Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10417/2006-6
Relator: FÁTIMA GALANTE
Descritores: MENORES
VALOR DA CAUSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: 1. A recusa por parte da secretaria na respectiva aceitação não tem o significado de uma rejeição semelhante ao indeferimento liminar do Juiz, podendo, ainda, o apresentante suprir ou corrigir no acto ou imediatamente a deficiência ou insuficiência detectada, aceitando a secretaria, logo de seguida, o requerimento, colocando-o ainda em condições de ser recebido.
2. Visando, o processo em causa, a protecção e promoção dos interesses das crianças e jovens em perigo, são interesses imateriais que aqui estão em causa, assim devendo ser indicado o valor, atento o disposto no art. 312º do CPC.
(F.G)
Decisão Texto Integral: 6
ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I - RELATÓRIO
No âmbito de processo judicial de promoção e protecção, vem, o Digno Magistrado do Ministério Público, interpor recurso do despacho judicial que recusou o recebimento do requerimento inicial, com o fundamento da falta de atribuição de valor.
Inconformado, apresentou o MºPº, no essencial, as seguintes conclusões:
1. O PPP tem normas próprias e só lhe são aplicáveis, subsidiariamente as normas do processo civil, na fase de debate judicial e de recursos, mas "com as devidas adaptações".
2. Os interesses em jogo no âmbito da LPCJP não são compatíveis com os critérios gerais fixados para as acções cíveis.
3. A lei não determina a contabilização dos interesses do menor, no âmbito da promoção dos seus direitos e da sua protecção.
4. A atribuição de valor ao requerimento de abertura do processo judicial de Promoção e Protecção não tem qualquer utilidade, por estarem definidas e reguladas as regras de competência do tribunal, bem como a instância de recurso, quer a forma de processo, quer a ausência de tributação das custas e demais encargos legais com o processo.
5. Porque se mostram violados os art.1°, 3º, 4' a), c), 6°, 11°, 72°, 73° n°1 b), 100º, 102° n°1 e n°2, 106°, 107° e 126° da LPCJP, deve ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que determine a imediata prolação do despacho a que alude o art.106° n°2 da LPCJP

II – O DIREITO
1. De acordo com o despacho recorrido, há sempre lugar a recusa quando não seja indicado o valor à "causa", mesmo no âmbito de Processo de Promoção e Protecção da Criança e do Jovem.
Refere-se no citado despacho que o “processo judicial de promoção e protecção das crianças e jovens em perigo tem natureza de processo de jurisdição voluntária, sendo-lhe subsidiariamente aplicável o Código de Processo Civil, pelo que, nos termos do art. 305° do CPC a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal”. Com tal fundamento, ao abrigo do disposto no art. 475º do CPC, confirmou-se a recusa de recebimento da petição/requerimento inicial por omissão da indicação do valor da causa".
Portanto, o despacho recorrido conclui que há lugar a recusa quando não seja indicado o valor à causa, no âmbito de Processo de Promoção e Protecção da Criança e do Jovem.
Diz o MºPº, no presente recurso, que desconhece as razões que levaram à alteração do entendimento dos magistrados judiciais que exercem funções no Tribunal de Família e Menores de Sintra, afirmando que jamais indicou valor em processos desta natureza e só em Julho de 2006 viu, pela primeira vez, ser recusada a entrada de requerimentos para a abertura do processo judicial de promoção e protecção.
Se houve ou não alteração de entendimento é assunto que aqui não releva, não podendo, porém, deixar de estranhar-se que esta questão tenha suscitado a controvérsia explanada nas alegações de recurso. E nem sequer a natureza do processo e os interesses em causa – os da criança e jovem em perigo – incompatíveis com delongas e discussões estéreis, impediram que fosse suscitada ou, ao menos, que tivesse seguimento, o presente recurso.

2. Na verdade, dispõe o art. 305º, nº 1, do que “a toda causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido”. Valor esse a que se atenderá para determinar a competência do tribunal, a forma do processo comum e a relação da causa com a alçada do tribunal (nº 2 do art 305º do CPC).
Resulta, assim, deste último normativo, que do valor da acção pode depender a competência do tribunal (art. 68º), a forma do processo declarativo comum (art. 462º, nº 1), bem assim a admissibilidade do recurso ordinário (art. 678º, nº 1) e ainda a obrigatoriedade, ou não do patrocínio judiciário.
O certo é que, o art. 474.º do CPC, que enuncia os casos em que a Secretaria deve recusar a petição inicial - entre os quais se mostra prevista, na alínea e) “a indicação do valor da causa” -, tem como escopo chamar desde logo a atenção do Requerente para a necessidade de correcção imediata de algumas insuficiências ou deficiências que, por serem notórias, podem comprometer, inviabilizar ou atrasar o andamento do processo.
A recusa por parte da Secretaria na respectiva aceitação não tem o significado de uma rejeição semelhante ao indeferimento liminar do Juiz, podendo, ainda, o apresentante suprir ou corrigir no acto ou imediatamente a deficiência ou insuficiência detectada, aceitando a Secretaria, logo de seguida, o requerimento, colocando-o ainda em condições de ser recebido.
No caso, o Requerente não quis suprir de imediato a (suposta) deficiência detectada e o Juiz confirmou a recusa.
Poder-se-á dizer que a falta de indicação do valor da causa não tem, no caso, relevância de maior, mas o facto é que a lei processual exige essa indicação. Portanto, cabia ao MºPº, ora Recorrente, indicar o valor da causa.
E nem se diga que não é aplicável aos processos como o dos autos, o disposto no art. 312º do CPC.
Como estabelece o artigo 312º do CPC, as acções sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais consideram-se sempre de valor equivalente a alçada da Relação e mais um escudo. Por isso, visando, o processo em causa, a protecção e promoção dos interesses das crianças e jovens em perigo, são interesses imateriais, valores ético-sociais insusceptíveis de serem reduzidos a mera expressão pecuniária, que aqui estão em causa. Embora a questão suscitada se prenda, apenas, com a exigência ou não de indicação do valor da acção (qualquer que ele seja), na petição/requerimento inicial, afigura-se poder acrescentar que esse valor será o da alçada da Relação mais um cêntimo.
Contra a aplicação do art. 312º do CPC não pode, sequer, argumentar-se com a existência de normas específicas, referentes, designadamente, ao regime de recursos, previstas na Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), até porque os normativos indicados pelo Recorrente (arts. 123º, 124º e 126º) reflectem o regime que a lei processual civil estabelece para os processos que, como os relativos à protecção de crianças e jovens em perigo, são de jurisdição voluntária, não se discutindo que nestas deve também ser indicado o respectivo valor à causa.
Efectivamente, depois do art. 1410º do CPC prescrever que em sede de processos de jurisdição voluntária, nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, o art. 1411º, nº 2 do CPC, vem dizer que das resolução proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (1).
Em suma, face ao exposto, a omissão da indicação do valor da causa dá lugar, nos termos do art. 475º do CPC, à recusa do recebimento da petição.

3. A filosofia subjacente à Lei 147/99, tem subjacente a necessidade de uma maior participação social, uma maior consciência da criança e jovem, como sujeito de direitos.
Nos termos dos arts. 1º e 3ºda Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, visa-se a “promoção dos direitos e a protecção das crianças e jovens em perigo” quanto à sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, prevendo-se no diploma todo um conjunto de medidas e de procedimentos (art. 34º e segs.) tendentes à defesa do menor ou jovem que assim se encontre em risco.
Fundamental é ter presente o interesse superior da criança, pelo que mais do que uma argumentação formal, mais ou menos bem elaborada, o que releva é o bom senso, sob pena de se privilegiar o acessório em detrimento do essencial.

III - DECISÃO
Termos em que acorda-se em negar provimento ao agravo, confirmando-se o despacho recorrido.
Sem custas.
Lisboa, 14 de Dezembro de 2006.
(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)
(Manuel Gonçalves)
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1 Miguel Teixeira de Sousa , Estudos sobre o Novo Processo Civil, LEX, pag. 420.