Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
796/14.2TTLSB.L1-4
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I - O regime do art.º 28.º (como antes dos art.ºs 30.º e 31.º do Código de Processo de Trabalho de 1981), não obstante a sua natureza normativa especial, não tem (tinha) a virtualidade de se sobrepor e afastar o regime comum e geral da alteração da causa de pedir e dos pedidos originalmente articulados na ação (art.ºs 264.º e 265.º do NCPC e antes art.ºs 272 e 273.º do Código de Processo Civil/1961), dado ali se tratar da cumulação inicial ou superveniente de novas causas de pedir e de novas pretensões radicadas em tais causas de pedir, ao passo que no Código de Processo Civil de 1961 (e agora de 2013) se regula a possibilidade de modificação das causas de pedir e pedidos originalmente formulados na Petição Inicial.
II - Somente a pretensão que se traduz na condenação da Ré no pagamento ao (alegado) trabalhador da compensação prevista no n.º 1 do art.º 390.º do Código de Trabalho de 2009 é que se reconduz, realmente, a um desenvolvimento e consequência do pedido primitivo, dado a liquidação das retribuições vencidas entre a data do despedimento ilícito e o trânsito em julgado da sentença que tal reconheça e declare constituir (sem prejuízo das deduções contempladas no número 2 do art.º 390.º) um efeito jurídico típico, comum e normal de tal modalidade ilegal da cessação do contrato de trabalho (se quisermos e numa outra visão da norma, tal compensação constituirá o valor indemnizatório mínimo que o legislador laboral, em nome do princípio da restauração natural ou, melhor dizendo, da sua substituição por um valor seu equivalente, considerou ser devido ao trabalhador despedido, podendo acrescentar-se depois ao mesmo a indemnização de antiguidade, no caso do dito trabalhador optar por ela em detrimento da sua reintegração).

III - Está assim afastado o n.º 2 do art.º 265.º do NCPC, assim como o regime do art.º 28.º do CPT, quanto à indemnização por danos não patrimoniais derivados do alegado despedimento ilícito, da prestação remuneratória pedida (subsídio noturno) assim como no que toca à indemnização por danos não patrimoniais causados por videovigilância ilegal, dado não constituírem um desenvolvimento e consequência do pedido primitivo nem existir qualquer fundamento invocado no articulado superveniente apresentado pelo Autor para a sua alegação e reclamação apenas nessa altura, sendo que, no que toca à indemnização (videovigilância), ainda que seja chamado à colação o n.º 3 do art.º 28.º e alegado que o demandante só teve na pendência destes autos conhecimento de tal mecanismo de controlo do seu trabalho, certo é que não é avançada qualquer prova (documental, testemunhal ou outra) que comprove efetivamente esse conhecimento extemporâneo (não basta afirmar tal desconhecimento anterior à propositura da ação como impõe-se ainda comprová-lo minimamente, o que não poderia acontecer no caso dos autos, dado o Autor não ter arrolado qualquer prova para esse específico efeito e propósito).

IV - Tal ampliação do pedido inicial não implica que este Tribunal da Relação de Lisboa anule o processado desde tal despacho e determine a baixa dos autos ao Tribunal do Trabalho de Lisboa, para dar prosseguimento aos autos em função dessa nova pretensão.

V – Por não se nos afigurar demonstrada de forma clara e óbvia (ou sequer presumida) a existência de subordinação jurídica, traduzida em poderes (diretos ou por interposta pessoa) de enquadramento, orientação, formação, direção, supervisão, fiscalização e de disciplina (concretos, objetivos e continuados) por parte da Ré sobre os serviços realizados pelo Autor, relativamente a uma atividade de natureza intelectual e manual desenvolvida, contra o recebimento de uma contrapartida pecuniária mensal de cariz misto (parte fixa + parte variável), durante os meses de efetivo desempenho das funções de cobrança de dívidas financeiras, não podemos configurar tal relação profissional como assente num contrato de trabalho.

VI - Os indícios que se deixaram enumerados e que poderiam apontar no sentido de nos encontramos face a um contrato de trabalho, só por si ou em conjunto não possuem a virtualidade de abalar/ilidir, suficientemente, a convicção que acima deixámos exposta, dado muitos desses elementos que normalmente são utilizados como base da qualificação do vínculo laboral conhecerem, no caso dos autos, uma justificação e enquadramento que são perfeitamente compatíveis com a existência de um contrato de prestação de serviços.

(Elaborado pelo relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:

TEXTO INTEGRAL:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

Apelante: AAA

Apelada: BBB, LDA.

ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

I – RELATÓRIO
AAA, contribuinte fiscal n.º … e residente na …, veio instaurar, em 10/03/2014, a presente ação declarativa de condenação com processo comum laboral contra BBB, LDA., NIF…, com sede … Lisboa pedindo, em síntese, o seguinte:

«Nestes termos e nos demais de Direito, deve a Ré ser citada para contestar, querendo, seguindo-se os ulteriores termos do processo até final e, em consequência, ser

a) Declarado que os contratos outorgados entre o Autor e a Ré consubstanciam contratos individuais de trabalho; consequentemente;

b) Declarada ilícita a rescisão de contrato operada pela Ré;

c) O Autor ser indemnizado pela Ré da rescisão ilícita do contrato de trabalho no montante de € 32.235,45;

d) A Ré pagar ao Autor a quantia de € 17.793,26 relativa ao mês de férias, subsídios de férias e de natal do período de 1998 a 2013, acrescido dos juros de mora à taxa legal sobre cada um dos valores indicados no artigo 67.º desde a data do respetivo vencimento.

e) A Ré pagar ao Autor a quantia de € 1.050,00 pela remuneração e prémio de Dezembro de 2014.». [ Tais pedidos do Autor radicam-se na seguinte alegação de facto e de direito constante da petição Inicial do Autor:

I - Questão Prévia:

1.°- Em 06 de Julho de 1999, o Autor celebrou um contrato, denominado "contrato de prestação de serviços", com a sociedade "… S.A.", NIPC …, com sede na … Lisboa, como se verifica pelo documento que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido, (doc. 1).

2.º - A "… S.A.", NIPC …, é a mesma pessoa coletiva que a Ré "… S.A.", NIPC 501370048, como se verifica pela informação comercial não certificada que se junta e aqui se dá por reproduzida, (doc. 2).

II - Dos contratos celebrados:

a) Termos e condições:

3.º - A Ré é uma instituição financeira de crédito dedicada ao crédito especializado,

4.º - O Autor foi contratado pela Ré em 5 de Maio de 1988 como trabalhador por conta de outrem, com a categoria de escriturário de 2a.

5.º - Em 18 de Junho de 1999 o Autor foi promovido para a categoria de escriturário de 1.ª.

6.° - Em 06 de Julho de 1999, o Autor foi forçado pela Ré a subscrever o contrato denominado "contra

to de prestação de serviços", (cfr. doc. 1).

7.º - O Autor foi contratado para fazer a "cobrança telefónica de débitos vencidos e não pagos, consequência dos diversos contratos de financiamento existentes entre a EMPRESA e os seus Clientes", (cfr. cláusula 1.ª do contrato, doc. 1).

8.° - No exercício dessa atividade, o Autor diligenciava no sentido de "receber os valores definidos na cláusula anterior, utilizando os escritórios da EMPRESA situados em Lisboa e os equipamentos e meios informá

ticos disponibilizados para esse objetivo ", (cfr. cláusula 22 do contrato, doc. 1).

9.º - Como contrapartida da prestação de trabalho, a Ré começou por pagar mensalmente ao Autor a retribuição de 55.000$00, (cfr. cláusula 5.ª do contrato, doc. 1).

10.° - Aquele valor acresciam as comissões acordadas pela cobrança efetiva de cada uma das recuperações de crédito.

11.º - Em Novembro de 2004, o Autor foi contratado pela Ré alegadamente como prestador de serviços, como se verifica pela minuta do contrato denominado "contrato de prestação de serviços" que se junta e aqui se dá por reproduzido, (doc. 3).

12.º - O Autor foi contratado para fazer "cobrança de rendas e outros débitos vencidos e não pagos, consequência dos contratos de locação existentes entre o 1° Outorgante e seus clientes", (cfr. cláusula 18 do contrato, doc. 3).

13.° - No exercício dessa atividade, o Autor diligenciava no sentido da "cobrança de valores em mora, nas contas dos clientes do Grupo …", (cfr. cláusula 28 do contrato, doc. 3).

14.° - Como contrapartida da prestação de trabalho, a Ré pagava ao Autor mensalmente a retribuição de € 400,00, (cfr. cláusula 58 do contrato, doc. 3).

15.° - Àquele valor acresciam as comissões acordadas pela cobrança efetiva de cada uma das recuperações de crédito.

16.º - Entretanto, em Setembro de 2008 Autor e Ré celebraram um novo contrato denominado "contrato de prestação de serviços", cuja minuta se junta e aqui se dá por reproduzida, (Doc. 4).

17.° - O objeto do contrato manteve-se inalterado em relação ao contrato celebrado em 1999, (cfr. cláusula 1.ª, n.º 1 da minuta, doc. 4).

18.° - A retribuição mensal de € 400,00 manteve-se inalterada em relação ao contrato/2004, acrescida das comissões acordadas pela cobrança efetiva de cada uma das recuperações de crédito, (cfr. cláusula 2.ª, n.º 1 da minuta, doc. 4).

19.° - Como particularidade, no contrato celebrado em 2008 ficou estipulado que a Ré "poderá a todo o tempo e pelos próprios meios, fiscalizar a execução prática deste contrato no que respeita ao seu objeto definido no número 1 desta cláusula, desde que essa fiscalização não obstrua, dificulte ou onere a prestação de serviços contratada", (cfr. cláusula 1.ª, n.º 4 da minuta, doc. 4).

20.° - E, com a alegação de "um melhor aproveitamento dos serviços" a Ré colocou à disposição do Autor "os meios necessários e respetivas instalações", (cfr. cláusula 1.ª, n.º 5 da minuta, doc. 4).

21.º - Em Junho de 2010, Autor e Ré outorgaram um terceiro contrato, igualmente denominado "contrato de prestação de serviços", cuja minuta se junta e aqui se dá por reproduzida, (doc. 5).

22.º - À semelhança do segundo contrato, neste terceiro) o objeto manteve-se inalterado relativamente ao contrato de 2004 (cfr. cláusula 18, n.º 1 da minuta, doc. 5).

23.° - De igual modo, no contrato de 2010 manteve-se a cláusula que prevê a possibilidade da Ré fiscaliz

ar a atividade desenvolvida pelo Autor, (cfr. cláusula 1°, n.º 4 da minuta, doc. 5).

24.º - Mais, o referido contrato de 2010 reafirma que os objetos e equipamentos utilizados pelo Autor na execução da sua atividade profissional, bem como as instalações onde a mesma era desenvolvida, são propriedade da Ré, (cfr. cláusula 18, n.º 5 da minuta, doc. 5).

25.° - Acresce que, por via do aludido contrato de 2010 a Ré fixou um horário de trabalho ao Autor, correspondente a 22 horas e 30 minutos semanais, diariamente entre as 18h00 e as 22h30, com descanso semanal obrigatório ao domingo e complementar ao sábado (cfr. cláusula 1.ª, n.º 5.1 da minuta, doc. 5).

26.° - Por fim, entre o Autor e a Ré foi ainda celebrado um Aditamento dos contratos supra, datado de Dezembro de 2012, cuja minuta se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido, (doc. 6).

27.° - O referido aditamento teve na sua base limitar o horário de trabalho do Autor, passando o mesmo a ser das 17h30 às 22h00, (cfr. cláusula 1.ª, n.º 5.1 da minuta, doc. 6).

28.° - De resto, o Autor sempre compareceu ao serviço da Ré com assiduidade, exercendo as suas funções com zelo e diligência.

29.° - Com efeito, o Autor tinha um horário de trabalho pré-fixado, correspondente a 22 horas e 30 minuto e semanais, diariamente das 17h30 às 22h00m, (cfr. cláusula la, n° 5.1 do contrato/2010, doc. 5; cláusula 1.ª, n.º 5.1 da minuta, doc. 6).

30.º - Horário ao qual se o Autor desobedecesse sem justificação, era sancionado com falta injustificada, como se verifica pelo E-mail enviado pela Ré ao Autor, datado de 08/09/2008, que se junta e aqui se dá por reproduzido, (doc. 7).

31.º - Na verdade, o termo "tendencialmente" constante da cláusula 1.ª, n.º 5.1 do aditamento/2010 é meramente figurativo, porquanto não havia qualquer flexibilidade no horário de trabalho, (cfr. minuta, doc. 6).

32.º - Acresce que, as ausências do Autor ao serviço da Ré eram contabilizadas, como se verifica pelo documento que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido, (doc. 8)

33.º - Mais, o Autor auferia uma retribuição certa de E. 400,00 como contrapartida da sua prestação de trabalho, conforme resulta da cláusula 53 do contrato/2005, e da cláusula 2.ª, n.º 1 do contrato/2008 (cfr. minutas, docs. 1 e 4).

34.° - Para além disso, o Autor sempre esteve sujeito às ordens, orientação e fiscalização da Ré, executando os serviços que lhe eram atribuídos e acatando as instruções que aquela lhe dava,

35.° - Como resulta dos diversos contratos celebrados entre o Autor e a Ré, designadamente, das cláusulas 53 da minuta do contrato/2004 e 28 n.º 1 da minuta do contrato/2008, (cfr. docs. 3 e 4).

36.° - E, do E-mail supra, donde se extrai que as presenças do Autor eram controladas pela Ré, nomeadamente quando se refere que "quando chegam enviam-me um mail a confirmar a V/entrada", (cfr. doc. 7).

37.° - Igualmente se extrai do referido E-mail que o Autor estava efetivamente sujeito à direção e ordens da Ré, nomeadamente quando se refere que "nas horas de expediente trabalham ligados ao grupo e não retirados (mesmo os que antecipam o turno); deverá haver uma preocupação redobrada de efetuar um número ótimo de contactos efetivos por hora (8/9)", (cfr. doc. 7).

38.° - Por fim, retira-se ainda do citado E-mail que "É considerada falta disciplinar o não cumprimento de qualquer uma destas três regras", (cfr. doc. 7).

39.º - Existia, portanto, subordinação jurídica do Autor em acatar as ordens e instruções que eram transmitidas pela Ré.

40.° - Acresce que, os equipamentos e os instrumentos de trabalho que o Autor utilizava na prestação da sua atividade profissional, nomeadamente o equipamento e sistema informático, eram todos propriedade da Ré, como resulta das cláusulas 1.ª n.ºs 4 e 5 da minuta do contrato/2008, 1.ª n.º 5 da minuta do contrato/2010, (cfr. docs. 4 e 5).

41.º - Equipamentos esses que se encontravam no estabelecimento da Ré, local onde o Autor diariamente executava a sua atividade laboral, (cfr. cláusulas 1.ª n.ºs 4 e 5 da minuta do contrato/2008, 1.ª n.º 5 da minuta do contrato/2010, docs. 4 e 5).

b) Qualificação jurídica:

42.º - Não obstante a Ré ter atribuído a denominação de "contratos de prestação de serviços" nos contratos que celebrou, a verdade é que os termos e condições em que o Autor desenvolveu a sua atividade profissional deixam indiciar um contrato individual de trabalho.

43.° - Com efeito, nos termos do artigo 12.º do Código do Trabalho (CT), tais factos permitem, com segurança razoável, qualificar a atividade desenvolvida pelo Autor como uma relação jurídico-laboral, sujeita à disciplina do Código do Trabalho.

44.° - A Jurisprudência tem considerado que é pela "subordinação jurídica" que se traça a fronteira entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços.

45.° - Assim, entre outros, considere-se o seguinte aresto:

II - O contrato de trabalho tem como objeto a prestação de uma atividade e como elemento diferenciador específico a subordinação jurídica do trabalhador. III - No contrato de prestação de serviço, o devedor/prestador compromete-se à realização ou obtenção de um resultado, que alcança por si, sem interferência, direção de execução ou sujeição a instruções da outra parte. (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 11/07/2012, processo n.º 3360/04.OTTLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

46.° - No caso dos autos, o Autor prestava a sua atividade sob a direção e autoridade da Ré, que, a todo o tempo e pelos próprios meios, fiscalizava a execução prática do contrato.

47.º - Assim, e verdadeiramente, entre o Autor e a Ré foram celebrados contratos individuais de trabalho, e não de prestação de serviços.

III — Dos créditos laborais devidos ao Autor:

a) Das retribuições pagas pela Ré:

48.° - No ano de 1998, o Autor auferiu a retribuição anual de € 2.633,65 (528.000$00), o que, dividindo por 8 meses, corresponde a uma retribuição média mensal de € 329,21, como se verifica pela declaração emitida pela Ré respeitante ao ano fiscal de 1998 que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida, (doc. 9).

49.° - No ano de 1999, o Autor auferiu a retribuição anual de € 3.950,48 (792.000$00), o que, dividindo por 12 meses, corresponde a uma retribuição média mensal de € 329,21, como se verifica pela declaração emitida pela Ré respeitante ao ano fiscal de 1999 que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida, (doc. 10).

50.° - Já no ano de 2000, o Autor auferiu a retribuição anual de € 3.711,06 (744.000$00), o que, dividindo por 12 meses, corresponde a uma retribuição média mensal de € 309,26, como se verifica pela declaração emitida pela Ré respeitante ao ano fiscal de 2000 que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida, (doc. 11).

51.° - Relativamente ao ano de 2001, o Autor auferiu a retribuição anual de € 3/.741,00, o que, dividindo por 12 meses, corresponde a uma retribuição média mensal de € 311,75, como se verifica pela declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2001 que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida, (doc. 12).

52.° - No respeitante ao ano de 2002, o Autor auferiu à, retribuição anual de € 3.429,25, o que, dividindo por 12 meses, corresponde a um retribuição média mensal de € 285,77, como se verifica pela declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2002 que se junta e aqui se da por integralmente reproduzida, (doc. 13).

53.º - No ano de 2003, o Autor auferiu a retribuição anual de € 11.834,11, o que, dividindo por 12 meses, corresponde a uma retribuição média mensal de € 986,18, como se verifica pela declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2003 que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida, (doc. 14).

54.º - Relativamente ao ano de 2004, o Autor auferiu a retribuição anual de € 4.800,00, o que, dividindo por 12 meses, corresponde a uma retribuição média mensal de € 400,00, como se verifica pela declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2004 que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida, (doc. 15).

55.° - No que diz respeito ao ano de 2005, o Autor a4eriu a retribuição anual de € 10.150,00, o que, dividindo por 12 meses, corresponde a uma retribuição média mensal de € 845,83, como se verifica pela declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2005 que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida, (doc. 16).

56.° - Já no ano de 2006, o Autor auferiu a retribuição anual de € 10.390,00, o que, dividindo por 12 meses, corresponde a uma retribuição média mensal de € 865,83, como se verifica pela declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2006 que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida, (doc. 17).

57.° - No ano de 2007, o Autor auferiu a retribuição anual de € 10.935,00, o que, dividindo por 12 meses, corresponde a uma retribuição média mensal de € 911,25, como se verifica pela declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2007 que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida, (doc. 18).

58.° - Quanto ao ano de 2008, o Autor auferiu a retribuição anual de 11380,00, o que, dividindo por 12 meses, corresponde a uma retribuição média mensal de € 948,33, como se verifica pela declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2008 que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida, (Doc. 19).

59.° - No respeitante ao ano de 2009, o Autor auferiu a retribuição anual de € 10.375,00, o que, dividindo por 12 meses, corresponde a uma retribuição média mensal de € 864,58, como se verifica pela declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2009 que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida, (doc. 20).

60.° - No ano de 2010, o Autor auferiu a retribuição anual de € 10.961,71, o que, dividindo por 12 meses, corresponde a uma retribuição média mensal de € 913,48, como se verifica pela declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2010 que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida, (doc. 21).

61.° - Relativamente ao ano de 2011, o Autor auferiu a retribuição anual de € 11.081,21, o que, dividindo por 12 meses, corresponde a uma retribuição média mensal de € 923,43, como se verifica pela declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2011 que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida, (doc. 22).

62.° - Já no ano de 2012, o Autor auferiu a retribuição anual de € 10.483,48, o que, dividindo por 12 meses, corresponde a uma retribuição média mensal de € 873,62, como se verifica pela declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2012 que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida, (doc. 23).

63.° - Por fim, no ano de 2013, o Autor auferiu a retribuição anual de € 9.085,90, o que, dividindo por 12 meses, corresponde a uma retribuição média mensal de € 757,16, como se verifica pela declaração emitida ela Ré respeitante ao ano fiscal de 2013 que se protesta juntar, (doc. 24).

b) Das retribuições em dívida pela Ré ao Autor:

64.° - Acontece que a Ré, em todos os anos atrás referidos, nunca pagou ao Autor o mês de férias, os subsídios de férias e de Natal.

65.° - Assim, a Ré deve ao Autor o mês de férias, os subsídios de férias e de Natal, valores obtidos com base nas retribuições médias de cada ano, nos seguintes montantes:

a) 1998: € 329,21 x 3 meses = € 987,63.

b) 1999: € 329,21 x 3 meses = € 987,63.

c) 2000: € 309,26 x 3 meses = € 927,78.

d) 2001: € 311,75 x 3 meses = € 935,25.

e) 2002: € 285,77 x 3 meses = € 857,31.

f) 2003: € 986,18 x 3 meses = € 2.958,54.

g) 2004: € 400,00 x 3 meses = € 1.200,00.

h) 2005: € 845,83 x 3 meses = € 2.537,49.

i) 2006: € 865,83 x 3 meses = € 2.597,49.

j) 2007: € 911,25 x 3 meses = € 2.733,75.

k) 2008: € 948,33 x 3 meses = € 2.844,99.

I) 2009: € 864,58 x 3 meses = € 2.593,74.

m) 2010: € 913,48 x 3 meses = € 2.740,44.

n) 2011: € 923,43 x 3 meses = € 2/70,29.

o) 2012: € 873,62 x 3 meses = € 2.620,86.

p) 2013: € 757,16 x 3 meses = € 2.271,48.

66.° - Pelo que, é devida ao Autor a quantia total de € 32.235,45, a título do mês de férias e subsídios de férias e de natal que o Autor deixou de auferir durante o período de 1998 a 2013.

67.° - Acresce que a Ré não pagou ao Autor as seguintes quantias:

a) Remuneração do mês de Dezembro de 2013, a pagar em Janeiro de 2014, no montante de € 400,00.

b) Prémio do mês de Dezembro de 2013, a pagar em Janeiro de 2014, no montante de € 650,00.

c) Da rescisão do contrato:

68.° - Vimos que a denominação "contrato de prestação de serviços" atribuída pela Ré aos contratos celebrados com o Autor não tem qualquer correspondência com os termos e condições em que o Autor exerceu a sua atividade profissional.

69.° - Na verdade, com a atribuição da denominação "contrato de prestação de serviços" aos contratos que celebrou, está bom de ver que a Ré pretendeu eximir-se das responsabilidades laborais que a celebração de um contrato individual de trabalho acarreta, nomeadamente após a sua cessação.

70.° - Cessação essa que veio a ocorrer por carta datada de 10 de Janeiro de 2014 entregue em mão ao Autor, que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida, (doc. 25).

71.° - O Autor não contava com aquele desfecho da sua situação laboral, pois nada deixava indiciar que iria ser "despedido".

72.° - Com efeito, o Autor ficou numa situação económica altamente desfavorável, porquanto dedicou cerca de 15 anos a laborar para a Ré, sem quaisquer direitos laborais.

73.° -Direitos laborais esses que o Autor quer ver reconhecidos por via da presente ação, nomeadamente os créditos laborais.

a) Computação dos créditos laborais devidos:

74.° - Em face dos termos e condições em que o Autor exerceu a sua atividade, deve ser reconhecido que os contratos celebrados com a Ré consubstanciam típicos contratos individuais de trabalho, e não meros contratos de prestação de serviços.

75.° - Reconhecimento esse que ora se requer com a presente ação.

76.° - Por sua vez, deve ser declarada ilícita a rescisão do contrato operada pela Ré.

77.° - Em consequência, o Autor tem direito a ser reintegrado no seu posto e funções habituais de trabalho.

78.° - Reintegração que, nos termos do artigo 391.º do CT, pode ser substituída por uma indemnização, o que o Autor declara desde já aceitar.

79.º - Indemnização cujo cálculo deve ter por base 45 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade, nos termos do artigo 391.º do CT.

80.° - Assim, tomando por base os valores atrás descriminados, nomeadamente a retribuição média mensal auferida em 2013 de € 757,16, o Autor tem direito a uma indemnização no valor de € 17.793,26, pela antiguidade.

81.° - Ao valor da indemnização ora fixado há a acrescer o valor total do mês de férias, subsídio de férias e de natal que o Autor não auferiu durante os anos de duração do contrato, e que atrás se computou em € 32.235,45.

82.° - E ainda a quantia de € 1.050,00 pela remuneração e prémio de Dezembro de 2014.

83.° - Pelo que, é devido ao Autor o montante total de € 51.078,71.

84.° - A que acrescem os juros de mora á taxa legal sobre cada um dos valores indicados no artigo 65° desde a data do respetivo vencimento.

85.° - Valor que ora se peticiona por ser devido nos termos que deixámos expostos.

IV - Documentos a apresentar pela Ré:

86.° - Após uma pesquisa aturada, o Autor apenas encontrou o contrato celebrado com a Ré em 1999.

87.° - Quanto aos restantes contratos, cujas minutas se juntaram, o Autor requer desde já a notificação da Ré para os apresentar em juízo, ao abrigo do disposto no artigo 429.º do Código de Processo Civil.»]
*

Designada data para audiência de partes (despacho de fls. 92), que se realizou, nos termos do artigo 54.º do Código do Processo do Trabalho, com a presença das partes (fls. 98 e 99) - tendo a Ré sido citada para o efeito a fls. 93 e 96, por carta registada com Aviso de Recepção - não foi possível a conciliação entre as mesmas, vindo então a Ré a ser notificada para contestar a ação dentro do prazo legal.

*

A Ré apresentou, a fls. 100 e seguintes, contestação, onde, muito em síntese, impugnou a existência de um vínculo laboral com o Autor, rejeitou os créditos reclamados, quer em termos qualitativos, quer em termos quantitativos e invocou uma situação de abuso de direito, tendo concluído a mesma nos seguintes moldes:

«Nestes termos e nos melhores de Direito cujo suprimento de V. Exa. se espera e invoca, deverá a presente ação ser julgada totalmente improcedente, por não provada, absolvendo-se a Ré do pedido e condenando-se o Autor em custas, procuradoria, encargos do processo e no que mais for de lei, pois só assim se aplicará o Direito e fará tão costumada JUSTIÇA!»

*

O Autor respondeu à contestação deduzida pela Ré, no que concerne à exceção perentória de abuso de direito arguida pela demandada, nos termos constantes de fls. 154 e seguintes.

*

Foi proferido, a fls. 161 e 162, despacho saneador, onde se fixou em € 422.266,17 o valor da ação, se considerou válida e regular a instância, não se designou Audiência Preliminar nem se selecionou a matéria de facto ou fixar os competentes temas da prova, tendo-se admitido os róis de testemunhas das partes, determinado, rejeitado ou aceite diversos meios de prova e designada data para a Audiência de Discussão e Julgamento.

*

O Autor, através do Requerimento de fls. 163 e seguintes, veio requerer a ampliação do pedido por si formulado originalmente na ação, tendo-o feito nos seguintes moldes:

«Nestes termos e nos demais de Direito, deve a ampliação do pedido ser admitida e julgada procedente, condenando-se a Ré, além do montante global de € 51.078,71 peticionado na petição inicial, no pagamento das seguintes quantias:

a) € 2.497,30, a título de subsídio noturno.

b) € 15.000,00, a título de indemnização por videovigilância ilícita;

c) € 7.319,24, a título de compensação pela ilicitude do despedimento;

d) € 5.000,00, a título de compensação por danos morais.

Todas acrescidas de juros de mora à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.» [ O Autor fundamentou tal ampliação do pedido nos seguintes moldes:

«I — Da admissibilidade da ampliação do pedido:

1.° - Nos termos do artigo 265.º, n.º 2 do CPC, "O Autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação foi o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo".

2.º - No caso dos autos, a causa de pedir foi bem delineada na petição inicial: o reconhecimento de que entre o Autor e a Ré foram celebrados verdadeiros contratos de trabalho.

3.º - Já quanto ao pedido, todos os valores peticionados partem da mesma premissa: a ilicitude do despedimento do Autor, por não ter sido precedido de procedimento disciplinar prévio.

4.º - Ora, sendo a causa de pedir o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido, isto é, ao pedido de declaração da ilicitude do despedimento, tem o Autor a possibilidade de ampliar o pedido nos termos que se seguem, por consubstanciar um desenvolvimento e, simultaneamente, uma consequência do pedido primitivo.

5.º - Caso assim não se entenda, a ampliação do pedido sempre será de admitir nos termos do artigo 265.º n.º 6 do CPC.

II — Da ampliação do pedido:

a) Subsídio noturno:

6.º - O Autor nunca recebeu qualquer importância das Ré a título de trabalho noturno.

7.º - A prestação labora) do Autor decorria entre as 18h00 e as 22h30 de cada dia útil (cfr. artigo 25.º da petição inicial).

8.º - Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 29.º n.º 3 e 30.º do Decreto-Lei 409/71, de 27/09, aplicável até à entrada em vigor do Código de Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27/08, considera-se trabalho noturno o compreendido entre as 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte, com um acréscimo retributivo de 25%

9.º - Com efeito, a majoração retributiva de 25% sobre o valor/hora que ali se prevê assiste ao Autor no período das 20h às 22h30 em que prestou a sua atividade.

10.º - Ora, tendo presente que a retribuição base de 55.000$00 (€ 275,00) auferida pelo Autor nos anos de 1998 a 2003, assim como as 22h30m (22,50) de trabalho semanal prestado em dias úteis, o valor/hora deverá ser calculado de acordo com a fórmula prevista no artigo 271° do CT, nos termos seguintes: (€ 275,00 x 12) : (52 x 22,50) = € 2,82.

11.º - Pelo que, o valor correspondente a um acréscimo de 25% por hora é de € 0,71 (setenta e um cêntimos).

12.º - Pelo que, por cada dia útil e efetivo de trabalho, o Autor tinha a receber das Rés, a título de subsídio noturno, a quantia de € 1,78 (€ 0,71 x 2,50 "2h30").

13.º - O período a considerar para efeitos de cálculo das quantias devidas ao Autor a título de subsídio noturno é o compreendido entre 05/05/1998 até Agosto de 2003, isto é, até à entrada em vigor do Código de Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27/08.

14.º - Assim, termos os seguintes valores por período, em termos médios:

a) Ano 1998: 05 a 31/Maio = 19 dias úteis x € 1,78 = € 33,82.

b) Ano 1998: Junho a Dezembro = 22 dias úteis x € 1,78 = € 39,16 x 7 meses = € 274,12.

c) Ano 1999: 22 dias úteis x € 1,78 = € 39,16 x 12 meses = € 469,02.

d) Ano 2000: 22 dias úteis x € 1,78 = € 39,16 x 12 meses = € 469,02.

e) Ano 2001:22 dias úteis x € 1,78 = € 39,16 x 12 meses = € 469,02.

f) Ano 2002: 22 dias úteis x € 1,78 = € 39,16 x 12 meses = € 469,02.

g) Ano 2003: 22 dias úteis x € 1,78 = € 155,10; x 8 meses = € 313,28.

15.º - Assim, o Autor deixou de receber a quantia total de € 2.497,30 a título de subsídio noturno.

16.° - Tal pedido dever ser admitido, porquanto constitui um desenvolvimento do pedido primitivo.

b) Indemnização por videovigilância ilegal:

17.° - No local onde o Autor desenvolvia a sua atividade foi instalado, sem qualquer informação prévia, em início de Janeiro de 2010, um circuito interno de videovigilância.

18.° - Sucede que, em momento algum a Ré logrou explicar ou justificar quer junto do Autor, quer junto dos demais trabalhadores afetos ao Departamento …, sito na Rua …, razão de utilizar meios de justificativa para tal instalação.

19.° - O Autor nunca autorizou a mencionada à captação qualquer imagem e/ou som em regime de circuito interno de videovigilância.

20.º - Ora, o artigo 20.º, n.º 1 do CT proíbe a Ré, na qualidade de empregadora, de utilizar meios de vigilância à distância no local de trabalho, mediante o emprego tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do Autor.

21.º - Igualmente, a licitude da utilização de tais meios não está demonstrada, pois que a Ré não obteve qualquer autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados, em cumprimento do estatuído no artigo 28.º, n.º 1 da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho.

22.° -Viu assim, sem qualquer razão aparente, o Autor restringido o direito à sua reserva da vida privada, pois que a Ré não justificou a instalação e utilização de circuito interno de videovigilância.

23.° - Mais, o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão datado de 8 de Fevereiro de 2006 vem considerar que tal procedimento adotado por parte da entidade empregadora é abusivo e inadmissível para avaliação das capacidades profissionais do trabalhador visado.

24.° - Não só a Ré não demonstrou ter obtido autorização por parte da Comissão Nacional de Proteção de Dados, como o local onde o Autor desempenhava as suas funções de gestor de cobrança não é um espaço aberto ao público onde se dirige todo o tipo de pessoas.

25.° - Para além disso, o Autor nunca autorizou o tratamento dos seus dados pessoais reconhecidos através de dispositivos de videovigilância (conforme o estatuído no artigo 6.º da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro), pelo que a captação de som e imagem envolvendo o Autor no desempenho da sua normal atividade profissional de gestão de cobranças, e levada a cabo pela Ré entre Janeiro de 2010 e Janeiro de 2014, ocasião do despedimento individual do Autor, é ilícita.

26.° - Com efeito, a videovigilância não pode ser utilizada como forma de controlar o exercício da atividade profissional do trabalhador, neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 3 de Maio de 2006, com base no disposto no art.º 79.º do Código Civil.

27.° - Mais, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Maio de 2007, in www.dgsi.pt, na economia deste preceito – art.º 20 do Código do Trabalho - a utilização dos ditos meios de vigilância será sempre ilícita (ainda que com aviso prévio da sua instalação feita ao trabalhador), desde que tenha a finalidade de controlar o seu desempenho profissional).

28.° - De salientar que até mesmo pelo respeito da reserva da vida privada do Autor que a sua restrição de liberdades, direitos e garantias tem que ser proporcional aos benefícios que a Ré colheu com a instalação de meios de vídeo vigilância atendendo que o fez no local de trabalho do Autor.

29.° - Ora, por envolver a restrição do direito de reserva privada apenas se mostra justificada quando for necessária à prossecução de interesses legítimos, devendo a sua utilização traduzir-se numa forma de vigilância genérica, destinada a detetar factos, situações ou acontecimentos incidentais e não numa vigilância diretamente dirigida aos postos de trabalho ou ao campo de ação dos trabalhadores (neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Junho de 2006), o que não sucedeu.

30.° - O Autor cifra em € 15.000,00 a indemnização por videovigilância ilícita.

31.° - Tal pedido deve ser admitido, porquanto constitui um desenvolvimento do pedido primitivo.

32.° - Aliás, só posteriormente à propositura da presente ação é que o Autor tomou conhecimento que a sua prestação laboral tinha sido objeto de vídeo vigilância.

33.° - Pelo que, este pedido sempre será de admitir atento o disposto no artigo 28.º n.º 3 do CPT.

c) Compensação pela ilicitude do despedimento:

34.° - Reconhecendo que entre o Autor e a Ré foram celebrados verdadeiros contratos de trabalho, o seu despedimento foi ilícito por não ter sido precedido de procedimento disciplinar, nos termos do disposto no artigo 381.º, alínea c) do CT, conforme oportunamente alegado em sede de petição inicial.

35.° - Pelo que, declarada a ilicitude do despedimento, o Autor tem direito a uma compensação, calculada nos termos do artigo 390.º, n.º 1 do CT.

36.°- Concretamente, o Autor tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde o seu despedimento, 10 de Janeiro/2014, até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.

37.° - Tal compensação deve ser calculada com base na retribuição média de € 757,16 que o Autor auferiu em 2013, nos seguintes valores por período:

a) Fevereiro/2014, parcial = € 757,16: 30 dias = € 25,24 x 20 dias = € 504,80;

b) Março a Novembro/2014 = 9 meses x € 757,16 = € 6.814,44.

38.° - Assim, a título de compensação pela ilicitude do despedimento, o Autor tem direito a receber da Ré a quantia de € 8.076,40, valor calculado até Novembro/2014 inclusive, a que há a acrescer as retribuições vincendas até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.

39.° - Tal pedido deve ser admitido, porquanto constitui um desenvolvimento e uma consequência do pedido primitivo.

d) Danos morais:

40.° - Conforme se deixou alegado na petição inicial, a denominação "contrato de prestação de serviços" atribuída pela Ré aos contratos celebrados com o Autor não tem qualquer correspondência com os termos e condições em que o Autor exerceu a sua atividade profissional.

41.° - Na verdade, com a atribuição da denominação "contrato de prestação de serviços" aos contratos que celebrou, está bom de ver que a Ré pretendeu eximir-se das responsabilidades laborais que a celebração de um contrato individual de trabalho acarreta, nomeadamente após a sua cessação.

42.° - Cessação essa que veio a ocorrer por carta datada de 10 de Janeiro de 2014 entregue em mão ao Autor, (cfr. doc. 25 junto com a p.i.).

43.º - O Autor não contava com aquele desfecho da sua situação laboral, pois nada deixava indiciar que iria ser "despedido".

44.º - Por esse facto, o Autor ficou psicologicamente afetado.

45.º - O Autor sofreu angústia, stress, descontrolo emocional, sentindo-se indefeso, completamente inseguro e em perfeito desnorte.

46.° - Acresce que, o Autor ficou numa situação económica altamente desfavorável, porquanto dedicou cerca de 9 anos a laborar para a Ré, sendo agora lançado para o flagelo do desemprego, sem quaisquer direitos laborais.

47.° - Direitos laborais esses que o Autor quer ver reconhecidos por via da presente ação, nomeadamente os créditos laborais.

48.° - Pelo que, deve a Rés ser condenada a compensar o Autor pelos danos morais sofridos em montante não inferior a € 5.000,00.

49.° - Tal pedido deve ser admitido, porquanto constitui um desenvolvimento e uma consequência do pedido primitivo.»]

*

A Ré pronunciou-se relativamente a tal pedido de ampliação de pedido nos moldes constantes de fls. 195 e seguintes, tendo concluído o respetivo requerimento nos seguintes termos:

«Nestes termos, deve o requerimento em crise ser julgado inadmissível, desentranhado dos autos e devolvido ao Autor; caso assim não se entendesse, deveriam os novos pedidos formulados ser julgados improcedentes, por não provados, no mais concluindo-se como na contestação.»

*

Sobre tal pedido de ampliação de pedido foi prolatado, em 20/01/2015, o Despacho de fls. 214 e 215 com o seguinte teor:

«Veio o Autor requerer, a fls. 164, a ampliação do pedido. Notificada, a Ré sustenta a inadmissibilidade daquela pretensão. Tudo visto, por ser este o momento, cumpre apreciar e decidir.

Dispõe o artigo 28.º do Código de Processo do Trabalho, relativamente à cumulação sucessiva de pedidos e causas de pedir:

I - É permitido ao autor aditar novos pedidos e causas de pedir, nos termos dos números seguintes.

2 - Se até à audiência de discussão e julgamento ocorrerem factos que permitam ao autor deduzir contra o réu novos pedidos pode ser aditada a petição inicial, desde que a todos os pedidos corresponda a mesma espécie de processo.

3 - O autor pode ainda deduzir contra o réu novos pedidos, nos termos do número anterior, embora esses pedidos se reportem a factos ocorridos antes da propositura da ação, desde que justifique a sua não inclusão na petição inicial.

4 - Nos casos previstos nos números anteriores, o réu é notificado para contestar tanto a matéria do aditamento como a sua admissibilidade.

Como é bom de ver, nenhum dos pedidos aditados é consequência de factos ocorridos depois de proposta esta ação, nem tampouco o Autor justifica a sua não dedução ab initio.

Funda o Autor a sua pretensão no artigo 265.º do Código de processo Civil. Estatui este que:

1 - Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação.

2 - O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.a instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.

3 - Se a modificação do pedido for feita na audiência final, fica a constar da ata respetiva.

4 - O pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória, ao abrigo do n.º 1 do artigo 829.°-A do Código Civil, pode ser deduzido nos termos do n.º 2.

5 - Nas ações de indemnização fundadas em responsabilidade civil, pode o autor requerer, até ao encerramento da audiência final em 1.a instância, a condenação do réu nos termos previstos no artigo 567.º do Código Civil, mesmo que inicialmente tenha pedido a condenação daquele em quantia certa.

6 - É permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.

Contudo, fruto da especialidade do direito adjetivo laboral, esta norma não tem aqui aplicação, já que o aditamento ou ampliação do pedido obedece ao supra citado artigo 28.º, que derroga a regulamentação do processo civil.

Face ao exposto, não admitimos o aditamento dos novos pedidos. Custas do incidente anómalo a que deu causa pelo Autor - artigo 527.º do Código de Processo Civil.

Notifique.»

*

O Autor AAA, inconformado com tal despacho, veio, a fls. 499 e seguintes e em 5/2/2015, interpor recurso do mesmo, que foi admitido a fls. 581 dos autos, como de Apelação e a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
*
O Apelante Autor apresentou, a fls. 359 e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:
«1.º - Na petição inicial o Autor alegou que entre si e a Ré vigoraram contratos individuais de trabalho tendo, em consequência, sido alvo de um despedimento ilícito, deduzindo em conformidade os seguintes pedidos:
a) Declarado que os contratos outorgados entre o Autor e a Ré consubstanciam contratos individuais de trabalho; consequentemente;
b) Declarada ilícita a rescisão de contrato operada pela Ré;
c) O Autor ser indemnizado pela Ré da rescisão ilícita do contrato de trabalho no montante de € 32.235,45;
d) A Ré pagar ao Autor a quantia de € 17.793,26 relativa ao mês de férias, subsídios de férias e de natal do período de 1998 a 2013, acrescido de juros de mora à taxa legal sobre cada um dos valores indicados no artigo 67° desde a data do respetivo vencimento;
e) A Ré pagar ao Autor a quantia de € 1.050,00 pela remuneração e prémio de Dezembro de 2013.
2.º - Por requerimento datado de 26/12/2014, o Autor requereu a ampliação do pedido, pedindo que a Ré seja condenada a pagar a quantia de € 7.319,24 a título de compensação pela ilicitude do despedimento nos termos do artigo 390.º do CT, correspondente a retribuições vencidas e vincendas.
3.º - O Tribunal recorrido indeferiu a ampliação com o seguinte fundamento "(...) fruto da especialidade do direito adjetivo laboral, esta norma não tem aqui aplicação, já que o aditamento ou ampliação do pedido obedece ao supra citado artigo 28.º, que derroga a regulamentação do processo civil!”.
4.º - É manifesto que a compensação prevista no artigo 390.º do CT constitui uma consequência/desenvolvimento do pedido primitivo formulado na petição inicial, facto que o despacho recorrido não chega sequer a pôr em causa, decidindo apenas que o artigo 265.º n.º 2 do CPC não é aplicável ao processo laboral.
5.º - Com efeito, o mesmo Tribunal, no âmbito do processo n.º 797/14.0TTLSB, a correr termos pela 1.ª Secção de Trabalho - J1, contra a mesma Ré, e no qual o mandatário signatário representa o Autor, ex-trabalhador daquela, na sequência da ampliação do pedido igualmente requerida, foi proferido o seguinte despacho: "(...) Discordamos da ré quando refere que nenhum dos pedidos formulados é consequência ou desenvolvimento do pedido inicial.
Com efeito, inicialmente o autor alegou ter sido alvo de um despedimento ilícito pedindo em conformidade que tal seja declarado e paga indemnização por antiguidade.
Vem agora peticionar - alínea b. - compensação prevista no art.º 390.º do CT e que corresponde retribuições vencidas e vincendas pelo que este pedido ora formulado pelo autor deve ser entendido como consequência/desenvolvimento do pedido formulado na petição inicial (...)", despacho que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido, (doc. 1).
6.º - No mesmo sentido, veja-se o seguinte aresto que admite a aplicação do disposto no artigo 265.º do CPC (anterior artigo 273.º) ao processo laboral:
"I - O art.º 28.º do CPT refere-se à situação de cumulação sucessiva de pedidos e de causas de pedir.
II - O n.º 3 do citado art.º 28.º permite que o autor adite novos pedidos (com novas e ajustadas causas de pedir), se justificar a sua não inclusão na petição.
III - Não comportando a forma do processo seguida a existência de réplica, o pedido apenas pode ser alterado (ampliado) nos termos do art.º 273.º, n.º 2, do CPC, isto é, se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.". (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do processo n.º 421/09.3TTFIG-A.C1, datado de 21/10/2010, disponível em www.dgsi.pt).
7.º - Igualmente, da fundamentação do citado aresto extrai-se que a situação prevista no artigo 28° do CPT é distinta da regulada no artigo 265.º do CPC:
"(...) O artigo 28.° do CPT refere-se, como se observa da sua epígrafe, à situação de cumulação sucessiva de pedidos e causa de pedir e é diversa da situação enunciada no art.º 273.º do C.P. Civil (...)".
8.º - O artigo 28.º do CPT é apenas aplicável á situação de cumulação sucessiva de pedidos e de causas de pedir que, nos termos do seu n.º 3, permite aditar novos pedidos (com novas e ajustadas causas de pedir) quando se justifique a sua não inclusão na petição.
9.º - Situação diversa daquela é a enunciada no artigo 265.º, n.º 3 do CPC, que prevê a ampliação pedido, quando o mesmo seja consequência/desenvolvimento do pedido primitivo.
10.° - A requerida ampliação do pedido pelo Autor está fundamentada, quanto à compensação do artigo 390.º do CT, no disposto no artigo 265.º do CPC, e não no 28.º CPT.
O despacho recorrido, viola o disposto artigo 265.º do CPC, aplicado ex vi alínea a) n.º 2 do artigo 1.º do CPT.
Nestes termos e nos mais de Direito deve o presente recurso ser recebido e julgado procedente, revogando-se em consequência o despacho recorrido, substituindo-o por outro que admita a ampliação do pedido no montante de € 7.534,10, a título de compensação pela ilicitude do despedimento nos termos do artigo 390.º do CT, por corresponder a uma consequência/desenvolvimento do pedido primitivo formulado na petição inicial.
Com o que se fará a habitual e necessária JUSTIÇA!»
*
A Ré, apesar de notificada para o efeito, não veio apresentar contra-alegações dentro do prazo legal de 10 dias.
*

Este recurso não foi alvo de oportuno despacho de admissão ou rejeição por parte do tribunal da 1.ª instância, o que levou o relator destes autos de recurso de Apelação da sentença final a convidar o Autor a manifestar no processo o seu interesse na apreciação e julgamento do mesmo, tendo a resposta da parte ido no sentido positivo, ou seja, na manutenção do referido interesse quanto à análise e decisão de tal recurso (fls. 669).

Os presentes autos baixaram então ao Tribunal do Trabalho de Lisboa, com vista a ser proferido despacho de admissão ou rejeição desse recurso intercalar de Apelação, o que veio a acontecer a fls. 675, tendo o mesmo sido admitido como Apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

*

A Ré veio, a fls. 342, requerer o aditamento do seu rol de testemunhas, ao abrigo do número 2 do artigo 63.º do C.P.T., pedido esse que foi indeferido, por extemporâneo, por despacho judicial de fls. 347, datado de 4/2/2015, mas que veio a ser reiterado a fls. 354 a 358, com pedido de pagamento de multa do artigo 139.º do NCPC e a ser de novo rejeitado por despacho de fls. 317 que, tendo sido notificado às partes, foi objeto do recurso de Apelação de fls. 385 e seguintes.

Este recurso não foi alvo de oportuno despacho de admissão ou rejeição por parte do tribunal da 1.ª instância, o que levou o relator destes autos de recurso de Apelação da sentença final a convidar a parte a manifestar no processo o seu interesse na apreciação e julgamento do mesmo, tendo a resposta da Ré ido no sentido negativo, ou seja, no sentido da desistência de tal recurso (fls. 666 e 667).

*

Procedeu-se à realização da Audiência de Discussão e Julgamento, com observância das legais formalidades, conforme melhor resulta da respetiva ata (fls. 445 a 448 e 455 e 456), tendo a prova aí produzida sido objeto de registo-áudio.

Foi prolatada, a fls. 457 a 463, Decisão sobre a Matéria de Facto, com a presença das partes, conforme ressalta da Ata de fls. 465.

*

Foi então proferida a fls. 466 a 487 e com data de 25/05/2015, sentença que, em síntese, decidiu o litígio nos termos seguintes:

“Face ao exposto, julgamos a presente ação improcedente, por não provada, e em consequência absolvemos a Ré de todos os pedidos.

Custas pelo Autor – artigo 527.º do Código de Processo Civil.

Registe e notifique.»

*

O Autor AAA, inconformado com tal sentença, veio, a fls. 498 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 581 dos autos, como de Apelação e a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
*
O Apelante Autor apresentou, a fls. 499 e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:
(…)

*

(…)

*

(…)

*

Tendo os autos ido a vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – OS FACTOS
Foram considerados provados os seguintes factos pelo tribunal da 1.ª instância:

1. A Ré é uma instituição financeira de crédito dedicada ao crédito especializado, como a locação financeira

2. Em 4 de Maio de 1998, o Autor subscreveu o acordo escrito denominado “contrato de prestação de serviços”, que se mostra junto a fls. 135 e cujo teor damos aqui por integralmente reproduzido.

3. Nos termos da cláusula 1.ª daquele acordo, o Autor foi contratado para fazer a “cobrança telefónica de débitos vencidos e não pagos, consequência dos diversos contratos de financiamento existentes entre a EMPRESA e os seus Clientes”.

4. No exercício dessa atividade, o Autor diligenciava no sentido de “receber os valores definidos na cláusula anterior, utilizando os escritórios da EMPRESA situados em Lisboa e os equipamentos e meios informáticos disponibilizados para esse objetivo”.

5. Como contrapartida daquela atividade, a Ré começou por pagar mensalmente ao Autor o montante de Esc. 55.000$00.

6. Àquele valor acresciam as comissões acordadas pela cobrança efetiva de cada uma das recuperações de crédito.

7. Posteriormente, em 1 de Setembro de 2008, Autor e Ré celebraram um novo acordo escrito, denominado “contrato de prestação de serviços”, o qual se mostra junto a fls. 138.

8. O objeto do acordo manteve-se inalterado em relação ao acordo celebrado em 1998.

9. A remuneração mensal passou para € 400,00, acrescida das comissões acordadas pela cobrança efetiva de cada uma das recuperações de crédito.

10. Ficou ainda estipulado que a R “poderá a todo o tempo e pelos próprios meios, fiscalizar a execução prática deste contrato no que respeita ao seu objeto definido no número 1 desta cláusula, desde que essa fiscalização não obstrua, dificulte ou onere a prestação de serviços contratada”.

11. E, com a alegação de “um melhor aproveitamento dos serviços”, a Ré colocou à disposição do Autor “os meios necessários e respetivas instalações”.

12. Em 1 de Junho de 2010, Autor e Ré outorgaram um terceiro acordo escrito, igualmente denominado “contrato de prestação de serviços”, que se encontra junto a fls. 142.

13. Neste terceiro acordo escrito, o objeto da atividade contratada manteve-se inalterado.

14. De igual modo, no acordo de 2010 manteve-se a cláusula que prevê a possibilidade da Ré fiscalizar a atividade desenvolvida pelo Autor.

15. No referido acordo de 2010 reafirma-se que os objetos e equipamentos utilizados pelo Autor na execução da sua atividade, bem como as instalações onde a mesma era desenvolvida, são propriedade da Ré.

16. Na cláusula 5.1 respetiva vem prevista uma carga média horária semanal de 22h30m, repartida diariamente dentro do período das 18h às 22h30.

17. Por fim, entre o Autor e a Ré foi ainda celebrado um Aditamento ao último acordo escrito, datado de 27 de Dezembro de 2012, o qual está junto a fls. 147.

18. O objeto deste aditamento foi alterar a cláusula 5.1, que passou a ter a seguinte redação:

«Atentas as características da prestação de serviços, prevê-se uma média de afetação semanal de 22 horas e 30 minutos, competindo ao PRESTADOR DE SERVIÇOS, aferir dessas necessidades para atingir os seus objetivos, sendo que, tendencialmente, a atividade se desenrolará diariamente entre as 17h30m e as 22h00»

(18. O objeto deste aditamento foi alterar a cláusula 5.1, dando-se aqui por reproduzida a respetiva redação.)

19. Por …, Diretor de Cobranças da Ré, foi enviado, no dia 8/9/2008, a todos os membros do Departamento de Cobranças Noturnas, onde o Autor se incluía, o E-mail cujo print se mostra junto a fls. 59 e que possuía o seguinte teor:

«(…)

Subject: DISCIPLINA

Auto forwarded by a Rule

Até ao regresso de férias da Dra. … agradeço que observem o seguinte procedimento

- Quando chegam enviam-me um mail a confirmar a /entrada

- Nas horas de expediente trabalham ligados ao grupo e não retirados (mesmo os que antecipam o turno)

- Deverá haver uma preocupação redobrada de efetuar um número ótimo de contactos efetivos por hora (8/9)

É considerada falta disciplinar o não cumprimento de qualquer uma destas três regras».

(19. Por …, Diretor de Cobranças da Ré, foi enviado a todos os membros do Departamento de Cobranças Noturnas, onde o Autor se incluía, o E-mail cujo print se mostra junto a fls. 59, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor.)

20. Os equipamentos e os instrumentos de trabalho que o Autor utilizava na prestação da sua atividade, nomeadamente o equipamento e sistema informático, eram todos propriedade da Ré.

21. Equipamentos esses que se encontravam no estabelecimento da Ré, local onde o Autor diariamente executava a sua atividade.

22. No ano de 1998, o Autor auferiu a remuneração anual de € 2.633,65 (parte fixa + Esc. 440.000$00).

23. No ano de 1999, o Autor auferiu a remuneração anual de € 3.950,48 (parte fixa + Esc. 660.000$00).

24. Já no ano de 2000, o Autor auferiu a remuneração anual de € 3.711,06 (parte fixa + Esc. 620.000$00).

25. Relativamente ao ano de 2001, o Autor auferiu a retribuição anual de € 3.741,00.

26. De 2002 em diante, foram os seguintes os valores auferidos pelo Autor:

Total “Fixo” 2002 € 3.741,00€ 6.430,52
Total Variável 2002 € 2.689,52
Total “Fixo” 2003 € 4.551,28 € 11.833,28
Total Variável 2003 € 7.282,00
Total “Fixo” 2004 € 4.800,00 € 9.200,00
Total Variável 2004 € 4.400,00
Total “Fixo” 2005 € 4.800,00€ 10.150,00
Total Variável 2005 € 5.350,00
Total “Fixo” 2006 € 4.800,00€ 10.390,00
Total Variável 2006 € 5.590,00
Total “Fixo” 2007 € 4.800,00€ 10.935,00
Total Variável 2007 € 6.135,00
Total “Fixo” 2008 € 4.800,00€ 11,380,00
Total Variável 2008 € 6.580,00
Total “Fixo” 2009 € 4.800,00€ 10.375,00
Total Variável 2009 € 5.575,00
Total “Fixo” 2010 € 4.471,00€ 10.961,00
Total Variável 2010 € 6.490,00
Total “Fixo” 2011 € 4.181,21€ 11.081,21
Total Variável 2011 € 6.900,00
Total “Fixo” 2012 € 3.956,23€ 10.483,48
Total Variável 2012 € 6.527,25
Total “Fixo” 2013 € 4.229,65€ 9.085,90
Total Variável 2013 € 4.856,25

27. A Ré, em todos os anos atrás referidos, nunca pagou ao Autor os subsídios de férias e de Natal.

28. Acresce que a Ré não pagou ao Autor a quantia total de € 850,56 relativa à remuneração e prémio do mês de Dezembro de 2013.

29. Por carta datada de 10 de Janeiro de 2014, entregue em mão ao Autor, a Ré comunicou-lhe a «rescisão de contrato de prestação de serviços», com efeitos a 20 de Janeiro desse ano.

30. Amiúde a Ré, através do seu Diretor de Cobranças …, convocava o Autor para prestar a sua atividade aos sábados, o que este podia recusar.

31. Aquando dos contactos com os clientes particulares, no caso de pretender efetuar com aqueles acordos excecionais de regularização das dívidas, tinha que solicitar autorização aos responsáveis da Ré.

32. O cartão de acesso às instalações permitia a entrada apenas a partir das 17h30 e, no final, registava a hora de saída nos torniquetes.

33. A Ré fornecia ainda instruções genéricas de como o Autor devia conduzir as conversas telefónicas com os seus clientes.

34. As características específicas da atividade de cobrança obrigam a adequar a oportunidade do contacto e a metodologia de abordagem aos diferentes tipos de clientes devedores, consoante se tratem de clientes particulares ou institucionais (empresas).

35. No caso dos clientes institucionais (empresas), o contacto tem necessariamente que ocorrer no horário normal de expediente das empresas, pelo que a atividade de cobrança desses clientes é assegurada por trabalhadores do quadro, no período laboral.

36. Já no caso de clientes particulares, por questões de disponibilidade e sigilo, o contacto deve ocorrer no horário pós-laboral, sendo que a metodologia de abordagem ao cliente particular e a natureza do cobrador também são particularmente distintas das do cliente empresarial.

37. A persistência e a capacidade de argumentação são fatores decisivos na abordagem de cobrança ao cliente particular, situação que leva à necessidade de proporcionar ao cobrador flexibilidade na gestão do seu desempenho, acompanhada de uma componente variável agressiva e ao mesmo tempo de uma dedicação não exclusiva.

38. O Autor foi contratado para estes serviços de cobrança (a clientes particulares, no período pós-laboral).

39. Ao longo de toda a relação contratual estabelecida entre as partes, o Autor jamais reclamou o estatuto de trabalhador subordinado da Ré.

40. O Autor beneficiava de comissões por cobranças bem-sucedidas de montante significativamente mais elevado às auferidas pelos trabalhadores do quadro afetos à cobrança dos clientes institucionais.

41. Por essa via o Autor conseguia obter um rendimento idêntico ou mesmo superior ao auferido pelos referidos trabalhadores em regime de tempo completo, despendendo cerca de metade do tempo e sem estar vinculado a qualquer dever de exclusividade, podendo portanto ainda acumular (e efetivamente acumulando) esses rendimentos com os rendimentos de outra(s) atividade(s) que entendesse desenvolver.

42. No âmbito do relacionamento contratual estabelecido entre as partes, com determinada periodicidade (geralmente mensal) era entregue uma carteira de processos ao Autor, encarregando-se este de diligenciar no sentido de contactar os respetivos clientes em situação de incumprimento e tentar obter o pagamento dos valores em dívida.

43. O que mais relevava na atividade desenvolvida pelo Autor era o resultado obtido, ou seja, conseguir o pagamento voluntário por parte dos clientes em situação de incumprimento, de forma a evitar que a empresa de visse forçada a recorrer ao contencioso.

44. A atividade em crise nos presentes autos representava efetivamente uma atividade secundária para o Autor, que ao longo da relação sempre auferiu rendimentos por trabalho prestado a outras entidades.

45. O Autor emitia recibos como empresário em nome individual pelos pagamentos efetuados e cumpria igualmente as suas obrigações fiscais e perante a Segurança Social como se de prestador de serviços se tratasse.

46. Os serviços a prestar pelo Autor tinham natureza sigilosa (tratava-se de contactar clientes particulares a respeito de dívidas).

47. O Autor apenas tinha acesso ao local onde eram efetuadas as “cobranças” e aos meios aí existentes, não sendo portador do cartão com acessos amplos às instalações da Ré de que eram portadores os normais trabalhadores desta.

48. O Autor tinha a faculdade de entrar mais tarde, sair mais cedo ou até mesmo não comparecer dias inteiros, como aliás sucedeu variadas vezes ao longo da relação.

49. Se o Autor decidisse entrar mais tarde, sair mais cedo ou não comparecer certo(s) dia(s), a única consequência seria que, a partir de 01-06-2010, não auferiria as correspondentes horas.

50. Antes daquela data, caso faltasse, era-lhe descontada a importância de € 60,00 na remuneração variável.

51. Os «prestadores de serviços», incluindo o aqui Autor, não figuravam em nenhum mapa de horário de trabalho da Ré, contrariamente ao que sucedia com os seus normais trabalhadores.

*

III - Factos não provados:

«Ficaram por provar todos os demais factos articulados pelas partes, em especial e com relevância para a causa:

I. O Autor nunca gozou férias

II. As ausências do Autor eram contabilizadas através do documento junto a fls. 60.»

NOTA: Mostram-se já inseridas no local próprio as alterações introduzidas oficiosamente e ao abrigo do artigo 662.º, número 1, do NCPC, por este Tribunal da Relação de Lisboa na Factualidade dada como Provada e acima transcrita e que incidiram sobre o teor dos Pontos 18 e19, encontrando-se tais modificações assinaladas a negrito e o texto anterior de tais Pontos colocado por debaixo dos mesmos, em letra mais pequena, a itálico e entre parênteses.

*

III – OS FACTOS E O DIREITO
É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).

*

A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS

Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente acção ter dado entrada em tribunal em 10/03/2014, ou seja, antes da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.º, só se aplicam às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, somente em 1/01/2010.

Esta ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.

Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Apelação.

Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, retificado pela Declaração de Retificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.º 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, Lei n.º 64-A/2008, de 31-12, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril com início de vigência a 13 de Maio de 2011, Lei n.º 7/2012, de 13 Fevereiro, retificada pela Declaração de Retificação n.º 16/2012, de 26 de Março, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, com início de vigência a 1 de Janeiro de 2013, Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, com início de vigência a 1 de Setembro de 2013 e Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro, com início de vigência a 2 de Outubro de 2014 –, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.

Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos terem ocorrido, sucessivamente, na vigência da LCT e legislação complementar e dos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009, (que entraram em vigor, respetivamente, em 1/12/2003 e 17/02/2009), sendo, portanto, o regime deles decorrente que aqui irá ser chamado à colação, em função da factualidade em presença.

B - PONTO DA SITUAÇÃO - RECURSOS DE APELAÇÃO INTERPOSTOS PELAS PARTES

Impõe-se fazer um ponto da situação muito rápido acerca do estado dos três recursos de Apelação interpostos nos autos pelas partes, sendo que dois deles o foram pelo Autor e o restante pela Ré.

No que concerne a esta terceira impugnação judicial, recorde-se aqui o que se deixou sintetizado no relatório deste Aresto:

«A Ré veio, a fls. 342, requerer o aditamento do seu rol de testemunhas, ao abrigo do número 2 do artigo 63.º do C.P.T., pedido esse que foi indeferido, por extemporâneo, por despacho judicial de fls. 347, datado de 4/2/2015, mas que veio a ser reiterado a fls. 354 a 358, com pedido de pagamento de multa do artigo 139.º do NCPC e a ser de novo rejeitado por despacho de fls. 317 que, tendo sido notificado às partes, foi objeto do recurso de Apelação de fls. 385 e seguintes.

Este recurso não foi alvo de oportuno despacho de admissão ou rejeição por parte do tribunal da 1.ª instância, o que levou o relator destes autos de recurso de Apelação da sentença final a convidar a parte a manifestar no processo o seu interesse na apreciação e julgamento do mesmo, tendo a resposta da Ré ido no sentido negativo, ou seja, no sentido da desistência de tal recurso (fls. 666 e 667).»

Logo, quedamo-nos, em termos de análise e decisão recursórias, pelas duas Apelações do Autor, sendo a última da sentença final, em duas vertentes – fáctica e jurídica – e a interlocutória do pedido de ampliação do pedido deduzido pelo Autor.

C – PRIMEIRO RECURSO DE APELAÇÃO DO AUTOR

Esse pedido de ampliação do pedido foi judicialmente indeferido por despacho de fls. 214 e 215, datado de 20/1/2015 e notificado às partes por ofício de 21/01/2015, tendo o Autor vindo interpor atempadamente recurso de Apelação no dia 5/2/2015 (fls. 359 e seguintes), sem que a Ré lhe tivesse contraposto alegações de resposta.

Recordemos aqui, de maneira mais sumariada, com vista a facilitar a análise do objeto deste primeiro recurso de Apelação, o que se deixou referenciado no Relatório deste Aresto quanto a tal problemática:

«O Autor, através do Requerimento de fls. 163 e seguintes, veio requerer a ampliação do pedido por si formulado originalmente na ação, tendo-o feito nos seguintes moldes:

«Nestes termos e nos demais de Direito, deve a ampliação do pedido ser admitida e julgada procedente, condenando-se a Ré, além do montante global de € 51.078,71 peticionado na petição inicial, no pagamento das seguintes quantias:

a) € 2.497,30, a título de subsídio noturno.

b) € 15.000,00, a título de indemnização por videovigilância ilícita;

c) € 7.319,24, a título de compensação pela ilicitude do despedimento;

d) € 5.000,00, a título de compensação por danos morais.

Todas acrescidas de juros de mora à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.» [ O Autor fundamentou tal ampliação do pedido nos seguintes moldes:

«I — Da admissibilidade da ampliação do pedido:

1.° - Nos termos do artigo 265.º, n.º 2 do CPC, "O Autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação foi o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo".

2.º - No caso dos autos, a causa de pedir foi bem delineada na petição inicial: o reconhecimento de que entre o Autor e a Ré foram celebrados verdadeiros contratos de trabalho.

3.º - Já quanto ao pedido, todos os valores peticionados partem da mesma premissa: a ilicitude do despedimento do Autor, por não ter sido precedido de procedimento disciplinar prévio.

4.º - Ora, sendo a causa de pedir o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido, isto é, ao pedido de declaração da ilicitude do despedimento, tem o Autor a possibilidade de ampliar o pedido nos termos que se seguem, por consubstanciar um desenvolvimento e, simultaneamente, uma consequência do pedido primitivo.

5.º - Caso assim não se entenda, a ampliação do pedido sempre será de admitir nos termos do artigo 265.º, n.º 6 do CPC.

II — Da ampliação do pedido:

a) Subsídio noturno:

6.º - O Autor nunca recebeu qualquer importância das Ré a título de trabalho noturno.

7.º - A prestação laboral do Autor decorria entre as 18h00 e as 22h30 de cada dia útil (cfr. artigo 25.º da petição inicial).

8.º - Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 29.º n.º 3 e 30.º do Decreto-Lei 409/71, de 27/09, aplicável até à entrada em vigor do Código de Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27/08, considera-se trabalho noturno o compreendido entre as 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte, com um acréscimo retributivo de 25%

9.º - Com efeito, a majoração retributiva de 25% sobre o valor/hora que ali se prevê assiste ao Autor no período das 20h às 22h30 em que prestou a sua atividade.

10.º - Ora, tendo presente que a retribuição base de 55.000$00 (€ 275,00) auferida pelo Autor nos anos de 1998 a 2003, assim como as 22h30m (22,50) de trabalho semanal prestado em dias úteis, o valor/hora deverá ser calculado de acordo com a fórmula prevista no artigo 271° do CT, nos termos seguintes: (€ 275,00 x 12) : (52 x 22,50) = € 2,82.

11.º - Pelo que, o valor correspondente a um acréscimo de 25% por hora é de € 0,71 (setenta e um cêntimos).

12.º - Pelo que, por cada dia útil e efetivo de trabalho, o Autor tinha a receber das Rés, a título de subsídio noturno, a quantia de € 1,78 (€ 0,71 x 2,50 "2h30").

13.º - O período a considerar para efeitos de cálculo das quantias devidas ao Autor a título de subsídio noturno é o compreendido entre 05/05/1998 até Agosto de 2003, isto é, até à entrada em vigor do Código de Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27/08.

14.º - Assim, termos os seguintes valores por período, em termos médios:

a) Ano 1998: 05 a 31/Maio = 19 dias úteis x € 1,78 = € 33,82.

b) Ano 1998: Junho a Dezembro = 22 dias úteis x € 1,78 = € 39,16 x 7 meses = € 274,12.

c) Ano 1999: 22 dias úteis x € 1,78 = € 39,16 x 12 meses = € 469,02.

d) Ano 2000: 22 dias úteis x € 1,78 = € 39,16 x 12 meses = € 469,02.

e) Ano 2001:22 dias úteis x € 1,78 = € 39,16 x 12 meses = € 469,02.

f) Ano 2002: 22 dias úteis x € 1,78 = € 39,16 x 12 meses = € 469,02.

g) Ano 2003: 22 dias úteis x € 1,78 = € 155,10; x 8 meses = € 313,28.

15.º - Assim, o Autor deixou de receber a quantia total de € 2.497,30 a título de subsídio noturno.

16.° - Tal pedido dever ser admitido, porquanto constitui um desenvolvimento do pedido primitivo.

b) Indemnização por videovigilância ilegal:

17.° - No local onde o Autor desenvolvia a sua atividade foi instalado, sem qualquer informação prévia, em início de Janeiro de 2010, um circuito interno de videovigilância.

18.° - Sucede que, em momento algum a Ré logrou explicar ou justificar quer junto do Autor, quer junto dos demais trabalhadores afetos ao Departamento de Cobranças, sito na Rua General Firmino Miguel, n.º 5-2.º, razão de utilizar meios de justificativa para tal instalação.

19.° - O Autor nunca autorizou a mencionada à captação qualquer imagem e/ou som em regime de circuito interno de videovigilância.

20.º - Ora, o artigo 20.º, n.º 1 do CT proíbe a Ré, na qualidade de empregadora, de utilizar meios de vigilância à distância no local de trabalho, mediante o emprego tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do Autor.

21.º - Igualmente, a licitude da utilização de tais meios não está demonstrada, pois que a Ré não obteve qualquer autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados, em cumprimento do estatuído no artigo 28.º, n.º 1 da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho.

22.° -Viu assim, sem qualquer razão aparente, o Autor restringido o direito à sua reserva da vida privada, pois que a Ré não justificou a instalação e utilização de circuito interno de videovigilância.

23.° - Mais, o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão datado de 8 de Fevereiro de 2006 vem considerar que tal procedimento adotado por parte da entidade empregadora é abusivo e inadmissível para avaliação das capacidades profissionais do trabalhador visado.

24.° - Não só a Ré não demonstrou ter obtido autorização por parte da Comissão Nacional de Proteção de Dados, como o local onde o Autor desempenhava as suas funções de gestor de cobrança não é um espaço aberto ao público onde se dirige todo o tipo de pessoas.

25.° - Para além disso, o Autor nunca autorizou o tratamento dos seus dados pessoais reconhecidos através de dispositivos de videovigilância (conforme o estatuído no artigo 6.º da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro), pelo que a captação de som e imagem envolvendo o Autor no desempenho da sua normal atividade profissional de gestão de cobranças, e levada a cabo pela Ré entre Janeiro de 2010 e Janeiro de 2014, ocasião do despedimento individual do Autor, é ilícita.

26.° - Com efeito, a videovigilância não pode ser utilizada como forma de controlar o exercício da atividade profissional do trabalhador, neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 3 de Maio de 2006, com base no disposto no art.º 79.º do Código Civil.

27.° - Mais, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Maio de 2007, in www.dgsi.pt, na economia deste preceito – art.º 20 do Código do Trabalho - a utilização dos ditos meios de vigilância será sempre ilícita (ainda que com aviso prévio da sua instalação feita ao trabalhador), desde que tenha a finalidade de controlar o seu desempenho profissional).

28.° - De salientar que até mesmo pelo respeito da reserva da vida privada do Autor que a sua restrição de liberdades, direitos e garantias tem que ser proporcional aos benefícios que a Ré colheu com a instalação de meios de vídeo vigilância atendendo que o fez no local de trabalho do Autor.

29.° - Ora, por envolver a restrição do direito de reserva privada apenas se mostra justificada quando for necessária à prossecução de interesses legítimos, devendo a sua utilização traduzir-se numa forma de vigilância genérica, destinada a detetar factos, situações ou acontecimentos incidentais e não numa vigilância diretamente dirigida aos postos de trabalho ou ao campo de ação dos trabalhadores (neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Junho de 2006), o que não sucedeu.

30.° - O Autor cifra em € 15.000,00 a indemnização por videovigilância ilícita.

31.° - Tal pedido deve ser admitido, porquanto constitui um desenvolvimento do pedido primitivo.

32.° - Aliás, só posteriormente à propositura da presente ação é que o Autor tomou conhecimento que a sua prestação laboral tinha sido objeto de vídeo vigilância.

33.° - Pelo que, este pedido sempre será de admitir atento o disposto no artigo 28.º n.º 3 do CPT.

c) Compensação pela ilicitude do despedimento:

34.° - Reconhecendo que entre o Autor e a Ré foram celebrados verdadeiros contratos de trabalho, o seu despedimento foi ilícito por não ter sido precedido de procedimento disciplinar, nos termos do disposto no artigo 381.º, alínea c) do CT, conforme oportunamente alegado em sede de petição inicial.

35.° - Pelo que, declarada a ilicitude do despedimento, o Autor tem direito a uma compensação, calculada nos termos do artigo 390.º, n.º 1 do CT.

36.°- Concretamente, o Autor tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde o seu despedimento, 10 de Janeiro/2014, até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.

37.° - Tal compensação deve ser calculada com base na retribuição média de € 757,16 que o Autor auferiu em 2013, nos seguintes valores por período:

a) Fevereiro/2014, parcial = € 757,16: 30 dias = € 25,24 x 20 dias = € 504,80;

b) Março a Novembro/2014 = 9 meses x € 757,16 = € 6.814,44.

38.° - Assim, a título de compensação pela ilicitude do despedimento, o Autor tem direito a receber da Ré a quantia de € 8.076,40, valor calculado até Novembro/2014 inclusive, a que há a acrescer as retribuições vincendas até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.

39.° - Tal pedido deve ser admitido, porquanto constitui um desenvolvimento e uma consequência do pedido primitivo.

d) Danos morais:

40.° - Conforme se deixou alegado na petição inicial, a denominação "contrato de prestação de serviços" atribuída pela Ré aos contratos celebrados com o Autor não tem qualquer correspondência com os termos e condições em que o Autor exerceu a sua atividade profissional.

41.° - Na verdade, com a atribuição da denominação "contrato de prestação de serviços" aos contratos que celebrou, está bom de ver que a Ré pretendeu eximir-se das responsabilidades laborais que a celebração de um contrato individual de trabalho acarreta, nomeadamente após a sua cessação.

42.° - Cessação essa que veio a ocorrer por carta datada de 10 de Janeiro de 2014 entregue em mão ao Autor, (cfr. doc. 25 junto com a p.i.).

43.º - O Autor não contava com aquele desfecho da sua situação laboral, pois nada deixava indiciar que iria ser "despedido".

44.º - Por esse facto, o Autor ficou psicologicamente afetado.

45.º - O Autor sofreu angústia, stress, descontrolo emocional, sentindo-se indefeso, completamente inseguro e em perfeito desnorte.

46.° - Acresce que, o Autor ficou numa situação económica altamente desfavorável, porquanto dedicou cerca de 9 anos a laborar para a Ré, sendo agora lançado para o flagelo do desemprego, sem quaisquer direitos laborais.

47.° - Direitos laborais esses que o Autor quer ver reconhecidos por via da presente ação, nomeadamente os créditos laborais.

48.° - Pelo que, deve a Rés ser condenada a compensar o Autor pelos danos morais sofridos em montante não inferior a € 5.000,00.

49.° - Tal pedido deve ser admitido, porquanto constitui um desenvolvimento e uma consequência do pedido primitivo.»]

A Ré opôs-se a tal pedido de ampliação de pedido, tendo o mesmo sido indeferido nos seguintes moldes:

«Veio o Autor requerer, a fls. 164, a ampliação do pedido. Notificada, a Ré sustenta a inadmissibilidade daquela pretensão. Tudo visto, por ser este o momento, cumpre apreciar e decidir.

Dispõe o artigo 28.º do Código de Processo do Trabalho, relativamente à cumulação sucessiva de pedidos e causas de pedir:

I - É permitido ao autor aditar novos pedidos e causas de pedir, nos termos dos números seguintes.

2 - Se até à audiência de discussão e julgamento ocorrerem factos que permitam ao autor deduzir contra o réu novos pedidos pode ser aditada a petição inicial, desde que a todos os pedidos corresponda a mesma espécie de processo.

3 - O autor pode ainda deduzir contra o réu novos pedidos, nos termos do número anterior, embora esses pedidos se reportem a factos ocorridos antes da propositura da ação, desde que justifique a sua não inclusão na petição inicial.

4 - Nos casos previstos nos números anteriores, o réu é notificado para contestar tanto a matéria do aditamento como a sua admissibilidade.

Como é bom de ver, nenhum dos pedidos aditados é consequência de factos ocorridos depois de proposta esta ação, nem tampouco o Autor justifica a sua não dedução ab initio.

Funda o Autor a sua pretensão no artigo 265.º do Código de processo Civil. Estatui este que:

1 - Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação.

2 - O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.a instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.

3 - Se a modificação do pedido for feita na audiência final, fica a constar da ata respetiva.

4 - O pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória, ao abrigo do n.° 1 do artigo 829.°-A do Código Civil, pode ser deduzido nos termos do n.º 2.

5 - Nas ações de indemnização fundadas em responsabilidade civil, pode o autor requerer, até ao encerramento da audiência final em 1.ª instância, a condenação do réu nos termos previstos no artigo 567.° do Código Civil, mesmo que inicialmente tenha pedido a condenação daquele em quantia certa.

6 - É permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.

Contudo, fruto da especialidade do direito adjetivo laboral, esta norma não tem aqui aplicação, já que o aditamento ou ampliação do pedido obedece ao supra citado artigo 28.º, que derroga a regulamentação do processo civil.

Face ao exposto, não admitimos o aditamento dos novos pedidos. Custas do incidente anómalo a que deu causa pelo Autor - artigo 527.º do Código de Processo Civil.

Notifique.»

O Autor AAA, inconformado com tal despacho, veio interpor recurso do mesmo, vindo, no final das correspondentes alegações a formular as seguintes conclusões:
«1.º - Na petição inicial o Autor alegou que entre si e a Ré vigoraram contratos individuais de trabalho tendo, em consequência, sido alvo de um despedimento ilícito, deduzindo em conformidade os seguintes pedidos:
a) Declarado que os contratos outorgados entre o Autor e a Ré consubstanciam contratos individuais de trabalho; consequentemente;
b) Declarada ilícita a rescisão de contrato operada pela Ré;
c) O Autor ser indemnizado pela Ré da rescisão ilícita do contrato de trabalho no montante de € 32.235,45;
d) A Ré pagar ao Autor a quantia de € 17.793,26 relativa ao mês de férias, subsídios de férias e de natal do período de 1998 a 2013, acrescido de juros de mora à taxa legal sobre cada um dos valores indicados no artigo 67° desde a data do respetivo vencimento;
e) A Ré pagar ao Autor a quantia de € 1.050,00 pela remuneração e prémio de Dezembro de 2013.
2.º - Por requerimento datado de 26/12/2014, o Autor requereu a ampliação do pedido, pedindo que a Ré seja condenada a pagar a quantia de € 7.319,24 a título de compensação pela ilicitude do despedimento nos termos do artigo 390.º do CT, correspondente a retribuições vencidas e vincendas.
3.º - O Tribunal recorrido indeferiu a ampliação com o seguinte fundamento "(...) fruto da especialidade do direito adjetivo laboral, esta norma não tem aqui aplicação, já que o aditamento ou ampliação do pedido obedece ao supra citado artigo 28.º, que derroga a regulamentação do processo cível!'.
4.º - É manifesto que a compensação prevista no artigo 390.º do CT constitui uma consequência/desenvolvimento do pedido primitivo formulado na petição inicial, facto que o despacho recorrido não chega sequer a pôr em causa, decidindo apenas que o artigo 265.º, n.º 2 do CPC não é aplicável ao processo laboral.
5.º - Com efeito, o mesmo Tribunal, no âmbito do processo n.º 797/14.0TTLSB, a correr termos pela 1.ª Secção de Trabalho - J1, contra a mesma Ré, e no qual o mandatário signatário representa o Autor, ex-trabalhador daquela, na sequência da ampliação do pedido igualmente requerida, foi proferido o seguinte despacho: "(...) Discordamos da ré quando refere que nenhum dos pedidos formulados é consequência ou desenvolvimento do pedido inicial.
Com efeito, inicialmente o autor alegou ter sido alvo de um despedimento ilícito pedindo em conformidade que tal seja declarado e paga indemnização por antiguidade.
Vem agora peticionar - alínea b. - compensação prevista no art.º 390.º do CT e que corresponde retribuições vencidas e vincendas pelo que este pedido ora formulado pelo autor deve ser entendido como consequência/desenvolvimento do pedido formulado na petição inicial (...)", despacho que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido, (doc. 1).
6.º - No mesmo sentido, veja-se o seguinte aresto que admite a aplicação do disposto no artigo 265.º do CPC (anterior artigo 273.º) ao processo laboral:
"I - O art.º 28.º do CPT refere-se à situação de cumulação sucessiva de pedidos e de causas de pedir.
II - O n.º 3 do citado art.º 28.º permite que o autor adite novos pedidos (com novas e ajustadas causas de pedir), se justificar a sua não inclusão na petição.
III - Não comportando a forma do processo seguida a existência de réplica, o pedido apenas pode ser alterado (ampliado) nos termos do art.º 273.º, n.º 2, do CPC, isto é, se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.". (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do processo n.º 421/09.3TTFIG-A.C1, datado de 21/10/2010, disponível em www.dgsi.pt).
7.º - Igualmente, da fundamentação do citado aresto extrai-se que a situação prevista no artigo 28° do CPT é distinta da regulada no artigo 265.º do CPC:
"(...) O artigo 28.° do CPT refere-se, como se observa da sua epígrafe, à situação de cumulação sucessiva de pedidos e causa de pedir e é diversa da situação enunciada no art.º 273.º do C.P. Civil (...)".
8.º - O artigo 28.º do CPT é apenas aplicável à situação de cumulação sucessiva de pedidos e de causas de pedir que, nos termos do seu n.º 3, permite aditar novos pedidos (com novas e ajustadas causas de pedir) quando se justifique a sua não inclusão na petição.
9.º - Situação diversa daquela é a enunciada no artigo 265.º, n.º 3 do CPC, que prevê a ampliação pedido, quando o mesmo seja consequência/desenvolvimento do pedido primitivo.
10.° - A requerida ampliação do pedido pelo Autor está fundamentada, quanto à compensação do artigo 390° do CT, no disposto no artigo 265° do CPC, e não no 28.º CPT.
O despacho recorrido, viola o disposto artigo 265° do CPC, aplicado ex vi alínea a) n.º 2 do artigo 1.º do CPT.
Nestes termos e nos mais de Direito deve o presente recurso ser recebido e julgado procedente, revogando-se em consequência o despacho recorrido, substituindo-o por outro que admita a ampliação do pedido no montante de € 7.534,10, a título de compensação pela ilicitude do despedimento nos termos do artigo 390.º do CT, por corresponder a uma consequência/desenvolvimento do pedido primitivo formulado na petição inicial.
Com o que se fará a habitual e necessária JUSTIÇA!»
A Ré, apesar de notificada para o efeito, não veio apresentar contra-alegações dentro do prazo legal de 10 dias.
C1 – REGIME LEGAL APLICÁVEL
Importa chamar, desde logo, à boca de cena os dispositivos legais aplicáveis à problemática suscitada neste primeiro recurso de Apelação do Autor e que são os seguintes:

Artigo 28.º

Cumulação sucessiva de pedidos e de causas de pedir

1 – É permitido ao autor aditar novos pedidos e causas de pedir, nos termos dos números seguintes.

2 – Se até à audiência de discussão e julgamento ocorrerem factos que permitam ao autor deduzir contra o réu novos pedidos, pode ser aditada a petição inicial, desde que a todos os pedidos corresponda a mesma espécie de processo.

3 – O autor pode ainda deduzir contra o réu novos pedidos, nos termos do número anterior, embora esses pedidos se reportem a factos ocorridos antes da propositura da ação, desde que justifique a sua não inclusão na petição inicial.

4 – Nos casos previstos nos números anteriores, o réu é notificado para contestar tanto a matéria do aditamento como a sua admissibilidade.

Artigo 264.º

Alteração do pedido e da causa de pedir por acordo

Havendo acordo das partes, o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito.

Artigo 265.º

Alteração do pedido e da causa de pedir na falta de acordo

1 - Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação.

2 - O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.

3 - Se a modificação do pedido for feita na audiência final, fica a constar da ata respetiva.

4 - O pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória, ao abrigo do n.º 1 do artigo 829.º-A do Código Civil, pode ser deduzido nos termos do n.º 2.

5 - Nas ações de indemnização fundadas em responsabilidade civil, pode o autor requerer, até ao encerramento da audiência final em 1.ª instância, a condenação do réu nos termos previstos no artigo 567.º do Código Civil, mesmo que inicialmente tenha pedido a condenação daquele em quantia certa.

6 - É permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.

C2 – INTERPRETAÇÃO RETROSPETIVA DO REGIME LEGAL

O tribunal recorrido entendeu que o regime especial do artigo 28.º do CPT afastava o regime geral dos artigos 264.º e 265.º do NCPC. Será, de facto, assim?

Temos de viajar no tempo e recuar até ao Código de Processo de Trabalho de 1981, quando estava em vigor, em paralelo com o artigo 31.º, que regulava já a «Cumulação sucessiva de pedidos e causas de pedir» [ E que possuía a seguinte redação:


Artigo 31.º

Cumulação sucessiva de pedidos e de causas de pedir


1 – É permitido ao autor aditar novos pedidos e causas de pedir, nos termos dos números seguintes.

2 – Se durante o processo, até à audiência de discussão e julgamento, ocorrerem factos que permitam ao autor deduzir contra o réu novos pedidos, pode ser aditada a petição inicial, desde que a todos os pedidos corresponda a mesma espécie de processo, não impedindo o aditamento a diferença que provier unicamente da forma.

3 – O autor pode ainda deduzir contra o réu novos pedidos, nos termos do número anterior, embora esses pedidos se reportem a factos ocorridos antes da propositura da ação, desde que justifique a impossibilidade da sua não inclusão na petição inicial.

4 – Nas hipóteses previstas nos números anteriores será o réu notificado para contestar tanto a matéria do aditamento como a sua admissibilidade.

], o artigo 30.º, com a epígrafe «Cumulação inicial de pedidos» [ E que possuía a seguinte redação:


Artigo 30.º
(Cumulação inicial de pedidos)
1 – O autor deve cumular na petição inicial todos os pedidos que até à data da propositura da ação possa deduzir contra o réu, para os quais o tribunal seja competente em razão da matéria, desde que lhes corresponda a mesma espécie do processo.
2 – O autor não é obrigado a cumular os pedidos quando em relação a um ou ambos pretenda apenas fazer valer uma quota-parte de um interesse coletivamente fixado, salvo se em relação a todos os pedidos os cointeressados forem os mesmos; também não é obrigatória a cumulação em relação a algum ou alguns dos pedidos haja corréus, salvo se em todos os pedidos os corréus forem os mesmos.
3 – Não podem ser invocados em juízo direitos que não tenham sido deduzidos nos termos dos números anteriores, salvo se a violação desses direitos constituir delito definitivamente julgado, se resultarem de acidente de trabalho ou de doença profissional ou se o juiz considerar justificada a sua não inclusão na petição inicial. ].
O Dr. ALBERTO LEITE FERREIRA, no seu «Código de Processo de Trabalho Anotado», 4.ª Edição, 1996, Coimbra Editora, págs. 154 a 164:

«I - Prevê o Código no art.º 30.º a cumulação inicial de pedidos e no art.º 31.º a cumulação sucessiva de pedidos e causas de pedir ou, se se quiser, o aditamento de novos pedidos e de novas causas de pedir.

Cumulação inicial de pedidos

Se à data da proposição da ação o autor tiver mais do que um pedido a formular ao réu, fica ele obrigado, em princípio, nos termos do art.º 30.º, a deduzi-los na petição inicial desde que

a) A espécie de processo seja a mesma para todos os pedidos, isto é, desde que a todos eles corresponda ou só processo comum ou só processo especial da mesma natureza;

b) O tribunal para todos seja competente em razão da matéria (compatibilidade processual);

c) Os pedidos sejam substancialmente compatíveis.

(…)

Desta forma, as expressões desde que lhes corresponda a mesma espécie do processo hão-de interpretar-se neste sentido: desde que lhes corresponda o mesmo tipo de processo declarativo, isto é, ou só processo comum em qualquer das suas formas (ordinário ou sumário) ou só processo especial da mesma natureza.

Por outro lado, o art.º 30.º não refere, como requisito necessário à cumulação, a compatibilidade dos diversos pedidos. Mas é evidente que não pode prescindir-se da sua verificação. A cumulação não será lícita se os pedidos forem contraditórios.

O art.º 193.º, n.º 2, alínea c), do Cód. Proc. Civil considera inepta a petição quando se cumulem pedidos substancialmente incompatíveis, o que, nos termos do n.º 1 da mesma disposição, implica a nulidade do processo por não ser possível saber-se o efeito jurídico que o autor pretende obter (veja-se nota ao art.º 53.°).

Verificados os pressupostos referidos nas precedentes alíneas a), b) e c), a cumulação inicial impõe-se, a não ser que ocorra qualquer dos casos expressamente ressalvados no n.º 2 do art.º 30.º

Dentro do condicionalismo referido, a cumulação de pedidos reveste carácter de obrigatoriedade, pois a infração do dever imposto ao autor pelo n.º 1 do art.º 30.º impede-o de, posteriormente, invocar em juízo os correspondentes direitos.

Seguiu-se, assim, em direito processual laboral civil, uma orientação contrária à que foi consagrada pelo Cód. Proc. Civil em cujo art.º 470.º, n.º 1, a cumulação de pedidos aparece como mera faculdade do autor.

A medida legal apresenta, à primeira vista, o seu quê de rigor excessivo, o que levou a Comissão Revisora do Código de 1963 a pensar na sua eliminação aquando da primeira revisão do Projeto. É, porém, incontroverso que com ela se procura dar uma mais integral satisfação aos apelos da boa ordem social.

Logo, porque implica uma solução mais rápida dos conflitos que se levantem entre empregadores e trabalhadores, o que se traduz na eliminação ou, pelo menos, no afrouxamento das tensões sociais entre uns e outros.

Depois, porque favorece mais os interesses da justiça, na medida em que permite ao julgador abarcar melhor todas as causas de desassossego social latentes no ambiente do trabalho e encontrar para elas a solução mais justa e equitativa.

Finalmente, porque evita a possibilidade de decisões desarmónicas, criando, em seu lugar, a uniformidade de julgados e facilitando ainda a economia processual pela concentração dos diversos atos e diligências.

(…)

Cumulação sucessiva de pedidos

A cumulação sucessiva de pedidos, nos termos do art.º 31.º, permitida em dois casos:

1.º- A causa de pedir é posterior à proposição da ação;

2.º - A causa de pedir é anterior à propositura da ação.

Em qualquer deles é necessário que concorram os pressupostos que se referiram relativamente à cumulação inicial:

a) Corresponder aos diversos pedidos ou só processo comum ou só processo especial da mesma natureza;

b) Competência do tribunal em razão da matéria para todos eles - compatibilidade processual;

c) Compatibilidade substancial entre os diversos pedidos.

(...)

Deste modo, a cumulação sucessiva será ilícita se a um pedido corresponder processo especial e a outro processo comum em qualquer das suas formas: ordinário ou sumário. Mas já não impede a cumulação o facto de aos diversos pedidos corresponder formas diferentes de processo comum. Assim é legal a cumulação se a um pedido corresponder processo ordinário e a outro processo sumário.

Relativamente à compatibilidade dos diversos pedidos valem também para aqui as considerações feitas em nota ao art.º 30.º.

Quanto à competência ratione materiae o artigo nada diz. Mas não pode seriamente pôr-se em dúvida a sua exigência até porque seria absurdo que ela constituísse um requisito essencial para a cumulação inicial e não para o aditamento de novos pedidos na pendência da causa ou cumulação sucessiva.

Há, contudo, uma diferença entre os dois casos. Se os novos pedidos forem deduzidos com fundamento em causa de pedir anterior à proposição da ação o autor terá de provar que esteve impedido de os formular na petição inicial - art.º 31.º, n.º 3. É um ónus que para a cumulação inicial se encontra implícito também na parte final do n.º 3 do art.º 30.º

Quer, porém, os novos pedidos tenham por fundamento factos ocorridos anterior ou posteriormente à ação, a cumulação só pode ser deduzida até ao início da audiência de discussão e julgamento.

O réu, no entanto, terá de ser sempre notificado para tomar posição quer quanto à admissibilidade (anterioridade, impedimento, superveniência, etc.), quer quanto aos factos alegados, em si.

A falta de impugnação dos factos alegados terá o mesmo efeito da falta de contestação - arts. 54.º, n.º 1, e 86.º, n.º 2.

III - Em regra a instância inicia-se com a proposição da ação e esta considera-se proposta, intentada ou pendente com o recebimento na secretaria da respetiva petição inicial - Cód. Proc. Civil, art.º 267.º, n.º 1.

(…)

É, contudo, com a citação que a instância se estabiliza pois, de conformidade com o art.º 268.º do Cód. Proc. Civil, citado o réu a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir. E o art.º 481.º daquele Código, retomando a mesma ideia, enuncia, na alínea b), como um dos efeitos produzidos pela citação, o de tornar estáveis os elementos essenciais da causa.

O princípio, porém, não é inflexível, antes sofre numerosas exceções, pois todos os elementos essenciais que entram na constituição da relação processual, tanto objetivos - pedido e causa de pedir -, como subjetivos - sujeitos e tribunal -, podem sofrer, no decurso da marcha processual, alterações mais ou menos profundas.

Uma dessas exceções - de natureza subjetiva - oferece-a, por exemplo, o art.º 32.º - modificação da instância por sucessão entre vivos da parte empregadora resultante da transmissão global do estabelecimento -, outra - de natureza objetiva -, é dada pelo art.º 31.º, n.º 2 - cumulação sucessiva de pedidos e de causas de pedir - ou pelo art.º 33.º que à reconvenção diz respeito.

Entre as alterações objetivas, porém, outras há a que o Cód. Proc. do Trabalho não faz referência.

Assim, por exemplo, as que se identificam com a ampliação e a alteração do pedido e da causa de pedir, realidades que nada têm a ver com a cumulação.

Com efeito a ampliação do pedido pressupõe a mesma causa de pedir, isto é, que se mantém o mesmo o ato ou facto jurídico de que o autor faz emergir o seu direito; apenas se deu uma maior dimensão, em termos quantitativos, ao pedido inicialmente formulado.

A cumulação pressupõe o aparecimento dum novo pedido, dotado de individualidade própria, emergente duma nova causa de pedir que fica a subsistir na relação processual ao lado do pedido e da causa de pedir primitiva.

Uma vez que o Cód. Proc. do Trabalho não prevê a alteração do pedido e da causa de pedir, a sua disciplina jurídica, na medida do possível, terá de ser procurada, por força do que dispõe a alínea a) do n.º 2 do art.º 1.º daquele Código, nas disposições subsidiárias do Cód. Proc. Civil.

Ora, perante o que dispõem os arts. 272.º e 273.º deste diploma, duas situações importa, desde logo, considerar:

a) As partes estão de acordo na alteração ou ampliação do pedido ou da causa de pedir;

b) As partes não estão de acordo.

No primeiro caso, a modificação é livre; tanto na primeira como na segunda instância pode operar-se a alteração ou a ampliação sem outra limitação que não seja a que possa resultar da perturbação da instrução ou da discussão e julgamento do pleito — Cód. Proc. Civil, art.º 272.º

No segundo, importa ainda distinguir consoante a modificação pretendida diz respeito

1 - Ao pedido ou

2 - À causa de pedir.

A modificação do pedido é livre se se traduz na sua alteração quantitativa para menos. Trata-se então duma redução que a lei consente sem restrições, em qualquer altura do processo, sem interessar saber sequer o parecer do réu.

Se, porém, se está perante uma modificação quantitativa para mais, o pedido pode ser alterado na réplica ou mesmo posteriormente, até ao encerramento da discussão em primeira instância, se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo — Cód. Proc. Civil, art.º 273.º, n.º 2. Vale isto por dizer que a ampliação ou a alteração se pode verificar até ao termo das alegações do réu.

Quanto à causa de pedir o princípio é o de que só pode ser alterada ou ampliada na réplica se o processo a admitir; permite, no entanto, a lei a alteração em momento posterior se ela resultar de confissão do réu aceite pelo autor - Cód. Proc. Civil, art.º 273.º, n.º 1.

É compreensível a ressalva, pois que se a alteração ou ampliação resulta de confissão do réu que o autor aceita, o que, no fundo, se verifica é o acordo das partes sobre a modificação. Deve, por isso, observar-se o regime que a lei estabelece para os casos em que a modificação resulta de acordo.

Sendo o regime de alteração ou ampliação do pedido e de causa de pedir, em processo civil comum, o que acaba de referir-se, qual a disciplina a observar em processo civil laboral?

No caso de acordo, tanto o pedido como a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura do processo, em primeira ou segunda instância, e sem outra limitação legal que não seja a possibilidade de o juiz recusar a modificação com o fundamento de que esta perturba inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento da causa.

Trata-se, pois, de observar in toto, pura e simplesmente, o regime prescrito no art.º 272.º do Cód. Proc. Civil para o direito comum.

No caso de desacordo, o caminho será diferente conforme a modificação diga respeito

a) Ao pedido ou

b) À causa de pedir.

Se com ela se pretende reduzir o pedido primitivo, a modificação é sempre permitida, pois a redução do pedido é livre em qualquer altura do processo. Ainda aqui o regime é o mesmo do direito processual comum.

Se, porém, se pretender ampliá-lo, a modificação é possível até ao encerramento da discussão em primeira instância, mas apenas no caso de a ampliação ser o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo - Cód. Proc. Civil, art.º 273.º, n.º 2.

Quid juris, porém, se a modificação disser respeito à causa de pedir?

Como se referiu já, em caso de desacordo, a modificação da causa de pedir só é possível na réplica, se o processo o admitir, a não ser que ela seja consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor - Cód. Proc. Civil, art.º 273.º, n.º 1.

No direito adjetivo laboral, porém, nenhuma forma de processo admite réplica, pois aqui tanto em processo ordinário como em processo sumário os articulados normais são apenas dois: a petição e a contestação - Cód. Proc. do Trabalho, arts. 54.º e 86.º

Pode, é certo, existir um terceiro articulado - a resposta - mas, em processo ordinário, apenas no caso de ser deduzida alguma exceção ou haver reconvenção e, em processo sumário, nas mesmas situações, se o valor da causa exceder a alçada do tribunal - Cód. Proc. do Trabalho, arts. 58.º e 87.º, n.º 1.

A resposta, porém, não se identifica com a réplica. Esta serve para o autor responder à matéria da contestação, tanto à defesa direta (impugnação), como à defesa indireta (exceção), como ao pedido reconvencional que contra ele o réu tenha porventura deduzido; a resposta, porém, tem um âmbito mais restrito, pois serve apenas para o autor responder à matéria de exceção ou da reconvenção - Cód. Proc. Civil, arts. 502.º, 785.º e 786.º

Por outro lado, em caso de réplica, ao réu assiste o direito de tréplica na qual pode ele dizer o que se lhe oferecer quanto à modificação da causa de pedir feita na réplica.

A resposta, porém, não admite, em princípio, contrarresposta e isto, por si só, bastará para que nela não seja possível a modificação do pedido ou da causa de pedir.

De tudo quanto se referiu pode dizer-se que em processo laboral o regime de modificação da relação processual por alteração do pedido e da causa de pedir é o mesmo que em processo comum com as seguintes diferenças, no caso de falta de acordo das partes:

a) Quanto ao pedido - apenas pode ser ampliado no decurso do processo e até ao encerramento da discussão em primeira instância, desde que a ampliação seja o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo;

b) Quanto à causa de pedir - só pode ser modificada se a modificação for a consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor.

Tudo quanto se expôs assenta no princípio de que se está perante direitos disponíveis; se, porém, se tratar de direitos indisponíveis ou inderrogáveis terá de ter-se presente que sobre eles é ineficaz a vontade das partes. Resulta daqui que neste domínio nenhuma alteração será possível se dela resultar a mutilação ou diminuição dos direitos do trabalhador. (…)» (sublinhado nosso)

Por seu turno, o saudoso ALBINO MENDES BAPTISTA, no seu «Código de Processo de Trabalho Anotado», Reimpressão, 2000, QUID JURIS, págs. 72 a 74, comentava assim o atual artigo 28.º:

«3. Por razões que se consideravam de economia processual, o Ant. CPT consagrava o princípio da obrigatoriedade de cumulação inicial dos pedidos. Nos termos do art.º 30.º do Ant. CPT, deve o autor (melhor se diria tem o ónus de) cumular na petição inicial todos os pedidos que até à data da propositura da ação possa deduzir contra o réu, para os quais o tribunal seja competente em razão da matéria, desde que lhes corresponda a mesma espécie de processo, comum ou especial da mesma natureza (art.º 30.º, n.º 1).

A não ser que ocorresse alguma das situações previstas no n.º 2 do mesmo art.º 30.º do CPT, em que a cumulação continuava a ser uma faculdade do autor. É o seguinte o conteúdo do n.º 2 do art.º 30.º do Ant. CPT:

"(…)"

O regime consagrado no Ant. CPT é diferente do que resulta do regime do processo civil comum, já que neste a cumulação de pedidos é configurada como uma faculdade do autor - art.º 470.º do CPC (refira-se que a reforma do processo civil ampliou os casos em que pode haver cumulação de pedidos - art.º 471.° do CPC).

Com a solução consagrada no domínio laboral procurou-se eliminar, por via da intervenção judicial, a subsistência de focos jurídicos de conflito laboral. Por outras palavras, considerou-se inconveniente para a paz social permitir que o trabalhador que tem vários pedidos a formular à entidade patronal, os fosse deduzindo sucessiva e intercaladamente. Vd., a este propósito, J. CASTRO MENDES, Pedido e Causa de Pedir no Processo do Trabalho, Curso de Direito Processual do Trabalho, Suplemento da Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1964, pp. 134-136; e A. LEITE FERREIRA, Código de Processo do Trabalho Anotado, 4.ª ed., Coimbra, 1996, p. 156.

Esta justificação é parcialmente válida, uma vez que o princípio da cumulação obrigatória aplica-se também às situações em que o autor é a entidade patronal.

A sanção para a inobservância do princípio da cumulação obrigatória dos pedidos era, em regra, pesada, a saber, a impossibilidade de invocação em juízo, no futuro, de direitos que não se exigiram. Na formulação do Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão proferido em 11.3.98. (CJ, 1998, II, 169), a inobservância da cumulação obrigatória faz precludir o direito de formular, posteriormente, pedidos contra o mesmo réu, o que é realidade diversa.

A falta de cumulação inicial de pedidos, contra o disposto no art.º 30.º do CPT, constitui exceção dilatória — STJ, 3.2.93. (CJ, Acs. do STJ, 1993, I, 241). Impossibilidade que não se estende à defesa por exceção, pois a questão não é de caducidade do direito. Assim, A. LEITE FERREIRA, Código de Processo do Trabalho Anotado, cit., pp. 156-157.

Por exemplo, se o autor reclama créditos laborais e pretender ser indemnizado por danos não patrimoniais, terá de formular ambos os pedidos na mesma ação.

4. As críticas ao princípio da cumulação obrigatória de pedidos vinham crescendo de tom. Assim, por exemplo, JOÃO PALLA LIZARDO considerou que o princípio da acumulação obrigatória de pedidos é "flagrantemente inconstitucional e gerador de monstruosas injustiças" (Que futuro para o Processo do Trabalho face ao atual Processo Civil, 11. 1998, p. 92, com críticas contundentes ao referido princípio).

Neste contexto, a Comissão incumbida de elaborar o Aproj. de revisão do Código de Processo do Trabalho, entendeu, por maioria, ser de afastar a cumulação obrigatória de pedidos.

5. A supressão do princípio da obrigatoriedade de cumulação inicial dos pedidos, constitui uma das alterações de maior vulto introduzidas pelo novo Código de Processo do Trabalho.

A justificação que era apresentada para a sua consagração no Ant. CPT foi já por nós comentada. Por agora importa acrescentar que a natureza irrenunciável de alguns direitos dos trabalhadores era suscetível de entrar em conflito com esse princípio. Por outro lado, a pacificação social que se invocava, podia ser prejudicada pela obrigatoriedade da cumulação, ao forçar os trabalhadores que pretendessem reclamar contra determinada violação contratual, como, por exemplo, o reconhecimento de determinada categoria profissional, tivessem de reclamar outras (todas) parcelas do seu estatuto, ampliando o litígio.

Por outro lado, em situações de crise insanável da relação contratual, o trabalhador que se vê na necessidade de recorrer à via judicial, procede, de motu proprio, à cumulação de todos os pedidos, de forma a resolver em definitivo todos os aspetos do litígio.

Finalmente, eliminando-se a cumulação obrigatória de pedidos, o trabalhador liberta-se do receio de ver precludidos direitos que, porventura, tenha e não queira reclamar.

6. A cumulação sucessiva de pedidos e causas de pedir, igualmente ditada por razões de economia processual, pode ocorrer se:

1.° Durante o processo, até à audiência de discussão e julgamento, ocorrerem factos que permitam ao autor deduzir contra o réu novos pedidos, pode ser aditada a petição inicial, desde que a todos os pedidos corresponda a mesma espécie de processo;

2.° Esses pedidos se reportarem a factos ocorridos antes da propositura da ação, desde que o autor justifique a impossibilidade da sua inclusão na petição inicial.

Nestas situações, o réu será notificado para contestar tanto a matéria do aditamento como a sua admissibilidade.

Sobre a cumulação de pedidos, vd., entre outros, STJ, 10.5.95. (AD, 403, 1995, 880); e STJ, 4.12.91. (BMJ, 412, 1991, 390).

É ainda requisito necessário à cumulação que os pedidos sejam substancialmente compatíveis - art.º 470.º do CPC.

Recorde-se que a petição é inepta quando se cumulem pedidos substancialmente incompatíveis, sendo nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial — alínea c) dos n.ºs 1 e 2 do art.º 193.º, bem como a alínea b) do art.º 494.º, ambos do CPC.

Por exemplo, correspondendo a um dos pedidos deduzidos (interpretação de cláusula de acordo de empresa) a forma de processo especial prevista nos art.º 183.º e segs., e ao outro formulado a forma de processo declarativo comum, existe incompatibilidade processual, que tem como sanção a absolvição da instância relativamente ao pedido para o qual a forma de processo se mostre inadequada. Assim, STJ, 23.4.97. (BMJ, 466, 1997, 359).

Sobre a ineptidão da petição inicial, vd. a nossa anotação ao art.º 54.°.

7. A alteração ou ampliação do pedido e da causa de pedir regem-se pelo disposto nos artigos 272.º e 273.º do CPC.» (sublinhado nosso)

CARLOS ALEGRE no seu «Código de Processo de Trabalho – Atualizado e Anotado – DL 38/2003», 6.ª Edição, 2004, Almedina, págs. 121 a 124, procedia à seguinte anotação do mesmo artigo 28.º do CPT:

«1. O pedido é a pretensão formulada pelo autor na petição inicial e só do pedido do autor trata o artigo supra, uma vez que também o réu pode, em certas circunstâncias, formular pedido contra o autor, na reconvenção. A regra, no processo civil comum é a de que, uma vez formulado o pedido, ele só pode ser alterado ou ampliado na réplica, se a ela houver lugar (artigo 273.º), a não ser que haja acordo das partes, caso em que, conforme o artigo 272.º, pode ser alterado ou ampliado em qualquer altura, na 1.ª ou na 2.ª instância, salvo se perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito.

A causa de pedir é o facto jurídico de procede o pedido ou pretensão formulada.

Resulta evidente da leitura do artigo 28.º supra que, nesta matéria, o processo laboral regista notável especificidade. (…)

3. O artigo 30.º do anterior Código de Processo do Trabalho consagrava o princípio da obrigatoriedade de cumulação inicial de pedidos.

No n.º 1 daquele anterior artigo, o que se dizia, de especial, em relação à disciplina do processo civil comum, em que a cumulação de pedidos aparece como mera faculdade do autor ("Pode o autor..." - n.º 1 do artigo 470.º), era que, no caso de haver multiplicidade de pedidos, que pudessem ser deduzidos contra o réu, até ao momento da proposição da ação, o autor tinha a obrigação de os formular cumulativamente, na petição inicial, conquanto se verificassem, simultaneamente, dos requisitos formais: competência do tribunal, onde a ação era proposta, em razão da matéria e que a todos os pedidos correspondesse a mesma espécie de processo.

O anterior Código de Processo do Trabalho estabelecia, assim, naquele artigo 30.º, n.º 1, o princípio da cumulação obrigatória inicial de todos os pedidos acerca dos quais houvesse identidade subjetiva bilateral ou dupla. A razão apontada para aquela solução era a de que, com ela, se pretendia eliminar, no momento da intervenção judicial, a subsistência ou continuidade de focos de conflitos laborais, proibindo¬-se que o trabalhador que tinha vários pedidos a formular à entidade empregadora o não fizesse de uma só vez ou os fosse deduzindo sucessiva e intercaladamente. O n.º 3 daquele artigo 30.º previa, inclusivamente, uma sanção grave para quem não deduzisse inicialmente todos os direitos em litígio - a impossibilidade de o vir a fazer mais tarde, constituindo uma exceção dilatória.

O princípio da cumulação obrigatória inicial de pedidos era objeto de críticas, havendo, nomeadamente quem o arguisse de inconstitucional. O presente Código, pelos vistos, deu ouvidos a essas críticas e eliminou, pura e simplesmente, o artigo criticado, justificando largamente a opção adotada no preâmbulo do diploma que aprovou este Código, para o qual se remete.

4. Um tanto incongruentemente, em relação à eliminação da obrigatoriedade da cumulação inicial de pedidos e, de algum modo, contrariando os argumentos produzidos no preâmbulo, o presente Código manteve, porém, o regime especial para a cumulação sucessiva de pedidos (e de causas de pedir) o que faz no artigo 28.º supra. Neste se distinguem duas situações consoante os pedidos (ou causas de pedir) a aditar

- Resultem de factos subsequentes à proposição da ação,

- Resultem de factos anteriores à proposição da ação.

No primeiro caso, a cumulação é livre ou disponível, desde que se verifiquem determinados pressupostos:

- Que o tribunal seja competente em razão da matéria para todos os pedidos;

- Que a todos os pedidos corresponda a mesma espécie de processo, não importando a diferença de forma que porventura resultar;

- Que haja compatibilidade substancial entre os diversos pedidos.

No segundo caso, a cumulação sucessiva é possível se o autor provar a impossibilidade de haver incluído os pedidos ou causas de pedir a aditar na petição inicial. Se a não inclusão tiver outra justificação que não a aludida impossibilidade da inclusão, não é possível a cumulação sucessiva na ação já intentada. Mas é sempre possível a proposição de nova ação.

Também neste caso é necessária a compatibilidade processual: competência do tribunal em razão da matéria para todos os pedidos e que a todos corresponda a mesma espécie de processo.

O STA entendeu, em decisão constante do seu acórdão de 11.11.69 (Apêndice ao Diário do Governo, de 24.11.71, pág.635) que a alteração do pedido e da causa de pedir pode ser feita pelo autor na audiência de discussão e julgamento.

5. Diferente da cumulação de pedidos e de causas de pedir de que trata o artigo 28.º, é a alteração ou ampliação do pedido e da causa de pedir que se rege pelo disposto nos artigos 272.º e 273.º do Código de Processo Civil(sublinhado nosso)

ABÍLIO NETO, no seu «Código de Processo de Trabalho Anotado», 6.ª Edição atualizada e ampliada, janeiro de 2011, EDIFORUM, Lisboa, págs. 71 e seguintes, faz o seguinte comentário ao regime emergente do artigo 28.º do CPT:

«1. Na reforma do Cód. Proc. Trabalho, levada a efeito pelo DL n.º 480/99, de 9-1l, foi posto termo ao regime especial da obrigatoriedade da cumulação inicial de pedidos, introduzida pelo Cód. Proc. Trabalho de 1963 e mantida no Cód. Proc. Trabalho de 1981, regime esse que alguns entendiam estar ferido de inconstitucionalidade material (vide, neste sentido, o Parecer do Ministério publicado na Rev. Ministério Público, 81.°-l51 e segs.), entendimento, aliás, que veio a ser perfilhado pelo Ac. n.º 45/2003, do Trib. Const., de 29.1.2003 (DR, II, de 20.3.2003. p. 4408), o qual julgou inconstitucionais, por violação dos arts. 18.º, n.º 2, e 20.º, n.º 1, da Constituição, as disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 3 do art.º 30.º do Cód. Proc. Trabalho de 1981 na interpretação segundo a qual não pode ser invocado em juízo direito que não tenha sido deduzido, como pedido alternativo, em anterior ação da qual o autor tenha desistido antes da audiência de discussão e julgamento.

Com efeito, de harmonia com o disposto no art.º 30.º do Cód. Proc. Trabalho de 1981, «o autor deve cumular na petição inicial todos os pedidos que até à data da propositura da ação possa deduzir contra o réu, para os quais o tribunal seja competente em razão da matéria, desde que lhes corresponda a mesma espécie de processo» (n.º 1), acrescentando o n.º 3 do mesmo normativo que «não podem ser invocados em juízo direitos que não tenham sido deduzidos nos termos dos números anteriores, salvo se a violação desses constituir delito definitivamente julgado, se resultarem de acidente de trabalho ou de doença profissional ou se o juiz considerar justificada a sua não inclusão na petição inicial».

Assim, se na data de propositura da ação o autor pudesse deduzir contra o réu mais do que um pedido, estava obrigado, em princípio, a cumulá-los na petição inicial, desde que ocorressem os seguintes pressupostos a) a espécie de processo fosse a mesma para todos os pedidos, isto é, desde que a todos correspondesse processo comum ou processo especial da mesma natureza: h) o tribunal fosse competente em razão da matéria para todos os pedidos, verificando-se a correspondente compatibilidade processual: c) os pedidos fossem substancialmente compatíveis.

Verificados os mencionados pressupostos, a cumulação inicial dos pedidos era obrigatória, a não ser que ocorresse alguma das situações expressamente ressalvadas no n.º 2 do citado art.º 30.º, o qual prescrevia que «o autor não é obrigado a cumular os pedidos quando em relação a um ou ambos pretenda apenas fazer valer, uma quota-parte de um interesse coletivamente fixado, salvo se em relação a todos os pedidos os cointeressados forem os mesmos: também não é obrigatória a cumulação em relação a algum ou a alguns dos pedidos haja corréus, salvo se em todos os pedidos os corréus forem os mesmos».

Em suma, no processo laboral anterior à reforma de 1999, a cumulação inicial de pedidos revestia carácter de obrigatoriedade, na medida em que, dentro do mencionado condicionalismo, a infração do dever imposto ao autor pelo n.º 1 daquele art.º 30.º, impedia-o de, posteriormente, invocar em juízo os correspondentes direitos. Seguiu-se, portanto, uma orientação contrária à consagrada no processo civil comum, onde a cumulação de pedidos tinha, e continua a ter, carácter facultativo (cfr. art.º 470.°, n.º 1, do CPC).

A doutrina e a jurisprudência justificavam o mencionado regime com apelo - diziam - quer à adequação que o mesmo proporcionava às exigências da boa ordem social (possibilitando uma mais rápida solução dos conflitos suscitados entre trabalhadores e empregadores e eliminando ou atenuando as tensões sociais entre ambos), quer aos interesses da justiça (na medida em que permitia ao julgador abarcar todas as causas de conflitualidade latentes no ambiente de trabalho. de modo a encontrar para elas a solução mais justa e equitativa), quer ainda como forma de evitar decisões desarmónicas e de facilitar a economia processual pela concentração dos diversos atos e diligências (vide LEITE FERREIRA, Código de Processo do Trabalho Anotado, 4.ª ed., 1996, págs. 155 a 157: Acs. STJ. de 10.1.1986. 23.10.1991. 4.12.1991. 19.2.1992, 3.2.1993, 31.3.1993. 22.3.1995, em, respetivamente, AD, 294.°-791, 364.°-549.370.°-1 150, 375.°-351. Col. Jur./STJ, 1993. 1.°-241 e 2.°-258, AD, 403.º-880).

Consoante já acima se referiu, o legislador de 1999 abandonou o apontado sistema, suprimindo a obrigatoriedade da cumulação inicial de pedidos, a qual passou a reger-se pelo disposto no n.º 1 do art.º 470.º do CPC, e fê-lo pelas razões que explicitou no relatório do DL n.º 480/99, de 9-11: «Inovação de largo alcance é a supressão do princípio da obrigatoriedade de cumulação inicial dos pedidos, consagrado no Código de 1981. Este princípio vinha sendo justificado com base no entendimento de que representava garantia de pacificação social. Todavia, não sendo sequer inequívoco tal valor garantistico do princípio, ponderou-se que não deveria sobrepor-se a outros valores em equação, nomeadamente a natureza irrenunciável de alguns dos direitos dos trabalhadores e cuja efetivação poderia ficar inviabilizada por um simples lapso, muitas vezes nem sequer do próprio titular, e isto sem esquecer a situação de subordinação dos trabalhadores que, podendo não se sentir inibidos em agir relativamente a aspetos fundamentais do seu estatuto laboral (como seja a categoria profissional), certamente poderiam sentir como fator de constrangimento o imperativo legal em alargar um eventual litígio a outros aspetos menos determinantes daquele mesmo estatuto. Por outro lado, a experiência revela que nas situações de verdadeira rutura contratual o trabalhador, confrontado com a necessidade de recorrer, a juízo, se determina a optar por fazer valer numa única e mesma ação todos os direitos de que julga ser titular, independentemente de assim resultar de obrigação legal, mas como via para obter a resolução global e unitária de todas as questões emergentes. De outro modo, eliminando-se a cumulação obrigatória de pedidos, abre-se a porta a que qualquer trabalhador possa provocar uma mais imediata definição de situações fundamentais na relação jurídico-laboral, de forma a ficar estabelecida a sua legalidade ou ilegalidade, com eventual vantagem para o próprio empregador e sem receio, da parte do trabalhador, da preclusão de, mais tarde, em nova via de ação, fazer valer os demais direitos resultantes de tal relação».

2. De acordo com o regime atual, que a Reforma de 2009 manteve inalterado, à cumulação inicial de pedidos em processo laboral é aplicável o regime do n.º 1 do art.º 470.º do CPC, conjugado com o dos arts. 30.º, 31.º e 31.°-A do mesmo Código, sem qualquer especificidade.

Já a cumulação sucessiva, isto é, após o início da instância, de pedidos e de causas de pedir está sujeita a um regime especial, consoante os factos que lhe servem de suporte sejam posteriores ou anteriores à propositura da ação.

Se forem anteriores, a cumulação sucessiva só é possível se o autor alegar e provar uma causa justificativa da sua não inclusão na petição inicial; mas se fracassar nessa prova e a pretensão for indeferida, pode, em nova ação, fazer valer o pretendido direito.

Se os factos forem posteriores ao início da lide, é permitido ao autor aditar novos pedidos e causas de pedir, desde que o faça antes de iniciada a audiência de discussão e julgamento, e o tribunal seja competente em razão da matéria para todos eles, que a todos eles corresponda a mesma espécie de processo, e que haja compatibilidade substancial entre os diversos pedidos.

A cumulação sucessiva de pedidos e de causas de pedir é veiculada através de articulado superveniente, ex vi do disposto no n.º 3 do art.º 60.º deste Código, na sua redação atual.

(…)

4. O regime deste art.º 28.º, que regula a cumulação sucessiva de pedidos e de causas de pedir, é distinto do da alteração e da ampliação do pedido e da causa de pedir, que se rege pelo disposto nos arts. 272.º e 273.º do CPC.» [ O Dr. ABÍLIO NETO, refere com interesse para a matéria que nos ocupa, a seguinte jurisprudência na obre a local citados:

«5. O pedido de juros moratórios relativos à quantia constante do pedido inicial, apresentado posteriormente à p. i., sem justificação alguma para a não inclusão nessa peça processual, não configurando um facto superveniente, gerador de um novo direito ou pedido, também não consubstancia uma mera consequência e desenvolvimento do pedido inicial, devendo a pretendida "cumulação do pedido", alegada pelo A., ser considerada extemporânea (Ac. RC. de 8.2.2001: Proc. 3168-2000.dgsi.Net).

6. I - Apesar de o art.º 28.º, n.º 1, do CPT, referir que é permitido ao A. aditar novos pedidos e causas de pedir nos termos dos números seguintes, as novas causas de pedir só podem dizer respeito aos novos pedidos, não podendo ser aditadas novas causas de pedir relativas a anteriores pedidos já formulados na petição inicial. II - Para que o articulado superveniente possa ser apresentado até ao encerramento da discussão, é indispensável que seja feita prova do conhecimento superveniente dos factos. III - O poder de direção do processo e princípio do inquisitório que promanam do art.º 265.º do CPC e mesmo do art.º 27.º do CPT não vão tão longe que possibilitem ao juiz a alteração dos prazos legais de apresentação dos articulados e a supressão dos ónus processuais que incumbem às partes, designadamente o de alegarem os factos e de apresentarem as respetivas provas (Ac. RL. de 28.1.2004: Proc. 8l302003-4.dgsi.Net).

7. Não se verificando os pressupostos do art.º 28.º do CPT, não é legítima a alteração do pedido e da causa de pedir formulada na audiência de julgamento (Ac. RP. de 19.2.2004: CJ, 2004, I.°-223).

9. E de admitir a ampliação dum pedido relativo a remunerações, requerida com base em normas dum Contrato Coletivo de Trabalho, que terão passado a ser aplicáveis à relação laboral em causa por força de Portarias de Extensão publicadas depois da propositura da ação (Ac. RC. de 6.3.2008: CJ, 2008. 3.°-67).» ]

O agora Juiz Conselheiro CHAMBEL MOURISCO, no seu estudo «Os articulados supervenientes no processo laboral», publicado no Prontuário do Direito do Trabalho, n.ºs 74/75, págs. 321 a 326, procedeu à síntese da sua interpretação do regime processual laboral referente à apresentação de articulados supervenientes, designadamente por referência ao artigo 28.º aqui em apreço, através do seguinte sumário: «I - No processo laboral a par dos articuladas supervenientes previstos no art.º 506.º do C.P.C., é ainda admissível este tipo de articulados quando o autor pretenda aditar novos pedidos e causas de pedir. II - Permitindo a lei que o autor deduza contra os réus novos pedidos e causas de pedir nada impede que aquele formule uma ampliação do pedido com base numa alteração da causa de pedir. III — A supressão da palavra" impossibilidade - que constava no n.º 3 (parte final) do art.º 31.º do C.P.T. de 1981 denota que o n.º 3 do art.º 28.º do atual C.P.T., não diz apenas respeito à superveniência subjectiva contemplando também factos que eram do conhecimento do autor antes da propositura da ação. IV - O art.º 28.º, n.º 3 (parte final), do atual C.P.T. exige apenas que se justifique a não inclusão dos factos na petição inicial, não sendo já necessário justificar a impossibilidade da sua não inclusão no referido articulado. V - Essa justificação terá de ser razoável e deverá ser aferida tendo por base o padrão de diligência exigível a um homem médio perante a situação concreta.»

Ouça-se, finalmente e a propósito da modificação do objeto da ação o que DIOGO RAVARA e VIRIATO REIS sustentam no seu estudo “Reforma do processo civil e do professo de trabalho”, publicado no E-book, edição do CEJ, Volume IV, denominado “O Novo Processo Civil - Impactos do Novo C.P.C. no Processo de Trabalho”, págs. 34 e 35:

«c) A modificação do objeto do processo

Como é sabido, o CPC1961 concedia ao autor a faculdade de, mesmo na falta de acordo das partes, alterar ou ampliar o pedido ou a causa de pedir na réplica, se o processo admitisse este articulado (art.º 273.º, nº 1, 1.ª, e n.º 2, 1.ª parte).

Contudo, o CPC2013 suprimiu tal faculdade. Na verdade, o art.º 265.º deste código que corresponde ao art.º 273.º do CPC1961 não contém qualquer norma semelhante à consagrada na 1.ª parte do n.º 1 e na 1.ª parte do n.º 2 deste preceito.

Mantém-se, contudo, a faculdade de o autor alterar unilateralmente a causa de pedir em consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor (art.º 265.º, n.º 1, 1.ª parte do CPC2013, que corresponde ao art.º 273.º, n.º 1, 2.ª parte do CPC1961).

Haverá, pois, que atender a esta limitação do poder conformador do objeto do processo por parte do autor, sem esquecer que, embora o autor tenha “perdido” a faculdade de alterar unilateral e livremente o pedido e a causa de pedir na resposta, mantém ainda a faculdade de aditar novos pedidos e causas de pedir, nos termos do art.º 28.º CPT.

No contexto da reforma do CPC esta especialidade conduz a um certo contrassenso, porque permite o mais, quando não permite o menos. Ou seja, o autor pode, de forma unilateral, aditar novos pedidos e causas de pedir, mas não pode alterar a causa de pedir ou o pedido inicialmente invocados (a menos que se trate de alteração do pedido que corresponda a um desenvolvimento ou consequência dos inicialmente formulados).

A ser assim, talvez se possa invocar um argumento de maioria de razão para sustentar que o autor mantém a faculdade de, unilateralmente, alterar ou ampliar o pedido ou a causa de pedir, desde que respeite os requisitos consagrados nos n.ºs 2 e 3 do art.º 28.º CPT quanto à justificação da superveniência (objetiva ou subjetiva) dos factos que pretende trazer à discussão. Sabendo que se trata aqui de factos essenciais, visto que os factos instrumentais não estão sujeitos ao ónus de alegação, impugnação e prova (arts. 5.º, n.º 1 e n.º 2, al. a), 552.º, n.º 1, al. d), e 607.º, n.º 4 do CPC2013, e 72.º do CPT).» [ Cfr., acerca desta matéria, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21/10/2010, Processo n.º 421/09.3TTFIG-A.C1, relator: Luís Azevedo Mendes, publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte Sumário:

«I – O art.º 28.º do CPT refere-se à situação de cumulação sucessiva de pedidos e de causas de pedir.
II – O n.º 3 do citado art.º 28.º permite que o autor adite novos pedidos (com novas e ajustadas causas de pedir), se justificar a sua não inclusão na petição.
III – Não comportando a forma do processo seguida a existência de réplica, o pedido apenas pode ser alterado (ampliado) nos termos do art.º 273.º, n.º 2, do CPC, isto é, se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.»]
C3 – LITÍGIO DOS AUTOS

Depois de este percurso doutrinal e jurisprudencial - que admitimos, extenso, demorado e cansativo – pelo regime da modificação do objeto do processo, quer na perspetiva da causa de pedir, como dos pedidos que a mesma deve e pode suportar, fáctica e juridicamente, temos de concluir em sentido inverso ao que fez o despacho judicial impugnado e considerar que o regime do artigo 28.º (como antes dos artigos 30.º e 31.º do Código de Processo de Trabalho de 1981), não obstante a sua natureza normativa especial, não tem (tinha) a virtualidade de se sobrepor e afastar o regime comum e geral da alteração da causa de pedir e dos pedidos originalmente articulados na ação (artigos 264.º e 265.º do NCPC e antes artigos 272 e 273.º do Código de Processo Civil/1961), dado ali se tratar da cumulação inicial ou superveniente de novas causas de pedir e de novas pretensões radicadas em tais causas de pedir, ao passo que no Código de Processo Civil de 1961 (e agora de 2013) se regula a possibilidade de modificação das causas de pedir e pedidos originalmente formulados na Petição Inicial.

Logo, o fundamento invocado na decisão recorrida não pode merecer o nosso acolhimento, muito embora tal não signifique a admissibilidade da ampliação do pedido requerido pelo Autor [ E que, recorde-se, é o seguinte:

«Nestes termos e nos demais de Direito, deve a ampliação do pedido ser admitida e julgada procedente, condenando-se a Ré, além do montante global de € 51.078,71 peticionado na petição inicial, no pagamento das seguintes quantias:

a) € 2.497,30, a título de subsídio noturno.

b) € 15.000,00, a título de indemnização por videovigilância ilícita;

c) € 7.319,24, a título de compensação pela ilicitude do despedimento;

d) € 5.000,00, a título de compensação por danos morais.

Todas acrescidas de juros de mora à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.»

].

O Apelante deduziu os seguintes pedidos iniciais, com fundamento na natureza laboral do vínculo jurídico-profissional que estabeleceu com a Ré, no despedimento ilícito de que foi alvo e nos créditos laborais resultantes, quer da vigência do correspondente contrato de trabalho, quer da sua cessação ilegal:

«Nestes termos e nos demais de Direito, deve a Ré ser citada para contestar, querendo, seguindo-se os ulteriores termos do processo até final e, em consequência, ser

a) Declarado que os contratos outorgados entre o Autor e a Ré consubstanciam contratos individuais de trabalho; consequentemente;

b) Declarada ilícita a rescisão de contrato operada pela Ré;

c) O Autor ser indemnizado pela Ré da rescisão ilícita do contrato de trabalho no montante de € 32.235,45;

d) A Ré pagar ao Autor a quantia de € 17.793,26 relativa ao mês de férias, subsídios de férias e de natal do período de 1998 a 2013, acrescido dos juros de mora à taxa legal sobre cada um dos valores indicados no artigo 67.º desde a data do respetivo vencimento.

e) A Ré pagar ao Autor a quantia de € 1.050,00 pela remuneração e prémio de Dezembro de 2014.»

Verificamos que os novos pedidos que o demandante pretende ver aditados às pretensões originalmente deduzidas na sua Petição Inicial se desdobram nas seguintes prestações e realidades factuais:

a) Direito ao recebimento do subsídio noturno, tendo para o efeito alegado os factos e o direito pertinentes e invocado como normas adjetivas que sustentam a sua pretensão o disposto no n.º 2 ou, subsidiariamente, no n.º 6, ambos ínsitos no artigo 265.º do NCPC;

b) Direito ao recebimento de danos não patrimoniais por força da videovigilância ilegal que foi sujeito por parte da Ré, tendo para o efeito alegado os factos e o direito pertinentes e invocado como normas adjetivas que sustentam a sua pretensão o disposto no n.º 2 ou, subsidiariamente, no n.º 6, ambos ínsitos no artigo 265.º do NCPC ou, finalmente, nó número 3 do artigo 28.º do CPT;

c) Compensação, nos termos do artigo 390.º do CT/2009, tendo o Autor se limitado a concretizar, em termos quantitativos, tal pedido (radicando-se, para o efeito, na factualidade e na aplicação do direito que se mostram alegadas na Petição Inicial) e invocado como normas adjetivas que sustentam a sua pretensão o disposto no n.º 2 ou, subsidiariamente, no n.º 6, ambos ínsitos no artigo 265.º do NCPC;

d) Direito ao recebimento de danos não patrimoniais por força do despedimento ilícito de que foi alvo por parte da Ré, tendo para o efeito alegado os factos e o direito pertinentes e invocado como normas adjetivas que sustentam a sua pretensão o disposto no n.º 2 ou, subsidiariamente, no n.º 6, ambos ínsitos no artigo 265.º do NCPC.

O Autor entende, assim, que as pretensões formuladas a fls. 163 e seguintes, se reconduzem meramente a um desenvolvimento e a uma consequência dos pedidos primitivos, conforme previsto no número 2 do artigo 165.º do NCPC, o que, desde logo e atendendo à posição de oposição e impugnação assumida pela Ré nos autos, afasta a aplicação, quer do artigo 264.º, como do número 1 do artigo 265.º (na mera perspetiva civilista da confissão do réu), pois há que conciliar e temperar tal regime com o de cariz especial adveniente do artigo 28.º do CPT, como bem referem DIOGO RAVARA e VIRIATO REIS no texto antes reproduzido, concebendo-se (e concedendo-se) assim que possa ainda ocorrer, no quadro do processo laboral, uma alteração unilateral da causa de pedir e do pedido mais lata do que a daquele regime geral e comum, por referência aos pressupostos e parâmetros traçados pelos diversos números do citado artigo 28.º do Código de Processo do Trabalho.

Ora, considerando a regra invocada pelo aqui recorrente para radicar a sua ampliação de pedido, diremos que somente a pretensão que se traduz na condenação da Ré no pagamento ao (alegado) trabalhador da compensação prevista no número 1 do artigo 390.º do Código de Trabalho de 2009 é que se reconduz, realmente, a um desenvolvimento e consequência do pedido primitivo, dado a liquidação das retribuições vencidas entre a data do despedimento ilícito e o trânsito em julgado da sentença que tal reconheça e declare constituir (sem prejuízo das deduções contempladas no número 2 do artigo 390) um efeito jurídico típico, comum e normal de tal modalidade ilegal da cessação do contrato de trabalho (se quisermos e numa outra visão da norma, tal compensação constituirá o valor indemnizatório mínimo que o legislador laboral, em nome do princípio da restauração natural ou, melhor dizendo, da sua substituição por um valor seu equivalente, considerou ser devido ao trabalhador despedido, podendo acrescentar-se depois ao mesmo a indemnização de antiguidade, no caso do dito trabalhador optar por ela em detrimento da sua reintegração).

Já o mesmo não podemos afirmar relativamente ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais derivados igualmente de tal despedimento ilícito, dado tal reparação dos prejuízos de cariz psicológico e emocional, ainda que prevista em termos gerais na alínea a) do número 1 do artigo 389.º, não ter depois uma norma definidora e concretizadora em termos estritamente laborais, como é o caso das que se acham inseridas nos artigos 390.º a 392.º do CT/2009, remetendo-nos assim o legislador para o regime geral do Código Civil e para as regras que, em termos de alegação e prova, são comuns a todo o tipo de danos morais (como se usava anteriormente designá-los).

Afigura-se-nos que tal pretensão indemnizatória, ainda que associada aos efeitos possíveis de um despedimento ilícito, não deriva de forma direta e automática deste último, impondo a oportuna alegação da causa de pedir que a sustente assim como o inerente pedido.

Dir-se-á que o Autor o faz, unilateralmente, ao abrigo do artigo 28.º do CPT, mas não apenas tais factos não ocorreram (pelo menos em termos temporalmente exclusivos) durante a pendência da ação (número 1) como, no que toca aqueles que nasceram alegadamente com o dito «despedimento» ilícito, não se vislumbra qualquer justificação da parte do demandante relativamente à sua inclusão apenas nesta fase no articulado superveniente apresentado, o que afasta assim também a aplicação do número 2 da mencionada disposição legal.

Ora, se tal pedido indemnizatório, ainda que conexionado com o invocado despedimento ilícito, não pode ser reconduzido ao número 2 do artigo 265.º o NCPC, então as duas outras pretensões – pagamento do subsídio noturno e a indemnização por videovigilância ilegal – não têm qualquer ligação ao referido despedimento mas, tão-somente, à eventual qualificação como contrato de trabalho da relação socioprofissional estabelecida entre as partes, não derivando as mesmas automática e necessariamente da existência desse vínculo laboral e dos factos que foram já alegados no articulado inicial, exigindo-se também aí a articulação dos factos pertinentes e das normas jurídicas relevantes, de maneira a construírem-se as causas de pedir complementares (digamos assim) que justifiquem tais pedidos.

Se tal necessidade é visível no que concerne ao pedido indemnizatório reclamado por força da videovigilância ilícita – tal não emerge ou deriva da mera existência e reconhecimento de um contrato de trabalho -, o mesmo tem de ser defendido quanto ao tal subsídio noturno, pois ele não deriva, de uma forma obrigatória ou sequer presumida do facto de estarmos perante um potencial vínculo laboral e de o mesmo se poder desenvolver em horário que, para a lei laboral ou para a regulamentação coletiva, pode ser entendido como noturno (dir-se-á, aliás, que segundo os factos alegados na petição inicial só entre junho de 2010 e dezembro de 2102 e por referência ao disposto no artigo 223.º do CT/2009, o Autor terá prestado meia hora diária de eventual trabalho noturno – das 22,00 às 22,30 horas).

Está assim afastado o número 2 do artigo 265.º do NCPC, assim como, teremos de dizer, também o regime do artigo 28.º do CPT, pois quanto à prestação remuneratória pedida, não existe qualquer fundamento invocado no articulado superveniente apresentado pelo Autor para a sua alegação e reclamação apenas nessa altura, sendo que, no que toca à indemnização (videovigilância), ainda que seja chamado à colação o número 3 do artigo 28.º e alegado que o demandante só teve na pendência destes autos conhecimento de tal mecanismo de controlo do seu trabalho, certo é que não é avançada qualquer prova (documental, testemunhal ou outra) que comprove efetivamente esse conhecimento extemporâneo (não basta afirmar tal desconhecimento anterior à propositura da ação como impõe-se ainda comprová-lo minimamente, o que não poderia acontecer no caso dos autos, dado o Autor não ter arrolado qualquer prova para esse específico efeito e propósito).

Logo, pelo conjunto de fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente o primeiro recurso de Apelação interposto por AAA, alterando-se o despacho recorrido e admitindo-se, nessa medida, nos termos do número 2 do artigo 265.º do NCPC, o pedido de ampliação do petitório inicial no que respeita à compensação prevista no artigo 390.º do CT/2009, no mais se confirmando o referido despacho judicial impugnado.

C4 – PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PRIMEIRO RECURSO DE APELAÇÃO DO AUTOR E SEUS EFEITOS SOBRE O JULGAMENTO DA SEGUNDA APELAÇÃO PELO MESMO INTERPOSTA

Chegados aqui, uma pergunta se impõe: tal ampliação do pedido inicial implica que este Tribunal da Relação de Lisboa anule o processado desde tal despacho e determine a baixa dos autos ao Tribunal do Trabalho de Lisboa, para dar prosseguimento aos autos em função dessa nova pretensão, ou tal anulação revela-se desnecessária em razão do pedido novo aceite no seio desta ação?

A resposta vai no sentido negativo, ou seja não se impõe a referida anulação dos demais trâmites processuais desenvolvidos após o dito despacho, pois nada impede que, não obstante tal nova pretensão, não se possa aproveitar tudo o demais já realizado em termos materiais e adjetivos nos autos, dado a mesma poder ou não vir a ser eventualmente ponderada e considerada, noutra fase destes autos recursórios, caso o recurso principal de Apelação que foi igualmente interposto pelo Autor e que visa a sentença final, conheça provimento de facto e/ou de direito, com o reconhecimento e declaração por este tribunal da 2.ª instância da verificação de um efetivo despedimento ilícito levado a cabo pela Apelada, daí se extraindo então as necessárias consequências legais, como as respeitante então ao aludido direito aquela compensação do artigo 390.º do CT/2009 (naturalmente que se a posição deste tribunal de recurso for, na sua essência, no mesmo sentido da decisão final recorrida, tal questão nem sequer se colocará).

(…)

H – OBJECTO DO SEGUNDO RECURSO DE APELAÇÃO DO AUTOR – QUESTÕES DE DIREITO

Se lermos as alegações de recurso e as conclusões delas extraídas, verificamos que é questionado pelo Autor a circunstância do tribunal da 1.ª instância não ter qualificado como contrato de trabalho o vínculo profissional que, por força dos diversos «contratos de prestação de serviços» manteve com a Ré entre 1998 e 2014, assim como a cessação de tal relação jurídica como um despedimento ilícito, com as inerentes consequências legais, reclamando ainda a condenação da Apelada no pagamento de diversos créditos laborais.

I – NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO ENTRE AUTOR E RÉ

Tendo em linha de conta que a relação jurídica dos autos teve o seu começo nos inícios de 1998 (vindo a cessar a 20 de janeiro de 2014), impõe-se chamar à colação o disposto nos artigos 1152.º do Código Civil e 1.º da LCT (e as demais normas integradoras e complementares da noção aí contida), por serem as disposições juridicamente definidoras do contrato de trabalho na data da sua celebração inicial, sendo o contrato de trabalho a figura negocial que o Apelante reclama para si, tudo sem prejuízo da chamada à colação de outras disposições legais do segundo diploma referenciado e/ou da correspondente legislação complementar, sempre que o entendermos necessário (ou ainda das disposições correspondentes do Código do Trabalho de 2003 e legislação complementar e do Código do Trabalho de 2009, caso nos deparemos com modificações contratuais essenciais contemporâneas de tal legislação que imponham a sua aplicação) [ Não ignoramos, naturalmente, a posição que alguma da nossa doutrina e jurisprudência tem defendido e que vai no sentido da aplicação imediata da presunção constante do artigo 12.º do atual Código do Trabalho a relações jurídico-profissionais que tenham sido firmadas em data anterior a 17/2/2009 – data da entrada em vigor daquele diploma legal -, como é o caso do vínculo em discussão nos autos, podendo referir-se a esse propósito o Professor JOÃO LEAL AMADO, obra citada no texto do Aresto, páginas 79 a 82, com especial incidência para a Nota de Rodapé n.º 100 (páginas 81 e 82), assim como o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3/12/2014, Processo n.º 2923/10.0TTLSB.L1-4, relator: Ferreira Marques, publicado em www.dgsi.pt.

Muito embora compreendamos os argumentos desenvolvidos por tal tese – designadamente, que a presunção legal contida no atual artigo 12.º do CT/2009 se traduz num mero meio de facilitação de prova do vínculo jurídico-laboral e que, no fundo, não veio inovar relativamente aos indícios que eram anteriormente considerados pela nossa doutrina e jurisprudência para qualificar como contrato de trabalho um dado acordo de execução continuada e de cariz profissional -, temos ainda muitas dúvidas quanto à possibilidade de aplicação retroativa dessa presunção ilidível de laboralidade, surgindo-nos a hipótese em análise nesta ação como emblemática de tais perplexidades, dado a relação negocial de cerca de 16 anos que mediou entre as partes ter vigorado no seio da dita presunção durante perto de 5 anos, sendo que a mesma tem como seus antecedentes legais as duas presunções consagradas no âmbito do Código do Trabalho de 2003 e transcritas numa outra Nota de Pé de Página deste Acórdão e, para trás de 1/12/2003, nenhum tipo de prova dessa natureza (cf. artigos 349.º a 351.º do Código Civil).
Ainda que nos movamos no quadro de uma figura que tem, fundamentalmente, reflexos de índole adjetiva e que, como meio probatório, consente que se extraia um facto desconhecido de outro conhecido, desde que estejam reunidas as condições mínimas e suficientes de verosimilhança, afigura-se-nos que tal instituto, na expressa conexão que mantenha ou não com o regime legal aplicável, pode influenciar e condicionar, de alguma forma, a maneira mais ou menos cuidada e rigorosa como as partes celebram os seus negócios jurídicos de prestação prolongada de serviços/atividade de uma para com a outra.
Não será despiciendo referir que o Supremo Tribunal de Justiça tem mantido uma jurisprudência uniforme quanto a tal problemática, aplicando a legislação em vigor à data da celebração ou alteração da relação socioprofissional estabelecida e em discussão nos processos que lhe chegam em recurso.
Cf., por exemplo, os seguintes Arestos tirados no quadro do Código do Trabalho de 2003:
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/04/2009, processo n.º 08S3045, relator: Vasques Dinis, publicado em www.dgsi.pt (Sumário):

I – No artigo 12.º, do Código do Trabalho de 2003, na sua versão original, consagrou-se um desvio à regra geral do ónus da prova, plasmada no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil – da qual decorre que ao autor que pretende ver reconhecida a existência de um contrato de trabalho incumbe demonstrar os atinentes factos constitutivos –, fazendo recair sobre a parte contrária, demonstrados que sejam determinados factos indiciários, o ónus de ilidir a presunção de laboralidade deles resultante, mediante prova em contrário (artigos 344.º, n.º 1 e 350.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).

II – O referido preceito, reportando-se à valoração de factos que importam o reconhecimento da presunção de laboralidade do contrato, portanto com reflexos na qualificação do contrato, só se aplica aos factos novos, ou seja, às relações jurídicas constituídas após o início da vigência do referido corpo de normas, em face do disposto no artigo 8.º, n.º 1, da Lei Preambular (Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto).

III – Por isso, tendo os denominados «contratos de prestação de serviços» em apreciação sido celebrados antes da entrada em vigor do Código do Trabalho/2003, para efeitos da qualificação da relação que vigorou entre as partes, não é possível recorrer à presunção de laboralidade consignada no mencionado preceito, mas sim, à luz da regra geral de repartição do ónus da prova, consignada no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/09/2010, processo n.º 4401/04.7TTLSB.S1, relator: Mário Pereira, publicado em www.dgsi.pt (Sumário):

«II - Para efeitos de qualificação contratual e da operatividade da presunção estabelecida no art.º 12.º do Código do Trabalho, deve considerar-se que este diploma só se aplica aos factos novos, ou seja, às relações jurídicas constituídas após o início da sua vigência, que ocorreu em 1 de Dezembro de 2003.»

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/04/2012, processo n.º 30/80.4TTLSB.L1.S1, relator: Pinto Hespanhol, publicado em www.dgsi.pt (Sumário):

«2. Discutindo-se a qualificação da relação jurídica estabelecida entre o autor e o réu, desde 15 de Julho de 2000 até 31 de Dezembro de 2006, e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado, a partir de 1 de Dezembro de 2003, os termos essenciais daquela relação, aplica-se o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, não tendo aplicação a presunção do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003, que entrou em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003.» ].
Tais dispositivos legais (aliás coincidentes, em termos de redação) rezam o seguinte:

Artigo 1152.º

Noção

Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta.

Artigo 1.º

Noção

Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta.

Sendo este o quadro primário de referência no que respeita à noção legal de contrato de trabalho, pode definir-se o mesmo, em termos muito sumários e algo imprecisos, como sendo um negócio consensual - logo, não sujeito, fora dos casos legalmente especificados, à forma escrita -, sinalagmático (sem prejuízo da desigualdade entre as posições contratuais respetivas, pois uma é de dependência, enquanto a outra é de domínio), oneroso, de cariz tendencialmente pessoal e fiduciário, cujas prestações podem, pelo menos em algumas situações, ser fungíveis, desenvolvendo o trabalhador uma atividade traduzida numa prestação de facto positiva e heterónoma, com vista ao recebimento de uma contrapartida que é sua retribuição (prestação de conteúdo patrimonial e, pelo menos, parcialmente pecuniária) - cf. acerca destas caraterísticas e elementos, a Professora MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, “Direito do Trabalho - Parte II - Situações Laborais Individuais”, Volume II, Almedina, Julho de 2006, páginas 15 e seguintes e Professor JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES, “Direito do Trabalho - Relações Individuais de Trabalho”, Volume I, Coimbra Editora, Março de 2007, páginas 81 e seguintes.

Com o propósito de determinar a natureza laboral ou liberal de um determinado vínculo jurídico entre uma pessoa singular e uma outra pessoa singular ou coletiva, radica-se a nossa doutrina e jurisprudência, essencialmente, na existência ou não de subordinação jurídica entre os referidos sujeitos, pedra de toque essa que, no entanto, não ressalta, as mais das vezes, com nitidez e assertividade, das relações jurídicas que se estabelecem no terreno da nossa vida social entre trabalhadores e empregadores, obrigando o aplicador do direito a, nessa medida, deduzir a sua existência a partir de diversos sinais ou elementos (indícios) que, de acordo com a nossa doutrina e jurisprudência, fazem pressupor a mesma.

No âmbito da LCT, a nossa doutrina sustentava o seguinte, quanto à destrinça entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços:

- Dr. LUÍS BRITO CORREIA, “Direito do Trabalho”, I – Relações Individuais, Universidade Católica, Lisboa, 1981, págs. 88 e seguintes:

“(...) 2. O trabalhador obriga-se a prestar um facto, não uma coisa: diversamente do que acontece no arrendamento ou no aluguer.

E esse facto é uma atividade, isto é, um determinado tipo de atos sucessivos orientados para um fim, e não o resultado dessa atividade: diferentemente do que se passa com os contratos de trabalho autónomo...

Isto não significa que o resultado da atividade do trabalhador seja juridicamente irrelevante. Não basta a simples prática formal dos atos determinados pela entidade patronal, para que a obrigação do trabalhador possa ter-se por cumprida. É necessário que o trabalhador exerça a sua atividade com diligência e lealdade, o que envolve a obrigação de fazer certo grau de esforço e de o orientar para o resultado pretendido pela entidade patronal, na medida em que seja conhecido. Mas o contrato considera-se cumprido (e a retribuição devida) desde que seja prestada a atividade com diligência e lealdade, mesmo que o resultado pretendido não seja alcançado.

Essencial é que o trabalhador coloque a sua capacidade de trabalho à disposição da entidade patronal. O trabalhador cumpre a sua obrigação desde que obedeça às ordens recebidas: se a entidade patronal não lhe der que fazer, considera-se cumprida a obrigação de prestar trabalho, apesar de o trabalhador estar efetivamente inativo, desde que esteja pronto a trabalhar. (...)

3. A atividade do trabalhador é, como regra, uma atividade duradoura, exercida normalmente (mas não necessariamente) como profissão. Por isso, pode dizer-se que o contrato de trabalho é um contrato de execução sucessiva ou continuada. E mais frequentemente sem prazo.

Quer o trabalhador, quer a própria entidade patronal têm, em regra, interesse na estabilidade da relação de trabalho, embora por motivos diferentes. (...)

A entidade patronal tem o poder de determinar em cada momento ou de forma genérica (através de ordens ou instruções, v. g., regulamento interno) o modo ou o conteúdo e circunstâncias da prestação de trabalho... E o trabalhador deve obediência à entidade patronal em tudo o que respeite à execução e disciplina de trabalho...

Trata-se aqui, em todo o caso, de uma situação de dependência potencial: basta que a entidade patronal tenha o poder de dar ordens e de aplicar sanções; não é preciso que as dê ou as aplique constantemente”.

- Dr. GALVÃO TELES, «Contratos Civis», em BMJ n.º 83, página 166:

A subordinação consiste em a entidade patronal poder dalgum modo orientar a atividade em si mesma, quando mais não seja no tocante ao lugar ou momento da sua prestação”.

- Dr. CRUZ DE CARVALHO, «Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais», Legislação anotada, PETRONY, 1983, págs. 10 e seguintes:

A qualificação do trabalho como subordinado ou autónomo, torna-se por vezes difícil, e o único critério legítimo está em averiguar se a atividade é ou não prestada sob a direção, ordens e fiscalização da pessoa a quem ela aproveita – o critério da subordinação jurídica.

Porém, em casos duvidosos e complexos, será útil ao intérprete, atender a uma série de elementos objetivos que, devidamente ponderados e articulados (e nunca inferindo de qualquer deles isoladamente), poderão, com alguma segurança, indicar a autonomia ou subordinação, como sejam:

1.º) Natureza do objeto do contrato: promessa de um resultado (trabalho autónomo) ou promessa de uma simples atividade (trabalho subordinado);

2.º) Índole da prestação do trabalho: intelectual e criadora (trabalho autónomo) ou manual (trabalho subordinado);

3.º) Propriedade dos instrumentos de trabalho: se dela é titular o trabalhador (trabalho autónomo), ou a outra parte (trabalho subordinado);

4.º) Existência (trabalho autónomo) ou inexistência (trabalho subordinado) de colaboradores dependentes do trabalhador;

5.º) Incidência do risco da execução do trabalho: sobre o trabalhador (trabalho autónomo) ou sobre a outra parte (trabalho subordinado);

6.º) Prestação do trabalho a várias pessoas (trabalho autónomo), ou exclusivamente a uma (trabalho subordinado);

7.º) Fixação da remuneração: em função do resultado (trabalho autónomo) ou em função do tempo de trabalho (trabalho subordinado).

- Dr. ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, “Direito do Trabalho”, 13.ª Edição, Almedina, Coimbra, Janeiro de 2006, págs. 137 e seguintes, com especial relevo para as páginas 146, 137, 139 e 146 a 148, já no quadro do Código do Trabalho de 2003:

«I – (…) A subordinação pode não transparecer em cada instante do desenvolvimento da relação de trabalho. Muitas vezes, a aparência é de autonomia do trabalhador, que não recebe ordens diretas e sistemáticas da entidade patronal; mas, a final, verifica-se que existe, na verdade, subordinação jurídica.

Antes do mais porque é suficiente um estado de dependência potencial (conexo à disponibilidade que o patrão obteve pelo contrato), não é necessário que essa dependência se manifeste ou explicite em atos de autoridade e direção efetiva. (…)

Podem ser objeto de contrato de trabalho (e, por conseguinte, exercidas em subordinação jurídica) atividades cuja natureza implica a salvaguarda absoluta da autonomia técnica do trabalhador (…)

A subordinação jurídica também não se confunde com a de «dependência económica» (…)

Um trabalhador subordinado, coberto pelo Direito do Trabalho, pode não ter ordens para cumprir e ser economicamente independente. Que resta então?

Resta o elemento chave que é o facto de o trabalhador não agir no seio de uma organização própria - antes se integrar numa organização de meios produtivos alheios, dirigida à obtenção de fins igualmente alheios, o que implica, da sua parte, a submissão às regras que exprimem o poder de organização do empresário - à autoridade deste, em suma, derivada da sua posição nas relações de produção. (…)

Sendo a subordinação definida (pelo art.º 10.º CT) por referência à «autoridade e direção» do empregador, ou construída (pela doutrina) como um estado de heterodeterminação em que o prestador de trabalho se coloca, nem assim fica o julgador munido de instrumentos suficientes e seguros para a qualificação dos casos concretos. (…)

A determinação da subordinação não se pode, na maioria dos casos, fazer por mera subsunção nesse conceito. A subordinação é um conceito-tipo que se determina por um conjunto de características; que podem surgir combinadas, nos casos concretos, de muitas maneiras. (…)

Para cumprirem o seu papel decisório (…), os tribunais utilizam um “método tipológico”, baseado na procura de indícios que são outras tantas características parcelares do trabalho subordinado, (…), de acordo com o modelo prático em que se traduz o conceito de subordinação em estado puro.

Deste modo, a determinação da subordinação, feita através daquilo que alguns caricaturam como uma “caça ao indício”, não é configurável como um juízo subsuntivo ou de correspondência biunívoca, mas como um mero juízo de aproximação entre dois “modos de ser” analiticamente considerados: o da situação concreta e o do modelo típico da subordinação. Os elementos deste modelo que assumam expressão prática na situação a qualificar serão tomados como outros tantos indícios de subordinação, que, no seu conjunto, definirão uma zona mais ou menos ampla de correspondência e, portanto, uma maior ou menor proximidade entre o conceito-tipo e a situação confrontada. Repara-se que o objetivo da operação é o de identificar a lei aplicável: o uso deste método permite ao tribunal reconhecer que existe uma semelhança suficiente entre o tipo e o caos concreto pra que lhe seja aplicado o mesmo regime jurídico.

É também por isso que a determinação da subordinação se considera, liquidamente, matéria de facto e não de direito.

II – No elenco de indícios de subordinação, é geralmente conferida ênfase particular aos que respeitam ao chamado “momento organizatório” da subordinação: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa – tudo elementos retirados da situação típica de integração numa organização técnico-laboral predisposta e gerida por outrem. Acrescem elementos relativos à modalidade de retribuição (em função do tempo, em regra), à propriedade dos instrumentos de trabalho, e em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação. São ainda referidos indícios de carácter formal e externo, como a observância dos regimes fiscal e de segurança social próprios do trabalho por contra de outrem”.

Por seu turno, a Professora MARIA ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, na obra e local citados, especificamente, páginas 29, 31, 32 e 34 a 36, sustenta o seguinte:

«O confronto do elemento da subordinação com os restantes elementos essenciais do contrato de trabalho evidencia a sua importância vital para a distinção do negócio laboral de outros negócios que envolvem a prestação de uma atividade laborativa: enquanto o elemento da atividade é comum e o elemento da retribuição pode estar presente nas várias formas de prestação de um trabalho, o elemento da subordinação é típico e específico do contrato de trabalho. (…)

Nesta linha são identificados os seguintes traços característicos da subordinação:

i) A subordinação é jurídica e não económica: este qualificativo realça o facto de a subordinação ser inerente ao contrato de trabalho, por força da sujeição do trabalhador aos poderes laborais (…)

ii) A subordinação pode ser meramente potencial, no sentido em que para a sua verificação não é necessária uma atuação efetiva e constante dos poderes laborais, mas basta a efetiva possibilidade do exercício desses poderes (…)

iii) A subordinação comporta graus no sentido em que pode ser mais ou menos intensa, de acordo com as aptidões do próprio trabalhador, com o lugar que ocupa na organização laboral ou com o nível de confiança que o empregador nele deposita (…)

iv) A subordinação é jurídica e não técnica, no sentido em que é compatível com a autonomia técnica e deontológica do trabalhador no exercício da sua atividade e se articula com as aptidões específicas do próprio trabalhador e com a especificidade técnica da própria atividade (artigo 112.º do Código do Trabalho) (…)

v) A subordinação tem uma limitação funcional, (…) no sentido em que é imanente ao contrato de trabalho, pelo que os poderes do empregador se devem conter dentro dos limites do próprio contrato. (…)

Os indícios de subordinação mais frequentemente referenciados pela doutrina e trabalhados pela jurisprudência são os seguintes:

i) A titularidade dos meios de produção ou dos instrumentos de trabalho: (…) pertencerem ao credor (…)

ii) O local de trabalho: (…) o facto de ele desenvolver a sua atividade em instalações predispostas pelo credor (…)

iii) O tempo de trabalho: de um modo geral, o trabalhador subordinado encontra-se adstrito a um determinado horário de trabalho (…)

iv) O modo de cálculo da remuneração: embora (…) insuficiente (…) o cálculo da remuneração em função do tempo evidencia o horizonte temporal em que o trabalhador está na disponibilidade do empregador (…)

v) A assunção do risco da não produção dos resultados: (…) correr por conta do credor (…)

vi) O facto de o trabalhador ter outros trabalhadores ao seu serviço: (…) o facto de o credor ter outros trabalhadores ao seu serviço (…)

vii) A dependência económica do trabalhador: (…) o facto de o trabalhador depender dos rendimentos do seu trabalho para subsistir ou o facto de desenvolver a sua atividade em exclusivo para um credor (…)

viii) O regime fiscal e o regime da segurança social a que o trabalhador se encontra adstrito (…)

ix) A inserção do trabalhador na organização predisposta pelo credor e a sua sujeição às regras dessa organização (…)

(…) a qualificação de qualquer situação jurídica com base num método indiciário não exige a presença, no caso concreto, de todos os indícios, mas apenas de um conjunto maior ou menor de indícios cujo valor seja considerado determinantes, sendo ainda compatível com o relevo de indícios diferentes consoante os casos. (…)

(…) os indícios referenciados apontam para as características tendenciais do negócio jurídico a qualificar, pelo que não são fáceis de operacionalizar perante a evolução do próprio tipo negocial, devendo ter em conta essa evolução (…)

(…) é importante cotejar os indícios de subordinação com a vontade real das partes na conclusão do contrato de trabalho (…)» (cf., também, Professor JOÃO LEAL AMADO, Contrato de Trabalho” , 2.ª Edição, publicação conjunta de Wolters Kluwer e Coimbra Editora, Janeiro de 2010, páginas 55 e seguintes, embora no quadro do atual Código do Trabalho de 2009; ver também Professor Júlio Gomes, obra e local citados, com especial incidência para páginas 101 e seguintes, onde critica a noção tradicional de subordinação jurídica e defende a construção de um novo paradigma desse conceito, que corresponda, não só à evolução das realidades económica, empresarial, social, cultural e ideológica, como da nova perspetiva doutrinária e jurisprudencial que vai emergindo noutros sistemas jurídicos). [ Ver, ainda, a opinião bastante crítica relativamente ao “método indiciário” largamente utilizado pela nossa jurisprudência e doutrina expressa pelo Dr. Albino Mendes Baptista em “Jurisprudência do Trabalho Anotada - Relação Individual de Trabalho”, 3.ª Edição, 1999, Quid Juris, págs. 17 a 63, defendendo tal autor, em contraponto aquele método, o “método tipológico”, isto é, uma operação metodológica que não é de mera subsunção ao tipo contratual legalmente definido dos indícios encontrados mas pressupõe antes um juízo de valoração dos referidos sinais, extraídos da execução efetiva do acordo, de forma a procurar qualificar corretamente o contrato concreto em presença, sem perder de vista também a indagação da vontade das partes na concretização do mesmo - cf. obra citada, págs. 54 a 56.]

O Código do Trabalho de 2003 veio, aliás, face às dificuldades manifestas de caracterização e diferenciação dos negócios jurídicos em análise e aos desenvolvimentos doutrinários e jurisprudenciais que ocorreram nesta matéria, consagrar, no seu artigo 12.º [ O referido artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003 conheceu duas redações muito diversas ao longo da vigência desse diploma, importando ainda relacionar as mesmas com a definição de contrato de trabalho que também se reproduz nesta Nota:


Artigo 12.º

Presunção


Presume-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que, cumulativamente:

a) O prestador de trabalho esteja inserido na estrutura organizativa do beneficiário da atividade e realize a sua prestação sob as orientações deste;

b) O trabalho seja realizado na empresa beneficiária da atividade ou em local por esta controlado, respeitando um horário previamente definido;

c) O prestador de trabalho seja retribuído em função do tempo despendido na execução da atividade ou se encontre numa situação de dependência económica face ao beneficiário da atividade;

d) Os instrumentos de trabalho sejam essencialmente fornecidos pelo beneficiário da atividade;

e) A prestação de trabalho tenha sido executada por um período, ininterrupto, superior a 90 dias.


Artigo 12.º

Presunção


Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da atividade e realize a sua prestação sob as ordens, direção e fiscalização deste, mediante retribuição.

Artigo 10.º

Noção


Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direção destas.], uma presunção de existência de um contrato de trabalho, desde que se mostrassem verificados, cumulativamente, os requisitos nele elencados (cf., contudo, as posições divergentes e muito críticas quanto a tal presunção, que somente com o atual Código do Trabalho [ O artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009 possui a seguinte redação:

Artigo 12.º
Presunção de contrato de trabalho
1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade;
c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
2 - Constitui contraordenação muito grave imputável ao empregador a prestação de atividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado.
3 - Em caso de reincidência, é aplicada a sanção acessória de privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público, por período até dois anos.
4 - Pelo pagamento da coima, são solidariamente responsáveis o empregador, as sociedades que com este se encontrem em relações de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, bem como o gerente, administrador ou diretor, nas condições a que se referem o artigo 334.º e o n.º 2 do artigo 335.º.] parece ter logrado uma operacionalidade correspondente ao alcance e finalidade que com a mesma se visava: Professora Palma Ramalho, obra citada, páginas 40 e seguintes, Professor Júlio Gomes, obra citada, páginas 140 e seguintes e Professor Monteiro Fernandes, obra citada, páginas 150 a 152).
Em termos jurisprudenciais e com referência ao regime vigente no Código do Trabalho de 2003, citem-se somente e a título de exemplo, os seguintes Arestos do Supremo Tribunal de Justiça:

- De 19/05/2010, processo n.º 295/07.9TTPRT.S1, relator: Vasques Dinis, publicado em www.dgsi.pt (Sumário):

I - A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço assenta em dois elementos essenciais: o objeto do contrato (prestação de uma atividade ou obtenção de um resultado); e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).

II - O contrato de trabalho tem como objeto a prestação de uma atividade e, como elemento típico distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar, através de ordens, diretivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou.

III - Diversamente, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efetiva por si, com autonomia, sem subordinação à direção da outra parte.

IV - Tratando-se – ambos os vínculos – de negócios consensuais, é fundamental, para determinar a natureza e o conteúdo das relações estabelecidas entre as partes, averiguar qual a vontade por elas revelada, quer quando procederam à qualificação do contrato, quer quando definiram as condições em que se exerceria a atividade – ou seja, quando definiram a estrutura da relação em causa – e proceder à análise do condicionalismo factual em que, em concreto, se desenvolveu o exercício da atividade no âmbito da relação jurídica emergente do acordo negocial.

V - A subordinação jurídica, traduzindo-se na possibilidade de a entidade patronal orientar e dirigir a atividade laboral em si mesma e ou dar instruções ao próprio trabalhador com vista à prossecução dos fins a atingir com a atividade deste, deduz-se – na ausência de comportamentos declarativos expressos definidores das condições do exercício da atividade contratada, situação frequente quando se trata de convénios informais – de factos indiciários, todos a apreciar em concreto e na sua interdependência, sendo os mais significativos: a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho; o local de trabalho situar-se nas instalações do empregador ou onde ele determinar; existência de controlo do modo da prestação do trabalho; obediência às ordens e sujeição à disciplina imposta pelo empregador; propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do empregador; retribuição certa, à hora ou ao dia, à semana ou ao mês; exclusividade da prestação do trabalho.

VI - De acordo com o regime geral da repartição do ónus da prova, incumbe ao trabalhador demonstrar os factos reveladores da existência do contrato de trabalho, ou seja, demonstrar que exerce uma atividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direção do beneficiário (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).

VII - Desviando-se, no entanto, desta regra, veio o artigo 12.º, do Código do Trabalho de 2003, na sua primitiva redação, a consignar cinco requisitos, correspondentes a indícios a que é usual recorrer-se para caracterizar o contrato de trabalho, cuja verificação tem como efeito o estabelecimento de uma presunção legal, a favor do trabalhador, dispensando-o de provar outros elementos, de índole factual, integrantes do conceito de subordinação jurídica e, pois, da noção de contrato de trabalho, cuja existência se firma, por ilação, demonstrados que sejam aqueles requisitos (artigos 349.º e 350.º, n.º 1, do Código Civil).

VIII - Em tal caso, ao empregador cabe provar factos tendentes a ilidir a presunção de laboralidade, ou seja, factos reveladores da existência de uma relação jurídica de trabalho autónomo (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil).

IX - Resultando provado que o Autor prestou a sua atividade cumprindo um horário de trabalho determinado pelo Réu, nas instalações deste, com instrumentos que por ele eram fornecidos, sendo remunerado em função do tempo despendido, por um período ininterrupto superior a 90 dias, que se encontrava inserido na estrutura organizativa do Réu, reportando, funcional e hierarquicamente, a um administrador dele, e acatando, no exercício das suas funções, as instruções e orientações que do mesmo provinham, mostram-se verificados todos os requisitos da presunção de laboralidade consignada no artigo 12.º do Código do Trabalho.

- De 16/12/2010, processo n.º 996/07.1TTMTS.P1.S1, relator: Mário Pereira, publicado em www.dgsi.pt (Sumário):

I - O art.º 12.º do Código do Trabalho de 2003 estabelece uma presunção de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento cumulativo de determinados requisitos, o que traduz uma valoração dos factos que importam o reconhecimento dessa presunção, pelo que esse preceito só se aplica aos factos novos, ou seja, às relações constituídas após o início da sua vigência, que ocorreu em 1 de Dezembro de 2003.

II - Caso não funcione a referida presunção, por não preenchimento de algum dos seus requisitos cumulativos, pode o trabalhador provar que estão preenchidos os elementos constitutivos do contrato de trabalho, através da demonstração

- De 12/05/2010, processo n.º 1394/06.0TTPNF.P1.S1, relator: Pinto Hespanhol, publicado em www.dgsi.pt (Sumário):

1. A afirmação de que «[t]odo o trabalho da A. era dirigido e fiscalizado pela R., através do seu sócio-gerente […]», encerra um juízo de valor só possível de ser alcançado mediante o recurso a critérios de ordem jurídico-normativa e integra-se no thema decidendum, pelo que não pode figurar na matéria de facto a atender.

2. Não resultando dos factos provados que a autora executasse a prestação da sua atividade, sob a orientação da ré, nem que tivesse de respeitar um horário previamente definido por esta, não ocorre o preenchimento cumulativo dos cinco requisitos previstos na versão original do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003 para se presumir a existência de um contrato de trabalho, pelo que não é possível atender à presunção estabelecida naquela norma.

3. Apesar de não valer, nesse caso, a presunção constante no sobredito artigo, nada obsta a que o trabalhador, ainda assim, prove que existia um contrato de trabalho.

4. Operada a apreciação global dos factos-índice provados, não se pode concluir que a relação contratual estabelecida entre a autora e a ré se deva qualificar como um contrato de trabalho, já que os aludidos factos-índice ou são incaracterísticos ou apontam em sentido diverso, sendo que o ónus da prova relativo aos factos de que se pudesse concluir pela existência de tal contrato impendia sobre a autora. (cf., também a inúmera jurisprudência citada por Abílio Neto, “Novo Código do Trabalho e legislação complementar anotados”, 2.ª Edição, Setembro de 2010, EDIFORUM, páginas 57 e seguintes, em anotação aos artigos 10.º e 12.º). [ Igualmente no quadro do regime anterior ao Código do Trabalho de 2003, cf., quanto à jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, os inúmeros Arestos citados por ABÍLIO NETO, «Contrato de Trabalho - Notas Práticas», 13.ª Edição, 1994, EDIFORUM, Lisboa, págs. 49 e seguintes e Dr. LUÍS PEDRO MOITINHO DE ALMEIDA, “Código de Processo do Trabalho Anotado”, 3.ª Edição, Coimbra Editora Lda., págs. 22 e seguintes.

]

Ora, face a este (longo) enquadramento jurídico da primeira e crucial questão suscitada nesta Apelação pelo Autor e atendendo aos factos dados como provados e aos diversos documentos que os complementam, que indícios inequívocos do estabelecimento de uma relação laboral típica entre o Autor e a Ré ressaltam dos mesmos ou, ao invés, de uma relação diversa de prestação de serviços?

No sentido de natureza laboral de tal vínculo, podem-se referir os seguintes aspetos:

- Integração mínima do recorrente na estrutura administrativa e organizativa da Ré, com a criação e manutenção de um «posto de trabalho» para o mesmo nas instalações daquela (Pontos 1 a 4, 7, 8, 10, 11, 13 a 16, 18, 19, 20, 21, 32, 33 a 38, 42, 43, 46 e 47 e respetivos «contratos de prestação de serviços», «aditamento» introduzido no texto do último e E-mail de 8/8/2008);
- Fornecimento pela Ré do equipamento e restante material necessário ao desempenho das funções por parte do Autor (Pontos 11, 15 e 20);
- Tais equipamento e materiais pertenciam à Ré (Pontos 11, 15 e 20);
- Orientação em moldes genéricos, quer da forma, como do conteúdo, das conversas telefónicas com os clientes da Ré (Pontos 33 e 37);
- Pontual e prévia autorização em termos concretos, por parte da Ré, de operações de pagamento em prestações fora das orientações genéricas anteriormente definidas (Ponto 31);
- Fiscalização da execução prática da prestação de serviços do Autor por parte dos representantes da Ré (Pontos 10 e 14 e respetivos «contratos de prestação de serviços»);
- Registo das entradas e saídas do Autor, para efeitos do controlo das horas prestadas, com desconto de uma quantia fixa de 60 Euros na parte variável da remuneração do Autor até 1/6/2010 e do não pagamento das horas não prestadas desde essa data (Pontos 16, 18, 32, 49 e 50);
- Prestação de tais serviços em qualquer um dos dias da semana, dentro de um dado período temporal semanal (22,30 horas) e diário (18,00 - 22,30 ou 18,00-22,00 horas e também em alguns sábados) (Pontos 16 e 18);
- Realização de tal prestação de serviços entre 4/5/1998 e 20/1/2014, durante perto de 16 anos (pontos 2 e 29);
- Os riscos e benefícios da atividade profissional desenvolvida pelo Autor corriam por conta da Ré (Pontos 1 e 34 a 37);
- Desenvolvimento de uma atividade (o Autor não realizou ao longo dos cerca de 16 anos uma soma ininterrupta e incontável de tarefas ou serviços autónomos e dependentes unicamente da sua vontade e disponibilidade, com vista à obtenção de igual número de resultados pretendidos pela Ré, mas antes desenvolveu uma atuação heteronomamente unificada e organizada por esta última) (pontos 1, 3, 4, 8, 10, 13, 14, 21, 30, 31, 32, 33 a 38, 42, 43 e 46) e respetivos «contratos de prestação de serviços»);
- Pagamento de uma quantia fixa (remuneração certa) e de outras variáveis (comissões) a título de contrapartida dos serviços prestados pelo Autor, sendo-o feito de forma periódica/mensal (pontos 5, 9 e 22 a 26 e correspondentes «contratos de prestação de serviços» e recibo de vencimento de fls. 150).
No sentido de uma relação jurídica de carácter autónomo, teremos os seguintes factos:

§ A celebração de diversos contratos (e aditamento) designados de «prestação de serviços» (Documentos juntos a fls. 135, 138, 142 e 147 e Pontos de Facto 2, 7, 12 e 17);
§ Conteúdo de tais «contratos de prestação de serviços» + «aditamento» (Documentos juntos a fls. 135, 138, 142 e 147 e Pontos de Facto 2 a 18);
§ O Autor tinha uma significativa margem de autonomia na gestão do seu tempo profissional, por referência aos dias e horas em que prestava os seus serviços, podendo mesmo recusar a sua execução aos sábados, não sofrendo outras «sanções» que não fossem de cariz pecuniário (Pontos 30, 32, 48 e Documento n.º 8, junto com a Petição Inicial)
§ O Autor emitia mensalmente recibos com referência aos montantes auferidos na qualidade de empresário em nome individual (Ponto 45);
§ O Autor encontrava-se inscrito nas Finanças, fazendo anualmente as correspondentes declarações de rendimentos como trabalhador independente (Ponto 45 e documentos e informações juntos aos autos de natureza fiscal);
§ A Ré nunca fez descontos para a Segurança Social no que concerne ao Autor, sendo este que assumiu tal encargo (Ponto 45);
§ A Ré nunca entregou ao Autor quaisquer quantias pecuniárias destinadas a pagar subsídio de férias e subsídio de Natal (Ponto 27 e recibo junto aos autos);
§ O Autor não exercia para a Ré a atividade dos autos em regime de exclusividade nem em situação de (comprovada) dependência económica, pois laborou remuneradamente para outras entidades durante o período temporal em que prestou os serviços dos autos para aquela (Ponto 44).
Não ignoramos, naturalmente que o nome do contrato atribuído pelas partes pouco significa em si e só por si, importando buscar a sua confirmação, quer no seu conteúdo, quer primordialmente, no seu cumprimento efetivo e essencial, até porque nos encontramos face a um negócio de execução permanente e continuada, sendo, por outro lado, muito comum que os trabalhadores, a pedido ou por exigência da entidade patronal, se inscrevam nas Finanças, façam descontos para a Segurança Social como profissionais liberais, emitam documentos comprovativos do recebimento das quantias liquidadas pelo beneficiário dos serviços prestados (recibos verdes ou outros equivalentes, como as notas de honorários) e outros documentos complementares (faturas), respeitantes aos trabalhos efetuados e não recebam férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, sem que tal descaracterize, só por si e sem a verificação de outros elementos concomitantes, a relação laboral existente, sendo essa atuação, nomeadamente, um dos expedientes normalmente utilizados para “mascarar” os vínculos laborais com as roupagens dos contratos de prestação de serviços, por constituir uma real redução de custos. [ O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16/11/2005, processo n.º 05S2138, em que foi relator o Juiz-Conselheiro Fernandes Cadilha, afirma o seguinte, acerca de alguns dos aspetos analisados (Sumário):

«II – Neste contexto, assume um diminuto relevo o nomen juris dado pelas partes ao contrato e o não exercício de atividade em exclusividade, bem como certos desvios detetados quanto ao regime retributivo, como sejam o modo de quitação, a não inclusão do trabalhador nas folhas de remunerações enviadas para a segurança social e o não pagamento de subsídios de férias ou de Natal».
Cf., também o já referido do Tribunal da Relação de Lisboa de 3/12/2014, Processo n.º 2923/10.0TTLSB.L1-4, relator: Ferreira Marques, publicado em www.dgsi.pt (Ponto I do Sumário).].
As questões ligadas à inexistência de exclusividade ou de dependência económica por parte do Apelante, muito embora possam ser indiciadoras de uma relação de trabalho não subordinada, convivem igualmente com cenários de trabalho assalariado, como é o caso do chamado duplo emprego (muito vulgar no setor da Saúde).

Estaremos, nessa medida, face a um genuíno e vero contrato de trabalho?

Não escondemos a nossa dificuldade e perplexidade na análise e decisão do eterno e frequente dilema que se coloca aos Tribunais de Trabalho e que respeita à caracterização laboral de muitos vínculos jurídicos dúbios e ambíguos, tanto mais que nos parece que, com a rápida evolução da atividade económica e subsequente criação, transformação e diversificação das formas e tipos contratuais, alguns dos indícios que anteriormente eram reveladores da natureza laboral ou não de uma determinada relação profissional (tal como a prestação autónoma de serviços para só uma empresa, durante todos os dias da semana, por um número mais ou menos idêntico de horas semanais e com o pagamento do mesmo em função do tempo) já perderam grande parte dessa virtualidade.

Bastará olhar para a crescente "proletarização" que muitos pequenos empresários em nome individual (eletricistas, canalizadores, serralheiros, marceneiros, etc.,), bem como profissões do setor terciário que habitualmente eram exercidas em regime liberal (advogados, médicos, arquitetos, etc.) têm vindo a sofrer (e que, por exemplo, para a nossa anterior Lei dos Acidentes de Trabalho, desde que houvesse uma efetiva situação de dependência económica, implicava um tratamento jurídico para efeitos da sua aplicação equiparado ao do trabalho subordinado), com a integração exclusiva ou quase exclusiva do trabalho autónomo por aqueles prestado numa estrutura mais vasta e de carácter empresarial e a sua consequente "dependência económica" relativamente a tal estrutura (cf. o que a este propósito, o que diz o Dr. Garcia Pereira no texto denominado “As lições do grande Mestre Alonso Olea – A atualidade do conceito de alienidade no século XXI” publicado na obra coletiva “Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Professor Manuel Alonso Olea”, Almedina, Coimbra, Março de 2004, págs. 55 e seguintes, bem como a Dr.ª Maria do Rosário Palma Ramalho na mesma obra, no seu estudo “De la servidumbre al contrato de trabajo” – deambulações em torno da obra de Manuel Alonso Olea e da singularidade dogmática do contrato de trabalho”).

A sentença recorrida foi no sentido de não qualificar o contrato (melhor dizendo, os contratos + aditamento) firmado entre as partes como um «contrato de trabalho».

Concordamos com tal qualificação bem como com a argumentação jurídica desenvolvida para extrair tal conclusão, por não se nos afigurar demonstrada de forma clara e óbvia (ou sequer presumida [ Não ignoramos que, na situação dos autos, ocorreram a sucessão de três «contratos de prestação de serviços» e de um aditamento ao último firmado entre as partes, podendo equacionar-se a aplicação da presunção do artigo 12.º do atual Código do Trabalho, dado o terceiro contrato ter sido firmado em 1/6/2010 (e o aditamento, em 27/12/2012), já no período da sua vigência, mas não apenas nos defrontamos com uma primeira dificuldade estribada no facto de ter havido, também no âmbito do Código do Trabalho de 2003, a celebração de um segundo «contrato de prestação de serviços», quando estava em vigor a segunda versão da presunção do artigo 12.º de tal diploma legal, como não resulta, quer do texto dos contratos em causa, como da factualidade dada como provada, uma qualquer modificação essencial e fraturante do seu clausulado ou da sua execução prática que demandasse a chamada à colação da atual presunção legal de laboralidade. ]) a existência de subordinação jurídica, traduzida em poderes (diretos ou por interposta pessoa) de enquadramento, orientação, formação, direção, supervisão, fiscalização e de disciplina (concretos, objetivos e continuados) por parte da Ré sobre os serviços realizados pelo Autor, relativamente a uma atividade de natureza intelectual e manual desenvolvida, contra o recebimento de uma contrapartida pecuniária mensal de cariz misto (parte fixa + parte variável), durante os meses de efetivo desempenho das funções de cobrança de dívidas financeiras.

Os indícios que se deixaram enumerados e que poderiam apontar no sentido de nos encontramos face a um contrato de trabalho – só por si ou em conjunto - não possuem a virtualidade de abalar/ilidir, suficientemente, a convicção que acima deixámos exposta, dado muitos desses elementos que normalmente são utilizados como base da qualificação do vínculo laboral conhecerem, no caso dos autos, uma justificação e enquadramento que são perfeitamente compatíveis com a existência de um contrato de prestação de serviços.

É certo que o Autor desenvolvia essa atividade de cobrança de dívidas de índole financeira para a Ré nas suas instalações, com o seu equipamento e outros materiais (designadamente, sistema informático) e em horário pós-laboral e durante as contratadas 22,30 horas semanais, que tinham de ser concentradas no referido «horário» das 18,00 às 22,30 ou às 22,00 horas ou aos sábados, mas tal acontecia por força e em função do tipo específico de cliente que era abordado (cliente particular), do objeto social da Apelada e da natureza sigilosa da informação acedida, não se confundindo o mesmo com o «horário de trabalho» dos trabalhadores subordinados da recorrida nem a mobilidade do Autor e dos seus colegas sendo igual à daqueles (Pontos 16, 18, 30, 32 a 38, 42, 43, 46, 47 e 52).

São efetivamente as circunstâncias específicas da atividade da …, bem como dos serviços contratados e desenvolvidos pelo Autor, que explicam (melhor dizendo, impõem, quanto a alguns desses elementos) o facto de tais serviços serem executados em local (aliás, específico e único, sem extensão a outas partes das instalações da empresa) e com equipamento, instrumentos de trabalho e produtos da entidade beneficiária de tal atividade e dentro de um determinado quadro organizativo e temporal – que, diga-se de passagem, não é reconduzível aos legalmente denominados período normal e horário normal de trabalho [ Cf., a este respeito, os artigos 5.º a 12.º do Decreto-Lei n.º 409/71, de 27/09, 155.º a 159.º do Código do Trabalho de 2003 e 197.º a 200.º e 203.º do Código do Trabalho de 2009. ] –, de cariz pós laboral, que se estendia pelos dias úteis entre as 18,00 e as 22,30 ou 22,30 horas e alguns sábados.

Diga-se, aliás, que também as referidas orientações genéricas, a fiscalização contratualmente prevista e a autorização prévia, ainda que tendencialmente características de uma relação subordinada, não são igualmente incompatíveis com a existência de uma relação de cariz autónoma ou independente com uma empresa como a Ré, atendendo, designadamente, à atividade da mesma, aos específicos serviços prestados pelo Autor, ao tipo de clientes abordado e aos objetivos (qualitativos e quantitativos) certamente fixados nesta matéria pela recorrida (basta pensar no incentivo dados aos trabalhadores e prestadores de serviços através do regime de comissões).

Os Pontos 34 a 38 da Factualidade dada como Provada são esclarecedores quanto a tal problemática:

34. As características específicas da atividade de cobrança obrigam a adequar a oportunidade do contacto e a metodologia de abordagem aos diferentes tipos de clientes devedores, consoante se tratem de clientes particulares ou institucionais (empresas).

35. No caso dos clientes institucionais (empresas), o contacto tem necessariamente que ocorrer no horário normal de expediente das empresas, pelo que a atividade de cobrança desses clientes é assegurada por trabalhadores do quadro, no período laboral.

36. Já no caso de clientes particulares, por questões de disponibilidade e sigilo, o contacto deve ocorrer no horário pós-laboral, sendo que a metodologia de abordagem ao cliente particular e a natureza do cobrador também são particularmente distintas das do cliente empresarial.

37. A persistência e a capacidade de argumentação são fatores decisivos na abordagem de cobrança ao cliente particular, situação que leva à necessidade de proporcionar ao cobrador flexibilidade na gestão do seu desempenho, acompanhada de uma componente variável agressiva e ao mesmo tempo de uma dedicação não exclusiva.

38. O Autor foi contratado para estes serviços de cobrança (a clientes particulares, no período pós-laboral).

O facto de o Autor ser remunerado com uma parte fixa + parte variável (comissões) também não aponta, inequivocamente, para uma relação de trabalho subordinada, dado existem profissões liberais ou autónomas que recebem, mensalmente, quantias certas (o chamado regime de avença) ou flutuantes, em razão dos resultados obtidos (os chamados comissionistas), tendo mesmo se implantado quanto a estes últimos e até por razões de cariz constitucional um regime mista de remuneração fixa e variável como a dos autos.

Aliás, na vertente referida das comissões auferidas pelo recorrente e fazendo o confronto entre o regime contratual vigente para os assalariados da recorrida e aquele que vigorava para o Autor e demais colaboradores, não será despiciendo recordar aqui o que ficou dado como assente nos Pontos 40 e 41:

40. O Autor beneficiava de comissões por cobranças bem-sucedidas de montante significativamente mais elevado às auferidas pelos trabalhadores do quadro afetos à cobrança dos clientes institucionais.

41. Por essa via o Autor conseguia obter um rendimento idêntico ou mesmo superior ao auferido pelos referidos trabalhadores em regime de tempo completo, despendendo cerca de metade do tempo e sem estar vinculado a qualquer dever de exclusividade, podendo portanto ainda acumular (e efetivamente acumulando) esses rendimentos com os rendimentos de outra(s) atividade(s) que entendesse desenvolver.

O facto do objeto do contrato de trabalho se traduzir numa atividade e o objeto do contrato de prestação de serviços se centrar no resultado procurado e consensualizado também não se revela um fator de distinção claro e definitivo, como bem se realça no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/1/2013, Processo n.º 2867/06.0TTLSB.L2.S1, relator: Mário Belo Morgado, publicado em www.dgsi.pt [ Com o seguinte Sumário:

I - Dadas as dificuldades sentidas no desenho de um conceito rígido e absoluto de subordinação jurídica, é sobretudo na operacionalização deste elemento contratual que em regra se recorre ao método indiciário, com base numa «grelha» de tópicos ou índices de qualificação, apesar de o seu elenco não ser rígido e de nenhum deles (isoladamente) assumir relevância decisiva, não sendo assim exigível que todos eles apontem no mesmo sentido.
II - Tendo o autor celebrado com o réu, sucessivamente, dois contratos, comprometendo-se, no primeiro, a prestar os seus serviços como maestro num mínimo de duas produções líricas e quatro concertos sinfónicos, e, no segundo, a dirigir duas produções líricas por temporada e pelo menos três programas sinfónicos, há a considerar, independentemente da natureza das prestações a que o A. se obrigou, que as mesmas - no seu núcleo primário - se encontravam concreta, clara e previamente determinadas à partida, sendo que, quanto mais amplos e concretos forem os termos da predefinição do objeto contratual, menos plausível será a existência de uma relação de subordinação.
III - Considerando ainda que a ocupação do autor não era exclusiva, a sua limitada disponibilidade e a circunstância de as partes terem estipulado uma cláusula resolutiva de cariz objetivo, nos termos da qual se prescindia de culpa do autor, é de concluir que este não logrou fazer prova, como lhe competia, da existência de uma relação laboral.], quando se afirma na sua fundamentação o seguinte: “Todavia, são frequentemente inseparáveis a atividade e o seu resultado, pelo que as fragilidades deste critério – que “fazem com que ele deva ser considerado como um critério de mera prevalência” - apenas permitem afirmar que “no contrato de trabalho a atividade tem um valor prevalente para o empregador, enquanto no contrato de prestação de serviço é o resultado dessa atividade que tem mais relevo para o credor”.
Ora, a este respeito, é também significativo compulsar os seguintes dos Pontos de Facto:

«42. No âmbito do relacionamento contratual estabelecido entre as partes, com determinada periodicidade (geralmente mensal) era entregue uma carteira de processos ao Autor, encarregando-se este de diligenciar no sentido de contactar os respetivos clientes em situação de incumprimento e tentar obter o pagamento dos valores em dívida.

43. O que mais relevava na atividade desenvolvida pelo Autor era o resultado obtido, ou seja, conseguir o pagamento voluntário por parte dos clientes em situação de incumprimento, de forma a evitar que a empresa de visse forçada a recorrer ao contencioso.»

Também não nos impressiona, de sobremaneira, os 16 anos de prestação de serviços que o Autor realizou para a Ré, pois nada obsta a que os contratos de prestação de serviços também possam essa duração ou superior (pensamos, por exemplo nas avenças dos médicos, advogados, etc.).

Fundamental é também averiguar se, não obstante as condicionantes temporais e espaciais antes descritas, o Autor estava obrigado a cumprir, em termos estritos, os referidos períodos temporais diários e semanais, sob pena de as suas ausências ou faltas de produtividade (ou outras) serem sancionadas disciplinarmente.

Ora, resulta da Factualidade dada como Assente que o Apelante tinha, não obstante o que antes se deixou referenciado, uma relevante capacidade de gestão pessoal do seu tempo contratual, podendo recusar o serviço aos sábados e faltar durante um dado número de dias por ano, não sofrendo outras consequências que não pecuniárias, na hipótese de extravasar tais limites, explicando-se o controlo das horas de entrada e saída como forma de contabilizar as horas efetivamente prestadas e a Ré saber, concomitantemente, se o Autor e colegas cumpriam temporalmente o negocialmente estabelecido (Pontos 30, 32, 48 e Documento n.º 8, junto com a Petição Inicial).

Efetivamente, não há notícia nos autos do exercício de poder disciplinar por parte da Apelada, não obstante o teor do E-mail de 8/9/2008, junto como Documento n.º 7 e relativamente ao qual não se conhecem concretizações efetivas, durante o curto período temporal a que se refere, sendo certo que as atitudes descritas nos Pontos 49 e 50 não podem ser qualificadas como sanções disciplinares (máximo, como uma cláusula penal, no que toca à dedução da quantia de 60,00 Euros, em caso de ausência do Autor – artigos 810.º a 812.º do Código Civil);

A referida mensagem eletrónica, como já antes se afirmou, tem um cariz pontual e muito circunscrito temporal e organizacionalmente (Ponto 19 e E-Mail em questão).

Sabemos que não constitui óbice à qualificação do vínculo dos autos como uma relação de índole laboral a circunstância de não ter sido demonstrada a titularidade por parte da Ré de poder disciplinar sobre o Autor pois, como é sabido, tal vertente da subordinação jurídica está muitas vezes latente, adormecida, escondida, podendo nunca emergir e vir a ser exercida ao longo da vigência do contrato de trabalho, mesmo com muitos anos de duração, sem que tal implique a sua inexistência e, por consequência, a descaracterização jurídica em termos laborais [ Cf., nesse sentido, o Acórdão deste mesmo Tribunal da Relação de Lisboa de 9/11/2011, processo n.º 308/09.0TTPDL.L1-4, em que foi relatora a Juíza-Desembargadora Maria José Costa Pinto, publicado em www.dgsi.pt, sustenta o seguinte (Sumário parcial):

«II – Do não exercício do poder disciplinar – apenas compreensível em situações de crise contratual – não pode, sem mais, retirar-se a sua não titularidade.

III – O exercício de prerrogativas laborais tem forte valor indiciário positivo no sentido da qualificação da relação como de trabalho, sendo, por outro lado de lhe negar firmemente, na hipótese contrária, valor negativo excludente dessa qualificação.» (cf., também os Arestos do Supremo Tribunal de Justiça de 7/10/2003, Recurso n.º 2007/03-4.ª, publicado em Sumários, 10/2003 e de 15/02/2005, publicado em CJ/Supremo Tribunal de Justiça, 2005, Tomo 1.º, páginas 244 e seguintes).

].

Afigura-se-nos, contudo, que o regime contratual que se sucedeu no tempo, quanto às ausências do Autor e seus colegas, ao configurar como as únicas consequências jurídicas para o incumprimento contratual do recorrente, o desconto de 60 Euros nas comissões e, depois de 1/6/2010, o não pagamento das horas não executadas efetivamente, afasta a existência efetiva de um tal poder disciplinar, ainda que meramente potencial ou eventual.

Rebatidos ou questionados que foram os principais aspetos indicados como caracterizadores eventuais de uma relação de trabalho subordinada, tal significa que os elementos que foram por nós identificados como configuradores de uma relação autónoma ou independente podem ser então chamados à boca de cena e reforçar o que antes se afirmou e defendeu quanto à não demonstração sólida e segura da celebração ou existência de um vínculo laboral entre as partes.

Logo, tendo em atenção a matéria de facto dada como assente e a noção de contrato de trabalho contida nos artigos 1152.º do Código Civil e 1.º da LCT, não podemos afirmar que o desempenho de funções por banda do Autor, como “cobrador de débitos financeiros dos clientes particulares” (chamemos-lhe assim), para a Ré, configura, inequivocamente, a existência de um acordo “pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direção destas”, isto é, de um verdadeiro e genuíno contrato de trabalho subordinado celebrado com o Apelante, quando tal ónus de legação e prova recaía totalmente sobre ele.

Sendo assim, tem o presente recurso de Apelação do Autor de ser julgado improcedente, com a inerente confirmação da sentença recorrida nesta parte.

J - DESPEDIMENTO ILÍCITO E CRÉDITOS LABORAIS PETICIONADOS

Chegados aqui e não tendo qualificado a relação jurídico-profissional estabelecida entre o Autora e a Ré entre o dia 4 de maio de 1998 e 20 de janeiro de 2014 como emergente de um contrato de trabalho, não se pode exigir à Ré que só a fizesse cessar por uma das modalidades elencadas no artigo 340.º do Código do Trabalho de 2009 nem se deve encarar a carta da Ré de 10/1/2014, junta a fls. 429 (Ponto 29) e os factos que a enquadraram como configurando um despedimento ilícito, nos termos e para os efeitos dos artigos 351.º a 358.º e 381.º e 382.º CT/2009, não havendo assim que retirar de tal cessação quaisquer das consequências jurídicas que se mostram vertidas nos artigos 389.º a 392.º do mesmo diploma legal.

Não tendo o Autor logrado demonstrar a natureza laboral do vínculo que a ligou à Ré, também não tem direito aos demais créditos peticionados [ «d) A Ré pagar ao Autor a quantia de € 17.793,26 relativa ao mês de férias, subsídios de férias e de natal do período de 1998 a 2013, acrescido dos juros de mora à taxa legal sobre cada um dos valores indicados no artigo 67.º desde a data do respetivo vencimento.

e) A Ré pagar ao Autor a quantia de € 1.050,00 pela remuneração e prémio de Dezembro de 2013.»], por os mesmos se radicarem num contrato de trabalho que não ficou demonstrado.
Dir-se-á que o pedido deduzido em e), face ao Ponto de Facto 28. (Acresce que a Ré não pagou ao Autor a quantia total de € 850,56 relativa à remuneração e prémio do mês de Dezembro de 2013.) pode, contudo, ser ponderado por este tribunal de recurso, não obstante a circunstância de não termos qualificado a relação profissional dos autos como de trabalho.

Importa, contudo, recordar o que se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/11/2015, Processo n.º 2826/10.8TTLSB.L1.S1, relator: Gonçalves da Rocha, publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte Sumário:

1 - Tendo o tribunal de 1ª instância decidido que o Tribunal do Trabalho é competente para a ação em que se discute se existe um contrato de trabalho entre as partes, tem o mesmo competência para apurar a matéria de facto alegada pelo Autor como suporte do mesmo, e face ao que resultar da mesma, também é o mesmo Tribunal o competente para apreciar se se confirma a existência desse contrato, e para apreciar os demais pedidos deste resultantes.

2 - Não se tendo provado a existência do contrato de trabalho que fora alegado como suporte da pretensão do Autor, fica prejudicada a apreciação da questão reportada às comissões não pagas, pois tem como pressuposto a existência de uma relação de trabalho subordinado. [ Esse Aresto do STJ julgou o recurso de revista interposto do disse no Acórdão prolatado, em 29/4/2015, deste mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, em que foi também relator o Juiz Desembargador que relata o presente Aresto, tendo aí se sustentado o seguinte (que face à existência de uma mera declaração tabelar e formal de competência do tribunal ao nível do despacho saneador, podia ser uma outra via de solução possível para a problemática colocada, dado a competência material ser uma exceção de conhecimento oficioso e que pode ser declarada pelo julgador até ao trânsito em julgado da sentença – artigo 97.º, número 1 do NCPC):

«O Autor reclama igualmente das Rés (em termos solidários) o pagamento de comissões, no montante global de 25.284,03 €, com referência às vendas feitas sensivelmente no ano de 2009 e tendo por base as taxas de 10% e 1% acordadas entre as partes.

Ora, nesta matéria, importa atender, fundamentalmente, à circunstância da relação jurídico-profissional estabelecida entre o Autor e as Rés não se radicar num contrato de trabalho, ao contrário do alegado pelo mesmo na sua Petição Inicial e, depois, nas suas Alegações de recurso, o que implica que, por seu turno, as comissões igualmente reclamadas em ambas as aludidas peças processuais, ao se suportarem necessariamente nesse vínculo jurídico de cariz não laboral, não poderem ser analisadas e julgadas pelos tribunais do trabalho (neles se incluindo a Secção Social deste Tribunal da Relação de Lisboa), dado estes não possuírem competência em razão da matéria para o fazerem.

(…)

Naturalmente que a dúvida não se suscitaria, caso tais decisões judiciais tivessem ido em sentido oposto ao que adotaram, pois possuindo a relação ou relações jurídico-profissionais firmadas entre as partes natureza laboral, a segunda pretensão formulada, quanto ao crédito de comissões reclamado emergiria do dito contrato de trabalho e tudo se conjugaria para que ocorresse o seu legítimo julgamento.

Ora, o artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13/1, só na sua alínea o) estatui que «compete aos tribunais do trabalho conhecer, em matéria cível: (…) o) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementariedade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja diretamente competente».

A ser assim, tendo caído o pedido que poderia alargar ou estender a competência em razão da matéria dos tribunais do trabalho ao mencionado pedido de comissões (a mencionada índole jurídico-laboral do vínculo profissional alegado pelo Autor), ficou tal pretensão desamparada em termos jurídicos e, nessa medida, o seu julgamento prejudicado, porque fora do quadro legalmente autorizado de conhecimento jurídico do tribunal do trabalho.

Logo, tal obstáculo de natureza adjetiva e de conhecimento oficioso, impede-nos de apreciar e julgar tal pretensão.»
Tal Acórdão inédito possui o seguinte Sumário:
I – Não basta, na situação concreta vivida nos autos, que o Autor tivesse uma secretária e um computador nas instalações da Ré e que orientasse a área comercial da mesma, fazendo-o de forma contínua e reiterada, ao longo dos 5 dias úteis da semana (com exceção da manhã de 2.ª feira) e que recebesse uma quantia mínima mensal durante praticamente toda a duração do vínculo jurídico-profissional, para encarar a sua atividade de vendedor ou mesmo de diretor comercial como sendo executada ao abrigo de um contrato de trabalho.

II - Existem genuínos prestadores de serviços que os desenvolvem, com cariz de regularidade e dentro de um intervalo temporal previamente definido (ainda que não obrigatório e sem que tal delimitação se possa encarar como um horário e normal período de trabalho), em instalações e com equipamento e bens do beneficiário daqueles, percebendo uma importância certa e mensal como contrapartida dessa atividade liberal.]
Sendo assim, julga-se improcedente o presente segundo recurso de Apelação do Autor, confirmando-se a sentença recorrida na sua vertente jurídica.

IV – DECISÃO

Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 662.º e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, no seguinte:

a) Em julgar parcialmente procedente o primeiro recurso de apelação interposto por AAA, com a alteração do despacho recorrido, na parte em que não admitiu a ampliação do pedido, ao abrigo do número 2 do artigo 265.º do NCPC, quanto à compensação por despedimento ilícito prevista no artigo 390.º do CT/2009;

b) Em julgar improcedente o recurso de apelação interposto por AAA, na sua vertente de impugnação da Decisão sobre Matéria de Facto;

c) Não obstante o decidido na alínea anterior, em determinar, oficiosamente e ao abrigo do artigo 662.º, número 1, do NCPC, a alteração dos Pontos 18 e 19 da Matéria de Facto dada como Provada;

d) Em julgar improcedente o recurso de apelação interposto por AAA, com a confirmação da sentença recorrida na sua vertente jurídica

*

Custas dos dois recursos a cargo do Autor Apelante – artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

Lisboa, 14 de junho de 2017

____________________________________

(José Eduardo Sapateiro)

(Alves Duarte)

(Maria José Costa Pinto)