar à luz dos princípios que regem a obrigação de indemnização e do adequado nexo causal entre o facto ilícito e o dano qualquer indemnização.
- Não o entendendo assim, a sentença sob recurso violou o disposto nos artigos 798.°, 562.°, 563.° e 566.°, n.° 3, do CC.
- Além disso, importa ainda ter presente que os A.A. instauraram acção comum contra o Estado Português, a qual corre termos com o n.° 1984/06.0BELSB, na 4.ª - Unidade Orgânica do TAC de Lisboa, embora tenha causa de pedir assente em facto jurídico diverso - enriquecimento sem causa (a venda da empresa dos A.A. que havia sido nacionalizada e subsequentemente integrada na PC foi reprivatizada, recebendo o ESTADO);
- Ainda que a viabilidade desta pretensão seja também inexistente ou exígua não deixa de, por um lado, demonstrar que não houve qualquer “perda de chance” e, por outro lado, de originar, a proceder, uma duplicação da indemnização, já que, como se extrai da alínea AAH) e da resposta ao art.º 73.° da b.i., o pedido, ainda que as-sente em facto jurídico diverso, terá idêntico efeito;
- Não tendo assim sido ponderado tal facto, considerando que o dano aqui em causa nada tem a ver com a acção acima referida, a sentença ora recorrida fez errada interpretação das normas dos artigos 562.°, 563.° e 566.° do CC.
Por sua vez, os apelados sustentam a autonomia do dano por perda de chance, bem como a tutela da sua ressarcibilidade na nossa ordem jurídica, desenvolvendo o vasto argumentário acima consignado, que aqui se dispensa de respigar, dada a sua extensão, diferentemente do que se fez em relação às conclusões dos recorrentes por serem estas que delimitam o objecto dos recursos, mas que nem por isso se deixarão de ter em menor conta.
Aqui chegados, as problemáticas enunciadas consistem em saber:
a) – se o dano por perda de chance constitui um dano patrimonial autónomo que mereça tutela na nossa ordem jurídica;
b) – em caso afirmativo, que pressupostos deve reunir para assim ser considerado;
c) – depois, como estabelecer o respectivo nexo de causalidade com o facto ilícito em causa;
d) – face ao quadro traçado, se o caso dos autos suporta um tal enquadramento;
e) - qual o critério a adoptar na determinação do montante indemnizatório.
Quanto à tutela jurídica do chamado dano por perda de chance
A doutrina jurídica sobre a indemnização pela designada perda de chance, também conhecida por perda de oportunidades de realizar um ganho ou evitar um prejuízo, sem que se possa apurar a sua verificação efectiva, terá despontado, implicitamente, em França, no âmbito de um acórdão proferido pela Cour de Cassation, em 17/07/1889, no qual foi dado provimento a uma pretensão indemnizatória fundada numa gerada impossibilidade de prosseguir um processo judicial Para uma panorâmica sobre a emergência e evolução da doutrina da “perda de chance”, em sede de direito comparado, vide, entre outros, Rute Teixeira Pedro, A Responsabilidade Civil do Médico – Reflexões sobre a Noção da Perda de Chance e a Tutela do Doente Lesado, Faculdade de Direito da Univer-sidade de Coimbra (FDUC), Centro de Direito Biomédico (CDB), Coimbra Editora, 2008, pag. 192 a 198, e ainda o brilhante parecer de Paulo Mota Pinto, junto a fls. 3527-3669 (fls. 3585 a 3598, correspondentes às páginas 57 a 71). . A partir de então, a jurisprudência dos tribunais franceses veio a acolher e alargar, gradualmente, aquela doutrina a outros tipos de casos, a ponto granjear, hoje, aceitação unânime naquele país, tanto no domí-nio do direito privado como do direito público, com o enfoque polémico centrado agora nos requisitos de ressarcibilidade desse tipo de dano e nos critérios de determinação do montante reparatório Vide, neste particular, Rute Teixeira Pedro, obra citada, pag. 193 e Paulo Mota Pinto, in parecer citado, fls. 3622 correspondente à pag. 90. .
Também em Itália, a perda de chance tem sido admitida pelos tribunais em campos diversos, com especial relevo no direito de trabalho, exigindo-se, para a sua própria existência, um grau de probabilidade da vantagem pertinente Vide Rute Teixeira Pedro, ob. cit. pag. 193-194. . Por sua vez, nos ordenamentos de matriz anglo-saxónica, a jurisprudência tem vindo a reconhecer a ressarcibilidade da perda de chance numa multiplicidade de casos, estabelecendo, para tanto, patamares probabilísticos Vide Rute Teixeira Pedro, ob. cit. pag. 195-196 e 216. ; na mesma linha, a doutrina austríaca, holandesa e alemã tem propendido para a chamada “causalidade probabilística”, sendo que a solução predominante na doutrina alemão vai no sentido de admitir a inversão do ónus da prova ou uma facilitação da prova da causalidade Vide Paulo Mota Pinto, ob. cit. pag. 1104, e parecer acima indicado, fls. 3595 correspondente à pag. 68..
A par desse desenvolvimento jurisprudencial, a perda de chance encontra-se consagrada nos princípios relativos aos contratos comerciais internacionais da UNIDROIT Vide Rute Teixeira Pedro, ob. cit. pag. 197. , segundo os quais:
“1 – Só há dever de reparar o prejuízo, ainda que futuro, que possa ser determinado com razoável grau de certeza;
2 – A perda de uma expectativa pode ser reparada na medida da probabilidade da sua realização;
3 – O prejuízo cujo valor não possa ser determinado com suficiente certeza será avaliado discricionariamente pelo tribunal.”
Em Portugal, a doutrina da perda de chance não teve, até há poucos anos, um tratamento alargado, para além de afloramentos genéricos ou muito marginais, nomeadamente no domínio da responsabilidade médica e dos concursos públicos, mas recentemente têm sido produzidos estudos e monografias de aprofundamento dessa temática Entre outros estudos específicos, destacam-se: o estudo de Júlio Vieira Gomes, Sobre o dano da perda de chance”, publicado in Direito e Justiça, Vol. XIX, 2005, tomo II (pp. 9-47); a monografia de Rute Teixeira Pedro, A Responsabilidade Civil do Médico – Reflexões sobre a Noção da Perda de Chance e a Tutela do Doente Lesado, FDUC/CDB, Coimbra Editora, 2008, a dissertação de Mestrado de Patrícia Cordeiro da Costa, Dano de perda de chance e a sua perspectiva no direito português, Coimbra, 2010. .
De um lado, situam-se os Autores que, face ao direito positivo português, recusam a ressarcibilidade da perda de chance, como dano autónomo, na medida em que o regime legal da responsabilidade civil exige certeza na identificação do dano e do respectivo nexo de causalidade com o evento lesivo, como fundamento ou pressuposto da obrigação de indemnizar, o que nunca seria possível aferir em sede de perda de chance.
Nesse sentido, para Júlio Vieira Gomes Sobre o dano da perda de chance”, publicado in Direito e Justiça, Vol. XIX, 2005, tomo II, pp. 9-47 (25 a 43), o reconhecimento do dano de perda de chance inscreve-se numa “tendência para a ampliação gradual do dano ressarcível”, levantando um “sem número de problemas”, tanto ao nível conceitual como ao nível prático, não sendo claro que tal dano deva “ser concebido como “uma modalidade de dano emergente ou de lucro cessante”, considerando mesmo que a chamada “perda de chance” encobre questões que se colocam em dois planos distintos, ainda que interferentes, como são o plano do dano e o da causalidade. Depois de observar que a doutrina firmada nos ordenamentos jurídicos estrangeiros implica uma ruptura com a concepção da causalidade adequada, o mesmo Autor conclui que: “a mera perda de uma chance não terá, em geral, entre nós, virtualidades para fundamentar uma pretensão indemnizatória” e que “na medida em que a doutrina da perda de chance seja invocada para introduzir uma noção da causalidade probabilística, (…) a mesma deverá ser rejeitada entre nós, ao menos de jure condito”.
Na mesma linha, Paulo Mota Pinto Na obra Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Vol. II, Coimbra Editora, 2008, pag. 1103-1106, nota 3103, nota 3103, e no parecer junto aos autos a fls. 3601 correspondente à pag. 74. sustenta que, “no plano de jure condito, não parece que exista já hoje entre nós base jurídico-positiva para apoiar a indemnização da perda de chance, sendo claro que o legislador do Código Civil não fornece qualquer apoio nesse sentido, e, pelo contrário, parte da prova da existência de um dano certo (só admitindo a fixação pela equidade do seu valor exacto)”. E mesmo, no plano de jure condendo, observa que a indeterminabilidade do dano por perda de chance pode ofender os princípios balizadores da obrigação de indemnizar com primordial função compensatória, como são os da reparação total e da proibição do enriquecimento do lesado.
De outro lado se posicionam os Autores que aceitam a ressarcibilidade do dano por perda de chance, no quadro do nosso ordenamento jurídico, procurando, no entanto, delimitar os seus contornos e requisitos.
Assim, Carneiro da Frada In Direito Civil/Responsabilidade Civil – O Método do Caso, Almedina, 2006, pag. 104/105. considera “a perda de oportunidade um dano em si, como que antecipando o prejuízo relevante em relação ao dano final (apenas hipotético …), para cuja ocorrência se não pode asseverar um nexo causal suficiente”. E, tomando como exemplo a chance erigida pelas partes no âmbito de um contrato, ou seja, como bem jurídico contratualmente protegido, sustenta que a perda daquela oportunidade pode desencadear responsabilidade contratual, embora reconheça que, em sede de responsabilidade delitual, a primeira alternativa do n.º 1 do artigo 483.º do CC não dê espaço para tal e que, fora desse contexto, tudo dependerá da possibilidade de individualizar a violação de uma norma cujo escopo seja precisamente a salvaguarda da chance. Além disso, entende que, para a quantificação do dano, é indispensável um juízo de probabilidade, mas que, não sendo possível averiguar o seu valor exacto, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados, nos termos do n.º 3 do artigo 566.º do CC.
Propõe ainda o mesmo Autor a via alternativa de considerar, “em nome da função preventiva da responsabilidade civil coligada ao pensamento da imputação do dano àquele que aumentou o perigo da sua ocorrência”, a inversão “do ónus da prova da causalidade e exigir a quem violou o dever a de-monstração de que o prejuízo não radicou nela ou de que, no caso concreto, o dano se teria produzido apesar dessa violação”. Também Sinde Monteiro In Responsabilidade por Conselhos, Recomendações e Informações, Coimbra, Almedina, 1987, pag. 294 aponta para um eventual alargamento do limiar da relevância da causalidade por via da mera “elevação do risco”.
Por sua vez, Rute Teixeira Pedro Obra cit. pag. 221 e seguintes. qualifica a perda de chance como categoria de dano autónomo, “substancialmente diverso do dano decorrente da perda do resultado por ela proporcionado”, que identifica como dano actual, emergente e certo, por ter “… por objecto a perda da possibilidade actual de conseguir um resultado determinado”, já existente no momento da lesão, a qual tem de ser provada com o grau de verosimilhança exigido em termos de consistência ou seriedade.
Para esse efeito, destaca três factores indispensáveis:
1.º - a existência de um determinado resultado positivo futuro que pudesse vir a verificar-se, mas cuja verificação não se apresenta certa;
2.º - a verificação de que, apesar daquela incerteza, a pessoa lesada reúne as condições de poder vir a alcançar tal resultado;
3.º - a verificação de um comportamento de terceiro (o agente do acto lesivo) susceptível de gerar a sua responsabilidade, em termos de eliminar de forma definitiva as (ou algumas das) possibilidades existentes de o resultado se vir a produzir.
Nessa base, aquela Autora distingue a certeza respeitante à inviabilização definitiva do resultado possível, pela qual se afere o dano certo, da verificação efectiva desse resultado, que é, por natureza, incerta.
E adianta que, demonstrada a existência de uma chance consistente e séria e provada a sua perda como decorrência de um facto ilícito, se coloca então o problema da determinação do quantum reparatório, para o que propõe uma dupla avaliação baseada na utilidade económica que seria alcançada com a verificação do resultado final e na probabilidade de o alcançar, compreendendo três operações de liquidação:
“1.º – A avaliação da utilidade que a eventual convolação da chance em resultado final traria ao sujeito, ou seja, a avaliação do prejuízo decorrente da perda da vantagem ou da consumação da desvantagem;
2.º - Apreciação da consistência da chance, que se traduzirá num valor percentual significativo das probabilidades de êxito;
3.º Por fim, aplicação desta percentagem ao valor encontrado na 1.ª operação”.
Passando agora ao panorama da jurisprudência nacional, começaremos por reconhecer que a orientação dominante do Supremo Tribunal de Justiça tem sido restritiva, em particular, no domínio da perda de chances processuais fundada em violação dos deveres profissionais do advogado, ancorando-se na ideia de que “a mera perda de chance não tem, em geral, virtualidade jurídico-positiva para fundamentar uma pretensão indemnizatória, por contrariar o princípio da certeza dos danos e as regras da causalidade adequada”, só podendo ser atendida em situações pontuais e residuais, como aquelas em que ocorra a perda de um bilhete de lotaria, ou em que se seja ilicitamente afastado de um concurso, ou no caso de atraso de um diagnóstico médico que tenha diminuído substancialmente as possibilidades de cura de um doente Vide acórdão do STJ, de 26/10/2010, relatado pelo Exm.º Juiz Conselheiro Azevedo Ramos, no recurso de revista n.º 1410/04.0TVLSB.L1.S1, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj..
Assim, o douto acórdão do STJ, de 29/04/2010, relatado pelo Exm.º Juiz Conselheiro Sebastião Póvoas, no processo n.º 2622/07.0TBPNF.P1.S1 Disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
, versa precisamente sobre um caso de responsabilidade de advogado por deserção de um recurso interposto de uma sentença proferida em 1.ª instância, destaca como jurisprudência seguida por aquele Alto Tribunal a dos seguintes arestos:
- um de 9/02/2006 (06B016), a considerar a exigência de alegação e a demonstração de que “há uma forte probabilidade de a oportunidade se não voltar a repetir ou mesmo se perdeu definitivamente”;
- dois, de 6/03/2007 (07-A138) e de 16/06/2009 (1623/03.1TCLRS. S1), a afastarem, na prática, a perda de chance por, tratando-se de casos de concursos públicos, dependeram de juízos de discricionariedade e de manifesta álea, tornando imprevisível a ocorrência do dano e assim afastando o nexos causal;
- e outro de 22/10/2009 (409/09.4YFLSB), a concluir que a perda de chance não releva na vertente jurídica, “por contrariar o princípio da certeza dos danos e da causalidade adequada.
No citado aresto, considera-se que “a perda de chance mais não é do que uma oportunidade de obter uma futura vantagem patrimonial que se gorou”, tratando-se portanto de “imaginar ou prever a situação que ocorreria não fora o ilícito”, o que não se traduz num dano presente, “no sentido de se achar concretizado no momento da fixação da indemnização”, nem também, em rigor, num dano futuro “por não se inserir na definição do n.º 2 do artigo 564.º do CC, já que este tipo de dano tem de ser previsível, tendo-se como certa ou suficientemente provada a sua verificação, afastando-se os prejuízos eventuais, incertos ou hipotéticos”. Daí extrai-se que “a perda de oportunidade, não sendo um dano presente – imediato ou mediato -, só pode ser qualificado de dano futuro mas eventual e hipotético, salvo se a prova permitir com elevado grau de probabilidade, ou verosimilhança, concluir que o lesado obteria certo benefício não fora a chance perdida”.
Nessa linha de entendimento, ali se considera que não sendo o Direito “de todo, uma ciência exacta, de que são frequentemente reflexo as divergências doutrinárias e jurisprudenciais, tendo qualquer recurso uma álea dependente das opções (ou perspectivas) dos julgadores”, não se mostra que o seu resultado final seja previsível. E acrescenta-se que o dano patrimonial através da figura de perda de chance só poderia ser ficcionado, o que “implicaria conferir à indemnização uma função punitiva, que não meramente reparatória, esta a exigir a alegação e prova de um dano emergente ou de um lucro cessante que não se apurou em concreto, tornando assim o lesante responsável por todos os prejuízos que necessariamente resultem do não cumprimento do contrato”, como se refere no acórdão do STJ, de 6/03/2007 (07 A138).
Por sua vez, o acórdão do STJ, de 28/09/2010, relatado pelo Exm.º Juiz Conselheiro Moreira Alves, no processo n.º 171/2002.S1 Disponível na Internet - http://www.dgsi.pt/jstj. e também referenciado no parecer de Paulo Mota Pinto a fls. 3605 dos autos, correspondente à pag. 78 daquele parecer. , incidindo também sobre um caso de perda de chance processual, imputável a advogado, por falta de apresentação de contestação, reconheceu o direito de indemnização ao litigante, bastando-se com o facto de o advogado demandado ter privado o seu cliente de um direito processual essencial, levando, desse modo, à imediata confissão dos factos alegados pelo impetrante, isto independentemente da sorte da acção, caso tivesse o seu percurso normal, o que se traduz no reconhecimento daquela perda de chance como um dano autónomo.
Também o acórdão do STJ, de 10/03/2011, relatado pelo Exm.º Juiz Conselheiro Távora Victor, no processo 9195/03.0TVLSB.L1.S1, em que se discutia a responsabilidade de advogado por falta de pagamento de taxas de justiça devidas num incidente de falsidade de letra e assinatura, que impossibilitou em definitivo a apreciação judicial da questão, considerou que “a chance, quando credível, é portadora de um valor de per si, sendo a respectiva perda passível de indemnização, desde logo quanto à frustração das expectativas que fundadamente nela se filiaram para o expectante”.
Mais recentemente, o acórdão do STJ, de 29-05-2012, relatado pelo Exm.º Juiz Conselheiro João Camilo Disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
, no processo 8972/06.5TBBRG.G1. S1, em que estava em causa a perda de chances processuais imputáveis a advoga-do, seguindo na linha do doutrinado nos acórdãos daquele Tribunal, de 26/10/2010, (processo n.º 1410/04.0TVLSB.L1.S1) e de 29-04-2010 (processo n.º 2622/07.0TBPNF.P1.S1), concluiu que “a perda de chance não tem, em geral, apoio na nossa lei civil que exige a certeza dos danos indemni-záveis e a existência de nexo de causalidade entre eles e a conduta do lesante” e que “apenas quando se prove que o lesado obteria, com forte probabilidade, o direito não fora a chance perdida, se pode fundamentar uma indemnização pelos respectivos danos”.
Em suma, deste espectro de orientações pode concluir-se que a orientação dominante da jurisprudência do STJ vai no sentido de que a perda de chances processuais não constitui um dano autónomo, na medida em que ofende os princípios de certeza do dano e da causalidade adequada, com ressalva das hipóteses em que a prova permita com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança concluir que o lesado obteria certo benefício não fora a chance perdida.
Já no âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo parece algo mais permissiva na admissibilidade da ressarcibilidade do dano por perda de chance, ao considerar essa vantagem perdida “como um valor autónomo e actual, distinto da utilidade final que potencia e que, por isso, a respectiva perda de oportunidade de ganho não é uma mera expectativa, mas um dano certo e causalmente ligado à conduta da Administração, determinando-se o montante indemnizatório com referência à vantagem económica final que poderia ter sido obtida e à probabilidade que o lesado teria de a alcançar”. Vide o comentário do Exm.º Juiz Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Regime da responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Rntidades Públicas, Anotado, Coimbra Editora, 2011, pag. 98-99.
Sobre tal problemática, o Exm.º Juiz Conselheiro Carlos Cadilha escreve o seguinte Ob. cit. pp. 99-101. :
“Segundo é geralmente aceite, a indemnização por perda de chance traduz-se na probabilidade de obter uma vantagem ou evitar um prejuízo, representando, por conseguinte, o desaparecimento de uma posição favorável preexistente que integrava a esfera jurídica do lesado, Com esse conteúdo, a perda de chance não deixa de constituir um dano certo, na modalidade de dano emergente, na medida em que não equivale à perda de um resultado ou de uma vantagem, mas à perda da probabilidade de o obter. Quando essa consequência negativa é imputável a um facto lesivo de outrem coloca-se a questão da sua possível indemnizabilidade.
Nesse sentido, a perda de chance não corresponde a um mero dano eventual ou a um dano futuro, mas a um dano certo e actual, visto que se trata da perda da possibilidade concreta – e já existente no património do interessado – de obter um resultado favorável. A dificuldade coloca-se na avaliação do dano, uma vez que, embora exista uma expectativa, a obtenção do resultado vantajoso é meramente hipotética. A perda de chance não se confunde, neste plano, com o lucro cessante: o lucro cessante pressupõe que o lesado era titular, no momento da lesão, de uma situação jurídica que lhe proporcionava o direito a um ganho, que, por virtude do facto lesivo, se frustrou. A prova do lucro cessante não incide propriamente sobre os ganhos que se deixaram de obter, mas sobre a titularidade da situação jurídica que permitiria obtê-los, podendo conjecturar-se, por isso, alguma relativa certeza sobre a ocorrência do dano. No caso da perda de chance, os indícios probatórios operam sobre a expecta-tiva de obter um ganho e não sobre a própria verificação desse ganho.
O direito ao ressarcimento com fundamento em perda de chance depende, assim, da avaliação que se faça da probabilidade da obtenção de uma vantagem e do lucro que o lesado teria alcançado se essa probabilidade se tivesse realizado. A questão não está, pois, na demonstração do nexo de causalidade, visto que é sempre possível determinar se existe ou não uma ligação causal entre o facto lesivo e a eliminação da probabilidade de ganho; mas antes na existência ou quantificação do dano, uma vez que este é o efeito lesivo que poderá ter resultado da ilícita eliminação dessa probabilidade, traduzindo-se numa mera expectativa jurídica.
O juiz irá considerar a existência de um prejuízo ressarcível em função do grau de consistência da probabilidade, e, por conseguinte, apenas quando se depara com uma chance real e séria.
Não existindo qualquer indicação legal quanto aos termos em que a perda de chance poderá ser aceite no direito português, e sendo ainda incipiente a prática jurisprudencial, neste âmbito, a figura deverá ser encarada com grandes cautelas e apenas nas situações em que a privação da probabilidade de obtenção de uma vantagem se possa caracterizar, com mais evidência, como um dano autónomo. E, especialmente, no domínio dos concursos de provimento para cargos públicos ou de adjudicação de contratos, em que a indevida exclusão de um candidato que tivesse uma efectiva possibilidade de sucesso fica praticamente desprotegida se não tiver em consideração o dano que provém da própria expectativa de obter a indigitação.
Em qualquer caso, o dano por perda de chance não abrange as despesas feitas em vista da obtenção da situação de vantagem, que tenham ficado desaproveitadas em virtude do acto ilícito (despesas de elaboração de projectos ou propostas ou com a aquisição de bens ou direitos que eram condição de apresentação a um concurso). Trata-se aqui, com mais propriedade, de um dano emergente, isto é, de um prejuízo já existente na esfera patrimonial do lesado no momento em que ocorreu a lesão e que a doutrina tem vindo a caracterizar como um dano pelo interesse contratual negativo ou de confiança.
Traçada esta panorâmica doutrinária e jurisprudencial sobre a complexa problemática da ressarcibilidade civil da perda de chance, que posição a assumir no presente caso?
A primeira questão é saber se o chamado dano por perda de chance, nomeadamente processual, pode ser qualificado, à luz do direito português, como um dano autónomo e em que condições.
Como é sabido, no quadro da responsabilidade civil, a nossa lei não contempla, nem teria de contemplar, uma definição de dano, mas refere-o como um dos pressupostos ou fundamentos da obrigação de indemnizar, nos artigos 483.º, n.º 1, e 798.º do CC.
Todavia, não deixa de fornecer parâmetros para que se possa formular uma tal definição (artigos 562.º a 566.º do mesmo diploma).
Desde logo, o artigo 562.º, ao proclamar o princípio geral da obrigação de indemnizar, consigna que:
Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
E o artigo 563.º, sob a epigrafe Nexo de causalidade, prescreve que:
A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Por sua vez, o artigo 564.º, n.º 1, para efeitos de cálculo indemnizatório, distingue duas espécies de danos: a dos danos emergentes, como sendo o prejuízo causado; e a dos lucros cessantes, traduzidos nos benefícios que o mesmo lesado deixou de obter em consequência da lesão. Além disso, o n.º 2 do referido normativo contempla ainda os danos futuros, desde que previsíveis, seja com absoluta certeza, seja com suficiente probabilidade.
Por fim, o artigo 566.º depois de, no seu n.º 1, consagrar o princípio da prioridade da reconstituição natural, no n.º 2 determina que, sem prejuízo de outras disposições, se recorra à indemnização por equivalente pecuniário com base na chamada fórmula ou teoria da diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem os danos. E, segundo o n.º 3, se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
Também importa reconhecer, tal como observa Paulo Mota Pinto no seu parecer junto aos autos, que a responsabilidade civil no nosso direito tem como primordial a função compensatória, ou seja, a reparação do dano, condição essencial e limite da obrigação de indemnizar, ainda que dentro de tais limites se contenham finalidades acessórias preventivas e mesmo sancionatórias, como decorre da possibilidade de limitação da indemnização aquém do montante do dano causado, nos termos do art.º 494.º do CC.
Por isso, se mostra pertinente a consideração de Paulo Mota Pinto, no sobredito parecer, no sentido de que a obrigação de indemnizar tem como balizas, por um lado, o princípio da reparação integral do dano e, por outro, a proibição do enriquecimento sem causa do lesado à custa da indemnização.
Nessa base, como refere Paulo Mota Pinto, a doutrina tem definido o dano, embora sob formulações variadas, como sendo “a lesão ou prejuízo real, sob a forma de destruição, subtracção ou deterioração de um certo bem, lesão de bens juridicamente protegidos do lesado, patrimoniais ou não, ou simplesmente uma desvantagem de uma pessoa que é juridicamente relevante, por ser tutelada pelo Direito” Vide parecer a fls. 3562-3563..
Daí que o dano não se traduza numa entidade puramente empírica, nem numa mera categoria normativa. Assume-se, antes, como um conceito empírico-normativo, que convoca um dado naturalístico mas requer um referencial normativo, o que se torna deflui das disposições anteriormente citadas.
Ali se exige, pois, uma equação entre a situação real económica em que o lesado se encontra na data mais recente que possa ser atendida e a situação hipotética que existiria se não tivesse ocorrido o evento lesivo.
Ora, se aquela situação real é demonstrável directamente pela realidade de facto, já a situação hipotética só é alcançável através de um juízo de probabilidade a formular dentro dos limites normativos estabelecidos.
Por isso, na definição de qualquer dano existe, em maior ou menor grau, uma dimensão recortada com apelo a um juízo de probabilidade, que não uma certeza de absoluta verificabilidade, o que se torna bem patente nos casos de lucros cessantes - enquanto benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, que obteria se não fosse essa lesão -, ou ainda nos casos de danos futuros previsíveis, certos ou suficientemente prováveis. Quando, por exemplo, se arbitra uma indemnização, a título de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, por frustração de uma promoção profissional que se alcançaria se não tivesse ocorrido o evento lesivo, o que se opera aqui é um juízo de probabilidade sobre uma hipotética promoção profissional, ainda que apoiado em indícios factuais que a fazem presumir à luz da experiência comum. Mas nem por isso a frustração daquela provável promoção deixará de assumir a natureza de dano juridicamente relevante.
Na mesma linha de raciocínio, não vemos que exista obstáculo a que a perda de chance ou de oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, impossibilitada definitivamente por um acto ilícito, não possa ser qualificada como um dano em si, posto que sustentado num juízo de probabidade tido por suficiente em função dos indícios factualmente provados.
Com efeito, desde que se prove, desse modo indiciário, a consistência de tal vantagem ou prejuízo, ainda que de feição hipotética mas não puramente abstracta, terá de se reconhecer que ela constitui uma posição favorável na esfera jurídica do lesado, cuja perda definitiva se traduz num dano certo contemporâneo do próprio evento lesivo.
Nem valerá, a nosso ver, argumentar que uma tal definição dessa espécie de dano ofende os princípios da certeza a ele inerente ou as regras da causalidade, de modo a extravasar do âmbito da responsabilidade com função primordial compensatória para terrenos de uma responsabilidade punitiva. A garantia de tais princípios e limites ficará precisamente assegurada pelo grau de consistência a conferir à vantagem ou prejuízo em causa, tal como sucede no domínio dos lucros cessantes ou dos danos futuros previsíveis.
É certo que se poderá colocar a questão de saber se, em tais casos, estamos ainda em sede de identificação do dano ou já no plano do estabelecimento do seu nexo de causalidade, sabido como é que a definição da chance perdida terá de ser feita sempre na perspectiva do resultado final para que tende.
Ora, uma coisa será, em primeira linha, identificar a própria perda de chance com consistência suficiente, em função do resultado final hipotético definitivamente perdido, para ser qualificada como dano emergente e certo, outra algo diferente será depois imputar essa perda à conduta lesiva, segundo as regras da causalidade adequada. Embora se reconheça que essa dicotomia seja discutível, se concentrarmos o juízo de probabilidade na aferição da consistência necessária à identificação do dano, já o estabelecimento do seu nexo de causalidade com a conduta ilícita se revela facilitado, como se colhe do comentário do Exm.º Juiz Conselheiro Carlos Cadilha acima transcrito.
Assim, da jurisprudência do STJ acima citada parece resultar que a orientação dominante centra tal análise no plano do nexo de causalidade, en-quanto que a orientação que admita a autonomia do dano por perda de chance a situa na própria caracterização do dano.
Seja como for, conforme salienta Carlos Cadilha, o juízo de probabilidade sobre a consistência da perda de chance deve ser “ser encarado com grandes cautelas e apenas nas situações em que a privação da probabilidade de obtenção de uma vantagem se possa caracterizar, com mais evidência, como um dano autónomo”.
Problemático será então saber quais os índices de probabilidade para o reconhecimento da perda de chance como dano autónomo, ou seja, se a própria probabilidade de vantagem perdida pode ser reconhecida como juridicamente relevante, não obstante a impossibilidade de demonstração do respectivo resultado final.
Vimos que, a jurisprudência predominante do STJ, partindo do postulado de que a perda de chance, em regra, contraria a certeza do dano e do nexo de causalidade e portanto não é base segura para a sua relevância jurídica, já alguma jurisprudência daquele Tribunal e a do STA admitem que possa ser demonstrada uma probabilidade suficiente para concluir por tal relevância. Salvo o devido respeito por posição diferente, afigura-se que, traduzindo-se a perda de chance em situações ainda incipientes na nossa ordem jurídica, não perfeitamente sedimentadas na doutrina nem enraízadas na prática jurisprudencial, como o são as situações dos lucros cessantes e dos danos futuros, para mais de ocorrência multifacetada, um método de análise que parta de uma definição dogmática de dano para a ela depois subsumir o caso concreto, não será, porventura, o método mais seguro, podendo mesmo mostrar-se redutor. Ao invés, uma metodologia que procure seguir uma pista mais casuística de modo a aferir cada caso à luz das exigências legais sobre a probabilidade suficiente para o reconhecimento da ressarcibilidade do dano pode ser mais promissora.
Assim, no campo da responsabilidade civil contratual por perda de chances processuais, em vez de se partir do princípio de que o sucesso de cada acção é, à partida, indemonstrável, talvez valha a pena questionar, perante cada hipótese concreta, qual o grau de probabilidade segura desse sucesso, pois pode muito bem acontecer que o sucesso de determinada acção, à luz de um desenvolvimento normal e típico, possa ser perspectivado como uma ocorrência altamente demonstrável, à face da doutrina e jurisprudência então existentes.
Nessa linha, propendemos a aceitar que uma vantagem perdida por decorrência de um evento lesivo, desde que consistente e séria, ou seja com elevado índice de probabilidade, possa ser qualificada como um dano autónomo, não obstante a impossibilidade absoluta do resultado tido em vista.
De resto, mesmo a jurisprudência do STJ admite a relevância de situa-ções muito pontuais, desde que a prova permita, com elevado grau de probabilidade, ou verosimilhança, concluir que o lesado obteria certo benefício não fora a chance perdida. Esta ressalva mais não parece do que admitir afinal o dano por perda de chance na base de um juízo de probabilidade elevado e que só poderá ser aferido em cada caso concreto. O que parece discutível é se deve ser feito de forma categorial ou se em função da espécie do caso, como propendemos a admitir.
Posto isto, inclinamo-nos para a posição doutrinária de Carlos Cadilha acima exposta, aceitando que a perda de chance se pode traduzir num dano autónomo existente à data da lesão e portanto qualificável como dano emergente, desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade suficiente, independente do resultado final frustrado.
Assim demonstrada essa espécie de dano, questão diferente será agora a avaliação do quantum indemnizatório devido, segundo o critério da teoria da diferença nos termos prescritos no artigo 566.º, n.º 2, do CC. Será também neste plano de avaliação que se poderá lançar mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do n.º 3 do mesmo normativo, o qual não pode, pois ser utilizado em sede de determinação da própria consistência da perda de chance.
No caso de perda de chances processuais, como é a dos presentes actos, a primeira questão está em saber se o frustrado sucesso da acção cujo recurso ficou deserto, assume um tal padrão de consistência e seriedade, para o que releva ponderar, face ao estado da doutrina e jurisprudência então existente, ou mesmo já em evolução, se seria suficientemente provável o êxito daquela acção em sede de recurso para o STA, devendo-se ter-se em linha de conta, fundamentalmente, a jurisprudência então seguida nessa matéria por aquele tribunal de recurso, como sustenta Paulo Mota Pinto no parecer junto aos autos. Haverá, pois, que fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, não no sentido da solução jurídica que pudesse ser adoptada pelo tribunal da presente acção sobre a matéria da causa em que ocorreu a deserção que aqui fundamenta a pretensão dos A.A., mas sim pelo que possa ser considerado como altamente provável que o tribunal de recurso dessa causa viesse a entender. Como agudamente observa Paulo Mota Pinto no indicado parecer, essa apreciação inscreve-se, enquanto tal, numa questão de facto, que não de direito.
Ora, o objecto da causa em que se verificou a deserção de recurso incidia apenas sobre a vertente de direito, não se colocando portanto aqui a álea relativa à contingência da prova.
É certo que a tese dos ali A.A., patrocinada pelos advogados ora R.R. apostava no carácter inovador do causa, pelo menos, na forma como delineara a respectiva pretensão, no sentido de obter o reconhecimento da correcção monetária do valor indemnizatório atribuído àqueles pela nacionalização da C., tendo em conta a imobilização forçada dos títulos por que foi paga tal indemnização, procurando, de algum modo, inverter a jurisprudência então existente em sede da jurisdição administrativa.
Para tal efeito, os então advogados dos A.A., ora R.R., solicitaram consultas, estudos e pareceres, nomeadamente dos Prof. de Direito Almeida Costa, Vieira de Andrade, Antunes Varela e Esteves de Oliveira (ponto 2.40. da factualidade provada), os quais foram unânimes em reconhecer o direito dos A.A., tendo os advogados da PL sustentado a acção nessa base (ponto 2.41 da factualidade provada). Também não se ignora que o MP, junto do TAC de Lisboa emitiu parecer favorável aos A.A. (ponto 2.45 da factualidade provada).
No entanto, a decisão proferida pelo TAC de Lisboa, em 20 de Março de …, transcrita sob o ponto da factualidade dada como provada, julgou improcedente aquela acção, considerando, no essencial, que, em conformidade com o doutrinado na jurisprudência do STA, nomeadamente do acórdão, de 17/01/2002, proferido no Processo 047033 – 1.ª Subsecção, não haveria lugar a correcção monetária, nem a actualização pretendida pelos A.A., o que fundamenta, no essencial, nos seguintes termos:
… concluindo-se que, de acordo com o art.º 13.º da Lei n.º 80/77 e artigos seguintes, resulta que "uma vez determinado o valor da indemnização a atribuir, o pagamento da indemnização anteriormente fixada será efectuado de acordo com os critérios aí estabelecidos, com prazos de amortização e juros aí igualmente fixados. O que significa que, aí sim, o Estado, no âmbito do artigo 82.º da Constituição da República Portuguesa, fixou um regime de pagamento dos valores de forma discricionária, de acordo com o que o texto constitucional lhe permitia e sem violação do princípio (por inaplicável) constante do artigo 62.", n.° 2, da Constituição da República Portuguesa ".
Assim, "o valor encontrado será capitalizado até à emissão das obrigações destinadas ao pagamento das indemnizações provisórias e pagos os juros vencidos pelos títulos da dívida pública a 213/79, de 14 de Julho, Mas concretamente, a actualização dos valores é a que resulta do mecanismo estabelecido pelo artigo 24.º da Lei n.º 80/77, aplicável nos termos do artigo 1.º do Dec-Lei n.º 199/88 e do artigo 32.° da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro.
E certo que o próprio legislador teve presente a inadequação do regime de pagamento em títulos de indemnização para restaurar o valor aquisitivo do montante calculado, ou seja, para satisfazer o interesse subjacente ao princípio da contemporaneidade da indemnização por expropriação. Como se reconheceu no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 199/88. «Tais valores não correspondem naturalmente aos valores actuais desses bens ou direitos, pois estão decorridos treze anos (à data do diploma) e existe uma considerável diferença entre o nível geral dos preços (incluindo o dos prédios rústicos) em 1975-1976 e o actual.
Trata-se, no entanto, de problema de âmbito mais geral, que afecta também as indemnizações por nacionalizações de empresas e participações sociais, e que só à Assembleia da República cabe resolver, atenta a sua competência reservada neste domínio: julga-se, porém, que tal questão não deverá atrasar a fixação dos critérios de avaliação dos bens e direitos expropriados e nacionalizados ao abrigo da legislação sobre reforma agrária, já que sempre será possível em momento ulterior e, sendo caso disso, proceder aos eventuais ajustamentos que um novo regime dos títulos de indemnização deva acarretar»".
Em suma: no âmbito dos poderes que a Constituição lhe confere no artigo 83.°, o legislador fixou critérios para definição e actualização do quantum indemnizatório, com a preocupação de disciplinar integralmente essa matéria, fixando para além do montante a indemnizar, a taxa de juros e o período de amortização (art.º 19.° da Lei n.° 80/77 e quadro anexo).
Não se verifica assim qualquer lacuna no sistema, sendo certo que os valores definidos ao abrigo de tais critérios não correspondem a uma reparação integral, contrariamente ao que ocorre na expropriação, porque o legislador constituinte assim o admitiu, consagrando de forma diferente na Lei Fundamental, a «justa indemnização» por expropriação (art. 62.°) e a indemnização mediante critérios a fixar pelo legislador no que respeita a nacionalizações (art.º 83.°, onde não consagrou a mesma menção de «justa indemnização»).
Poderá legitimamente objectar-se que desta interpretação decorre a imposição aos titulares das acções, de um sacrifício patrimonial injusto, porque sem reparação integral.
Sem deixar de ter presente, como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 452/95 (BMJ 451 — Suplemento, pág. 343), que o elevado número de nacionalizações no nosso país ocorreu antes da entrada em vigor da Constituição de 1976, num contexto revolucionário e não num período de um Estado de Direito devidamente consolidado, sempre se dirá que decorre dos princípios desse mesmo Estado de Direito, hoje consolidado, a subordinação das decisões judiciais à lei, não sendo possível contornar os ditames legais perseguindo um conceito "puro" de justiça material, nomeadamente através da equidade (art.º 4.º CC).
Ora, a interpretação da lei, tendo em conta a unidade e coerência do sistema (art.º 9.°/1 CC), nomeadamente face à norma constitucional (art. 83°), não nos permite concluir doutra forma, para além da que ficou expressa supra, não cabendo ao poder judicial a formulação de qualquer juízo de censura relativamente aos critérios legais, que o legislador soberanamente entendeu fixar.
Em suma, o TAC de Lisboa considerou que a indemnização fixada por lei aos A.A. já contemplada, ainda que em termos módicos, a desvalorização capital em referência.
Sucede que da matéria provada não consta, além do acórdão acima citado, a referência à jurisprudência seguida nesse domínio pelo STA.
Acresce que, como se salienta no parecer de Paulo Mota Pinto junto aos autos, as decisões do STA e do TC, de que naquele parecer se dá vários exemplos (fls. 3640, notas 165, 166 e 167), sobre a questão ali em causa tem vindo a orientar-se, tanto à data dos factos como subsequentemente, no sentido uniforme de “negar o direito dos titulares de bens nacionalizados, que foram indemnizados nos termos legais, de receberem uma compensação adicional pela depreciação monetária sofrida com a imobilização dos títulos em que foram pagas essas indemnizações”.
Por sua vez os A.A. não provaram qualquer indício de inflexão dessa jurisprudência no sentido por eles pretendido. Ao invés, estribam a sua posição nos pareceres em que se apoiaram e no parecer favorável que o MP emitiu no processo em causa.
Ora, quanto aos pareceres em que as partes se apoiaram para instaurar a acção, não obstante o seu elevado mérito, há que reconhecer que não se traduzem em estudos científicos, académicos, distanciados do caso, mas, como é próprio da sua natureza e vocação, são tratamenrtos, de carácter técnico-científico, que se situam numa óptica exploratória dos recursos teóricos que possam abonar em favor dos consulentes. De resto, não obstante tais pareceres, os próprios advogados que patrocinavam então os A.A. reconheciam as dificuldades em obter ganho de mérito nessa nova acção, face à jurisprudência nacional então existente e que transmitiram aos A.A. (ponto 2.29 da factualidade provada).
Nestas circunstâncias, não se divisa minimamente que o resultado final da acção proposta junto da jursidição administrativa viesse a inverter a orientação da jurisprudência então firmada pelo STA, e mesmo pelo TC, não se podendo assim ter como suficientemente provável a consistência e seriedade da invocada perda de chance processual.
Nem sequer procede o argumento da confiança depositada pelos advogados R.R., na medida em que estes não assumiram, no âmbito do mandato forense celebrado com os A.A., uma obrigação de garantia, mas tão só uma obrigação de meios, como já acima se deixou exposto, tanto mais que se encontra provado que eles consideravam, e transmitiram aos A.A., ser problemático o sucesso da acção junto dos tribunais nacionais, atenta a jurisprudência então firmada, tendo por isso, fixado uma parte dos honorários em função de tal eventualidade.
Aqui chegados, coloca-se então a questão de saber se, mesmo perdendo aquela acção, os A.A. ainda assim teriam possibilidade de êxito em demandar o Estado português junto do TEDH, que também ficara frustrada com a deserção do recurso.
Neste particular, o que se extrai da factualidade provada é que as indemnizações atribuídas pelo TEHD, eram de nível bastante baixo (ponto 2.29 da factualidade provada). Porém, nada ali se contempla quanto ao estado da jurisprudência daquele Tribunal sobre casos similares, nem os A.A. sequer alegaram, nos respectivos articulados, qual o estado dessa jurisprudência.
Os únicos factos com atinência a tal matéria, alegados pelos R.R., foram seleccionados sob os artigos 68., 69.º e 72.º da base instrutória, em que se perguntava o seguinte:
Art.º 68.º
A propósito da queixa junto do TEDH foi dado a conhecer aos A.A. que este não costumava ser muito "generoso" nas indemnizações fixadas, pois os valores das condenações eram normalmente baixos, mas que se iria fazer um esforço para demonstrar que, neste caso, se justificava uma alteração do critério seguido?
Art.º 69.º
Não foram criadas aos A.A. quaisquer expectativas de que poderiam vir a receber a quantia reclamada na petição inicial ou sequer um valor próximo deste: sempre foi dito que havia a possibilidade de a acção ter êxito, mas que a probabilidade disso suceder não era muito elevada, pelo que tudo poderia, em última análise, depender de se conseguir, ou não, que o TEDH alterasse os critérios de de-terminação das indemnizações que normalmente seguia?
Art.º 72.º
Caso, como era muito provável isso não viesse a suceder, inverter a tendência do TEDH para fixar indemnizações pouco mais do que simbólicas e que normalmente não ultrapassavam as dezenas de milhares de Euros?
Dessa matéria, apenas se provou que, quanto ao art.º 68.º que “foi transmitido ao Eng. AC que o TEDH não costumava ser muito generoso nas indemnizações aí fixadas”, tendo os artigos 69.º e 72.º merecido as respostas de não provado.
Significa isto que nem os A.A. lograram demonstrar, como lhes competia, qual o estado da jurisprudência do TEDH, em casos similares, sobre a matéria em questão em casos similares.
Sucede que, a este propósito, o parecer de Paulo Mota Pinto juntos aos presentes autos, referencia vários acórdãos do TEDH (notas 169, 170 e 171, de fls. 3648 a 3646), considerando que da sua consulta se apura que aquele Tribunal “foi chamado a analisar casos similares, relativos aos critérios jurídicos das indemnizações atribuídas pelas nacionalizações e expropriações (por exemplo, no quadro da Reforma Agrária) ocorridas em Portugal no ano de 1975” e que o referido Tribunal, com fundamento na violação do art.º 1.º do Protocolo n.º 1 adicional à CEDH, “considerando que os interessados tinham tido de suportar em encargo espe-cial e exorbitante, sendo que deveria ter existido um justo equilíbrio entre, por um lado, as exigências do interesse geral e, por outro lado, a salvaguarda do direito ao respeito pela propriedade” (…), “tem proferido condenações do Estado Português devido à insuficiência das indemnizações pagas, conside-rando, designadamente, a falta de correcção monetária e a depreciação com a inflação no valor dos títulos, forçosamente imobilizados durante muitos anos, em que essas indemnizações foram pagas.” Mas, no mesmo parecer, se observa que “os montantes de indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, arbitrados pelo TEDH se situam sempre (…) desproporcionadamente abaixo dos que valores pedidos pelos demandantes nesta acção” e que, “designadamente, não se encontram decisões que, como o fundamento invocado pelos demandantes, tenham sido atribuídas indemnizações, por danos … superiores a € 150.00 (em casos em que os montantes em causa na indemnização por nacionalização eram comparáveis)”.
Acresce que se encontra pendente uma nova acção administrativa comum, proposta pelos A.A. contra o Estado português, em 26/07/2006, junto do TAC de Lisboa, fundada agora em enriquecimento sem causa e estribada, além do mais, no instituto do enrique-cimento sem causa, devido ao facto de a CEL, entretanto nacionalizada, estar em processo de reprivatização (ponto 2.85 da factualidade provada).
Nessa acção, foi formulada a seguinte pretensão:
“A - Por todo o exposto, pede-se a condenação do Estado a pagar aos A.A., pelos danos materiais que lhes causou a nacionalização e com a posterior privatização da empresa já identificada, a quantia de 39.693.882,00 Euros, correspondente ao seu enriquecimento sem causa, derivado da diferença entre o valor de venda da empresa PC, no montante de 39.975.000,00 Euros, na data da sua privatização, em 28 de Junho de 2005, e o valor realmente pago aos A.A. a título de indemnização pela nacionalização da empresa, devidamente deflacionado a valores de 1975.
B - Quando assim não se entenda, por se considerar que os A.A. não têm direito a reclamar para si a totalidade da diferença entre o valor da indemnização paga pelo Estado aos proprietários da empresa nacionalizada e o valor recebido pelo Estado, na venda da mesma, no termo do processo de privatização, então, subsidiariamente, pedem que o montante da indemnização, sempre devida, a título de danos materiais, seja fixado pelo recurso à equidade, num valor que nunca deverá ser inferior, a dois terços da citada diferença, ou seja, nunca deverá ser inferior a 26.462.588,00 Euros.
C - A título de danos morais, a acrescer aos danos materiais, pede-se a condenação do Estado, por força da conduta descrita a pagar-lhes a quantia que o tribunal, no seu prudente critério, vier a fixar em termos de equidade, que acrescem ao pedido indemnizatório pelos danos materiais e que os autores não liquidam para deixar inteira e total liberdade a Tribunal Aos danos materiais acrescem juros moratórios, à taxa supletiva, contados dia a dia e capitalizados ano a ano, nos termos do artigo 560º do CC, a contar da data da citação para contestar a presente acção, os quais igualmente pedem.”
Do teor do pedido principal (A) depreende-se que, embora em base jurídica diferente da invocada na causa em que se verificou a deserção de recurso que serve de fundamento à presente acção, os ora A.A. visam, por essa via, obter, substancialmente, a vantagem perdida naquela causa.
Ora, como já foi dito, a perda de chance só releva quando o resultado visado estiver denfinivamente impossibilitado, o que a propositura desta última acção não permite concluir.
Em suma, não tendo os A.A. demonstrado um estado da jurisprudência do TEDH que permita concluir pela consistência da alegada perda de chance, nesse particular, não se mostrando ainda qual o nível aproximado de inde-mnização que poderiam obter por essa via, apesar dos elementos referenciados no douto parecer acima indicado e, sobretudo, porque não se encontra sequer arredada a hipótese de vir a obter tal resultado na sequência da acção proposta em 26/07/2006, não sem tem assim por verificada o dano por perda da sobredita chance processual.
Posto isto, não resta senão concluir pela improcedência da pretensão dos A.A. no que respeita ao dano por perda de chance, ficando, nessa medida, prejudicadas as demais questões acima enunciadas sobre tal problemática.
3.4.3. No que respeita aos danos por pagamento de honorários e outras despesas
Neste capítulo, os A.A. pediram a condenação dos R.R. em danos patrimoniais emergentes realtivos aos honorários e despesas que suportaram com o investimento na causa instaurada junto da jurisdição administrativa, cujo recurso ficou deserto, no valor de no valor de € 391.832,83, acrescidos de juros de mora desde a citação, mas que foram fixados em 1.ª instância no valor de € 67.743,03, acrescidos de juros de mora desde a data peticionada, em que foi condenada a Interveniente Seguradora.
Para tal efeito, a sentença recorrida considerou a matéria constante dos pontos 2.94, 2.96, 2.97, 2.98, 2.99, e 2.105 a 2.108 acima consigandos, consistente em estudos e pareceres, no valor de € 135.486,07, e no ponto 2.103, quanto a honorários e despesas com a acção, no valor de € 22.076,50, tendo os primeiros como gastos efectuados, a pedido ou, pelo menos, com a concordância e no interesse dos A.A., e os segundos correspondendo a trabalho que efectivamente lhes foi prestado pela 1.ª R..
Considerou, no entanto, que a acção já havia sido instaurada e já tinha decisão proferida em 1.ª instância, pelo que tais pareceres tinham já tido a sua utilidade, mas na proporção de 50%, porquanto não houve reapreciação dessa decisão pelo Tribunal Superior e que, no mais, se impunha a remuneração do trabalho prestado e o pagamento das despesas efectivamente tidas com aquela acção.
Contudo, atendendo ao incumprimento contratual culposo da 1.ª R. e ao facto de, por isso, os A.A. não terem podido ver a sua pretensão apreciada pelo tribunal superior, a sentença recorrida coonsiderou que o investimento efectuado pelo 1.º A. (e apenas por este) nos referidos estudos e pareceres não teve a correspondência pretendida, pelo que teve como prejuízo patrimonial do 1.º A., imputável à 1.ª R. a parcela de 50%, que fixou em € 67.743,03.
Todavia, Interveniente/Apelante vêm sustentar que:
- A correspondência pretendida pelos A.A. foi integralmente conseguida pois esses estudos e pareceres suportaram a pretensão em 1.a Instância, a ela se destinavam e em recurso o que estaria em apreciação seria a decisão recorrida;
- Daí que se não justifique que a Interveniente satisfaça € 67.743,03 ao 1.º A. como resulta duma adequada interpretação do disposto no artigo 562.º do CC;
Vejamos.
Estamos perante alegados danos emergentes que consistiriam em prejuízos pelo desaproveitamento do investimento e custos suportados pelo 1.º A. com a causa que se frustrou em virtude da deserção do recurso imputável aos R.R..
Convém, desde logo, ter presente que tais danos não se inscrevem no âmbito da invocada perda de chance processual, mas traduzir-se-ão em danos patrimoniais verificados na esfera do lesado no momento em que ocorreu a lesão e que, como refere Carlos Cadilha, “a doutrina tem vindo a caracterizar como um dano pelo interesse contratual negativo ou de confiança”.
É certo que, como se refere no parecer de Paulo Mota Pinto a fls. 3613, poder-se-ia levantar “a objecção resultante da exigência de causalidade entre o evento lesivo e o referido dano, já que as despesas podem ter sido realizadas voluntária e anteriormente à lesão, apenas vindo depois a ficar desaproveita-das”.
No entanto, como no mesmo parecer se reconhece, essa objecção poderá ser ultrapassada na perspectiva de que “a causalidade se deve estabelecer, não com a realização das despesas, mas com a perda do equivalente, e consequente desaproveitamento daquelas e que são posteriores ao evento lesivo”.
No entanto, segundo o mesmo parecer, “é necessário que o credor tenha realizado despesas por ter confiado na realização da prestação”, mas que “não existe ainda causalidade entre a confiança na realização da prestação anteriormente, ou para fins anteriores à realização da prestação do devedor …, como no caso das despesas com custas em processos em instâncias anteriores ou com pareceres jurídicos que foram pedidos antes de ter sido proferida a decisão que não foi objecto de recurso, para preparar ou para informar aquela decisão”. Além disso, também ali se observa que “não pode admitir-se o ressarcimento das despesas cuja finalidade teria sido igualmente frustrada mesmo sem a violação da obrigação pelo devedor, tal como, por exemplo, se o resultado em causa no processo não teria igualmente sido atingido por outras razões, diversas do não cumprimento (…); trata-se nesta excepção de frustração hipotética do fim de uma invocação do comportamento alternativo lícito do devedor”, entendendo-se que tal excepção “previne que o credor, por causa do não cumprimento, consiga deslocar para o devedor o falhanço das despesas excessivas que realizou, mas cujo objectivo não estava garantido”.
Nessa linha de raciocínio, entende-se no mencionado parecer que “a finalidade dos gastos com pareceres jurídicos pedidos antes de uma decisão de 1.ª instância não é totalmente frustrada pelo facto de se perder a hipótese de obter uma reapreciação desta decisão em via de recurso (…), quer esses pareceres tenham sido apresentados antes da decisão de 1.ª instância, quer o não tenham, desde que, neste último caso, eles se não destinassem especifi-camente a apoiar a impugnação desta decisão”.
Conclui aquele parecer que, não existindo no nosso CC “sequer uma norma que se referia, autonomamente, ao resarcimento dos dispêndios frustrados (…), mas admitindo-se que estes constituem danos emergentes, sempre o ressarcimento ficaria dependente de que se demonstre a efectiva frustração da sua finalidade por causa do evento lesivo”, o que tornaria “necessário determinar e distinguir cuidadosamente a finalidade dos dispêndios invocados, para determinar em que medida estes foram realizados, e ficam frustrados, por causa do evento lesivo”.
O que verdadeiramente está aqui em causa é estabelecer o nexo de causalidade entre os recursos desaproveitados pelos A.A., que tinham sido aplicados na preparação e instauração da causa em referência e o evento lesivo, segundo o critério previsto no artigo 563.º do CC, à luz da chamada teroria da causalidade, nos termos da qual há que determinar, em primeira linha, se o evento lesivo é uma condição sine qua non do dano causado e, em segunda linha, se, em abstracto, aquele evento se revela adequado a produzir o dano, segundo o curso normal ou típico das circunstâncias, à luz das regras da experiência comum, atendendo-se tanto às circunstâncias cognoscíveis, à data do facto, por um cidadão médio, como às circunstâncias realmente conhecidas pelo agente.
De referir que não está aqui em causa a verba de € 22.076,50, a título de honorários e outras despesas pagas pelos A.A., que não foi atendida pela 1.ª instância por se considerar que correspondia a trabalho efectivamente prestado.
Dos factos provados respiga-se com interesse para esta questão o seguinte:
a) - Em 11/03/97, o R. CV foi contactado por um cunhado dos A.A., Eng. AC, no sentido de ser estudada a possibilidade de rever o valor da compensação que lhes tinha sido definitivamente arbitrada – ponto 2.28 da factualidade provada;
b) - O R. CV, após o estudo do caso, informou os A.A. da viabilidade de uma nova acção perante os tribunais nacionais, numa base diferente da invocada no recurso contencioso referido em 2.23 e de, em caso de insucesso dessa nova acção, se accionar então o Estado português perante o TEDH, tendo o Dr. CV advertido, no entanto, os mesmos A.A. das dificuldades em obter ganho de mérito nessa nova acção, face à jurisprudência nacional então existente, bem como do baixo nível de indemnizações que vinha sendo então arbitrado pelo TEDH - ponto 2.29 da factualidade provada;
c) - Foi referido ao Eng. AC que a jurisprudência dos Tribunais Portugueses não era favorável à pretensão dos A.A. – ponto 2.30 da factualidade provada;
d) - Foi explicado que a acção era complexa e não foram dadas garantias de êxito da mesma (ponto 2.30 da factualidade provada;
e) - Os AA estavam disponíveis para litigar em todas as instâncias, incluindo o Tribunal Constitucional e TEDH – ponto 2.33 da factualidade provada;
f) - A sociedade de advogados R. e o R. CV aceitaram instaurar a acção referida por a considerarem viável e de possível merecimento e ganho – ponto 2.34 da factualidade provada;
g) - A sociedade R. considerou a acção viável e acordou com os A.A., a título de honorários, uma remuneração correspondente a 5% do valor do vencimento – ponto 2.35 da factualidade provada;
h) - Assim, após ter sido proferido o acórdão referido no ponto 2.27, os A.A., patrocinados pela sociedade de advogados R., instauraram uma nova acção contra o Estado Português, em cuja petição inicial, elaborada por alguns dos ilustres Advogados identificados naquele articulado, foram formulados os pedidos referidos no ponto 2.38 (ponto 2.36 da factualidade provada);
i) - A sociedade de advogados R. e as ilustres pessoas singulares identificadas como parte contrária, na presente acção, aceitaram, pois, o contrato de mandato para a intentarem, no ano de 1998, tendo a acção sido distribuída nesse mesmo ano – ponto 2.37 da factualidade provada;
j) - A apresentação da acção referida no ponto 2.36 foi antecedida da reunião de pareceres de alguns dos mais proeminentes jurisconsultos portugueses, os quais emitiram parecer favorável à posição dos então A.A. – ponto 2.39 da factualidade provada;
k) - O pleito foi precedido de consultas, estudos e também de pareceres dos Professores de Direito Almeida Costa, Vieira de Andrade, Antunes Varela e Esteves de Oliveira – ponto 2.40 da factualidade provada;
l) - Os pareceres referidos em 2.40 foram unânimes em reconhecer o direito dos A.A., tese que foi sustentada pelos advogados da PL, ao aceitar instaurar a acção nos termos referidos em 2.34 (ponto 2.41 da factualidade provada;
m) - Para a instauração da acção referida em 2.36, os advogados da PL obtiveram os dois pareceres constantes de fls. 820 a 856 (ponto 2.42 da factualidade provada;
n) - Os Ilustres Mandatários dos A.A. disseram-lhes que a acção era uma acção viável, que podia fazer vencimento e por isso aceitaram escrevê-la e apresentá-la em juízo – ponto 2.43 da factualidade provada;
o) - Essa expectativa era reforçada pelo facto da acção estar suportada nos pare-ceres dos maiores jurisconsultos portugueses que emitiram parecer em suporte da acção – ponto 2.44 da factualidade provada;
p) - Os A.A. ficaram impossibilitados de obter uma decisão proferida por um tribunal superior no âmbito do Proc. n.º 1.105/1998 - acção de reconhecimento de direito - 1.ª secção do TAC de Lisboa referida nos pontos 2.36 e 2.38 (ponto 2.79 da factualidade provada;
q) - O 1.º A. procedeu ao pagamento ao Prof. Doutor LP, em data não apurada, mas anterior ou coincidente com 22/12/97, pela elaboração de parecer, do valor de € 8.753,90 – ponto 2.94 da factualidade provada;
r) - O 1.º A procedeu ao pagamento ao Prof. Doutor VA, em data não apurada, mas anterior ou coincidente com 16/01/98, pela elaboração de parecer, do valor de € 8.753,90 – ponto 2.96 da factualidade provada;
s) - O 1. º A. procedeu ao pagamento a Banco AR, S.A., em data não apurada, mas anterior ou coincidente com 27/02/98, pela elaboração de estudo financeiro, do valor de € 10.796,48 – ponto 2.97 da factualidade provada;
t) - O 1.º A procedeu ao pagamento ao Prof. Doutor EO, em data não apurada, mas anterior ou coincidente com 17/07/98, pela elaboração de parecer, do valor de € 12.095,85 – ponto 2.98 da factualidade provada;
u) - O 1.º A. procedeu ao pagamento a Banco AR, SA, em data não apurada, mas anterior ou coincidente com 07/09/98, pela elaboração de estudo financeiro, do valor de € 5.835,94 – ponto 2.99 da factualidade provada;
v) - O 1.º A. procedeu ao pagamento à 1.ª R., em 11/06/02, da factura n.º …/…, referente a honorários e despesas relacionadas com a acção, no valor de € 22.076,50 – ponto 2.103 da factualidade provada;
w) - O 1.º A. procedeu ao pagamento ao Prof. Doutor VA, em 28/08/02, pela elaboração de parecer, do valor de € 17.850,00 – ponto 2.105 da factualidade provada;
y) - O 1.º A. procedeu ao pagamento ao Prof. Doutor PO, em 26/09/02, pela elaboração de parecer, do valor de € 35.700,00 – ponto 2.106 da factualidade provada;
z - O 1.º A. procedeu ao pagamento ao Prof. Doutor GC, em 05/11/02, pela elaboração de parecer, do valor de € 17.850,00 – ponto 2.107 da factualidade provada;
a’- O 1.º A. procedeu ao pagamento ao Prof. Doutor JM, em 05/11/02, pela elaboração de parecer, do valor de € 17.850,00 – ponto 2.108 da factualidade provada.
Daqui se colhe que os pareceres refeirdos nas alíneas v) a a’ supra já foram obtidos depois da decisão da 1.ª instância sobre a deserção do recurso, visando a sustentação da impugnação daquela decisão, pelo que se traduzem, claramente, em custos ocorridos em consequência directa e necessária do acto lesivo.
Por sua vez, os estudos e pareceres referidos nas alíneas q) a u) foram obtidos com vista à preparação e sustentação da causa que terminou em deserção do recurso que serve de fundamento à presente acção. Tais pareceres e estudos mostraram-se mesmos indispensáveis para a decisão sobre a propositura e sustentação desta acção por parte dos advogados R.R., o que significa que tiveram por finalidade a prestação de patrocínio por estes assumidas perante os A.A.. Esta prestação não se confina ao mero resultado a obter em 1.ª instancia, mas deve ser perspectivada em relação ao resultado final pretendido.
De resto, os próprios A.A. estavam disponíveis para litigar em todas as instâncias, incluindo o TC e TEDH. E, dada a complexidade da pretensão e da jurisprudência nacional existente em sentido contrário, era perfeitamente previsível para A.A. e R.R. que a causa teria de ser discutida em sede do STA e porventura do Tribunal Constitucional.
Assim, o investimento feito pelos A.A. no estudo prévio da viabilidade da causa não pode ser confinado apenas ao resultado da 1.ª instância, mas sim ao resultado final daquela acção.
Sucede que desfecho abrupto ocorrido com a deserção do recurso levou ao desaproveitamento daquele investimento, o que significa que constituiu uma condito sine qua non desse desaproveitamento, não se devendo aqui ter em conta qualquer causa virtual negativa.
Por outro lado, a deserção do recurso, assume-se, em abstracto, à luz das regras da experiência, como um processo típico potenciador do desaproveitamento verificado, não se encontrando qualquer factor indiciário que leve a presumir que tal desaproveitamento, ou parte dele, só se verificou por causa atípica ou anómala.
Poder-se-ia questionar se tal desaproveitamento foi total ou se os mesmos ainda tiveram algum aproveitamento, nomeadamente em relação com a decisão de mérito proferida em 1.ª instância, ainda que desfavorável aos A.A.. O tribunal recorrido assim considerou, reduzindo a indemnização em 50%.
Seja como for, não se vê que o desaproveitamento a considerar deva ser fixado em percentagem inferior àquela.
Em suma, a frustração do investimento feito pelo 1.º A. na preparação e instauração da causa em referência inscreve-se na finalidade da prestação assumida pelos R.R. de diligenciar pelo sucesso final da acção e na confiança que os A.A. depositaram neles para tal efeito.
Nesta medida, não merece censura a indemnização, a esse título, arbitrada pela 1.ª instância, havendo, no entanto, em relação à Interveniente, que deduzir a quantia de € 2.500,00 correspondente à franquia, a qual será suportada, solidariamente, pelos R.R..
4.4. Quanto aos danos não patrimoniais
a) – Considerações gerais
Os A.A. peticionaram a condenação dos R.R., a título de danos danos não patrimoniais pelo abalo psíquico que tiveram perante o desfecho infrutífero da causa em que ocorreu a deserção que serve de fundamento à pressente acção, no valor de € 5.672.452,50, acrescidos de juros de mora desde a citação, mas que foram fixados em 1.ª instância nos valores de € 30.000,00 a favor do 1.º A. LM e € 15.000,00, a favor do 2.º A. AM, acrescidos de juros de mora a contar da data da sentença.
Os R.R./apelantes sustentam que:
- Não se vê, mesmo à face da matéria de facto provada, como é que foi possível arbitrar uma reparação ao A. AM, uma vez que em relação a ele nada se provou atenta a resposta restritiva dada aos n.° 48 e 56 da base instrutória, pelo que a condenação da sociedade R., nessa parte não tem fundamento;
- Em relação aos danos não patrimoniais, os únicos números da base instrutória que directamente dizem respeito a um dos autores, concretamente o autor LM, são os n.º 48 e 56, cujas respostas se espera sejam alteradas nos termos preconizados na conclusão 4.ª supra;
- Os restantes factos têm a ver com o pai dos A.A. e o seu percurso de vida, pelo que nenhum relevo poderão ter para o reconhecimento do direito ao ressarcimento do dano não patrimonial e à fixação do montante deste;
- Ainda em relação à avaliação do dano moral, o tribunal ignorou que a conduta dos A.A. não se poderá considerar ter sido particularmente louvável ou edificante, do ponto de vista ético - moral (ver n.° 42 e 43 da base instrutória), porquanto, se não fosse o pai, teriam praticado uma infracção criminal grave ao proporem-se retirar da empresa, importâncias que pertenciam a esta e só a esta, conduta que demonstra que se movem por razões exclusivamente de ordem patrimonial, diametralmente opostas ao “legado moral” de “recuperarem a empresa" de que alegadamente o pai os teria "incumbido”;
- De todo o modo, é evidente que o facto de se ter criado uma situação que possibilitou a interpretação que prevaleceu de considerar que as alegações foram apresentadas fora de prazo, não foi uma boa notícia para o A. e que naturalmente lhe terá causado um certo sentimento de desencanto que, na melhor das hipóteses, em face da prova produzida, se terá traduzido num sentimento de revolta;
- Apesar da forma como o Tribunal apreciou a prova, certo é que não se deu como provado que o sucedido tivesse provocado qualquer perturbação psicológica ou emocional; ninguém falou que houve necessidade de recorrer a apoio médico, nem isso foi alegado
- E, alteradas, como fundadamente se esperam, as respostas aos n.° 40, 41, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52 e 56 da b.i., afigura-se que o A. LM não sofreu danos morais que mereçam a tutela do direito;
- Caso assim não se entenda, é irrecusável que o valor de € 30.000,00 arbitrado ao autor LM se mostra exagerado, o que significa que o valor a fixar terá de ser substancialmente inferior aos € 30.000;
- E isto também porque se encontra excluída a possibilidade de atribuir qualquer dimensão ou função sancionatória à indemnização que possa vir a ser estabelecida.
Como é sabido, a doutrina e jurisprudência hoje dominante, admite a compensação de danos não patrimoniais decorrentes da lesão patrimonial no quadro da responsabilidade contratual, desde que, pela sua gravidade, mereçam tutela do direito (art.º 496.º, n.º 1, do CC), para o que relevam, nomeadamente, o grau de culpa do lesante e demais circunstâncias que o caso justifique (art.º 494.º e 496.º, n.º 4, do CC).
No caso vertente, não há dúvida de que a culpa dos R.R. se situa num elevado nível de gravidade.
Resta saber se a ofensa daí decorrente para os A.A., no plano moral, é expressiva de tal intensidade que justifique a indemnização arbitrada.
Da factualidade provada colhe-se o seguinte circunstancialismo:
- O pai dos A.A., JM, no início do Século XX, nasceu em Portugal, na Beira interior, muito perto de VVR, sendo uma pessoa muito humilde – resposta ao art.º 33.º da base instrutória;
- Por força das suas limitações económicas, aos 21 anos, nos anos 30, antes da 2.ª Grande Guerra Mundial, emigrou para o …, onde se dedicou a várias actividades, até que estabilizou na actividade de produção de farinha – resposta ao art.º 34.º da base instrutória;
- Fruto do seu trabalho, sacrifício, disciplina e organização conseguiu realizar fortuna tornando-se num dos maiores moageiros do Estado de … e do … – resposta ao art.º 35.º da base instrutória;
- Obtido este resultado quis regressar ao Concelho de VVR, para dar à sua região, o que a mesma nunca tinha tido até en-tão, uma indústria que retirasse da miséria e do trabalho agrícola (de sol a sol) aqueles que, como ele, tinham nascido pobres e morriam pobres a menos que abandonassem a sua terra – resposta ao art.º 36.º da base instrutória;
- No início dos anos 60, vivia-se um condicionamento industrial, ainda não se sentiam os efeitos do desenvolvimento provocado pela electrificação do país, a sociedade nacional era eminentemente rural, sendo regulada por autorizações verbais e pessoais do então Presidente do Conselho de Ministros – resposta ao art.º 37.º da base instrutória;
- Na altura o pai dos A.A. foi autorizado a montar a sua fábrica de celulose no concelho de VVR, perto da sua terra, tendo sido autorizado a exportar para Portugal o seu dinheiro, para esse fim – resposta ao art.º 38.º da base instrutória;
- O pai dos A.A. construiu a sua fábrica exclusivamente com capitais próprios, fazendo, à época, um investimento superior a dois milhões de contos, valores entre 1965 e 1972, datas do início do projecto e da inauguração da fábrica, pelo Presidente da República de então – resposta ao art.º 39.º da base instrutória;
- O pai dos A.A. construiu a fábrica e colocou à cabeça da mesma o filho LM, ora A., o qual, num acidente ocorrido numa máquina daquela fábrica, aí perdeu uma mão – resposta ao art.º 40.º da base instrutória;
- Em 1974, no contexto sócio-político em que se vivia no País logo após “o 25 de Abril”, uma parte dos trabalhadores da CEL, movidos por reivindicações salariais, retiveram o pai dos A.A. e o A. LM dentro da fábrica durante algumas horas, os quais só saíram dali auxiliados pela intervenção de uma força militar – resposta alterada ao art.º 41.º da base instrutória;
- A fábrica, na data da ocupação e do sequestro, tinha em caixa largos milhões de escudos, que os A.A. quiseram retirar dos cofres da mes-ma, enquanto a sua assinatura podia dar ordens a débito sobre as contas bancárias – resposta ao art.º 42.º da base instrutória;
- O pai dos A.A. determinou que, uma vez que eles, donos, eram obrigados a abandonar a fábrica, eles, donos, porque respeitavam a obra por eles efectuada, deixavam todos os meios produzidos e depositados no banco, na conta onde estavam creditados, porque eles, donos, não retiravam dinheiro furtivamente das suas contas bancárias – resposta ao art.º 43.º da base instrutória;
- Os A.A. cumpriram as ordens de seu pai e deixaram mais esse espólio no banco – resposta ao art.º 44.º da base instrutória;
- Em 6 de Janeiro de 2005, a empresa que foi nacionalizada, no ano de 75, por imperativos de ordem pública, decorridos 30 anos, foi reprivatizada, voltando à iniciativa privada – resposta ao art.º 45.º da base instrutória;
- A nacionalização da CEL em 1975 surpreendeu o pai dos A.A., o qual revelou grande preocupação com tal situação, tendo, antes de morrer, pedido aos filhos para que lutassem pela recuperação da empresa - resposta alterada ao art.º 46.º da base instrutória;
- Os A.A. propuseram-se a satisfazer a vontade então manifestada pelo seu pai – resposta alterada ao art.º 47.º da base instrutória;
- Tendo o 1.º A. criado a expectativa sobre a possibilidade do sucesso da demanda, por estar suportada em pareceres de prestigiados jurisconsultos do direito nacional e patrocinada por advogados de reconhecido mérito, “a perda do prazo” causou-lhe um grande abalo psíquico e um sentimento de revolta – resposta conjunta alterada aos art.º 48.º e 56.º da base instrutória;
- Os advogados dos A.A. conheciam os factos dados como provados sob os pontos 2.110 a 2.124 (correspondentes às respostas aos art.º 33.º a 47.º da base instrutória), os quais foram transmitidos ao R. CV por AC, em representação daqueles A.A., tendo o R. CV contactado também directamente o A. AM e um irmão deste que não era sócio da CEL, no decurso de uma viagem ao …, com vista à propositura da acção – resposta conjunta alterada aos artigos 49.º a 52.º da base instrutória;
Não está aqui em causa compensar o sofrimento do pai dos A.A. decorrente da nacionalização da CEL, mas tão só a ofensa sofrida pelos A.A. em virtude da frustração por eles sentida com o desfecho abrupto - por deserção de um recurso, imputável a negligência grave dos R.R. – de uma causa em que se empenharam por ser bem sucedida. Não se trata, no entanto, apenas de uma frustração de natureza económica, mas também das próprias motivações morais que lhe estavam subjacentes.
Nessa medida, o circunstancialismo acima descrito sobre os antecedentes históricos e as razões daquela causa fornece um quadro do chamado clima moral do litígio, o qual não pode aqui ser ignorado.
Relativamente ao A. LM, não há dúvida que, quer pela sua envolvência mais directa na referida empresa, quer pelo investimento que ele próprio fez com a preparação da acção, tal frustração se afigura mais que justificada. De resto, quanto a este A. provou-se que, tendo criado a expectativa sobre a possibilidade do sucesso da demanda, por estar suporta-da em pareceres de prestigiados jurisconsultos do direito nacional e patrocinada por advogados de reconhecido mérito, “a perda do prazo” causou-lhe um grande abalo psíquico e um sentimento de revolta.
Quanto ao A. AM, embora tal não se tenha provado, o certo é que também ele se propôs satisfazer a vontade manifestada pelo seu pai para a recuperação daquela empresa (resposta ao art.º 47.º da base instrutória), estando também provado que ambos os A.A. estavam disponíveis para litigar em todas as instâncias, incluindo o TC e TEDH (resposta ao art.º 3.º da base instrutória).
Nesse contexto, não se pode deixar de considerar, segundo as regras da experiência comum, que o desfecho daquela causa, tal como sucedeu, é de molde a frustrar, em grau relevante, a sua motivação subjacente à decisão de se associar com o A. LM na propositura dessa acção.
No entanto, dado que não se provou que o seu empenhamento e o impacto que sofreu com o desfecho daquela acção fossem tão fortes como sucedeu com A. LM, justifica-se que a indemnização a ser-lhe arbitrada o seja em menor nível.
Não divisamos ainda que tenha qualquer relevância para a presente questão a atitude que os A.A. assumiram, aquando a intervenção dos traba-lhadores na empresa em 1974/75.
Por fim, dado, por um lado, o montante que estava em causa na referida acção, bem como o grande empenhamento, motivações, e a expectativa dos A.A. no seu sucesso, e, por outro lado, à forma como terminou abruptamente por deserção de um recurso imputável, a título de negligência grave, aos R.R., afigura-se que os montantes arbitrados são proporcionados a compensar a frustração moral sofrida por aqueles.
V - Decisão
Por todo o exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação parcialmente procedente, alterando a decisão recorrida, no sentido de julgar improcedente a acção quanto à pretensão indemnizatória pelo dano da perda de chance, absolvendo-se os R.R., nessa parte, e julgar procedente a acção no restante conforme o julgado em 1.ª instância:
A - Condenando-se:
a) – A Interveniente Seguradora a pagar ao 1.º A. a quantia de € 67.743,03.03, a título de danos patrimoniais, deduzida do montante de € 2.500,00, correspondente à franquia;
b) – Os R.R., solidariamente, a pagar ao 1.º A. aquela quantia de € 2.500,00;
B - Confirmando-se, no mais, a sentença recorrida.
Custas da acção e do recurso ficam a cargo das partes na proporção dos respectivos vencimentos.
Lisboa, 29 de Outubro de 2013
Manuel Tomé Soares Gomes
Maria do Rosário Oliveira Morgado
Rosa Maria Ribeiro Coelho