Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2289/2006-1
Relator: RIJO FERREIRA
Descritores: PLANO DE URBANIZAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
BOA-FÉ
TESTEMUNHA
SUBSTITUIÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
IMPUGNAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/13/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: 1. Iniciada a audiência de julgamento, a substituição de testemunha entretanto falecida deve ser requerida nos dez dias posteriores ao conhecimento desse facto;
2. Não deve ser dada resposta de ‘não provado’ se, apesar de não se ter provado a totalidade da matéria factual contida no quesito, algum contexto factual relevante se provou, mas antes uma resposta restritiva/explicativa;
3. Dos preliminares do contrato e dos termos do mesmo resulta, segundo as regras dos artigos 236º-239º do CCiv, que a Parque Expo se obrigou para com a compradora do lote de terreno para construção – Cooperativa de Habitação – a fazer respeitar as características essenciais do projecto urbanístico em que tal lote se inseria;
4. Tal obrigação sempre resultaria, aliás, dos ditames da boa-fé que devem pautar a conduta a seguir na execução dos contratos;
5. Essa obrigação estende-se, por via do efeito protector de terceiros resultante da boa-fé na execução dos contratos, aos cooperantes que vieram a adquirir fracções no edifício construído pela Cooperativa de Habitação;
6. O edifício Vodafone, construído na zona de intervenção da Expo 98, não respeita o respectivo plano de urbanização;
7. De qualquer forma a sua configuração é substancialmente diferente do que constava das projecções da urbanização que a Parque Expo apresentou à Cooperativa de Habitação, e com base na qual a mesma tomou a decisão de adquirir um lote;
8. Ao aprovar o projecto de arquitectura do Edifício Vodafone (dando o seu contributo para que o mesmo viesse a ser licenciado) a Parque Expo incumpriu as suas obrigações contratuais;
9. Tal incumprimento torna-a responsável pela indemnização da frustração de expectativas dos proprietários das fracções do edifício construído pela Cooperativa de Habitação;
10. A quantificação dessa indemnização só deve ser relegada para liquidação se for previsível a possibilidade de serem traduzidas ao tribunal elementos relevantes para o efeito;
11. Deve distinguir-se entre os AA que, por estarem a cota superior, ainda têm vista sobre o rio e os que ficaram totalmente privados dessa vista;
12. Afigura-se justo e equitativo fixar a indemnização pela frustração das expectativas do desenvolvimento da urbanização segundo os modelos apresentados em, respectivamente € 15.000 e € 22.500.
RF
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
I – Relatório
Manuel e outros e Cooperativa de Habitação Mar da Palha CRL intentaram acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra Parque Expo 98 SA e Vodafone/Telecel, Comunicações Pessoais SA pedindo a condenação destes a demolirem a frontaria e os aspectos do edifício sede da Vodafone que contrariam o plano de pormenor originário e a pagar uma indemnização por danos patrimoniais e morais, que até à propositura da acção liquidam em € 14.964.
Alegam, para fundamentar tal pedido, que a primeira Ré, enquanto vendedora do terreno em que edificaram e habitam o edifício Gil Eanes, se comprometeu a respeitar o enquadramento urbanístico definido no plano de urbanização do local, sendo que veio a permitir a construção nas imediações do seu edifício do edifício sede da segunda Ré, o qual desrespeita as directrizes do referido plano de urbanização – facto conhecido e querido também pela segunda Ré – causando-lhes desvalorização do edifício e stress, desgosto e desilusão pela frustração das expectativas de usufruírem do enquadramento urbanístico planeado.
Foi chamado a intervir como parte principal BPI Pensões, Sociedade Gestora de Fundo de Pensões SA enquanto proprietária do terreno onde estava a ser erigido o edifício de que a segunda Ré era promotora e promitente arrendatária.
RR e chamada contestaram excepcionando a ineptidão da petição inicial, a ininteligibilidade do pedido, a incompetência absoluta do tribunal, a ilegitimidade activa e passiva e ilegal coligação de autores e por impugnação.
No despacho saneador foram desatendidas as excepções invocadas, com excepção da ininteligibilidade do pedido quanto à demolição dos aspectos da frontaria do edifico com a consequente absolvição da respectiva instância.
Inconformados, agravaram os AA daquela absolvição da instância; e a chamada recorreu subordinadamente da mesma.
Foi elaborada base instrutória, da qual os AA reclamaram sem sucesso.
No decorrer da audiência de julgamento foi proferido despacho de não admissão de depoimento de uma testemunha a determinados quesitos.
Inconformados, agravaram os AA.
Posteriormente foi proferido despacho a ordenar o desentranhamento de documentos.
Inconformados, agravaram os AA.
A final foi proferida sentença que, considerando indemonstrada qualquer desconformidade entre as características do edifício Vodafone e aquilo a que se havia comprometido a 1ª Ré, julgou improcedente a acção, absolvendo as RR e a interveniente do pedido.
Inconformados, apelaram os AA, concluindo, em síntese, por errónea elaboração da base instrutória, erro na decisão da matéria de facto e erro de julgamento.
Houve contra-alegações onde se propugnou pela improcedência da apelação.
A Cooperativa de Habitação Mar da Palha CRL veio, entretanto, desistir do pedido, desistência essa que, limitada aos interesses da desistente, foi homologada por sentença que transitou em julgado.
Nesta Relação foi negado provimento aos agravos interpostos, com excepção do agravo do despacho que não admitiu o depoimento de testemunha, tendo sido ordenada a repetição do julgamento “por forma a poder ser inquirida a testemunha em causa aos factos que a parte indicar”; e não se conheceu, por prejudicada, da apelação.
Voltados os autos à 1ª instância e tendo sido designado para a inquirição da referida testemunha o dia 23ABR2007, recebeu-se notícia de que a mesma havia falecido.
Tal facto foi comunicado ao mandatário dos AA através do registo RJ097529685PT, de 7MAR2007.
Por comunicação electrónica de 3ABR2007 vieram os AA requerer a substituição da testemunha, a qual foi indeferida com fundamento em extemporaneidade, decretando-se a subida dos autos à Relação para conhecimento da apelação.
Inconformados, agravaram os AA concluindo, em síntese, pela admissibilidade da substituição da testemunha e pela inexistência de apelação a ser conhecida pela Relação.
Contra-alegou a chamada propugnando pela improcedência do agravo.

II – Questões a Resolver

Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio(1).
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo(2).
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras(3).
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes, e já logicamente ordenadas, as questões a resolver por este Tribunal:

1. - se deve ser admitida a substituição da testemunha falecida;
2. - se há apelação a conhecer;
3. - se houve incorrecta elaboração da base instrutória;
4. - se ocorreu erro na matéria de facto;
5. - a que se obrigou a 1ª Ré no contrato que celebrou com a Cooperativa de Habitação Mar da Palha CRL;
6. - se os AA se podem prevalecer das obrigações decorrentes desse contrato;
7. - se a 1ª Ré incumpriu esse contrato;
8. - se a 2ª Ré e a chamada são igualmente responsáveis por esse incumprimento;
9. - das consequências desse incumprimento.

III – Do agravo

Afastada que está a aplicação do disposto no artº 512º-A do CPC, porque iniciada a audiência de julgamento com a prestação de depoimento, quer das partes quer das testemunhas, em 22FEV2005 (fls 898) e haver a testemunha cuja inquirição foi admitida pelo anterior acórdão desta Relação prestado depoimento (ainda que limitado a parte da matéria de facto) em 2MAR2005 (fls 922), a substituição da testemunha Fernando Azevedo apenas poderia ocorrer nas específicas circunstâncias previstas no artº 629º do CPC, que logo dispõe na 2ª parte do seu nº 1 que “a substituição deve ser requerida logo que a parte logo que a parte tenha conhecimento do facto que a determina”.
Aceitando que, não obstante o advérbio ‘logo’, o prazo para requerer a substituição é o prazo geral previsto no artº 153º do CPC e que à situação é aplicável o disposto no artº 145º, nº 5, do CPC, o certo é que, tendo sido remetida aos AA notificação do decesso da testemunha em 7MAR2007, a possibilidade de pedir a substituição da testemunha precludiu, como se refere na decisão recorrida, em 27MAR2007. Pelo que o requerimento a substituir a testemunha apresentado em 3ABR2007 é efectivamente extemporâneo.
E do artº 631º do CPC não resulta, como pretende o recorrente, a regra de que a substituição da testemunha pode ser efectuada até cinco dias antes do julgamento. O que ele estabelece é que no caso de substituição de testemunha, regulada no artº 629º, ainda assim a inquirição não pode ocorrer antes de decorridos cinco dias sobre a data em que à parte contrária foi comunicada essa substituição. O que tal disposição intenta é a indicação da forma de nessa particular circunstância garantir a aplicação dos princípios da equidade e lealdade processual e do contraditório, assegurando que a parte contrária tenha efectiva possibilidade de se inteirar sobre a idoneidade da nova testemunha e de poder lançar mãos dos meios processuais da sua impugnação ou contradita.
Absolutamente impossibilitado o depoimento da testemunha e impossibilitada a sua substituição, não há, como pretende o recorrente, lugar a nova audiência e à repetição dos actos subsequentes (designadamente reedição da decisão de facto, da sentença e da interposição de recurso desta).
Desde logo porque, mantendo-se inalterada a situação pré-existente, tal corresponderia a uma mera repetição meramente formal dos actos já praticados, num mero desperdício de tempo e recursos, sem qualquer utilidade. E os actos inúteis são proibidos pelo artº 137º do CPC.
Por outro lado, a anulação do julgamento para que fosse possibilitada à parte a inquirição da testemunha por si apresentada a toda a matéria de facto a que a quisesse indicar não implica, por si só, a invalidação de tudo o concomitante ou subsequentemente praticado. Pelo contrário vigora como princípio geral de direito “o máximo aproveitamento dos actos” segundo o qual a invalidade de um acto não abrange a parte não viciada do mesmo, não impede a produção dos efeitos para que, apesar da invalidade, se mostra idóneo e só invalida consequencialmente os actos que se encontrem numa absoluta dependência do acto inválido, e que tem afloramento nas disposições dos artigos 201º, 684º, nº 4, e 714º, nº 4, do CPC.
Por último, é de aplicar igualmente a regra geral, com consagração nos artigos 710º e 752º do CPC, segundo a qual os recursos só devem ser apreciados/providos na medida em que nisso haja utilidade objectiva. E no caso concreto não se vislumbra qualquer utilidade objectiva em estar a determinar a prática de actos em tudo idênticos, porque nenhuma alteração subsequente ocorreu, aos já anteriormente praticados e sobre os quais as partes tiveram efectiva oportunidade de se pronunciar.
Considerando, assim, válidos os actos anteriormente praticados, designadamente a sentença proferida e as subsequentes interposição de recurso e alegações, sem necessidade da sua repetição, evidente se torna a necessidade de, finalmente, se conhecer da apelação oportunamente interposta.

Termos em que conclui pela total improcedência do agravo.

IV – Fundamentos de Facto

Oportunamente foi elaborada a seguinte Base Instrutória:
1
Na venda do terreno para construir de que os AA. vieram a fruir, a R. Parque Expo indexou as transacções a planos de urbanização determinados, com normas assentes e divulgadas, fazendo-o constar expressivamente de cada escritura em que intervieram os AA.?
2
Entre as normas constantes da escritura do terreno de que os AA. vieram a fruir, constava a seguinte: admitem-se ajustamentos e alterações incidindo nos alinhamentos dos edifícios estabelecidos no plano, desde que não obstruam a fruição dos sistemas de vistas dos lotes vizinhos sobre a frente do rio (artigo 21/1 Reg.P.U., Zona de intervenção da Expo 98, anexo à Portaria 1130-B/99, 31.12)?
3
Entre as normas constantes da escritura do terreno de que os AA. vieram a fruir, constava o artº 29/1.a.2. do mesmo diploma, sob a epígrafe sistemas de vistas: constituem sistemas de vistas a preservar, nos termos do artigo 12/6.a.2 do Reg.P.U: os espaços canais da rede rodoviária ,prjncipal esecundária – Av. D. João II…;é interdita a construção de qualquer edifício que obstrua o sistema de vistas sobre a frente do rio … definidos pelo enfiamento dos alinhamentos edificados dos espaços públicos estabelecidos nos planos e pelos pontos de vista panorâmicos?
4
A R. Parque Expo havia-se comprometido para com os AA. no sentido de que no local ficariam edifícios pouco elevados (sete pisos, três pisos), dispostos no terreno de uma forma descontínua?
5
A R. Parque Expo autorizou a alteração do projecto de arquitectura da parcela 1.04 do Plano de Pormenor da Zona Central, edifício dito da Vodafone/Telecel?
6
A alteração do projecto de arquitectura da parcela 1.04 do Plano de Pormenor da Zona Central, edifício dito da Vodafone/Telecel obstrui completamente as vistas dos A.A. sobre a frente do rio, com um muro, sem janelas, até à altura de um oitavo andar, pelo menos?
7
O edifício \/odafone/Telecel cresceu dos sete pisos inicialmente previstos para os actuais dez, tendo ficado com o dobro do comprimento?
8
A alteração do projecto de arquitectura da parcela 1.04 do Plano de Pormenor da Zona Central, edifício dito da Vodafone/Telecel determina intranquilidade, stress, descrença e desgosto, por verem amputado um projecto de arquitectura urbanística, nos AA.?
9
A alteração ao projecto determinou perda da qualidade de vida dos AA?
10
A alteração do projecto de arquitectura da parcela 1.04 do Plano de Pormenor da Zona Central, edifício dito da Vodafone/Telecel determinou que as habitações e lojas construídas no edifício Gil Eanes pela 4A. diminuíssem de valor comercial?
11
Até à data da propositura da acção - 8-7-2002 -, a Cooperativa Mar da Palha sofreu pelo menos € 10.000 de prejuízo pelo decréscimo do preço de mercado dos locais comerciais do edifício Gil Fanes?
12
A Vodafone, ao apresentar à R. Parque Expo a alteração do projecto de arquitectura da parcela 1.04 do Plano de Pormenor da Zona Central, edifício dito da Vodafone/Telecel) sabia estar a agir contra determinação regulamentar expressa, ou contra as directrizes (que dessa regulamentação foram expressamente recebidas) do núcleo material clausulado das compras e vendas celebradas entre Parque Expo e os AA.?
13
A Vodafone agiu deste modo com intuito de prejudicar os AA.?
14
A alteração do projecto do edifício Vodafone/Telecel determinou um ganho de vistas, recuando a construção acima do solo cerca de 9 metros face ao originalmente previsto?
15
O edifício Vodafone/Telecel é composto por 9 pisos?
16
O A. Manuel e o A. Mário têm uma vista descoberta para rio, mesmo com o edifício Vodafone à sua frente, já que estão a uma cota superior à do topo do edifício Vodafone?
17
O edifício Vodafone constitui um polo de atracção do público, com o que beneficiam os estabelecimentos comerciais da zona?

Reclamaram os AA no sentido de serem levados aos factos assentes os quesitos 1, 4, 5 e 7 (porque provados por documento), de serem eliminados os quesitos 2 e 3 (por reproduzirem normas legais), e de ser levado à base instrutória o constante dos artigos 1, 2, 4, 11 (este integrado nos factos assentes), 23-D, 23-E e 23-F da petição inicial, cujo conteúdo é o seguinte:
1. 1A, 2A e 3A são vizinhos do Parque das Nações, munícipes de Lisboa (estabeleceram morada na Avª D. João II, tal como está assinado no cabeçalho), e particularmente interessados no projecto de reordenação da cidade a que vários instrumentos legais deram o nome de Zona de Intervenção da Exposição Mundial de Lisboa de 1998.
2. A A. emergiu também do movimento de urbanização de Lisboa oriental, aproveitado o evento da Expo 98, e versando pôr de pé um conceito de cidade, aberto ao Tejo, de excelência arquitectónica e urbanística.
3. Assim, os cooperadores da 4A (e 1A, 2A e 3A, do mesmo modo) não intentaram apenas obter habitação própria de diversa qualidade ou comodidade, mas integraram-se num projecto vanguardista de convivência urbana com a tradição ribeirinha da cidade de Lisboa.
4. Isso mesmo foi reconhecido pela 1R., criada pelo DL 88/93, 23.03, promotora do empreendimento de desenvolvimento metropolitano que culminou na projecção socio-económica dos investimentos na Expo, ultrapassando a dimensão que apresentou de mero evento, através da malha edificada do Parque das Nações.
11. Contudo os técnicos que informaram o novo pedido de alteração pronunciaram-se negativamente: (1) apresenta uma solução diferente daquela que estava definida no projecto de reparcelamento, na implantação dos volumes, na dimensão e nos nivelamentos das plataformas de embasamento ...; (2) o edifício é composto por dois grandes corpos paralelos, perpendiculares à Av. D. João II ... e o alçado poente [para esta] virado ... é uma lamina de betão branco à vista, que funciona como uma enorme moldura à volta de um vão ... ; (3) solução... muito conceptual e abstracta mas que se considera porventura demasiado dura no contexto urbano onde vai estar inserida e que levanta dúvidas face ao PPI e aos projectos de reparcelamento; (4)... a implantação que era proposta ... para os edifícios da parcela 1.06 permitia ... do outro lado da Av. D. João II beneficiar de vistas ... sobre o rio; (5) esse contacto visual é agora, com a solução proposta na fachada poente, só possível ao nível do R/c, a partir da cota 48.00, equivalente ao 11º piso, ou ainda muito parcialmente através do vão central da lamina de betão; (6) julga-se que a aceitação da presente proposta daria origem a um contencioso... sobre a plataforma panorâmica...; (7) julga-se ainda que o impacto de uma fachada praticamente cega, com 36.6m de altura e 86.4m de comprimento, em betão à vista, é excessivo, tendo em conta o presente contexto urbano e a largura da Av. D. João II.
23D. Edifício, então, o que está em causa, muito mais alto (dez pisos) e mais volumoso, opressivo, delimitando uma malha urbana bastante mais reticular, subjugada a paisagem fluvial, de volta à cidade do betão e dos edifícios-ecrã, que se basta e encerra em si própria.
23E. Mas cidade do betão e da malha urbana apertada de que os AA fugiam, ou pelo menos reputavam retrógada, fonte de stress, infelicidade, mal-estar pessoal e desconforto, da crise das comunidades vicinais, depressiva, mental e socialmente insalubre, tudo isto sob um pensamento crítico, o pensamento que justamente foi a base da alternativa urbanística do Parque das Nações tal como ela foi incorporada nos diplomas legais e nos desenhos e projectos fundadores.
23F. Ora, neste conjunto característico da perda da qualidade de vida dos AA, e de todos os outros vizinhos, surge exponencial o cego muro da fachada para a Avª D. João II do edifício Vodafone/Telecel, para mais aberto e imediatamente fechado ao meio:...ali, naquilo que parecia vir a ser uma abertura no cerro de betão foram montadas passagens em ferro que a encerram definitivamente (são as pessoas a andarem no ar que vão ser a paisagem desta agressão gratuita, ditadura de uma outra cidade, fora das promessas-aos e dos desígnios-dos investidores maltratados).

Foi essa reclamação indeferida com fundamento em não estarem nos autos aquando da elaboração da base instrutória documentos comprovativos, perguntar-se não o conteúdo do texto legal mas se o mesmo estava incluído na escritura, ser controvertido o constante dos quesitos e conclusivo e vago o que se pretende incluir.

Na apelação os AA reeditam tal reclamação, acrescentando, ainda, que deveria ter ido à matéria assente o constante dos quesitos 12 e 13.

Os recursos servem, como é sabido e já acima se afirmou, para reapreciar o já decidido e não para decidir ex novo. Daí que a impugnação, em sede de recurso de apelação, da decisão sobre a reclamação relativa à organização da base instrutória, conforme resulta do disposto no artº 511º do CPC, apenas pode abranger aquilo que foi oportunamente reclamado. Assim sendo não há que conhecer do só agora invocado quanto à inserção na base instrutória dos quesitos 12 e 13.
No que concerne ao quesito 1, referindo-se ele aos títulos de todos os AA e não estando eles juntos aos autos à data da sua elaboração, jamais se poderia ter por assente o nele perguntado.
Nos quesitos 2 e 3 o que está em causa é a expressa inclusão dos normativos aí referidos nos títulos de todos os AA, o que de forma alguma se poderia considerar, à altura da sua elaboração, assente.
O quesito 4 encerra matéria de direito pelo que não deveria sequer ter sido formulado, quanto mais integrar o acervo dos factos assentes.
Os quesitos 5 e 7, face à documentação junta aos autos até ao momento da sua elaboração e as posições das partes, não podiam ser considerados como matéria assente.
Relativamente ao constante do artº 11 da petição, sendo indesmentível que foram exaradas as afirmações aí constante em informação, trata-se de matéria instrumental que não necessita de quesitação autónoma, podendo ser integrada, se necessário, na resposta aos quesitos formulados.
Não se encontram até aqui razões para alterar a fixação da matéria assente e da base instrutória realizadas.
No que concerne aos artigos 1 a 4 e 23-D a 23-F da petição inicial, se é certo que não podem ser apontados como bom exemplo de alegação, através de esforço interpretativo (com efeito, os articulados das partes, enquanto contenham declarações juridicamente relevantes são susceptíveis de interpretação(4)), é claramente apreensível a invocação da intencionalidade dos AA ao adquirirem fracções no edifício Gil Eanes – instalação de residência em local integrado em específico projecto urbanístico – que é relevante para aferir dos peticionados danos morais.
Como, porém, conforme já foi referido, os recursos só devem ser providos se nisso houver utilidade, relega-se a decisão sobre esta questão para momento posterior, pois que ela só terá utilidade se se vier a concluir pela responsabilidade dos RR por tais danos.

Efectuado o julgamento o tribunal respondeu aos quesitos da Base Instrutória da forma seguinte:

1a 3: provado apenas que na escritura de compra e venda do terreno em que veio a ser construído o Edifício Gil Eanes, cfr. certidão a fls 8 e ss, em que intervieram como vendedora a R. "Parque Expo 98, S.A." e enquanto compradora a A. "Cooperativa Mar da Palha, CRL” consta que a escritura se rege pelas cláusulas e termos constantes do documento complementar, que está a fls. 14e ss,e em que assinaladamente se lê que o lote de terreno em causa se destina à construção urbana, de acordo com o enquadramento urbanístico composto pelo Plano de Urbanização da Zona de Intervenção da Expo 98, Planta síntese e Regulamento do Plano de Pormenor 1, Regulamento do estaleiro, Licenciamentos de Projectos e Obras na Zona de Intervenção (…) que a compradora se compromete a observar.


4 a 13: não provados.

14: provado apenas que edifício da \/odafone não foi construído até ao limite previsto do lado direito de quem olha para o rio em 9 metros e em dois metros em altura, tendo a vista para a frente do Edifício Gil Eanes aumentado nessa conformidade.

15: provado.

16: provado apenas que os AA. Manuel e Mário têm vista aberta para. o rio, mesmo com o edifício Vodafone à sua frente, estando a uma cota superior à do topo do edifício Vodafone,

17: provado apenas que o edifício Vodafone constitui um polo de atracção do público.

Os AA, na apelação, impugnaram a decisão da matéria de facto consubstanciada em tais respostas, impugnação essa que as RR consideram inadmissível porquanto não terá sido cumprido o ónus do artº 690º-A do CPC e não constarem dos autos todos os elementos de prova.
Em nosso modo de ver o direito ao recurso em matéria de facto integra o núcleo essencial do direito de acesso à justiça consagrado no artº 20º da Constituição da República e, consequentemente, a interpretação da regulamentação desse direito por banda do legislador tem de respeitar o carácter fundamental de tal direito. O artº 690º-A do CPC tem de ser entendido como estabelecendo ónus de concretização, colaboração e lealdade processual, prevenindo a utilização de tal direito como mera manobra dilatória; uma visão do normativo em causa como estabelecendo estrito e rigoroso ónus de indicação de pontos de facto e da prova produzida (limitando-se a mais das vezes a afirmar o incumprimentos desse ónus sem indicar a forma como o mesmo devia ter sido satisfeito), com o fito principal de impedir a possibilidade do conhecimento do recurso é de rejeitar, por incompatível com o constitucionalmente prescrito.
Nesta perspectiva, o que o artº 690º-A do CPC determina é que não basta a simples afirmação de discordância relativamente à decisão da matéria de facto, impondo-se, antes, uma concretização não só de quais os pontos da matéria de facto sobre que recai a discordância, mas também das provas produzidas que, por incorrectamente consideradas, deveriam levar a outra decisão; ou seja, e por outras palavras, exige-se que o recorrente especifique e fundamente minimamente a sua discordância relativamente à matéria de facto assente.
Ainda que se possa considerar que a alegação dos recorrentes não prima pela perfeição, o certo é que delas se extrai claramente que não concordam com as respostas negativas dadas aos quesitos 4 a 13, por entenderem que, pelas razões que indicam, das partes desenhadas do plano de urbanização constante dos autos e dos depoimentos prestados pelas testemunhas que referem (cf. pontos 40 a 88 das alegações de recurso e alíneas e) e f) das respectivas conclusões) outra coisa se provou.
Tem-se, pois, por adequadamente cumprido o ónus do artº 690º-A do CPC.

Quanto à segunda objecção levantada ao conhecimento do recurso da decisão de facto importa desde já afirmar que não é correcta a afirmação de que não consta dos autos a inspecção ao local.
Com efeito, a prova por inspecção é feita constar dos autos através da elaboração de auto em que se registem todos os elementos úteis para o exame e decisão da causa, conforme prescreve o artº 615º do CPC.
E no caso concreto foi dado cumprimento a tal normativo legal, sem que qualquer das partes tenha formulado qualquer reparo ao modo como o foi, a fls 904 dos autos.

É tempo, pois, de conhecer do recurso da decisão da matéria de facto.

E desde já se pode adiantar que se nos afigura haver lugar à alteração das respostas dadas a alguns dos quesitos em causa porquanto , não obstante poder não se ter provado a totalidade da matéria factual contida no quesito e/ou na estrita formulação nele contida, o certo é que algum contexto factual ficou demonstrado, que importa deixar expresso, sendo inapropriada a seca resposta de ‘não provado’ que foi dada.

Atentemos, pois, mais em concreto nas questões em causa.
Os quesitos em causa diziam respeito a cinco complexos factuais, a saber:
- quais os compromissos assumidos pela Parque Expo;
- se o edifício Vodafone está em conformidade com o PP1;
- se ocorreram prejuízos morais;
- se ocorreram prejuízos materiais;
- se houve conluio por parte da Vodafone/BPI.

Um compromisso contratual (lembremo-nos que o que foi invocado na acção foi a responsabilidade contratual) pode ser assumido através de uma referência expressa e directa ou, indirectamente, dos termos em que foi formulado o contrato, através da sua interpretação, para a qual não é indiferente o circunstancialismo que rodeou a celebração do contrato.
Se é certo que se não demonstrou a existência de qualquer referência expressa por banda da Parque Expo quanto às características do que viria a ser posteriormente construído, não é menos certo que ficaram demonstradas as circunstâncias em que foi celebrado o negócio e o que a respeito do desenvolvimento do projecto urbanístico foi apresentado.
As testemunhas (…), todos cooperantes da Cooperativa de Habitação Mar da Palha, explicaram detalhadamente os contactos que tiveram com a Parque Expo no sentido de encontrarem uma localização para a construção de um edifício e as explicações que a esse propósito lhes foram fornecidas, quer pela exibição de desenhos e simulações (que constam dos autos, designadamente a fls 41, 598-600 e no vídeo apenso), quer verbalmente, e o grau de qualidade, exigência e rigor que era prometido.
O Arqº (…), autor do projecto do edifício Gil Eanes, também deixou expresso o grau de exigência e rigor que a Parque Expo punha na apreciação dos projectos e referiu que realizou o projecto na pressuposição de que iriam ser construídos em frente edifícios descontinuados, permitindo transparências e desafogo.
Como o Arqº (…) deixou expressa a sua convicção, enquanto responsável pela gestão urbanística da Parque Expo, de que a qualidade do plano de urbanização resultava essencialmente de um conceito urbanístico pautado pela permeabilidade e transparência, com implantações perpendiculares e descontínuas e que isso “era o que nós vendíamos” (recordemos, aqui, que a venda à Cooperativa Mar da Palha foi das primeiras, se não a primeira, efectuadas pela Parque Expo); mais referiu quanto era salvaguardado o núcleo essencial do conceito urbanístico, que servia de limite aos graus de liberdade permitidos, mas que as regras de flexibilidade foram surgindo posteriormente (situação que a experiência de vida nos dá sobejos exemplos, e a que, no caso concreto, não deve ter sido alheio o facto de se estar, conforme referiu o Arqº (…), perante a ‘sede de uma empresa de grande dimensão’).
Em face desse acervo probatório entendemos, modificando a decisão da 1ª instância, responder da seguinte forma ao quesito 4:

Nas negociações preliminares ocorridas entre a Parque Expo e a Cooperativa de Habitação Mar da Palha com vista à aquisição do lote 1.13.03, sempre a Parque Expo configurou a urbanização em que o lote se inseria nos termos constantes da planta de fls 41, nas projecções tridimensionais de fls 598-600 e no vídeo promocional apenso aos autos, em que nos lotes fronteiros eram configurados edifícios de 9/7/3 pisos acima do embasamento, dispostos de forma descontínua, assumindo uma postura de rigor no acompanhamento da execução da mesma, tendo sido nessa perspectiva que os cooperantes autorizaram a Cooperativa de Habitação Mar da Palha a celebrar o contrato.

No que diz respeito à conformidade do Edifício Vodafone com os ditames do PP1 – quesitos 5 a 7 – desde já importa afirmar que ela não poderia resultar directamente das respostas aos quesitos pois que se trata de uma questão de direito, a apreciar segundo as concretas características do edifício, isso sim questão factual a apurar.
Ora a tipologia do edifício resulta demonstrada pela abundante documentação – projectos de arquitectura, pareceres, desenhos, fotografias, maquete – constante dos autos; e que foi complementada pelos depoimentos das testemunhas, em particular os arquitectos (…).
Pelos depoimentos de (…) fica-se, também a saber que, não obstante o licenciamento ser da Câmara Municipal, a Parque Expo tinha no processo uma posição determinante porquanto lhe cabia a respectiva instrução e só depois da sua aprovação o processo era remetido à autarquia para licenciamento.
Em face desse acervo probatório entendemos, modificando a decisão da 1ª instância, responder da seguinte forma aos quesitos 5, 6 e 7:

5 – A Parque Expo, enquanto entidade instrutora do processo e sem cuja aprovação o mesmo não seria remetido à autarquia para licenciamento, aprovou o projecto de arquitectura do edifício Vodafone, a construir na parcela 1.04.
6 – O edifício Vodafone é composto por dois grandes corpos paralelos, perpendiculares à Av. D. João II, a menos de uma dezena de metros da estrema do lote, no meio dos quais se desenvolve um grande pátio aberto do lado nascente, onde se encontram, a diferentes níveis, espelhos de água, espaços ajardinados, e uma grande plataforma com vista sobre o Pavilhão de Portugal e o rio. Estes dois volumes, que assentam sobre um espaço de cave comum, estão interligados à cota 34.80, por um corpo com dois pisos ‘suspenso’ sobre o grande pátio central, e no lado poente por um sistema de rampas de circulação. O edifício fica quase completamente solto ao nível do rés-do-chão. O alçado poente, virado para a Av. D. João II é uma lâmina de betão branco à vista, com 39,25 de cércea, que funciona como uma enorme moldura à volta de um vão por onde se vêem algumas das rampas de comunicação. Os alçados norte, sul e nascente apresentam uma composição muito abstracta onde se misturam vãos com painéis de alumínio móveis e painéis de alumínio fixos com volumetrias salientes. Nos alçados virados para o interior do pátio apostou-se no contraste entre grandes faixas horizontais revestidas a alumínio e as grandes superfícies envidraçadas das galerias de circulação. O alçado poente fica situado no enfiamento da fachada do corpo mais a norte do edifício Gil Eanes, que apresenta um alinhamento SE-NW, obstruindo completamente, até à sua altura, as vistas sobre a frente do rio.
7 – provado apenas o que consta da resposta ao quesito 6.

No que respeita ao desapontamento dos AA relativamente à construção do edifício Vodafone ele é patente em face dos dados da experiência de vida. Mas resulta, também, dos depoimentos prestados por (…) (que com a significativa expressão “comprei uma coisa e saiu-me outra” sintetiza magistralmente o sentimento dos AA e o objecto da lide) e dos arquitectos (…) (que não querendo assumir directamente que houve um prejuízo sempre reconhece que a situação ficou diferente) (…) (que depois de defender a posição da Parque Expo, desdizendo, até, o que fora o seu parecer, termina o seu depoimento deixando o desabafo de que o edifício Vodafone ‘merecia desafogo maior’.
Em face desse acervo probatório entendemos, modificando a decisão da 1ª instância, responder da seguinte forma ao quesito 8:

A construção do edifício Vodafone gorou as expectativas dos AA em que o projecto de urbanização se desenvolvesse de acordo com as projecções referidas na resposta ao quesito 4.

Já a perca de qualidade de vida é matéria conclusiva a retirar da factualidade provada, pelo que o quesito 9 é irrespondível.
Por último, e no que concerne aos prejuízos materiais e ao conluio da Vodafone/BPI, não foi efectivamente produzida qualquer prova significativa nesse sentido, pelo que haverá de manter as respostas de ‘não provado’ dadas na 1ª instância.

Para além das questões de facto analisadas, afigura-se-nos, ainda, haver lugar a mais uma correcção, que se afigura com relevância para a decisão da causa, qual seja a de deixar expressa a finalidade da compra das fracções dos AA declarada nas correspondentes escrituras, que constam dos autos.

Pelo exposto fixa-se a seguinte matéria de facto:

1 - Por escritura pública lavrada no 3.º Cartório Notarial de Lisboa, em 97.07.30 a A. Cooperativa Mar da Palha e a R. Parque Expo declararam e aceitaram a compra e venda do lote de terreno para construção, designado por 1.13.03, situado na zona de intervenção da Expo 98, ficando-lhe anexo o documento complementar, cuja cl. 1/2 diz: o referido lote de terreno destina-se à construção urbana de acordo com o enquadramento urbanístico composto pelo plano de urbanização da zona de intervenção da Expo 98, planta de síntese e RPP1, ... licenciamentos de projectos e obras nas zonas de intervenção ... [os quais] se encontram arquivados no 3º Cartório Notarial de Lisboa com o número 113 [etc.] do maço de documentos arquivados a pedido das partes, e [pelos] projectos de reparcelamento com as respectivas alterações e projecto de emparcelamento, que ficam em anexo a este documento complementar, do qual fazem parte integrante...
2 - A R. Parque Expo vendeu e a interveniente “BPI – Pensões – Sociedade Gestora de Fundos Pensões, S.A.” comprou o prédio urbano designado por parcela 1.04 da Zona de Intervenção da Expo 98, onde foi erigido o edifício denominado Vodafone/Telecel.
3 - A interveniente “BPI – Pensões – Sociedade Gestora de Fundos Pensões, S.A.” incumbiu a R. Vodafone da promoção da construção do edifício Vodafone/Telecel, podendo esta praticar todos os actos com vista à construção daquele, reconhecendo-lhe a qualidade de promitente arrendatária do mesmo.
4 – Na escritura de compra e venda do terreno em que veio a ser construído o Edifício Gil Eanes, cfr. certidão a fls. 8 e ss., em que intervieram como vendedora a R. “Parque Expo 98, S.A.” e enquanto compradora a A. “Cooperativa Mar da Palha, CRL” consta que a escritura se rege pelas cláusulas e termos constantes do documento complementar, que está a fls. 14 e ss., e em que assinaladamente se lê que o lote de terreno em causa se destina à construção urbana, de acordo com o enquadramento urbanístico composto pelo Plano de Urbanização da Zona de Intervenção da Expo 98, Planta síntese e Regulamento do Plano de Pormenor 1, Regulamento do estaleiro, Licenciamentos de Projectos e Obras na Zona de Intervenção (...) que a compradora se compromete a observar.
5 – Nas negociações preliminares ocorridas entre a Parque Expo e a Cooperativa de Habitação Mar da Palha com vista à aquisição do lote 1.13.03, sempre a Parque Expo configurou a urbanização em que o lote se inseria nos termos constantes da planta de fls 41, nas projecções tridimensionais de fls 598-600 e no vídeo promocional apenso aos autos, em que nos lotes fronteiros eram configurados edifícios de 9/7/3 pisos acima do embasamento, dispostos de forma descontínua, assumindo uma postura de rigor no acompanhamento da execução da mesma, tendo sido nessa perspectiva que os cooperantes autorizaram a Cooperativa de Habitação Mar da Palha a celebrar o contrato.
6 – A Parque Expo, enquanto entidade instrutora do processo e sem cuja aprovação o mesmo não seria remetido à autarquia para licenciamento, aprovou o projecto de arquitectura do edifício Vodafone, a construir na parcela 1.04.
7 – O edifício Vodafone é composto por dois grandes corpos paralelos, perpendiculares à Av. D. João II, a menos de uma dezena de metros da estrema do lote, no meio dos quais se desenvolve um grande pátio aberto do lado nascente, onde se encontram, a diferentes níveis, espelhos de água, espaços ajardinados, e uma grande plataforma com vista sobre o Pavilhão de Portugal e o rio. Estes dois volumes, que assentam sobre um espaço de cave comum, estão interligados à cota 34.80, por um corpo com dois pisos ‘suspenso’ sobre o grande pátio central, e no lado poente por um sistema de rampas de circulação. O edifício fica quase completamente solto ao nível do rés-do-chão. O alçado poente, virado para a Av. D. João II é uma lâmina de betão branco à vista, com 39,25 de cércea, que funciona como uma enorme moldura à volta de um vão por onde se vêem algumas das rampas de comunicação. Os alçados norte, sul e nascente apresentam uma composição muito abstracta onde se misturam vãos com painéis de alumínio móveis e painéis de alumínio fixos com volumetrias salientes. Nos alçados virados para o interior do pátio apostou-se no contraste entre grandes faixas horizontais revestidas a alumínio e as grandes superfícies envidraçadas das galerias de circulação. O alçado poente fica situado no enfiamento da fachada do corpo mais a norte do edifício Gil Eanes, que apresenta um alinhamento SE-NW, obstruindo completamente, até à sua altura, as vistas sobre a frente do rio.
8 – O edifício da Vodafone não foi construído até ao limite previsto do lado direito de quem olha para o rio em 9 metros e em dois metros em altura, tendo a vista para a frente do Edifício Gil Eanes aumentado nessa conformidade
9 - O edifício Vodafone/Telecel é composto por 9 pisos.
10 – Os AA. Manuel e Mário têm vista aberta para o rio, mesmo com o edifício Vodafone à sua frente, estando a uma cota superior à do topo do edifício Vodafone.
11 – A construção do edifício Vodafone gorou as expectativas dos AA em que o projecto de urbanização se desenvolvesse de acordo com as projecções referidas no ponto 5 supra.
12 – O edifício Vodafone constitui um polo de atracção do público.
13 - Em 24-5-2002, Manuel declarou comprar, para habitação, e a Cooperativa Mar da Palha declarou vender a fracção “DC”, correspondente ao piso 10– habitação 10 - I -,do edifício descrito na 8.ª C.R.Predial de Lisboa sob o n.º 2958, denominado edifício Gil Eanes (doc. de fls. 557 a 560).
14 - José declarou comprar, para sua habitação própria permanente, e a Cooperativa Mar da Palha declarou vender a fracção “BR”, correspondente ao piso 6, habitação 6 H do edifício descrito na 8.ª C.R.Predial de Lisboa sob o n.º 2958, denominado edifício Gil Eanes (doc. de fls. 579 a 584).
15 - Mário declarou comprar, para sua habitação própria permanente, e a Cooperativa Mar da Palha declarou vender a fracção DL correspondente ao piso 11, habitação onze – I - do edifício descrito na 8.ª C.R.Predial de Lisboa sob o n.º 2958, denominado edifício Gil Eanes (doc. de fls. 563 a 568).



V – Fundamentos de Direito
O contrato celebrado entre a Parque Expo e a Cooperativa de Habitação Mar da Palha não se reconduz ao típico contrato de compra e venda em que se estabelecem apenas as obrigação de entrega da coisa e de pagar o preço com a consequente transmissão do direito de propriedade. Pelo contrário, e como ocorre sobejamente no quotidiano, ele é um instrumento de regulação de um empreendimento negocial estabelecido entre os contratantes, com vista à satisfação dos correspondentes interesses, e que, por isso, contém uma exaustiva regulamentação de diversos aspectos, numa singular complexidade.
Os vínculos obrigacionais decorrentes desse contrato têm de ser encontrados mediante uma actividade interpretativa e integrativa, utilizando a metodologia indicada nos artigos 236º a 239º do CCiv – o sentido que lhe daria o declarartário normal situado na posição do real declatarário, salvo se for conhecida a vontade real do declarante ou este não puder contar com tal sentido, que conduza a um maior equilíbrio das prestações, com um mínimo de correspondência no texto, de acordo com a vontade hipotética das partes e os ditames da boa-fé.
Atentemos, pois, no contrato em causa.
Tal contrato resulta do encontro de dois interesses coincidentes: o da Parque Expo em comercializar terreno para construção de acordo com a operação de recuperação e reconversão urbanística que estava incumbida de levar a cabo e o da Cooperativa de Habitação Mar da Palha em construir um edifício nessa urbanização. Urbanização essa que, nas negociações preliminares, sempre foi configurada com base, não em meros critérios abstractos (v.g. indicação dos lotes e características técnicas do neles a construir, como implantações, volumetrias, índices de ocupação, alinhamentos, configurações, cérceas, número de pisos, etc.), mas em elementos visuais, como peças desenhadas e simulações tridimensionais. Por outro lado, essa mesma urbanização era tida e anunciada como de elevada qualidade urbana e ambiental (cf. artº 3º, nº 2, als. c) e d) do respectivo regulamento), assumindo-se a Parque Expo, e disso fazendo referência expressa nos considerandos do documento complementar anexo ao contrato, como entidade a quem compete a concepção e execução desse projecto e licenciadora, e como tal interessada no acompanhamento e execução das obras de edificação. Edificação essa que terá de ser feita de acordo com o enquadramento urbanístico definido em múltiplos instrumentos – PU, Planta Síntese, Regulamento do PP1, projectos de reparcelamento e emparcelamento – que a Cooperativa Mar da palha fica adstrita a respeitar, bem como a aceitar as observações que a propósito venham a ser feitas pela Parque Expo (artigos 1/2 e 5/2 do já referido documento complementar).
O que, face às referidas circunstâncias e ao teor das cláusulas estipuladas, um declaratário normal retiraria é que uma entidade se obriga a construir um edifico numa urbanização de elevada qualidade, seguindo estritamente as regras urbanísticas estabelecidas, cujo cumprimento será rigorosamente fiscalizado pela entidade promotora da referida urbanização.
Mas retiraria, também, até pelos elevados padrões de qualidade que se anunciavam, que o grau de exigência e rigor que lhe era aplicado seria igualmente aplicado a todos os promotores da construção dos outros edifícios, impondo-se o respeito generalizado pelas regras urbanísticas definidas e mantendo-se as características essenciais do projecto urbanístico.
Deve, pois, concluir-se que a Parque Expo se obrigou para com a Mar da Palha a fazer respeitar as características essenciais da urbanização que havia apresentado à Cooperativa de Habitação Mar da Palha.
Esta obrigação, aliás, e independentemente do constante das cláusulas contratuais, sempre resultaria da lei que determina que tanto nos preliminares, como na formação ou na execução dos contratos se deve proceder segundo as regras da boa-fé (artigos 217º e 762º do CCiv), impondo-se, dessa forma, às partes uma regra de conduta(5).
Tal regra de conduta faz impender sobre os contratantes os deveres acessórios de informação e de lealdade.
O primeiro obriga as partes a informarem-se mutuamente de todos os aspectos atinentes ao vínculo, de ocorrências que, com ele, tenham certas relações e, ainda, de todos os efeitos que, da execução contratual, possam advir(6).
O segundo obriga as partes a absterem-se de comportamentos que possam falsear o objectivo do negócio ou desequilibrar o jogo das prestações por elas consignado(7).
Também por via deste deveres acessórios se deve concluir que sobre a Parque Expo impendia o dever de diligenciar pela manutenção das características essenciais do projecto urbanístico tal como o havia apresentado à Cooperativa Mar da Palha.
Dito de outra forma, e para utilizar termos mais próximos dos utilizados nos articulados e na audiência e mais perceptíveis pelo cidadão comum, o importante não é saber se a Parque Expo garantiu expressamente que não iria haver alterações, mas sim que não tendo esta expressamente advertido que poderiam vir a ocorrer alterações está obrigada, naquilo que de si dependa, a fazer respeitar a urbanização tal como a apresentou.

E não obstante o contrato ter sido celebrado apenas com a Cooperativa de Habitação Mar da Palha, esse dever estende-se, também, aos que adquiriram da Cooperativa fracções do edifício entretanto construído.
Com efeito, entende-se que de tais deveres acessórios resulta um efeito protector de terceiros segundo o qual do contrato podem resultar deveres a cumprir perante pessoas estranhas à sua celebração, mas que com ele têm relações de estreita conexão (o que, manifestamente, ocorre no caso dos autos em que o contrato é celebrado com o promotor da construção do edifico que é uma cooperativa de habitação e os AA são cooperantes que vieram a adquirir fracções do edifício construído).

Aqui chegados, impõem-se analisar se a Parque Expo violou, ou não, essa sua obrigação de diligenciar pela manutenção da caracterização da urbanização que ‘vendeu’ à Cooperativa de Habitação Mar da Palha.

A Portaria 1130-B/99, de 31 DEZ(8), veio aprovar as revisões do Plano de Urbanização da Zona de Intervenção da EXPO98 e dos Planos de Pormenor, ficando deles a constar as seguintes normas(9):
Do Regulamento do Plano de Urbanização:

Artigo 3º
Objectivo, estratégia e conceitos

1 — Objectivo. — OPlano de Urbanização da Zona de Intervenção da EXPO 98 tem por objectivo a recuperação e reconversão urbanística da área que integra, tendo constituído a concretização da Exposição Mundial de Lisboa de 1998, EXPO 98, a sua realização urbanística prioritária.
2 — Estratégia. — O cumprimento do objectivo expresso no n.º 1 apoia-se nos seguintes vectores estratégicos, expressos na concepção geral do PU:
[…]
c) Requalificação e concretização de uma elevada qualidade ambiental;
d) Requalificação e concretização de uma elevada qualidade urbana;
[…]
3 — Conceitos. — Os conceitos urbanísticos concretizados no PU
são:
[…]
c) Constituição do espaço público como elemento estruturante da recuperação e reconversão urbanística, apoiado em cinco componentes determinantes na sua concepção e articulação:

Plataforma panorâmica, na frente este do caminho de ferro, articulada com a via principal (Avenida de D. João II);
Alameda central (Alameda dos Oceanos), longitudinal, articulada com as alamedas transversais;
Alameda diagonal (Avenida de Fernando Pessoa), articulada com a torre da refinaria e miradouro do cabeço das Rolas;
Passeio ribeirinho e doca, articulados com a área do recinto da Exposição Mundial e a frente de rio;
Parque do Tejo;

[…]
f) Desdensificação da ocupação urbanística a partir da faixa mais a montante junto ao caminho de ferro — tratada como centro urbano multiuso com elevada densidade de ocupação edificada — no sentido da frente ribeirinha — tratada como centro de lazer e cultura, com baixa densidade de ocupação edificada e elevado índice de espaço de utilização pública;
[…]
h) Constituição de uma estrutura verde contínua, articulada com a estrutura urbana, e valorização do sistema de vistas ribeirinho;
[…]
k) Salvaguarda da máxima flexibilidade de gestão urbanística, com respeito pelos conceitos estabelecidos.
Artigo 12º
Disposições diversas
[…]
6 — Sistemas de vistas:
a) Os sistemas de vistas são constituídos pelos pontos dominantes e panorâmicos, bem como pelos percursos a eles associados, e são os seguintes:
Plataforma panorâmica;
Plataformas do cabeço das Rolas;
Alameda dos Oceanos;
Avenida de D. João II;
Vias transversais à frente do rio Tejo com perfil transversal
igual ou superior a 30 m;
Zona do aterro sanitário;
Passeio ribeirinho;
Parque do Tejo.

a.1) Devem ser impedidas obstruções que alterem os sistemas de vistas a partir dos espaços públicos referidos.
a.2) Os planos de pormenor a elaborar deverão conter a identificação dos sistemas de vistas a preservar e os estudos de salvaguarda e valorização dos espaços públicos que lhes estão associados.

Do Regulamento do PP1:
Artigo 17º
Disposições do RGEU

1 — As soluções que, nos termos do artigo 64.o do RGEU, se admitem em desacordo ao disposto no capítulo II do título III do RGEU para conciliarem as condições da salubridade exigíveis — arejamento natural, iluminação natural, insolação directa —com:

O ambiente local — frente ribeirinha exposta a nascente;
O conceito urbanístico — malha reticulada e regular de plataformas de embasamento sobreelevadas do terreno natural, estabelecendo um sistema de vistas panorâmico, sobre as quais se implantam edifícios com planta e agregação livres;
O conceito estético — liberdade e inovação formal associadas
à multifuncionalidade dos usos;

são as referidas nos números seguintes.
[…]
Artigo 20º
Configuração geral da edificação
1 — A configuração geral dos edifícios que se implantem sobre uma plataforma de embasamento pode ser alterada, desde que respeite os condicionamentos impostos para a plataforma de embasamento e as demais disposições do Regulamento com incidência no local da sua implantação, designadamente os limites do número de pisos ou alturas máximas de cércea e de construção e das áreas brutas de implantação e de construção.
2 — As alterações referidas no n.º 1 implicam ainda que as soluções encontradas assegurem a coerência urbana do conjunto, de acordo com o objectivo, estratégia e conceitos estabelecidos no artigo 3.º do Regulamento do PU e a coerência arquitectónica e paisagística local.
[…]
Artigo 21º
Alinhamento da edificação
1 — Admitem-se ajustamentos e alterações incidindo nos alinhamentos os edifícios estabelecidos no Plano, desde que respeitem rede de circulação, estacionamento ou estada de veículos e peões, os demais espaços de utilização pública, e não obstruam a fruição os sistemas de vistas dos lotes vizinhos sobre a frente do rio.
Artigo 22º
Embasamentos
1 — As áreas livres ao nível da plataforma do embasamento onstituem
espaço privado de utilização pública, devendo ser objecto de m projecto de arranjos exteriores comum a toda a parcela; a sua oncepção deverá ter em consideração a articulação existente entre parcelas, designadamente através de «ponte» sobre as ruas, conforme caracterizado na planta de implantação ou no PUR; deverá ainda contemplar a definição dos acessos aos diversos núcleos verticais de acesso dos edifícios e a integração de zonas verdes ajardinadas.
[…]
3 — A ocupação dos edifícios ao nível da plataforma do embasamento deverá permitir — recorrendo se necessário a passagem pública através dos edifícios — o acesso a todas as áreas dessaplataforma.
Artigo 26º
Espaços exteriores de utilização pública
[…]
5 — Os espaços interiores da parcela, correspondentes ao plano dos embasamentos, constituem espaços de utilização pública, ou de utilização privada nos casos de estabelecimentos hoteleiros, sem prejuízo do n.º 3 do artigo 22.º deste Regulamento.
[…]
Artigo 29º
Sistemas de vistas
1 — Constituem sistemas de vistas a preservar, nos termos do n.º 6, alínea a.2), do artigo 12.o do Regulamento do PU:

a) Os espaços-canais da rede rodoviária principal e secundária — Avenida de D. João II, Alameda dos Oceanos, Avenida de Ulisses, venida do Mediterrâneo, Avenida do Pacífico, Avenida do Índico, Avenida da Boa Esperança;
b) Os espaços-canais das vias de circulação integrada, ou xclusivamente pedonais, enfiados à frente do rio — Rua do Mar
do Norte, Rua do Caribe, Rua do Mar Vermelho, Rua do Mar da China, Avenida do Atlântico e eixo central da estação do Oriente;
c) As praças, jardins e miradouros, sobreelevados sobre a frente do rio, dos terraços das plataformas de embasamento.

2 — É interdita a construção de qualquer edifício que obstrua os sistemas de vistas sobre a frente do rio e sobre a frente da doca, definidos pelo enfiamento dos alinhamentos edificados dos espaços públicos estabelecidos no Plano e pelos pontos de vista panorâmicos.
a) Exceptuam-se as transposições edificadas sobre a rede rodoviária previstas no Plano.
3 — Na planta de implantação e Regulamento encontram-se integrados os estudos de salvaguarda e valorização dos espaços públicos que estão associados aos sistemas de vistas a preservar.

Segundo tais normas a urbanização em causa procurava estrategicamente padrões de elevada qualidade ambiental e urbana (logo a impor critérios de excelência e rigor na sua concretização) na realização de um conceito urbanístico assente em cinco pilares essenciais (enunciados na al. c) do artº 3ºdo Regulamento do PU, sendo um deles a Plataforma Panorâmica na frente este do caminho de ferro – onde se situa o edifício Mar da Palha), tendo o espaço público como elemento estruturante, com desdensificação da ocupação urbanística, e a valorização de um sistema de vistas ribeirinho. Admite-se a máxima flexibilidade na gestão urbanística, mas sempre com respeito pelos conceitos estabelecidos; o que quer dizer que a liberdade que é dada aos promotores da edificações e aos decisores da gestão urbanística tem sempre como limite o conceito urbanístico previsto no plano de urbanização.
O sistema de vistas ribeirinho – e com isso logo se quer significar que ele tem por elemento essencial o rio, o que implica uma noção de desafogo e transparências sobre o rio – é objecto de uma específica caracterização (nº 6 do artº 12º do regulamento do PU) no sentido e ser constituído a partir de pontos dominantes e panorâmicos (onde se inclui a plataforma panorâmica), determinando-se que sejam impedidas obstruções a esse sistema de vistas e que o mesmo seja melhor identificado nos planos de pormenor.
No Regulamento do PP1 começa por se reafirmar o conceito urbanístico adoptado, concretizando que na zona se trata de uma malha reticulada e regular de plataformas de embasamento sobreelevadas sobre as quais se estabelece um sistema de vistas, motivo pelo qual tais plataformas devem ser acessíveis ao público e objecto de um projecto de arranjos exteriores comuns e, de acordo com os ditames do PU, especifica-se a estrutura do sistema de vistas no qual se integram expressamente os miradouros dos terraços das plataformas de embasamento, interditando-se a construção de edifício que obstrua o sistema de vistas, que se reafirma ser sobre a frente do rio, definido pelo enfiamento dos alinhamentos edificados estabelecidos no Plano e pelos pontos de vistas panorâmicos (de que a plataforma panorâmica faz parte) e que se encontram integrados na planta de implantação e no regulamento.
Estabelece-se a liberdade e a possibilidade de alteração dos alinhamentos e configuração dos edifícios, mas com o limite de assegurarem a coerência urbana e de não obstruírem o sistema de vistas.
Ora, e sem prejuízo da inegável qualidade arquitectónica do edifício Vodafone, não se nos afigura que o mesmo se harmonize com as normas regulamentares acabadas de analisar e que, por conseguinte, os decisores urbanísticos que promoveram o seu licenciamento as tenham respeitado.
Com efeito, e em nosso modo de ver, sobrevalorizou-se em demasia a liberdade concedida à concepção do edifício – quiçá por se tratar da sede de uma empresa de grande dimensão, como foi referenciado na audiência de julgamento – sem se ter em conta que esse grau de liberdade colidia com o conceito essencial da urbanização.
De facto, a ocupação de todo um quarteirão com uma parede praticamente cega de betão em toda a extensão e altura do edifício, coarcta em absoluto as características de desafogo e transparências sobre a frente ribeirinha, dos edifícios em geral e em particular a partir da plataforma panorâmica constituída no terraço das plataformas de embasamento dos edifícios da frente leste do caminho de ferro.
E para essa conclusão é irrelevante que o edifício Vodafone tenha recuado a sua empena do lado sul, aumentando as vistas do edifício Gil Eanes sobre a Avenida de Ulisses, porquanto esse aumento de vistas foi feito pela total eliminação de qualquer desafogo e transparência sobre o rio da parte norte do mesmo edifício e parte correspondente da plataforma panorâmica.
E essa violação das regras da urbanização torna-se patente se, em vez de nos limitarmos ao edifício Gil Eanes, tivermos em conta a totalidade da parcela (tenha-se em conta que a plataforma panorâmica é considerada globalmente por parcela, impondo-se um projecto de arranjos exteriores comuns). Desse ponto de vista o edifício a construir contíguo e na continuação do edifício Gil Eanes – lote 1.14.02 – e a respectiva plataforma panorâmica fica totalmente ‘emparedado’ pelo edifício Vodafone. Não seria por mero acaso, e como mera sugestão, que na planta de implantação do PP1 se previam, no lote do edifício Vadafone, diversos edifícios de forma permitir enfiamentos visuais e transparências sobre a frente ribeirinha, mas sim por aí se estar a integrar a salvaguarda do sistema de vistas.
Esse desenquadramento urbanístico não passou, aliás, despercebido aos quadros da Parque Expo que deram parecer sobre o projecto, conforme resulta do teor dos pareceres constantes de fls 112 e 114. E mesmo no parecer jurídico de fls 603 não deixa de ser curioso que o mesmo termine chamando a atenção de que, não obstante a conclusão a que se chegou nesse parecer, sempre pode haver regras ou direitos ofendidos com a solução arquitectónica proposta (?!).
Ao aprovar esse projecto de arquitectura (dando o seu contributo para que o mesmo viesse a ser licenciado) a Parque Expo violou as obrigações contratuais que assumira perante a Cooperativa de Habitação Mar da Palha já acima referidas.
Mas ainda que se considerasse, no limite, que o projecto arquitectónico do edifício Vodafone respeitava as regras urbanísticas aplicáveis o certo é que a sua configuração é substancialmente diferente da que constava das projecções da urbanização que a Parque Expo apresentou à Cooperativa de Habitação Mar da Palha, e com base na qual a mesma tomou a decisão de adquirir um lote para construir um edifício
Também por essa perspectiva se havia de concluir pelo incumprimento contratual por banda da Parque Expo.

Da matéria de facto apurada não resulta que a Ré Vodafone (ou o interveniente BPI) tenha tido qualquer papel determinante na aprovação do seu projecto pela Parque Expo; sendo que não se provou qualquer conluio nesse sentido, nem constitui facto ilícito o requerer a aprovação de um projecto de arquitectura, ainda que desconforme com as regras urbanísticas aplicáveis. Nem, tão pouco, se verifica qualquer relação contratual entre essas entidades e a Cooperativa de Habitação Mar da Palha.
O que basta para afastar a possibilidade de as mesmas poderem ser responsabilizadas por quaisquer dados advenientes aos AA por via da construção do edifício Vodafone.

Concluindo-se pelo incumprimento contratual da Parque Expo, constituiu-se a mesma na obrigação de indemnizar os AA pelos prejuízos causados (artº 798º do CCiv).

Para avaliar desses prejuízos importa voltar à questão, que se deixou suspensa, da necessidade de formulação de quesitos correspondentes ao alegado. Sem deixar de reafirmar que a factualidade subjacente a tais alegações deveria ter sido levada à base instrutória, o certo é que, ponderando os elementos já constantes da matéria de facto, o tipo de danos em causa e o tempo de pendência da acção e a necessidade de celeridade na conclusão da lide, se entende fornecerem os autos os elementos mínimos indispensáveis, sendo em absoluto de afastar a possibilidade de se decretar mais uma anulação do julgamento.
Não se ordenará, em consequência, qualquer reformulação da base instrutória.

O dano a indemnizar, não se tendo provado qualquer desvalorização do edifício ou das fracções, é apenas o dano moral consistente na frustração das expectativas de que o projecto de urbanização se desenvolvesse de acordo com as projecções inicialmente apresentadas, e que se consubstanciavam na construção de residência (note-se que de todas as escrituras de aquisição das fracções consta que se destinavam a habitação) em local privilegiado, usufruindo de um sistema de desafogo urbanístico e transparências sobre a frente de rio.
E nesse dano há que distinguir entre os AA G e L por um lado e R por outro. Com feito, os dois primeiros, por estarem em pisos de cota superior à do edifício Vodafone, mantêm vista sobre o rio, tendo apenas sofrido diminuição do desafogo e transparência; enquanto que o último, por estar em piso de cota inferior, não vislumbra qualquer vista sobre o rio. O dano deste último haverá, por isso, de ser considerado de forma mais relevante.
Pedem os AA que a quantificação do dano seja remetida para liquidação (não obstante liquidarem em € 14.964 os prejuízos já sofridos, sendo que, na economia da petição inicial, € 10.000 se referiam aos danos patrimoniais).
Segundo o nosso entendimento a possibilidade de relegar a quantificação da indemnização para o que vier a ser liquidado (artº 661º, nº 2 do CPC) só se justifica nos casos em que se vislumbre possível e útil a demonstração de qualquer elemento relevante para essa quantificação. Não sendo prefigurando essa possibilidade haverá de fixar-se o montante da indemnização equitativamente, conforme prescreve o nº 3 do artº 566º do CCiv.
Ora no caso em apreço não se vislumbra que, para além dos elementos de prova já apresentados, seja previsível que, com utilidade, possam vir a ser trazidos à apreciação do tribunal mais relevantes dados que permitam a quantificação do prejuízo indemnizável, pelo que se entende ser de fixar, desde já, o montante da indemnização.
Nessa quantificação deverá atentar-se que face aos termos do pedido e ao disposto no artº 569º do CCiv o tribunal não se encontra limitado a qualquer montante de pedido.
Por outro lado, tendo em consideração a natureza do dano, a sua gravidade e persistência temporal, o estatuto económico das partes, mas também os critérios jurisprudencialmente utilizados na fixação de montantes indemnizatórios, entende-se por justo e equitativo fixar o montante indemnizatório em € 15.000 para o A Raposo Araújo e € 10.000 para cada um dos restantes AA.

VI – Conclusões
Do exposto podem extrair-se as seguintes conclusões:
1. Iniciada a audiência de julgamento, a substituição de testemunha entretanto falecida deve ser requerida nos dez dias posteriores ao conhecimento desse facto;
2. Não deve ser dada resposta de ‘não provado’ se, apesar de não se ter provado a totalidade da matéria factual contida no quesito, algum contexto factual relevante se provou, mas antes uma resposta restritiva/explicativa;
3. Dos preliminares do contrato e dos termos do mesmo resulta, segundo as regras dos artigos 236º-239º do CCiv, que a Parque Expo se obrigou para com a compradora do lote de terreno para construção – Cooperativa de Habitação – a fazer respeitar as características essenciais do projecto urbanístico em que tal lote se inseria;
4. Tal obrigação sempre resultaria, aliás, dos ditames da boa-fé que devem pautar a conduta a seguir na execução dos contratos;
5. Essa obrigação estende-se, por via do efeito protector de terceiros resultante da boa-fé na execução dos contratos, aos cooperantes que vieram a adquirir fracções no edifício construído pela Cooperativa de Habitação;
6. O edifício Vodafone, construído na zona de intervenção da Expo 98, não respeita o respectivo plano de urbanização;
7. De qualquer forma a sua configuração é substancialmente diferente do que constava das projecções da urbanização que a Parque Expo apresentou à Cooperativa de Habitação, e com base na qual a mesma tomou a decisão de adquirir um lote;
8. Ao aprovar o projecto de arquitectura do Edifício Vodafone (dando o seu contributo para que o mesmo viesse a ser licenciado) a Parque Expo incumpriu as suas obrigações contratuais;
9. Tal incumprimento torna-a responsável pela indemnização da frustração de expectativas dos proprietários das fracções do edifício construído pela Cooperativa de Habitação;
10. A quantificação dessa indemnização só deve ser relegada para liquidação se for previsível a possibilidade de serem traduzidas ao tribunal elementos relevantes para o efeito;
11. Deve distinguir-se entre os AA que, por estarem a cota superior, ainda têm vista sobre o rio e os que ficaram totalmente privados dessa vista;
12. Afigura-se justo e equitativo fixar a indemnização pela frustração das expectativas do desenvolvimento da urbanização segundo os modelos apresentados em, respectivamente € 15.000 e € 22.500.

VII – Decisão
Termos em que se decide:
a) Negar provimento ao agravo;
b) Confirmar a absolvição do pedido da Vodafone/Telecel, Comunicações Pessoais SA e BPI Pensões, Sociedade Gestora de Fundos de Pensões SA;
c) Condenar a Parque Expo 98 SA a pagar:
i. ao A. Manuel a quantia de € 15.000;
ii. ao A. José a quantia de € 22.500;
iii. ao A. Mário, a quantia de € 15.000.

Custas do agravo pelos agravantes.
Custas da acção na proporção de ½ para (todos) os AA, 3/8 para a Parque Expo e 1/8 para a A. Cooperativa (correspondente à sua desistência do subsistente pedido).
Custas da apelação pela Parque Expo.

Lisboa, 2007DEZ13
(Rijo Ferreira)
(Folque de Magalhães)
(Eurico Reis)
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1 - - Cf. artº 684º, nº 3, e 690º CPC, bem como os acórdãos do STJ de 21OUT93 (CJ-STJ, 3/93, 81) e 23MAI96 (CJ-STJ, 2/96, 86).
2 - Cf. acórdãos do STJ de 15ABR93 (CJ-STJ, 2/93, 62) e da RL de 2NOV95 (CJ, 5/95, 98). Cf., ainda, Amâncio Ferreira, Manual dos recursos em Processo Civil, 5ª ed., 2004, pg. 141.
3 - Cfr artigos 713º, nº 2,, 660º, nº 2, e 664º do CPC, acórdão do STJ de 11JAN2000 (BMJ, 493, 385) e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, 247.
4 - “Os articulados não são uma declaração de ciência mas sim de vontade e, como tal, um negócio jurídico pelo que estão sujeitos às respectivas regras de interpretação” – acórdão do STJ de 3FEV2004, proc 03A4486 (em www.dgsi.pt, nº de documento SJ200402030044861).
5 - acerca da boa-fé como regras de conduta, cf. António Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, 2001, 2ª reimpressão, pg. 527, ss.
6 - loc. cit., pg. 605.
7 - - loc.cit., pg. 606.
8 - publicada em 8FEV2000.
9 - Ter-se-á apenas em consideração o texto da citada Portaria, ignorando os regulamentos aprovados pela Portaria 690/94, 15JUL, porquanto, no que ao caso interessa, o conteúdo das normas se mantém essencialmente o mesmo. O próprio contrato em apreço nos autos se, por um lado faz apelo à versão inicial do PP1 junto a fls 54, não deixa de remeter para as plantes de emparcelamento e de localização constantes de fls 41 e 53, que correspondem ao que veio a ser aprovado na revisão e que corresponde às imagens tridimensionais que foram utilizadas pela Parque Expo como projecção do empreendimento (a diferença consiste na eliminação da previsão inicial de dois edifícios sobrepostos à Av. D. João II junto à Praça da Gare do Oriente).