Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1544/13.0TYLSB.L1-8
Relator: CATARINA ARÊLO MANSO
Descritores: SOCIEDADE ANÓNIMA
DELIBERAÇÃO DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/29/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: -Em regra, não são susceptíveis de impugnação judicial directa as deliberações do conselho de administração duma sociedade anónima, devendo a sua eventual nulidade ou anulabilidade ser submetida à apreciação da assembleia-geral (art. 412º, n.º1 do CSC), e só da deliberação desta cabendo acção judicial.
-É de admitir o recurso directo ao tribunal, com vista à suspensão da deliberação do conselho de administração de uma sociedade anónima, referente ao aumento do capital social, se essa deliberação tiver sido tomada no âmbito de autorização concedida através do contrato de sociedade, nos termos do art. 456º nº1 do diploma citado.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juizes, no Tribunal da Relação de Lisboa.


I-RELATÓRIO:


I–B... – SGPS, S.A., intentou acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra B... S.A., pedindo a declaração de nulidade ou a anulação da deliberação tomada no Conselho de Administração da Ré, em reunião de 29.07.2013.

Alegou que, é sócia da sociedade Ré e o Conselho de Administração da Ré deliberou um aumento de capital de € 60 000,00 para € 500 000,00, que não visa cumprir nenhuma das finalidades legais tipificadas, nem prossegue o interesse da sociedade e a deliberação é susceptível de impugnação judicial. Tal deliberação assume natureza abusiva, porquanto pretende diminuir os direitos da Autora no contexto societário, uma vez que a mesma não possui capacidade de tesouraria para participar no aumento de capital deliberado.

A Ré foi citada, apresentou contestação, pediu a improcedência da acção, uma vez que, a deliberação em apreço foi tomada no interesse da sociedade.

Foi junto o pedido de registo da presente acção na conservatória do registo comercial competente.

Após, no saneador sentença, julgou-se improcedente a acção que B... SGPS, S.A. intentou contra B... S.A. e, absolveu-a do pedido.

Não se conformando com a decisão interpôs recurso a autora e nas alegações concluiu:
1.O Tribunal recorrido julgou improcedente, por não provada, a acção que a ora Recorrente B... SGPS, S.A., intentou contra a Recorrida B... S.A., e, consequentemente, absolveu esta do pedido.
2.A acção em causa tinha por objecto a validade da deliberação do conselho de administração da Ré, ora Recorrida, que, em 30.07.2013, deliberou aumentar o capital social da sociedade de €60.000,00 para €500.000,00, com base num artigo 5.º do pacto social.

I-DA (IN) ADMISSIBILIDADE DA IMPUGNAÇÃO DIRECTA DAS DELIBERAÇÕES DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO.
3.O Tribunal a quo defendeu que a deliberação do Conselho de Administração de aumento do capital social da Requerida não é susceptível de impugnação judicial directa, devendo, em primeiro lugar, e nos estritos termos do artigo 412.º do CSC, ser o próprio órgão de administração ou a assembleia geral, a apreciar a validade daquela deliberação.
4.Sucede porém que, salvo o devido respeito, a sentença recorrida carece qualquer fundamento legal e revela uma interpretação e aplicação erróneas da lei (artigo 412.° do CSC) ao caso concreto dos autos,
5.Desrespeitando o direito fundamental consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da CRP, de acesso ao direito, bem como o direito previsto no artigo 2.º, nº 2 do CPC.

A)Do Argumento Literal
6.A letra do artigo 412.º do CSC não contém qualquer proibição de recurso aos tribunais para impugnar deliberações do Conselho de Administração, nem indicia qualquer exclusão do recurso aos meios judiciais previamente ao recurso do mecanismo previsto no artigo 412.º do CSC.
7.A observância das regras de interpretação jurídica, constantes do artigo 9.º, nºs 2 e 3 do CC, não permite uma interpretação da norma contida no artigo 412.º do CSC, que prevê que «o próprio conselho de administração ou a assembleia geral pode declarar a nulidade ou anular as deliberações do conselho vidadas», no sentido de que a lei atribui ao conselho de administração ou à assembleia geral uma competência prévia e exclusiva para apreciar as invalidades das deliberações do órgão de administração.
8.Em lado algum o artigo em análise proíbe ou exclui o recurso aos meios judiciais como forma de reacção contra deliberações do Conselho de Administração. Antes pelo contrário, conforme RICARDO FALCÃO conclui: «a letra da lei aponta, pois, claramente para um alargamento de competências».
9.Não poderia ser outra a interpretação do preceito em causa, face ao disposto o artigo 2.º, n.º 2 do CPC e ao direito fundamental de acesso à justiça consagrado no artigo 20.º da CRP, dos quais resulta que a regra é a tutela judicial para todo o direito, salvo disposição em contrário, que não existe no caso em apreço.
10.A interpretação do artigo 412.º do CSC, no sentido de que o mesmo não implica uma exclusão do recurso aos tribunais, como forma de impugnação das deliberações do Conselho de Administração tem amplo reconhecimento na doutrina portuguesa (RAÚL VENTURA, JORGE PINTO FURTADO, J. TAVEIRA DA FONSECA, LUÍS BRITO CORREIA)
11.E na jurisprudência mais recente: Tribunal da Relação do Porto, por Acórdãos de 20.11.2003, de 20.04.2004 e de 28.09.2010, e Acórdão do STJ de 21.02.2006, ainda Acórdão da Relação de Lisboa de 13.03.2014.
12.A necessidade de tutela urgente, para evitar os danos irreparáveis de uma deliberação do conselho de administração, não se compadece com a demora do mecanismo do artigo 412.º do CSC, que implica, designadamente, requerer a convocatória da assembleia geral, a publicação da convocatória, com a antecedência mínima de 21 dias face à data designada para a assembleia, para além de todas as vicissitudes recorrentes do processo próprio de convocação de uma assembleia geral.
13.Os dois meios de reacção contra deliberações do conselho de administração (o do artigo 412.° do CSC e o recurso directos aos tribunais) não são incompatíveis, podem ser alternativos ou cumulativos (Conforme referem ARMANDO M. TRIUNFANTE e PAULO OLAVO DA CUNHA).
14.Em suma, face ao exposto, não procedem os argumentos literais avançados pelo tribunal a quo na sentença recorrido para fundamentar a decisão da improcedência acção intentada pela ora Recorrente.

B)DO MÍNIMO DE INTERVENÇÃO EXTERNA NA VIDA DA SOCIEDADE.
15.Não procede igualmente o argumento da garantia do mínimo de intervenção externa na vida interna da sociedade.
16.Pois, a impugnação directa das deliberações do conselho de administração não afectaria de tal modo a gestão interna da sociedade que justificasse a sua não admissão, sendo que, o entendimento em contrário permitiria a produção de efeitos de deliberações nulas, claramente contrário à dogmática das invalidades (Conforme ARMANDO M. TRIUNFANTE e MENEZES CORDEIRO, que refere que «deixar uma invalidade em suspenso, aguardando por uma assembleia geral para, depois dela, recorrer aos tribunais é ampliar, sem qualquer vantagem, a insegurança que se pretende combater».
17.Para além disso, é reconhecido o direito de terceiros impugnar judicialmente a deliberação do órgão de administração, desde que demonstrem a qualidade de interessados (artigo 286.° do CC), quando lesa normas imperativas e ofenda indirectamente os seus interesses.
18.Pelo que sendo tal direito de acção reconhecido a um terceiro não se vê como negar o mesmo a um accionista, sem incorrer na violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP. (ARMANDO M. TRIUNFANTE)
19.Se qualquer interessado o pode fazer, torna-se praticamente impossível não defender o mesmo direito para um accionista da própria sociedade anónima.
20.A tese defendida pelo tribunal a quo exige que um accionista minoritário submeta à apreciação do conselho de administração ou da assembleia geral a apreciação da invalidade de uma deliberação, sabendo ab initio que nunca conseguirá à declaração de invalidade, ou seja, obriga o recurso a procedimentos inúteis, conforme defende PAULO OLAVO DA CUNHA (ver ainda RICARDO FALCÃO).
21.Mesmo aqueles que defendem a exclusividade do recurso ao mecanismo previsto no artigo 412.º do CSC, reconhecem excepções, sendo o exemplo disso CARLOS OSÓRIO DE CASTRO, que admite a impugnação directa de deliberações do órgão de administração nos «actos e omissões que lhe [accionista] impeçam ou embaracem o exercido dos direitos inerentes às suas acções, e, eventualmente, comportamento do órgão de administração que consubstanciem “usurpação” de competências próprias da assembleia geral.».
22.Ainda assim, a posição perfilhada por este Autor, em termos genéricos, invocada pelo Tribunal recorrido, deve ser devidamente enquadrada, pois, como expressamente revela o autor, a posição assumida cinge-se ao universo das grandes sociedades com capital disperso, que não é este, manifestamente, o caso dos autos. A tese da inadmissibilidade da impugnação judicial directa das deliberações do conselho de administração levanta muitas questões que revelam pesadas lacunas (o que acontece quando o accionista requer ao conselho de administração a apreciação da invalidade de uma sua deliberação e este não declarar tal invalidade, faculdade que o artigo 412.º, n.º 1 do CSC prevê? Nesse caso, já pode o accionista impugnar directamente a deliberação do Conselho de Administração que nega a invalidade? E na hipótese de o accionista requerer à assembleia geral a apreciação da invalidade da deliberação do órgão de administração e aquele órgão não declarar essa invalidade? Qual a deliberação a impugnar a da assembleia geral que nega a invalidade ou a do conselho de administração? Qual o vício a apontar?).
24.Concluiu-se que a decisão recorrida interpretou e aplicou erroneamente o disposto no artigo 412.º do CSC, em violação das regras de interpretação constantes dos artigos 9.º, n.º 2 e n.º 3 do CC.
25.De modo que, a interpretação do tribunal recorrido acerca da norma contida no artigo 412.º do CSC desrespeita o preceituado no artigo 2.º, n.º 2 do CPC, e o direito constitucionalmente tutelado do acesso ao direito (artigo 20.° da CRP), bem como o princípio da igualdade vertido no artigo 13.º da CRP.

C)DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL N.° 415/2003.
26.No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 415/2003, não foi tomada posição quanto à questão de saber se o artigo 412.° do CSC impede a impugnação directa das deliberações do órgão de administração das sociedades anónimas.
27.Isto é, o TC não se pronunciou, sequer implicitamente, sobre o mérito de tal interpretação no âmbito do direito infraconstitucional.
28.Os fundamentos da referida decisão do TC — que, repita-se, são circunscritos à questão da conformidade da interpretação (boa ou má) seguida pelo tribunal recorrido com o artigo 20.° da CRP - não são, de modo algum, transponíveis para o presente caso.

II.DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO.
29.As circunstâncias do caso concreto reforçam o acima exposto.
30.Conforme reconhecido no Acórdão da Relação do Porto de 20.11.2003, o facto de se estar perante uma deliberação de aumento de capital aprovada no âmbito da competência delegada da assembleia só reforça a tese que admite a impugnação directa da deliberação do Conselho,
31.E, também, como decidido pelo Acórdão da Relação de Lisboa de 13.03.2014.
32.Significa ainda que estamos perante uma deliberação susceptível de impedir ou embaraçar o exercício pelos Recorrentes dos direitos inerentes às suas acções (Direito de consulta na sede da sociedade dos documentos, Direito a solicitar por escrito ao conselho de administração a prestação de informações, por escrito, sobre assuntos sociais, Direito de requerer inquérito judicial à sociedade, Direito a quinhoar nos lucros do exercício, Direito de convocação da assembleia geral e de inclusão de assuntos na ordem do dia de uma assembleia geral já convocada ou a convocar, Direito de requerer a destituição judicial de administrador com fundamento em justa causa, Direito de propositura de acção de responsabilidade contra os administradores da Recorrida).
33.Pelo que, ainda que não se admitisse a impugnabilidade directa das deliberações do conselho de administração, o presente caso deveria ser reconhecido como uma das excepções que permitem a impugnação judicial directa das mesmas.
34.Em suma, a interpretação do artigo 412.º, n.º1 do CSC, no sentido de que exclui, tout court, o recurso directo aos tribunais para impugnar deliberações do conselho de administração, aprovadas no âmbito de uma competência delegada pela assembleia geral, que limitem os direitos inerentes às acções — como no caso da deliberação de aumento de capital – nas situações em que o accionista minoritário não detém votos suficientes para aprovar em assembleia geral a declaração da invalidade de tal deliberação e a maioria dos accionistas elegeu o conselho de administração que aprovou a deliberação em crise, é ilegal e inconstitucional.
35.Isto porque inviabiliza o direito de acesso à tutela judicial dos direitos e interesses legalmente protegidos e discrimina injustificadamente os accionistas face a terceiros a quem é reconhecido o direito de impugnar deliberações inválidas que afectem indirectamente os seus interesses.
No provimento do recurso, deve ser revogada a sentença recorrida.

Factos.

1.B... S.A., pessoa colectiva nº ..., tem sede ... e encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o mesmo número.
2.Tem o capital social de € 60.000,00 e por objecto a construção civil, compra e revenda de imóveis e dos adquiridos para esse fim.

3.De acordo com o artigo quinto do contrato de sociedade aprovado na Assembleia-geral da sociedade Ré realizada em 12.07.2011:
“O Conselho de Administração poderá elevar, por uma ou mais vezes e nas condições que entender convenientes, o capital social até ao limite de quinhentos mil euros.” – cf. cópia da acta que consta de fls. 97-105 dos autos.

4.O Conselho de Administração da sociedade Ré reuniu no dia 30.07.2013, tendo por ponto único da ordem de trabalhos inserido na convocatória, deliberar sobre a proposta de aumento do capital social da sociedade de € 60.000,00 para € 500.000,00 reservado aos accionistas por entradas em dinheiro, de que consta aprovada por unanimidade a proposta de que “este Conselho de Administração exerça os poderes que o contrato de sociedade lhe confere e delibere aumentar o capital social da nossa sociedade por entradas em dinheiro dos actuais € 60.000,00 para € 500.000,00, através da emissão de 88.000 acções ordinárias tituladas e ao portador, no valor nominal de €5,00 cada uma.” – cf. cópia da acta (nº 11) cuja cópia consta de fls. 181-183 dos autos.

Não houve contra alegações.

Corridos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento.

II–Apreciando.

O apelante não aceita a decisão impugnada que absolveu a ré do pedido, por entender «não serem judicialmente impugnáveis as deliberações do Conselho de Administração de sociedade anónima».

A deliberação em causa consistiu no aumento de capital aprovada pelo conselho de administração de € 60.000,00 para € 500.000,00. Esta deliberação foi aprovada ao abrigo da competência delegada pela assembleia-geral, prevista no artigo 5.º dos estatutos da Recorrida.

Importa decidir no presente recurso, se um accionista pode pedir directamente a suspensão de uma deliberação de um órgão da sociedade – no caso do Conselho de Administração, a doutrina, e a jurisprudência têm defendido que pode, mas também que não, ou seja, não têm tido uma orientação uniforme.

No Ac. do TRP, de 15.03.2004 – processo nº 0354886, publicado em www.dgsi.pt/jstj – a questão de saber se são susceptíveis de impugnação judicial as deliberações ditas nulas ou anuláveis de outros órgãos sociais – que não o plenário de sócios, reunido em assembleia geral, é controvertida em face do CSC.

Aí consta: “No regime anterior ao CSC, era corrente o entendimento de que a acção anulatória não poderia ser utilizada contra deliberações tomadas pelos órgãos administrativos propriamente ditos (gerência, direcção, administração), mas apenas contra deliberações tomadas em reuniões ou em assembleias gerais de sócios - cf. Prof. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, 3.ª ed., p. 676. Esta doutrina foi, igualmente, seguida por Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. II (notando-se, porém, que este Autor já nenhuma opinião emite sobre a questão, na 3.ª edição, da mesma obra) e. p. 247, Pinto Furtado, Código Comercial anotado, vol. I, p. 507 (que reviu, posteriormente, a sua posição) e na Revista dos Tribunais, ano 90, p. 357, anotação ao Ac. do STJ de 21/4/72.

Contra a impugnabilidade judicial directa pronunciaram-se, nomeadamente, Alberto dos Reis; Lebre de Freitas; Lobo Xavier; Oliveira Ascensão; Pereira de Almeida, Osório de Castro, Moitinho de Almeida e Pedro Pais de Vasconcelos, fundamentando tal posição nas seguintes argumentos:

- um fundamento formal a letra da lei, o art. 412.º do CSC. Pedro Pais de Vasconcelos, não deixa margem para a liberdade e escolha do sócio.
- em segundo lugar, a garantia do mínimo de intervenção externa na vida interna da sociedade, apenas se recorrendo à intervenção externa dos tribunais se o primeiro obstáculo não fosse suficiente. Deste modo, evitar-se-ia a perturbação da vida societária.
- em terceiro lugar, a necessidade de garantir a segurança jurídica, essencial à actividade societária e estabilidade dos negócios. A actividade de uma sociedade não se coaduna com a possível paralisia que a intervenção dos tribunais poderia originar.
- em quarto lugar, a falta de interesse em agir (Pedro Pais de Vasconcelos e António Pereira de Almeida), uma vez que, as deliberações do Conselho de Administração não têm, em princípio, eficácia externa, os sócios e terceiros não têm legitimidade para impugnar judicialmente tais deliberações, enquanto as mesmas não tiverem execução ou expressão externa, por falta de interesse em agir. Caso sejam prejudicados, é contra os actos de execução que os sócios ou terceiros têm interesse em agir para poderem recorrer a juízo.
- em quinto lugar, para Pedro Pais de Vasconcelos (i) o tempo que se ganha em evitar a AG não se prolonga por mais de 60 dias, os quais, confrontados com o tempo de demora duma acção judicial, é irrelevante; (ii) vantagem manifesta em levar a questão primeiro à AG: a questão é ainda discutida “dentro de casa”.

Sobre tal matéria Carlos Osório de Castro: circunscreve a impugnação directa aos actos e omissões que lhe impeçam ou embaracem o exercício dos direitos inerentes às acções dos accionistas, comportamentos do órgão de administração que consubstanciem “usurpação” de competências próprias da assembleia-geral.

E Joaquim Taveira da Fonseca defende que: só as deliberações da sociedade (as deliberações dos sócios) ou que sejam passíveis de ser imputadas à sociedade (deliberações de outros órgãos, em particular do órgão de administração, no exercício de competência delegada) poderão ser objecto da providência cautelar de suspensão de deliberações sociais.

A favor da impugnabilidade judicial directa (impugnabilidade alternativa), pronunciaram-se Coutinho de Abreu, Paulo Olavo Cunha, Pinto Furtado, Menezes Cordeiro, que defendem em síntese:

Sendo certo que o artigo 412.º nada diz quanto à possibilidade de recurso directo aos tribunais, também não é menos verdade que em nada se opõe a tal possibilidade. E as regras interpretativas do artigo 9.º, nºs 2 e 3 do CC: não se pode retirar da letra do artigo 412.º que o legislador tenha atribuído à assembleia-geral e ao CA uma competência primária exclusiva. Segundo estes autores, é a própria letra deste preceito que sugere interpretação contrária: alargamento de competências; legitimidades extraordinária (Menezes Cordeiro). No art. 20.º/1 CRP e 2.º/2 CPC – o acesso aos tribunais está assegurado a não ser que exista norma que expressamente negue tal possibilidade. Em contraposição do argumento da segurança jurídica/perturbação da vida societária: defende o Prof. Menezes Cordeiro: deixar uma invalidade em suspenso, é ampliar, sem qualquer vantagem, a insegurança que se pretende combater. Os accionistas e terceiros (estes, em regra, através de actos externos) não têm conhecimento da grande maioria das deliberações do Conselho de Administração, logo, o risco potencial de surgirem impugnações judiciais daquelas deliberações é reduzido (Coutinho de Abreu). Menor perturbação é causada se se admitir a impugnação directa: (artigo 287.º, alínea e) do CPC). É de admitir como muito provável que tendo resultado o órgão de gestão da escolha maioritária dos sócios, estes não venham agora infirmar as decisões daqueles que anteriormente escolheram (Paulo Olavo Cunha).Por último, só a deliberação da AG que não declare nula ou anule a deliberação do CA é que poderá ser alvo de sindicância judicial.   
      
Como consta nas alegações da apelante há que fazer a interpretação da disposição legal e integrando-a no sistema jurídico. Os argumentos literais são, no fundo, que o novo Código das Sociedades Comerciais passou a designar por deliberações também as decisões colectivas de outros órgãos sociais, de um lado, e que nos artigos relativos à impugnação de deliberações sociais maxime nos arts. 56º e ss., todas as referências são feitas às deliberações dos sócios em Assembleia Geral não havendo v.g. qualquer previsão de prazos para impugnar deliberações de outros órgãos sociais e o teor literal do art. 412º nº1 do Código das Sociedades Comerciais, por outro.

No Ac. do TRP de 20.11.2003,  decidiu-se que tal circunstância representa mais uma razão para admitir a impugnação directa, pois a deliberação do Conselho «representa a vontade geral da sociedade formada naquilo que se chama colectivo de sócios — a assembleia-geral». Assim, o CA da Recorrida agiu com base numa competência delegada que lhe foi atribuída pela assembleia-geral a quem competia conceder essa autorização (artigo 456.º, n.º1 do CSC).

A invalidade das deliberações do Conselho de Administração encontra-se regulada no artigo 411.º do Código das Sociedades Comerciais, nos termos do qual:

1-São nulas as deliberações do conselho de administração:
a)Tomadas em conselho não convocado, salvo se todos os administradores tiverem estado presentes ou representados, ou, caso o contrato o permita, tiverem votado por correspondência;
b)Cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberação do conselho de administração;
c)Cujo conteúdo seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais imperativos.
(…)
3-São anuláveis as deliberações que violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, quer do contrato de sociedade.

No que respeita à arguição dessa invalidade, dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do mesmo diploma que:
 “O próprio conselho ou a assembleia geral pode declarar a nulidade ou anular deliberações do conselho viciadas, a requerimento de qualquer administrador, do conselho fiscal ou de qualquer accionista com direito de voto, dentro do prazo de um ano a partir do conhecimento da irregularidade, mas não depois de decorridos três anos a contar da data da deliberação”.

Assim, a assembleia-geral e o próprio conselho de administração têm o poder de declarar a nulidade ou anular deliberações viciadas desse conselho, gozando da faculdade de o requerer, qualquer administrador, qualquer accionista com direito de voto ou o conselho fiscal.

Face ao preceituado no referido artigo 412.º do Código das Sociedades Comerciais, questiona-se se as deliberações do Conselho de Administração são susceptíveis de impugnação judicial pelos accionistas da sociedade e, em caso afirmativo, se as mesmas estão sujeitas ao esgotamento dos mecanismos intra-societários estipulados no n.º 1 daquele preceito ou se serão impugnáveis directamente.

Também Joaquim Taveira da Fonseca sustenta que a “sindicabilidade interna” das deliberações do Conselho de Administração não afasta a possibilidade de ser interposta, desde logo, a acção judicial de impugnação.

Para este Autor, só as deliberações da sociedade (entendendo como tal as deliberações dos sócios, ainda que não tomadas em assembleia geral) ou que sejam passíveis de ser imputadas à sociedade (deliberações de outros órgãos, em particular do órgão de administração, no exercício de competência delegada) poderão ser objecto da providência cautelar de suspensão de deliberações sociais.

E, voltando ao caso vertente, se o conselho de administração tem o poder delegado da assembleia, sobre a matéria em apreciação, não faz sentido pedir que sobre tal questão se pronuncie, sabemos de antemão qual vai ser a decisão, em face da sua deliberação. A questão em apreço tem de ser respondida positivamente, uma vez que, a assembleia delegou tal matéria como consta dos factos assentes. “O Conselho de Administração poderá elevar, por uma ou mais vezes e nas condições que entender convenientes, o capital social até ao limite de quinhentos mil euros.” – cf. cópia da acta que consta de fls. 97-105 dos autos.

Em suma, procedem as conclusões da apelante.

Concluindo.
- Em regra, não são susceptíveis de impugnação judicial directa as deliberações do conselho de administração duma sociedade anónima, devendo a sua eventual nulidade ou anulabilidade ser submetida à apreciação da assembleia-geral (art. 412º, n.º1 do CSC), e só da deliberação desta cabendo acção judicial.
- É de admitir o recurso directo ao tribunal, com vista à suspensão da deliberação do Conselho de Administração de uma sociedade anónima, referente ao aumento do capital social, se essa deliberação tiver sido tomada no âmbito de autorização concedida através do contrato de sociedade, nos termos do art. 456º nº1 do diploma citado.

III–Decisão: julga-se procedente a apelação, revoga-se a decisão impugnada,  devendo os autos prosseguir os seus termos.
Sem custas.



Lisboa, 29/9/2016


                                                                                                   
Maria Catarina Manso    
Maria Alexandrina Branquinho                                                          
António Valente
Decisão Texto Integral: