Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2107/08.7TBVIS.L1-7
Relator: CONCEIÇÃO SAAVEDRA
Descritores: FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
CLÁUSULA GERAL
EXCLUSÃO DA CLÁUSULA
ASSINATURA
CONHECIMENTO OFICIOSO
ABUSO DE DIREITO
NULIDADE
RESTITUIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I- Sem prejuízo do disposto na al. d) do nº 2 do art. 662 do C.P.C., a ausência, deficiência ou eventual contradição na fundamentação da decisão quanto à matéria de facto ou no concreto elenco factual apenas justificam a impugnação dessa mesma decisão nos termos dos arts. 640 e 662 do C.P.C.;
II- Apesar da numeração das duas páginas do contrato de mútuo sugerir que a assinatura dos mutuários vem depois das “Condições Gerais” – o verso, que as contém, indica pág. 1, e a face, de que constam as assinaturas dos mutuários, indica pág. 2 – deve considerar-se irrelevante para esse efeito a paginação do documento, tendo em vista, além do mais, que a referida pág. 2 constitui a face por iniciativa da própria Ré financiadora (que juntou o documento aos autos) apondo nessa mesma página/face a indicação “Doc. 1”, sendo esta a que se apresenta mais apelativa, com maior destaque, pela cor, pela forma e até pela variação no tamanho das letras;
III- Nessa medida, tem de entender-se que as “Condições Gerais” do contrato se encontram, de facto, colocadas depois das assinaturas dos mutuários e, por consequência, necessariamente excluídas do contrato por força da al. d) do art. 8 do DL nº 446/85, de 25.10, o que, no caso, gera a respetiva nulidade;
IV- Estando em causa nulidade do contrato fundada na violação do regime das cláusulas contratuais gerais, logo, de conhecimento oficioso, não pode convocar-se o instituto do abuso de direito;
V- A declaração de nulidade tem efeito retroativo, acarretando a obrigação de restituir tudo o que houver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente, pelo que, uma vez julgado nulo um contrato tudo funciona como se o mesmo nunca tivesse existido, cumprindo obrigar os intervenientes a repor o que tenham recebido.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:


I- Relatório:

MR e marido, VR, vieram propor, em 11.6.2008, contra C, S.A., ação declarativa sob a forma sumária, invocando, em síntese, que tendo celebrado com a Ré, no segundo semestre de 2005, um contrato de crédito ao consumo mediante o qual aquela lhes entregou o montante de € 8.000,00, os AA. pagaram um total de 22 prestações entre 1.11.2005 e 1.2.2008, num total de € 4.568,00, mas, segundo o último extrato recebido, são ainda devedores do montante de € 7.742,76, quase o montante inicial. Afirmam que se sentem “enganados pela ré e lutam presentemente com grandes dificuldades económicas” “e pretendem, por isso, exonerar-se do contrato com a ré, sem prejuízo de lhe restituírem a quantia recebida”, sendo que o dito contrato padece de várias irregularidades, omitindo, além do mais, menções obrigatórias.
Pedem que seja declarada a respetiva nulidade.

Contestou a Ré, excecionando a incompetência do tribunal em razão do território e defendendo, em súmula, que a entrega aos AA. da quantia de € 8.000,00 em 12.10.2005 foi realizada ao abrigo do contrato de mútuo nessa data celebrado e designado por “MáxiCrédito”, o qual se caracteriza por corresponder a uma abertura de conta corrente que possibilita ao mutuário a obtenção de novos financiamentos ao longo da vigência do contrato e que, por isso, não tem um prazo fixo de duração. Diz ainda que os AA. solicitaram e obtiveram um novo financiamento de € 148,00 em 29.12.2005, pagando também em atraso algumas prestações a que corresponde uma penalização acrescida de 4%. Sustenta que o contrato é válido e não padece das omissões assinaladas, sendo que os AA. o aceitaram, agindo agora, por isso, em manifesto abuso de direito. Conclui pela improcedência da causa e pede, em reconvenção, a condenação dos AA. a pagar-lhe a quantia de € 8.480,75 respeitante ao capital mutuado em falta e à penalização por incumprimento, acrescida de juros à taxa legal desde 1.11.2008, considerando que os AA. deixaram de pagar as prestações que se venceram desde 1.9.2007, tendo a Ré resolvido o contrato em 1.3.2008, nos moldes contratados.

Na resposta à contestação, os AA. pediram a improcedência das exceções e da reconvenção, mantendo a pretensão formulada na p.i..

Sendo julgada procedente a excepção de incompetência territorial invocada, foram os autos remetidos ao tribunal competente.

Foi depois aí elaborado despacho saneador, sendo conferida a validade formal da instância e dispensada a seleção da matéria de facto.

Por decisão de 28.5.2012, foram habilitados na causa a A. MI, AR e NR como herdeiros do co-A. VR, entretanto falecido.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, em 7.4.2014, nos seguintes termos: “(...)  julgando a presente acção procedente por provada e a reconvenção improcedente, em consequência:
A) Declaro a nulidade do contrato de crédito outorgado entre as partes;
B) Absolvo os AA. do pedido reconvencional formulado;
Custas pela R..”

Inconformada, recorreu a Ré C, S.A., culminando as alegações por si apresentadas com as conclusões a seguir transcritas:

I.Quanto à matéria de facto e sua fundamentação
1.A sentença recorrida omitiu totalmente, quer no seu relatório, quer na matéria provada, a alegação feita pelos AA. no artigo 9.º da petição e que não foi impugnada na contestação, devendo - por isso e por ser muito relevante para a decisão do pedido reconvencional - ser aditado à matéria de facto provada mais um ponto com a seguinte redação:
“Os Autores pretendem exonerar-se do contrato com a Ré, sem prejuízo de lhe restituírem a quantia recebida”.

2.O ponto 1 da matéria de facto, ao remeter apenas para o doc. de folhas 45 (que deu por “reproduzido”), foi incorretamente julgado, pois deveria também remeter e dar por reproduzido todo o conteúdo dos documentos de fls 46 a 50 que foram juntos aos autos por requerimento da Rte de 28/10/2008 para instruírem a contestação e para impugnarem a reprodução parcelar e em cópia ilegível do contrato junto à petição pelos AA..

Os documentos em questão não foram impugnados e revelam-se essenciais para a boa decisão da causa, visto que compreendem o chamado “Pacote de Abertura” com uma carta explicativa do crédito, um exemplar do contrato com alguns dados pré-preenchidos e outros para serem preenchidos pelos mutuários e, depois de assinado, ser enviado por correio à C, S.A., contém a advertência aos mutuários para não se esquecerem de conservar a sua cópia do contrato, isto é, o “Exemplar a ser conservado pelo cliente” (anexa a tal carta) contendo no final um retângulo destacável para o exercício do direito de livre resolução no prazo legal de 14 dias e ainda um folheto simplificado explicativo do funcionamento do crédito e um envelope de Resposta Sem Franquia para os destinatários remeterem, querendo, o contrato assinado.

As testemunhas M.A.R. e B.P. confirmaram que foram estes os documentos enviados aos AA. e deram nota das explicações e informações transmitidas aos mutuárias antes de estes assinarem o contrato, como decorre dos seus depoimentos transcritos no ponto 3.c) destas alegações.

Aliás são estes os documentos a que se refere o ponto 12 dos factos provados.

Deste modo e por ser muito relevante para a decisão da ação, o ponto 1 da matéria de facto deve passar a ter a seguinte redação:
“Após contacto telefónico de sua iniciativa, os Autores como mutuários e consumidores, celebraram com a Ré, como entidade creditícia comercial, o contrato de crédito ao consumo que se mostra junto a fls 45 e que aqui se dá por reproduzido, tendo-lhes sido enviados igualmente pela Ré os documentos que se encontram de fls 46 a fls 49 e que aqui se dão igualmente por reproduzidos”.

3.Não corresponde à verdade toda a matéria do ponto 5 que foi indevidamente dada como provada: os documentos oportunamente juntos aos autos pela Rte (em 28/10/2008 – fls 45 a 50) mostram sem a menor sombra de dúvida que, quer o parágrafo que antecede as assinaturas na página 2 do doc. 1 (fls. 45, frente), quer os dois parágrafos que vêm a seguir (sob a epígrafe “Seguro” e “Documentos a Enviar”), quer ainda o verso com as “Condições Gerais” (fls 45 verso, marcado como pág. 1) e as cópias do contrato de fls 46 a 48, não se encontram nem com grafia compacta, nem com corpo de letra que não permitisse a sua fácil leitura e apreensão. E tanto assim é, que os AA., não só fizeram o preenchimento correto, como enviaram à Rte os documentos que lhe eram solicitados no mesmíssimo tipo de letra.
Impõe-se, por isso, dar como não provado o ponto 5 da matéria de facto que foi decisivo para considerar o contrato de crédito nulo.

4.A matéria provada no facto 2 está incompleta por não esclarecer onde e quem omitiu a indicação da data, sendo patente na frente do doc. 1 de fls 45 que foram os AA. que não inscreveram a data antes das suas assinaturas, facto este totalmente irrelevante para a validade do crédito e do contrato por se encontrar provado que os AA. receberam da Rte em 12/10/2005 e em 29/12/2005 as quantias de € 8.000,00 e de € 148,00 – conforme factos provados 6, 13 e 14. Assim, o facto provado sob o n.º 2 deve ser o seguinte:
“O contrato de adesão está assinado apenas pelos Autores, com a epígrafe “Contrato de Adesão” não se encontrando inscrita a data de assinatura em seguida às assinaturas dos Autores MR e VR”.

5.O ponto 3 dos factos provados carece de esclarecimento porque em vários pontos da fundamentação da sentença recorrida se considera que a disposição e paginação dos impressos contratuais dá lugar a “entendimentos duvidosos sobre qual a primeira página”. Os doc. de fls 45 a 48 não dão lugar a qualquer dúvida visto que a folha da frente do contrato está marcada como pág. 2 e a folha do verso como pág. 1. Assim, o facto provado no ponto 3 deverá ter a seguinte redação em conformidade com o aludido documento:
“O verso do contrato de adesão, marcado como pág. 1, tem as epígrafes “Contrato de Crédito” e “Condições Gerais”, está assinado pela Ré e tem a data de 8/11/2004”.

6.E pelas razões aduzidas na conclusão anterior, o facto provado no ponto 4 deve ter a seguinte redação:
“A folha assinada pelos Autores (marcada como pág. 2) contém a declaração destes de adesão ao “MaxiCrédito” com seguro, para um financiamento de € 8.000,00, a operar por transferência bancária e a pagar em mensalidades de € 200,00”.

7.No ponto 9 dos factos provados diz-se: os “autores sentem-se enganados pela Ré”. Não foi feita qualquer prova de que os AA. tivessem este sentimento e nenhuma das testemunhas, em especial as testemunhas dos AA., alguma vez declarou que a Sr.ª D. MR ou o Sr.º VR se tivessem sentido enganados pela Rte (cfr. transcrições em 2.d) supra). Tendo em conta os depoimentos transcritos e que o Autor VR faleceu em 04/01/2012, admite-se que o facto 9 tenha a seguinte redação:
“Os Autores lutavam com grandes dificuldades económicas e para lhes fazer face contraíram o crédito”.

8.Como já acima foi alegado, a frente do doc. fls 45, na folha assinada pelos Autores, evidencia com clareza quais os dados que estavam já impressos na proposta de adesão quando esta foi enviada aos Autores pelo correio e quais os dados que estes preencheram com o seu punho.
Por esta razão o ponto 10 dos factos provados, com base em fls 45, deverá passar a ter a seguinte redação:
“Uma parte dos dados pessoais que os Autores forneceram à Ré foram impressos por esta na proposta de adesão que a Ré enviou aos Autores por correio com base nos dados e para a morada por estes fornecida, tendo outros dados sido preenchidos à mão pelos AA., designadamente a opção com Seguro, valor do crédito a solicitar, nome, morada completa e telefones da A. MR, nome do falecido marido da A., VR, opção por contactos por SMS, assinaturas de cada um dos AA. no retângulo próprio onde estavam os espaços para a data de assinatura, o n.º de identificação bancária (NIB) e nova assinatura da A. MR”.

9.No ponto 16 dos factos provados, foi escrito, com base na frente do doc. de fls 45 que as taxas de juro do Mútuo, quer a TAN, quer a TAEG, estão indicadas nas “Condições Particulares” do crédito. Uma vez que na sentença recorrida se afirma que a paginação do contrato está mal aposta, importa à boa aplicação do direito que na redação deste facto provado fique expressamente a constar que as referidas taxas se encontram indicadas na página que contém as assinaturas dos AA..

Assim, a redação correta do facto 16 deverá ser a seguinte:
“A TAEG e a TAN estão indicadas nas Condições Particulares do crédito, na frase correspondente ao asterisco colocado na folha do contrato que contém as assinaturas dos Autores (fls 45, pág. 2 do doc. 1 junto em 28/10/08)”.

10.Na fundamentação de facto da sentença recorrida, a Mm.ª Juiz afirma diversos factos que não constam, nem do elenco dos factos provados, nem têm qualquer sustentação, seja na prova testemunhal, seja na prova documental ou em quaisquer outros meios probatórios e que muito simplesmente correspondem a conclusões arbitrárias e erradas.
Desde logo a remissão para os documentos de fls 45, 51 a 59 e 60 é insuficiente por não abranger os documentos de fls 46 a 50 sobre os quais se pronunciaram as testemunhas M.A.R. e B.P. que o Tribunal considerou “isentos e credíveis”.

11.Afirma-se nesta fundamentação que AR (ouvido em declarações de parte e não em depoimento de parte – ao contrário do relatado na sentença) e M.P. acompanharam de perto a relação da A. e do seu falecido marido com a C, S.A., “puderam confirmar a forma como foram abordados, o facilitismo na concessão de crédito, a total ausência de explicações ou informações sobre o contrato a possibilidade de o rescindir que os fizeram ficar dependentes das prestações assumidas”. E mais adiante que das declarações destas pessoas resultou serem os AA. pessoas de “humilde condição sócio-económica, com fraco nível de instrução, que foram facilmente induzidos a contratar sem terem real conhecimento das cláusulas do contrato que nunca lhes foram explicadas com o cuidado merecido”.

À exceção da condição sócio-económica humilde dos AA., tudo o resto são conclusões ou factos inventados pela Mm.ª Juiz a quo.
AR não acompanhou de perto a relação de seus pais com a C, S.A., não confirmou qualquer “facilitismo” na concessão do crédito, nem a “total ausência de explicações ou informações sobre o contrato e a possibilidade de o rescindir”, nem disse, em momento algum, que os seus pais tivessem ficado dependentes das prestações assumidas. O seu depoimento revelou, pelo contrário, grande distância e desconhecimento das circunstâncias em que o crédito terá sido contraído – cfr. mostram as transcrições acima citadas em 3.b).

A testemunha M.P., apesar de ter ajudado a A. a preencher o contrato, apenas se recordava do contacto através do telemóvel com a indicação do montante disponível e do mês em que tinha que pagar, não se lembrando de mais nada, nem sequer que os AA. tivessem uma cópia do contrato. Em especial quando foi interrogada pelo Mandatário da Rte, a testemunha passou a não se recordar de absolutamente mais nada, inviabilizando, assim, o contraditório e não merecendo a credibilidade que o Tribunal lhe atribuiu (cfr. transcrições em 3.b) acima).

Dos depoimentos das testemunhas M.A.R. e B.P. resultou igualmente a negação de qualquer “facilitismo” na concessão do crédito e que foram prestadas as explicações e informações pertinentes sobre o contrato, disponibilizados meios fáceis de contato para o esclarecimento de quaisquer dúvidas antes ou depois da concessão do crédito e explicado que foram os AA. que abordaram telefonicamente a C, S.A. para pedir o crédito, o que afasta totalmente a ficção de que teriam sido “induzidos” a contratar pela Rte sem conhecerem as consequências decorrentes do crédito concedido – cfr. declarações transcritas em 3.c) supra.

12.A fundamentação afirma erradamente e sem qualquer sustentação na prova que os AA. teriam “fraco nível de instrução, que foram facilmente induzidos a contratar sem terem real conhecimento das cláusulas do contrato, que nunca lhes foram explicadas com o cuidado merecido por quem não tem habilitações específicas para o compreender” - tudo isto é falso.

AR explicou que quer o seu pai, quer a sua mãe sabiam ler e escrever, nada mais indicando sobre o seu nível de instrução. Não foram induzidos a contratar o crédito, antes foram eles que o pediram dirigindo-se à C, S.A. e porque necessitavam do empréstimo, especialmente em virtude de, nessa altura (Outubro de 2005), um dos filhos ter tido um acidente grave de trabalho, e o outro filho estar desempregado (conforme depoimento de M.P.). As cláusulas e condições do crédito foram explicadas aos AA. no contato telefónico inicial que estes estabeleceram com a C, S.A. quando o solicitaram e em toda a documentação que lhes foi enviada por esta, no chamado “Pacote de Abertura” (fls 46 a 50), que incluía cópia/ exemplar do contrato para ser conservado pelos AA. e folheto simplificado explicativo do crédito.

13.Toda a fundamentação de facto da sentença (exceto quanto à situação sócio-económica dos AA.) é inventada e arbitrária porque não se apoia na prova produzida nem se infere logicamente desta. O que se pode concluir é o contrário: da matéria provada resulta que os AA., além da quantia de € 8.000,00 que receberam na sua conta em 12/10/2005, ainda pediram e obtiveram outro financiamento de € 148,00 em 29/12/2005 e ao abrigo do mesmo contrato (pontos 12, 13 e 14 da matéria de facto). Mais: os AA. pagaram à Rte 22 (vinte e duas) prestações mensais de reembolso do empréstimo entre 01/11/2005 e 01/02/2008 (ponto 7) e ainda pagaram as diversas prestações acrescidas de penalidades de mora que vêm referidas no ponto 15 da matéria de facto – sem nunca invocarem desconhecimento de qualquer cláusula do contrato, falta de informação, ou apresentarem qualquer tipo de reclamação!

Finamente, e ainda quanto a esta fundamentação, dá-se aqui como reproduzido o que já ficou alegado quanto ao ponto 5 da matéria de facto: os documentos de fls 45, 47, 48, 49 e 50 – que são os contratos de crédito e respetivas minutas – são apresentados em letras perfeitamente legíveis, separadas e de fácil leitura para qualquer pessoa de média visão e compreensão (a legibilidade dos tipos de letras e apresentação dos impressos contratuais é objeto de fiscalização por parte do Banco de Portugal).

II. Quanto à matéria de direito e sua fundamentação:
14. Ao contrário do que se considerou na sentença, o DL n.º 143/2001 de 26.04 é inaplicável ao caso dos autos e não estamos perante qualquer “venda agressiva”, ao domicílio, ou equiparada. Todo o regime constante no capítulo II do DL n.º 143/2001 era inaplicável a contratos de crédito, por força do disposto na alínea a), iii) do art. 3.º desse diploma. Por outro lado, e porque a forma de colocação deste contrato de crédito não corresponde, nem é equiparável, a nenhuma das modalidades de venda descritas no art. 13.º do DL n.º 143/2001 (ou das vendas a que se referiam os capítulos IV a VI do mesmo DL) nenhuma norma deste diploma pode aplicar-se ao contrato de crédito em causa nos autos que se iniciou em 12/10/2005, portanto antes da entrada em vigor do DL n.º 95/2006, de 29.05 que instituiu o regime específico dos contratos à distância de serviços financeiros.

15. A Rte nunca pôs em causa que eram aplicáveis ao contrato de crédito em causa a disciplina das cláusulas contratuais gerais (DL n.º 446/85, de 25.10, na redação vigente em 12/10/2005) e o regime do crédito ao consumo constante a essa data do DL n.º 359/91, de 21.09.
Todavia, é errado e abusivo afirmar – como o faz a sentença recorrida – que “as cláusulas contratuais gerais constam normalmente de formulários, de letra reduzida e de leitura difícil, que o aderente não examina detalhadamente, limitando-se a neles incluir os seus elementos de identificação”.
Esta afirmação revela um censurável preconceito da Mmª Juiz a quo contra todos e quaisquer contratos de adesão por entender que todos eles são normalmente de “letra reduzida e de leitura difícil. Ou seja, segundo a Mmª Juiz, normalmente os contratos de adesão são todos nulos por violação do art. 5.º do DL n.º 446/85.
Está assim explicado o preconceito e o motivo que levaram a Mmª Juiz a quo a dar como provado o ponto 5 da matéria de facto e a repetir, agora na fundamentação de direito, que o contrato ajuizado “tem as letras muito pequenas” - o que, no entender da Rte, não corresponde à verdade patenteada pelos documentos de fls 45 a 48.

16.A sentença considera, ainda, que haverá outras e várias nulidades, a saber:
- Que o contrato não se mostra datado. No caso dos autos já se viu que o contrato está datado pela Instituição de Crédito de 08/11/2004 e que os AA. não preencheram, em seguida às suas assinaturas, a data em que as apuseram, omissão que não tem qualquer consequência ou relevância, nem afeta a validade do contrato, em virtude de se ter provado que em 12/10/2005 a Rte deu início à sua execução através do crédito na conta indicada pelos mutuários da quantia mutuada e que, por seu turno, os AA. deram início ao reembolso regular das prestações mensais de € 200,00 cada, a partir de 01/11/2005.

17.Por outro lado, uma das outras nulidades resultaria de as “Condições Gerais” do crédito não se mostrarem assinadas pelos AA. que apenas assinaram a pág. frontal do contrato de crédito. Tratando-se de um único documento incindível, a assinatura aposta na frente do contrato é válida para aceitação de todas as cláusulas nele inseridas, não se verificando qualquer nulidade, ou vício, ou inversão da paginação.

18.Diz ainda a sentença recorrida que a Rte “não logrou provar ter dado explicações, informações cabais sobre o contrato” e que “também não foi feita prova da entrega do exemplar do contrato no momento da assinatura”. O crédito seria também nulo por não terem sido adequadamente explicadas aos AA. as cláusulas do contrato.

Pelo contrário, provou-se que a Rte deu explicações sobre o funcionamento do crédito e sobre a análise de solvabilidade que fez durante e após o primeiro telefonema de iniciativa dos AA.. Provou-se que os AA. dispuseram dos documentos em suporte papel por todo o tempo que entenderam necessário para analisar as cláusulas do contrato de adesão e que durante esse tempo lhes foi dada a oportunidade de obterem quaisquer esclarecimentos que entendessem necessários através do contacto junto da Rte.
Todos estes procedimentos respeitam os deveres de informação pré-contratual e de explicação prévia das cláusulas contratuais gerais que estão consignadas na lei e especialmente no disposto no art. 6.º do DL n.º 359/91, de 21.09 (diploma aplicável em Outubro de 2005 à atividade específica da Rte). A Rte fez prova de ter cumprido esses deveres e de ter enviado aos AA. um exemplar do contrato em formato papel antes de estes o terem assinado e devolvido para a Rte.

19.A invocação da omissão de formalidades na celebração do contrato depois dos AA. terem feito suas as quantias mutuadas e de terem durante mais de dois anos cumprido o contrato com o pagamento de prestações e até de penalidades de mora, é sempre um comportamento oportunístico que consubstancia um abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.
A sentença recorrida não entendeu assim por considerar que foi a Rte que “violou a relação de boa fé e de confiança” ao “fornecer créditos pelo telefone, sem cuidar de averiguar com quem se encontra a negociar”, afirmação que não corresponde à verdade da prova produzida visto que foi explicado pelas testemunhas da Rte que os seus colaboradores, ao atenderem o pedido de crédito via telefónica dos AA., procederam logo a uma pré-análise de solvabilidade com consulta, entre outras, da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, seguida mais tarde e após a receção pela Rte dos documentos e contrato assinado, a uma nova análise na mesma e noutras bases e do exame da informação constante desses documentos.
A Mmª Juiz a quo enganou-se na análise que entendeu fazer à capacidade creditícia dos AA., não tendo examinado com o cuidado exigível a cópia da declaração de IRS de 2004 (que se encontra nos autos), a qual mostra que os rendimentos totais dos AA., entre rendimentos do trabalho dependente e de pensões e rendas eram no total anual de € 17.962,38 e mensal de € 1.497,00, isto é, um rendimento que permitia pagar a prestação mensal contratada do crédito de € 200,00 e de suportar ainda € 500,00 com outros créditos e despesas.

20.Por estas razões, é falsa e vexatória no que revela de preconceito contra a Rte, a afirmação contida na sentença segundo a qual a Autora “se preocupou unicamente com os lucros que o financiamento lhe poderia proporcionar”, descurando as dificuldades económicas dos AA. Ao considerar que, nas circunstâncias dos autos, os AA., ao invocarem a nulidade do contrato por vício formal, não agiram com abuso do seu direito, a sentença recorrida violou o disposto no art. 334.º do C. Civil e decidiu com inaceitável preconceito contra a Rte.

III. Quanto ao pedido reconvencional:
21.A sentença recorrida entendeu que o pedido reconvencional da Rte decorria integralmente do incumprimento do contrato de crédito pelos AA. e que, sendo o contrato nulo, aqueles só poderiam ser condenados na restituição dos valores entregues pela Rte caso este pedido de restituição tivesse sido feito, condição que o tribunal recorrido entendeu não se verificar.

22.Também quanto a este ponto o tribunal decidiu erradamente e com violação da lei, concretamente dos arts. 583.º, n.º1, 552.º, n.º1, als. c) e d) e 266.º, n.º2, al. a) do CPC, porquanto a Rte articulou (art. 52.º-al.a) da contestação) o pedido de restituição pelos AA. da quantia que lhe deviam de € 7.849,88 correspondentes ao capital, a juros contratuais, imposto de selo sobre crédito em conta-corrente e ao prémio de seguro, remetendo todas as quantias pedidas para o doc. de fls 60.

23.Conforme decorre desse documento e do facto provado 7, em 01/02/2008 os AA. deviam à R. a quantia de € 7.742,76 porque de todas as prestações mensais por eles pagas só a quantia de € 257,24 foi imputada à amortização de capital. Os restantes pagamentos (no montante de € 4.310,76) destinaram-se aos juros contratuais até 01/02/08, imposto de selo pago ao Estado pela Rte e encargo de seguro do crédito – tudo conforme os valores que são discriminados nas colunas do extrato que corresponde ao referido doc. 8 de fls 60.

24.A sentença recorrida violou o disposto no art. 289.º, n.º 1 do C. Civil, visto que esta norma estabelece que, sendo declarado nulo o negócio, deverá ser feita a restituição de tudo o que tiver sido prestado. Ao pedir em reconvenção o pagamento do capital, tal pedido constitui um pedido de restituição dos montantes entregues aos AA. mesmo na hipótese – que apenas se concebe sem conceder - do contrato de crédito ser declarado nulo.
Esse capital em dívida em 01/02/08 era de € 7.849,88 conforme peticionado, ou de € 7.742,76 quando considerado o ponto 7 dos factos provados (e o extrato de fls. 60).

25.Ao não ter apreciado o pedido reconvencional da Rte quanto à restituição de capital, a sentença é ainda nula por omissão de pronúncia, violando também por esta razão o disposto na al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.”

Conclui pela revogação da sentença, julgando-se improcedente a causa e procedente a reconvenção ou, ainda que assim se não entenda, pede se condenem os AA. a restituir o valor peticionado de € 7.849,88 ou de € 7.742,76, com juros acrescidos, ou o valor a liquidar.

Não se mostram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata nos próprios autos, e efeito devolutivo.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

***

II- Fundamentos de Facto:
A decisão da 1ª instância fixou como provada a seguinte factualidade:
1)Após contacto telefónico os autores, como mutuários e consumidores, celebraram com a ré, como entidade creditícia comercial, o contrato de crédito ao consumo que se mostra junto a fls. 45, e que aqui se dá por reproduzido.

2)O contrato de adesão está assinado apenas pelos autores, com a epígrafe “Contrato de adesão” e a indicação da data omissa.

3)O verso do contrato de adesão tem as epígrafes “Contrato de crédito” e “Condições gerais”, está assinada pela Ré, e tem a data de 8.11.2004.

4)A folha assinada pelos autores contém a declaração destes de adesão ao Maxicrédito com seguro, para um financiamento de € 8.000,00, a operar por transferência bancária e a pagar em mensalidades de € 200,00.

5)O texto do contrato – especialmente o parágrafo que antecede as assinaturas, bem como os dois parágrafos que vêm depois – assim como o das “condições gerais” da outra folha, apresenta-se com grafia compacta e num corpo de letra que não permite a sua fácil leitura e apreensão.

6)A ré entregou aos autores em 12 Out. 2005 a quantia estipulada de € 8.000,00.

7)Os autores pagaram à ré 22 prestações, no montante global de € 4.568,00, isto entre 1 Nov. 2005 e 1 Fev. 2008.

8)Segundo o extracto da Ré, os autores são devedores à ré, na última data indicada, de € 7.742,76.

9)Os autores sentem-se enganados pela ré e lutam presentemente com grandes dificuldades económicas.

10)Os dados pessoais que forneceram à R. foram impressos por esta na proposta de adesão que a R. enviou aos AA., por correio, com base nos dados e para a morada por estes fornecida.

11)A proposta de adesão ao contrato de crédito foi enviada pela R. aos AA. através do correio tendo o exemplar de contrato de crédito depois de preenchido e assinado pelos Mutuários, foi enviado à C, S.A..

12)Os AA. preencheram e assinaram a proposta de contrato de crédito destinada à R. e enviaram-na, juntamente com todos os documentos solicitados.

13)Em 12.10.2005 a Ré creditou na conta dos Mutuários a quantia mutuada, isto é, € 8.000,00. 

14)Os AA. pediram outro financiamento no valor de € 148,00, valor que a C, S.A. lhes creditou na conta bancária indicada no contrato, em 29.12.2005.

15)Os AA. não pagaram à R. as prestações atempadamente, pelo que entraram em mora quanto às prestações que se venceram em 01.02.2006 (a qual foi paga em 01.03.2006), 01.04.2006 (a qual foi paga em 01.05.2006), 01.06.2006 (a qual foi paga em 01.07.2006), 01.10.2006 (a qual foi paga em 01.11.2006), 01.01.2007 e 01.02.2007 (as quais foram pagas em 01.03.2007), 01.03.2007 e 01.04.2007 (as quais foram pagas em 01.05.2007), 01.05.2007 e 01.06.2007 (foram pagas em 01.09.2007), 01.07.2007 (a qual foi paga em 01.10.2007) e 01.08.2007 (a qual foi paga em 01.12.2007).
16)A TAEG e a TAN estão indicadas nas Condições Particulares do crédito, na frase correspondente ao asterisco colocado no final da frase.
 
17)Os AA. deixaram de efetuar o pagamento das prestações em 01.12.2007, sendo que naquela data pagaram a prestação vencida em 01.08.2007.

18) Em 01.03.2008 a R. resolveu o contrato de crédito.
                                                                        ***
III- Fundamentos de Direito:


Cumpre apreciar do objeto do recurso.
Como é sabido, são as conclusões que delimitam o seu âmbito. Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
Compulsadas as conclusões da apelação, verificamos que cumpre apreciar:
-Da nulidade da sentença;
-Da impugnação da matéria de facto e fundamentação das respostas;
-Da subsunção jurídica: nulidade do contrato, abuso de direito e procedência da reconvenção.

A)Da nulidade da sentença:
(…)
Em suma, não se verifica a nulidade arguida, improcedendo o recurso nesta parte.

B) Da impugnação da matéria de facto e fundamentação das respostas:
A apelante requer que seja aditado à matéria de facto o vertido no artigo 9º da petição inicial e reclama a alteração dos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 9, 10 e 16 da factualidade assente. Questiona, ainda, a fundamentação das respostas dadas, que considera fantasiosa e arbitrária, sem real apoio na prova produzida.

Analisando.
Começa por dizer-se que o reparo feito à motivação da matéria de facto não justifica tratamento autónomo fora da impugnação da matéria de facto.

Com efeito, a deficiente fundamentação da decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa apenas determina que a Relação ordene ao tribunal de 1ª instância que a fundamente, tendo em conta os depoimentos prestados e registados, nos termos e para os efeitos previstos no art. 662, nº 2, al. d), do C.P.C. de 2013, ordenando a baixa do processo.

Por outro lado, constituindo a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto a forma através da qual o juiz explica os motivos porque se pronunciou num certo sentido e não noutro, deu como provado certo facto e como não provado um outro, a incoerência do raciocínio seguido ou a falta de suporte das considerações que se achem espelhadas na fundamentação a que alude primeira parte do nº 4 do art. 607 do C.P.C. constitui sobretudo argumento para atacar a própria decisão proferida sobre a matéria de facto.
Ou seja, não convencendo o juiz, através de uma explicação em si mesma contraditória ou desapoiada, da bondade da decisão proferida quanto a certo(s) facto(s) que julgou provado(s) ou não provado(s), passará, em princípio, a parte descontente com essa decisão a dispor de bons motivos para a questionar, impugnando, para tanto, a própria decisão quanto à matéria de facto.

Também a deficiência, obscuridade ou contradição nas respostas dadas justificará, em primeira linha, a alteração dessa mesma decisão sobre a matéria de facto.

Em síntese, sem prejuízo do disposto na al. d) do nº 2 do art. 662 do C.P.C., a ausência, deficiência ou eventual contradição na fundamentação da decisão quanto à matéria de facto ou no concreto elenco factual apenas justificam a impugnação dessa mesma decisão nos termos dos arts. 640 e 662 do C.P.C..

Diga-se, ainda, que a Relação atua como tribunal de substituição quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova produzidos, pelo que lhe compete proceder à valoração autónoma desses meios de prova([1]). Ou seja, à Relação cabe considerar os meios de prova disponíveis e verificar se estes justificam as respostas dadas, não estando o tribunal de recurso cingido à análise daqueles em que se sustentou o Tribunal a quo.

Por conseguinte, o exercício a fazer nesta instância é o de reapreciar a matéria de facto e não propriamente sindicar os juízos seguidos em 1ª instância na motivação das respostas.

Isto posto, temos que de acordo com o princípio consagrado no art. 607, nº 5, do C.P.C., o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. As provas são assim valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas.

Os poderes do tribunal da Relação de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto foram, por seu turno, largamente ampliados e reforçados pelo C.P.C. de 2013, como decorre do já citado art. 662, no confronto com o anterior art. 712 do C.P.C. 1961, configurando-se agora a reapreciação da decisão de facto nesta instância como um verdadeiro novo julgamento.

Ao mesmo tempo, tal como antes, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto obedece a determinadas regras, regras essas que surgem mais precisas que no anterior C.P.C. de 1961.

Assim, de acordo com o atual art. 640, nº 1, do C.P.C., ao recorrente que impugne a matéria de facto caberá, sob pena de rejeição imediata do recurso, indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (aos quais deve, como antes, aludir na motivação do recurso e sintetizar nas conclusões), especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que, em seu entender, impunham decisão diversa quanto a cada um desses factos e propor, ainda, a decisão alternativa sobre cada um deles.

Aproximando do caso em análise, e aceitando-se que a apelante cumpre minimamente as exigências legais, vejamos, depois de ouvidos todos os depoimentos e vistos os autos.

Defende a apelante que deve dar-se como provado e aditar-se à matéria de facto assente o alegado pelos AA. no art. 9º da petição inicial com o seguinte teor: “Os Autores pretendem exonerar-se do contrato com a Ré, sem prejuízo de lhe restituírem a quantia recebida”.

Carece de sentido a pretensão.
O conteúdo do referido artigo da p.i. não corresponde a qualquer facto relevante para a decisão da causa, mas à formulação de uma intenção, porventura apenas elegível para efeitos jurídicos. Ou seja, o invocado no art. 9º da p.i. encerra a pretensão dos AA. e antecipa o pedido final formulado, nenhuma factualidade trazendo aos autos.

Indefere-se o aditamento requerido.

Sustenta a apelante que o ponto 1 da matéria de facto deve passar a ter a seguinte redação: “Após contacto telefónico de sua iniciativa, os Autores como mutuários e consumidores, celebraram com a Ré, como entidade creditícia comercial, o contrato de crédito ao consumo que se mostra junto a fls 45 e que aqui se dá por reproduzido, tendo-lhes sido enviados igualmente pela Ré os documentos que se encontram de fls 46 a fls 49 e que aqui se dão igualmente por reproduzidos”. Invoca os documentos de fls. 46 a 50, não impugnados, que correspondem ao “Pacote de Abertura” do crédito, cujo teor foi confirmado pelas testemunhas M.A.R. e B.P. que também explicaram como foram tais documentos remetidos aos AA..

Deu-se como provado sob o ponto 1: “Após contacto telefónico os autores, como mutuários e consumidores, celebraram com a ré, como entidade creditícia comercial, o contrato de crédito ao consumo que se mostra junto a fls. 45, e que aqui se dá por reproduzido”.

Verifica-se, com efeito, que a Ré alegou nos arts. 12º a 16º da contestação que foram enviados à A. e seu marido, primitivo A., os documentos juntos a fls. 46 a 50. Tais documentos incluem uma carta modelo dirigida aos interessados contendo a indicação dos elementos necessários a remeter à Ré para instrução do processo de crédito (que, com os dados fornecidos por telefone, estaria em condições de ser aprovado), um contrato de adesão tipo, as condições gerais do “contrato de crédito em conta corrente” e as “condições gerais do seguro”, um envelope de RSF (Resposta Sem Franquia) dirigido ao “Serviço MaxiCrédito” com a morada da C, S.A. em Lisboa para que pudessem ser enviados por correio os elementos solicitados, e ainda outras informações sobre esse envio.

O Tribunal a quo nada disse sobre tal alegação, sendo que não mencionou ou elencou, tão pouco, quaisquer factos como não provados.

Ora, na realidade as testemunhas M.A.R. e B.P., funcionários da Ré, explicaram em audiência que tal documentação é enviada ao interessado que contacta telefonicamente a C, S.A. para concessão de um crédito. O procedimento explicado revela-se coerente com as exigências de subscrição do contrato de adesão e instrução do processo respetivo, pois no contato telefónico preliminar, da iniciativa do cliente, este dá indicações elementares – nome, morada, valor do empréstimo pretendido, rendimentos auferidos, despesas suportadas, etc. – que têm, pelo menos em parte, de ser depois confirmadas pela financiadora através da entrega dos documentos necessários.

Por conseguinte, cumpre esclarecer que a iniciativa do telefonema foi da A. e seu marido e dar ainda como provado que aos mesmos foram enviados os documentos de fls. 46 a 50, se bem que com autonomia relativamente ao dito ponto 1, depurando o texto, tanto quanto possível, de conceitos normativos.

Assim, deve o ponto 1 passar a ter a seguinte redação: “Após contacto telefónico de sua iniciativa, a A. e o falecido VR, como «mutuários», celebraram com a Ré, como entidade creditícia comercial, o «Contrato de Crédito em Conta Corrente» com o teor constante de fls. 45 que aqui se dá por reproduzido”;
Mais se adita um ponto 1-A aos factos assentes com a seguinte redação: “Para o efeito, foram-lhes enviados pela Ré os documentos com o teor constante de fls. 46 a 50 dos autos (carta com aprovação do crédito e pedido de elementos, modelo de contrato de adesão, condições gerais do contrato de crédito em conta corrente, nota informativa sobre o seguro facultativo, envelope de resposta (RSF) e instruções sobre preenchimento e reenvio dos elementos solicitados)”.

No que respeita ao ponto 2 dos factos assentes, diz a apelante que o mesmo não esclarece, como devia, onde e quem omitiu a indicação da data, cabendo aos AA. essa indicação. Diz, por isso, que aquele ponto deve passar a ter a seguinte redação: “O contrato de adesão está assinado apenas pelos Autores, com a epígrafe “Contrato de Adesão” não se encontrando inscrita a data de assinatura em seguida às assinaturas dos Autores MR e VR”.
Deu-se como provado sob o ponto 2: “O contrato de adesão está assinado apenas pelos autores, com a epígrafe “Contrato de adesão” e a indicação da data omissa”.

Embora sem interesse relevante, reconhece-se, através dos campos a preencher do doc. de fls. 45 (contrato de adesão), que a indicação da data (identificada por quadrículas com a menção “dia/mês/ano”) se encontra dentro do campo destinado à assinatura de cada um dos titulares, sob indicação “Data e assinatura do 1º titular”, “Data e assinatura do 2º titular”, constando em cada um desses campos apenas a assinatura daqueles MR e VR, respetivamente.

Assim, deve aquele ponto 2 passar a ter a seguinte redação: “O documento de fls. 45, sob a designação de «Contrato de adesão», mostra-se assinado por MR e VR que no campo respetivo não indicaram a data conforme era solicitado”.

Requer também a apelante que o ponto 3 dos factos assentes passe a ter a seguinte redação: “O verso do contrato de adesão, marcado como pág. 1, tem as epígrafes “Contrato de Crédito” e “Condições Gerais”, está assinado pela Ré e tem a data de 8/11/2004”.

Deu-se como provado sob o ponto 3: “O verso do contrato de adesão tem as epígrafes “Contrato de crédito” e “Condições gerais”, está assinada pela Ré, e tem a data de 8.11.2004”.

Verificamos que a face de fls. 45 corresponde ao “Contrato de adesão” e constitui a pág. 2 do documento. Por seu turno, o verso de fls. 45 corresponde à pág. 1 e é encimado pela designação “Contrato de Crédito em Conta Corrente”, aí se destacando que se trata de “proposta válida até 31.12.2005, e pode converter-se em contrato, desde que assinada pelo(s) Mutuário(s), nos termos seguintes: (…)” a que se segue a indicação “Condições Gerais”. A mesma página mostra-se, no final, assinada pela Ré e tem aposta a data de 8.11.2004.

Por conseguinte, e reproduzindo com maior exatidão tal realidade, o ponto 3 deverá ter a seguinte redação: “O verso de fls. 45 tem indicado no canto superior direito «Pág. 1» e é encimado pela designação «Contrato de Crédito em Conta Corrente», aí se destacando que se trata de «proposta válida até 31.12.2005, e pode converter-se em contrato, desde que assinada pelo(s) Mutuário(s), nos termos seguintes: (…)» a que se segue a indicação «Condições Gerais» e as cláusulas correspondentes, mostrando-se, no final, assinada pela Ré C, S.A., com a data aposta de 8.11.2004”.

Adita-se, ainda, um ponto 3-A nos seguintes termos: “A face de fls. 45 tem indicado no canto superior direito «Pág. 2» e é encimada pela designação «Contrato de Adesão»”.

Defende igualmente a apelante que que do ponto 4 deve constar: “A folha assinada pelos Autores (marcada como pág. 2) contém a declaração destes de adesão ao “MaxiCrédito” com seguro, para um financiamento de € 8.000,00, a operar por transferência bancária e a pagar em mensalidades de € 200,00”.

Deu-se como provado sob o ponto 4: “A folha assinada pelos autores contém a declaração destes de adesão ao Maxicrédito com seguro, para um financiamento de € 8.000,00, a operar por transferência bancária e a pagar em mensalidades de € 200,00”.

Como corolário do que acima se disse, analisando o referido documento e reproduzindo com maior rigor o que dele consta, deve o dito ponto 4 passar a ter a seguinte redação: “Da referida face de fls. 45, «Contrato de Adesão», consta assinalada com uma cruz manuscrita a quadrícula «Sim, desejo aderir ao “MaxiCrédito” com seguro», constando abaixo os dizeres «Montante da reserva solicitada: 8.000,00 Euros com mensalidades de 200,00 Euros», mais ali se assinalando «Quero beneficiar de imediato por transferência bancária de: a totalidade da minha reserva”.

Diz a apelante que deve dar-se como não provado o ponto 5. Invoca os documentos de fls. 45 a 50, assinalando, no essencial, que dos mesmos não resulta uma grafia compacta ou um corpo de letra que não permita a sua fácil leitura e apreensão, tanto mais que os AA. não só fizeram o preenchimento correto, como enviaram à Ré os documentos que lhe eram solicitados no mesmíssimo tipo de letra.

Deu-se como provado sob o ponto 5 supra: “O texto do contrato – especialmente o parágrafo que antecede as assinaturas, bem como os dois parágrafos que vêm depois – assim como o das “condições gerais” da outra folha, apresenta-se com grafia compacta e num corpo de letra que não permite a sua fácil leitura e apreensão”.

Trata-se de uma afirmação claramente conclusiva, sendo que o texto do documento se apresenta, em particular no que respeita às “Condições Gerais”, com o aspeto gráfico e o tipo e tamanho de letra comum nesta espécie de contratos de adesão com entidades financeiras ou bancárias. Por outra banda, no que se refere à face de fls. 45, “Contrato de Adesão”, o tipo de letra é, no geral, de tamanho maior, sendo mais reduzido no parágrafo que antecede as assinaturas e no campo seguinte respeitante ao “Seguro”. Em todo o caso, o destaque dos campos e as cores diferentes que os assinalam (na face do doc. de fls. 45) bem como a numeração destacada das “Condições Gerais” (verso de fls. 45) ajudam a sua leitura, não podendo afirmar-se que esta ou a compreensão do texto se torne especialmente difícil ao homem comum e médio. Acresce que o original de fls. 45 nada tem que ver com a cópia, a preto e branco, junta com a petição inicial a fls. 10/11.

Assim, deve o ponto 5 passar a ter a seguinte redação: “O texto do documento de fls. 45, ainda que em tamanho mais reduzido nalgumas passagens, apresenta-se, em particular no que respeita às «Condições Gerais», com o aspeto gráfico e o tipo e tamanho de letra comum nesta espécie de contratos de adesão com entidades financeiras ou bancárias”.

Quanto ao ponto 9 propõe a apelante que, quando muito, se dê ali como provado que: “Os autores lutavam com grandes dificuldades económicas e para lhes fazer face contraíram o crédito”.

Deu-se como provado sob o ponto 9 (corresponde ao que fora alegado no art. 8º da p.i.): “Os autores sentem-se enganados pela ré e lutam presentemente com grandes dificuldades económicas”. A apelante afirma que nenhuma prova se fez desta factualidade.

No que se refere à primeira parte do ponto 9, verifica-se, efetivamente, que ninguém o afirmou ou sequer sugeriu em audiência.

O co-A. habilitado AR, filho do casal de mutuários, que prestou declarações de parte, nada disse sobre os pais se terem sentido enganados pela Ré, demonstrando até grande desconhecimento sobre o pedido, concessão ou condições do empréstimo. Do mesmo modo, a testemunha M.P., ex-mulher daquele A. habilitado, que também já teve um litígio com a Ré por causa de um empréstimo (tendo chegado a um acordo), limitou-se a afirmar que ajudou a A. MR a preencher o documento (proposta) enviado pela Ré, referindo que este já vinha preenchido em parte. Disse, no entanto, desconhecer o montante do empréstimo. Em nenhum momento afirmou que os sogros se tivessem sentido enganados pela Ré.

Além dos acima referidos, apenas os dois funcionários da Ré prestaram depoimento.

No que se refere à circunstância afirmada na segunda parte do ponto 9 de que os AA. lutam presentemente com grandes dificuldades económicas, não se vislumbra, salvo o devido respeito, a relevância do facto, ainda que verdadeiro, para a decisão da causa. Com efeito, será indiferente à apreciação da validade do contrato ou do seu incumprimento que os AA. atravessem agora dificuldades económicas, tanto mais que tal não constituiu também, como sabemos, motivo de exclusão da responsabilidade contratual.

Quanto à redação proposta pela recorrente, nem sequer corresponde a qualquer alegação relevante que tenha sido produzida.

Em suma, pelas razões apontadas, deve eliminar-se o ponto 9.

A apelante pretende ainda ver alterado o ponto 10 supra, tendo em conta o teor de fls. 45 que evidencia, com clareza, quais os dados que estavam já impressos na proposta de adesão quando esta foi enviada aos AA. pelo correio e quais os dados que estes preencheram com o seu punho. Propõe, por isso, a ter a seguinte redação: “Uma parte dos dados pessoais que os Autores forneceram à Ré foram impressos por esta na proposta de adesão que a Ré enviou aos Autores por correio com base nos dados e para a morada por estes fornecida, tendo outros dados sido preenchidos à mão pelos AA., designadamente a opção com Seguro, valor do crédito a solicitar, nome, morada completa e telefones da A. MR, nome do falecido marido da A., VR, opção por contactos por SMS, assinaturas de cada um dos AA. no retângulo próprio onde estavam os espaços para a data de assinatura, o n.º de identificação bancária (NIB) e nova assinatura da A. MI”.

Deu-se como provado sob o ponto 10: “Os dados pessoais que forneceram à R. foram impressos por esta na proposta de adesão que a R. enviou aos AA., por correio, com base nos dados e para a morada por estes fornecida”.

Nenhuma razão assiste aqui à recorrente.
Da análise de fls. 45 resulta de forma evidente que na proposta de adesão que a Ré enviou à A. e marido parte dos campos já teriam sido preenchidos/impressos pela Ré C, S.A., certamente porque tais elementos já lhe teriam sido antes fornecidos, e outros campos terão sido preenchidos à mão por aqueles A. e marido ou por terceiro a seu pedido. A proposta de redação da apelante nada acrescenta ou contrapõe ao que já consta do ponto 10.

É de manter, por isso, o aludido ponto 10 supra.

Por fim, requer a apelante, a alteração do ponto 16 face ao teor do “Contrato de Adesão” de fls. 45. Diz que, como na sentença se afirma que a paginação do contrato está mal aposta, deve especificar-se que a referência a TAEG e a TAN se encontram indicadas na página que contém as assinaturas dos AA., pelo que a redação correta do facto 16 deverá ser a seguinte: “A TAEG e a TAN estão indicadas nas Condições Particulares do crédito, na frase correspondente ao asterisco colocado na folha do contrato que contém as assinaturas dos Autores (fls. 45, pág. 2 do doc. 1 junto em 28/10/08)”.

Deu-se como provado sob o ponto 16: “A TAEG e a TAN estão indicadas nas Condições Particulares do crédito, na frase correspondente ao asterisco colocado no final da frase”.

Não se percebe exatamente o alcance do reparo da apelante, embora se reconheça a deficiência na formulação do ponto 16.

Uma vez mais, reproduzindo com maior rigor o que consta do “Contrato de Adesão” (face de fls. 45), deve o ponto 16 ter a seguinte redação: “Na face de fls. 45, a seguir aos dizeres «Montante da reserva solicitada: 8.000,00 Euros com mensalidades de 200,00 Euros» referidos no ponto 4 supra, consta um asterisco que assinala, em rodapé, a TAEG e a TAN”.

Em conclusão:
a)Altera-se a redação dos pontos 1, 2, 3, 4, 5 e 16 e aditam-se os pontos 1-A e 3-A, nos termos sobreditos;
b)Elimina-se o ponto 9; e
c)Mantém-se o ponto 10.
Procede assim, em parte, o recurso no que toca à impugnação da matéria de facto.

C) Da subsunção jurídica: nulidade do contrato, abuso de direito e procedência da reconvenção:
Aqui chegados, é intuitivo que será aos factos julgados assentes, definitivamente fixados, que deve ser aplicado o direito. Tal vale por dizer que o enquadramento jurídico a levar a cabo há-de partir daquilo que se encontra provado, sendo de afastar todas as considerações e/ou suposições que ali não encontrem o indispensável suporte.

A primeira questão prende-se, naturalmente, com a apreciação sobre a nulidade do contrato sub judice.

Os AA. invocaram a nulidade do referido contrato de financiamento, nos termos do DL nº 359/91, de 21.9, então aplicável ao contrato de crédito ao consumo, invocando para o efeito que os mutuários não assinaram a folha respeitante às “Condições Gerais”, o aspeto gráfico do contrato não permite uma fácil leitura e compreensão do texto, não indica a TAEG e as condições da sua alteração (art. 6, nº 2, als. a) e c), do referido DL nº 391/91), não indica o custo do seguro exigido (art. 6, nº 2, al. h) do mesmo DL), e não indica o número e o valor total das prestações (art. 6, nº 3, als. d) e e), do aludido diploma).

Na sentença concluiu-se, no essencial, que o contrato era nulo porque não se mostra datado, as condições gerais não se encontram assinadas pelos AA., as letras são muito pequenas, não foram adequadamente explicadas as cláusulas do mesmo e não foi entregue cópia de um exemplar no momento da assinatura. Mais se entendeu que apesar dos mutuários terem pago 22 das prestações podem invocar a nulidade do contrato sem incorrer em abuso de direito, concluindo, além do mais, que quem “violou a relação de boa fé e de confiança que deve existir entre quem contrata foi a Ré”, pelo que se julgou improcedente a exceção de abuso de direito arguida.

Analisando.
Importa referir, em primeiro lugar, que, conforme salienta a apelante, o DL nº 143/2001, de 26.4, então aplicável aos contratos celebrados à distância([2]) e que foi referido na sentença, não pode invocar-se no caso, visto que o art. 3 respetivo exclui expressamente do seu âmbito de aplicação os serviços financeiros, nomeadamente os referentes a serviços bancários([3]).

Por outro lado, e uma vez que estamos perante um contrato de adesão que é também um contrato de crédito ao consumo, dúvidas não haverá de que são aqui de convocar o DL nº 446/85, de 25.10 (alterado pelos DL nº 220/95, de 31.10, DL nº 249/99, de 7.7, e DL nº 323/2001, de 17.12), que instituiu em Portugal o regime a que estão sujeitas as cláusulas contratuais gerais, e o DL nº 359/91, de 15.9 (o mútuo foi celebrado antes de 12.10.2005)([4]), que regulou, designadamente, as condições de publicitação do contrato de crédito ao consumo.

Dissecando agora os fundamentos da sentença sob recurso, temos que o contrato de crédito ao consumo deve ser reduzido a escrito e assinado pelos contraentes, sendo obrigatória a entrega de um exemplar ao consumidor no momento da assinatura, sob pena de nulidade (art. 6, nº 1, e 7, nº 1, do mencionado DL nº 359/91).
Trata-se de uma sanção especialmente grave, diversa da normalmente prevista quanto à omissão de deveres deste género (em geral resolvidas no quadro do incumprimento), que visa tornar mais efetiva e eficaz a tutela do consumidor([5]).

Sucede que se uma tal omissão se presume imputável ao credor, a nulidade correspondente só pode ser invocada pelo consumidor (art. 7, nº 4, do DL nº 359/91).

No caso, e salvo o devido respeito, os demandantes não alegaram tal falta nem na mesma fundaram tão pouco o pedido de nulidade do contrato, pelo que a questão não foi sequer discutida no processo. Aliás, os AA. reportam-se, na petição inicial, ao assinalar certas caraterísticas do contrato, a uma “cópia fornecida pela ré” que depois juntam sob doc. 1 (cfr. arts. 1º a 4º da petição inicial), pelo que dúvidas não haverá de que receberam um exemplar por si assinado. Por outro lado, a forma especial seguida na formação deste específico contrato – é assinado primeiro pela financiadora que o elabora por pedido telefónico do cliente, enviado por correio ao mutuário que, por seu turno o preenche (ao menos em parte), o assina e devolve depois àquela financiadora – convive mal com a regra de que o financiador deve entregar um exemplar do contrato no momento da sua subscrição pelo consumidor([6]). Na situação em análise provou-se, ainda assim, que a Ré enviou à A. e seu marido, com o contrato de adesão, um contrato de adesão tipo (ponto 1-A supra) que contém as condições gerais do contrato mas que, naturalmente, não pode conter, no que se refere às condições particulares, a cópia de um contrato então ainda não integralmente preenchido e assinado pelos mutuários.

Neste ponto não pode, por isso, concordar-se com o sentenciado.
Diz-se também na sentença que o contrato é nulo porquanto não foi comunicado e explicado o seu conteúdo aos mutuários, como seria mister, o aspeto gráfico do mesmo não permite uma fácil leitura e compreensão do texto e os mutuários não assinaram a folha respeitante às “Condições Gerais”, tudo nos termos dos arts. 5, 6 e 8, als. a), c) e d), do citado DL nº 446/85, de 25.10.

No que respeita ao dever de informação sobre o conteúdo das cláusulas (arts. 5 e 8, al. a), do DL nº 446/85) não foi, salvo o devido respeito, suscitada também a questão pelos AA.. Isto é, estes invocaram determinadas omissões ou deficiências do contrato por si subscrito – como o aspeto gráfico do texto e a falta de assinatura dos mutuários depois das condições gerais – mas não alegaram que não lhes tivessem sido explicados os termos do contrato ou que lhes tenha sido recusado qualquer esclarecimento por si solicitado. Acresce que a circunstância de não ter havido contacto físico entre os contraentes – os contactos foram realizados por telefone e por correio – não traduz forçosamente uma falta de informação ou explicação sobre o conteúdo do contrato, como parece sugerido na sentença, tanto mais que não se mostrava proibida a contratação nessas condições. Em suma, esta concreta questão não foi discutida na causa, não podendo concluir-se, por isso, que foi violado, nessa perspetiva, o dever de informação, ainda que entendamos que a violação desse dever constitua nulidade de conhecimento oficioso([7]), podendo o tribunal dela conhecer mesmo que não arguida pelo aderente.

Debrucemo-nos, então, sobre a alegação de que os mutuários não assinaram a folha respeitante às “Condições Gerais” e que o aspeto gráfico do contrato não permite uma fácil leitura e compreensão do texto.

Quanto a este último aspeto também não podemos concordar com a afirmação feita em 1ª instância no sentido de que “(…) as letras apostas na menção “Os abaixo assinado Mutuários declaram aceitar todas as condições gerais deste contrato de crédito da quais igualmente declaram ter tido integral conhecimento antes de assinar e das quais confirmam ter recebido um exemplar” estão apostas em letras de tamanho muito pequeno (mais pequeno que as demais usadas no contrato), e sem espaço suficiente entre as linhas para que seja fácil a sua leitura. (…)”.

Conforme se deu acima como provado sob o ponto 5, o texto do contrato apresenta-se, no geral, com o aspeto gráfico e o tipo e tamanho de letra comum nesta espécie de contratos de adesão com entidades financeiras ou bancárias, ainda que esse tamanho de letra seja mais reduzido numas passagens do que noutras.Ou seja, não se apurou que o texto do contrato, mesmo nas passagens de letra mais reduzida, se apresente com grafia compacta que não permita a sua cabal leitura e apreensão, de modo a que todas ou certas passagens passem despercebidos a um contratante normal, colocado na posição do contratante real (art. 8, al. c), do DL nº 446/85).

Já no que respeita à assinatura dos contraentes, há que atender ao disposto na al. d) do art. 8 do DL nº 446/85, segundo a qual se consideram excluídas dos contratos singulares “As cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contratantes”.

No caso, provou-se que a face de fls. 45 tem indicado no canto superior direito «Pág. 2» e é encimada pela designação «Contrato de Adesão» constando da mesma a assinatura de MR e de VR (pontos 2 e 3-A supra) e que, por seu turno, o verso de fls. 45 tem indicado no canto superior direito «Pág. 1» e é encimado pela designação «Contrato de Crédito em Conta Corrente», aí se destacando que se trata de «proposta válida até 31.12.2005, e pode converter-se em contrato, desde que assinada pelo(s) Mutuário(s), nos termos seguintes: (…)» a que se segue a indicação «Condições Gerais» e as cláusulas correspondentes, mostrando-se, no final, assinada pela Ré C, S.A., com a data aposta de 8.11.2004 (ponto 3 supra). No fundo, o contrato é constituído por face e verso, sendo que a face do documento representa as condições particulares e o verso as condições gerais.

Ora, não obstante a numeração das páginas sugerir que a assinatura dos mutuários vem depois das “Condições Gerais” – o verso, que as contém, constitui a pág. 1, e a face, de que constam as assinaturas dos mutuários, constitui a pág. 2 – estamos perante um simples artifício que não tem o condão de alterar a realidade.
Veja-se que foi na face do dito documento de fls. 45, encimado pela designação «Contrato de Adesão», que a Ré (que procedeu à respetiva junção ao processo) colocou a indicação “Doc. 1”, salientando dessa forma que aquela é, afinal, a primeira e mais relevante folha/página do documento. Pelo menos assim é entendido pelo homem comum que, como é evidente, “lê” o documento a partir da página que se lhe apresenta pela face mais apelativa, com maior destaque, pela cor, pela forma e até pela variação no tamanho das letras, sendo que representa, além do mais, as condições particulares do contrato que, por definição, traduzem o interesse concreto do destinatário.

Em suma, para todos os efeitos não pode considerar-se, como sugere a Ré, que ao aporem a respetiva assinatura na face do documento de fls. 45 os mutuários o faziam no final do contrato, posto que esta já era a página 2, contendo a antecedente página 1 (verso de fls. 45) as “Condições Gerais”. Dito de outro modo, tem de considerar-se para todos os efeitos irrelevante a paginação do documento em questão pela Ré C, S.A..

Isto posto, parece-nos adequado reproduzir então as expressivas considerações produzidas no Ac. do STJ de 3.5.2007([8]) sobre esta norma:
“(…) Inseridas ... depois, diz a lei.
E a pergunta é: inserida ... depois tem a ver com o tempo ou com o espaço?
Se fosse o tempo o diploma que regula as cláusulas contratuais gerais nada traria ( teria trazido ) de novo ao universo jurídico pois é transparente que a assinatura de alguém em qualquer contrato cobrirá apenas as disposições de vontade contratual que ao tempo da assinatura se tiverem manifestado – algo que se lhe acrescente posteriormente não prescindirá de uma nova assinatura que lhe imprima a sinceridade da expressão de uma nova vontade.
O que a lei traz de novo, apelando ao espaço, é a garantia de que efectivamente a expressão da vontade só é relevante e válida se se exprime perante algo que está antes dela, não depois.
A assinatura que valida um contrato, uma vontade contratual, é a assinatura por baixo da expressão escrita dessa mesma vontade.
Daí que a lei - que quer proteger a genuinidade da vontade contratual de alguém a quem, sem possibilidade de discussão, se apresenta um enumerado de condições contratuais que não pôde negociar mas a que se sujeita porque quer contratar – tenha o cuidado de validar apenas as cláusulas que estão antes da assinatura, considerando excluídas todas aquelas que aparecem depois.
Não precisava de o dizer para aquelas que, num tempo posterior, aparecem ( aparecessem ) a acobertar-se numa prévia assinatura que em vista tem ( tinha ) apenas o que antes o seu titular negociara; mas precisa de o dizer para aquelas que, construídas antes pelo proponente e incluídas ( inseridas ) num formulário apresentado, são colocadas perante a contraparte num local ... abaixo da assinatura. Seja, abaixo da reflexão que a assinatura representa e da qual a lei, em defesa do destinatário, não prescinde. (…)”.

Parece, com efeito, não haver dúvida de que a lei, através da al. d) do art. 8 do DL nº 446/85, quis considerar sempre excluídas dos contratos singulares as cláusulas inseridas nos formulários (de adesão) depois da assinatura de algum dos contratantes([9]), independentemente até do cumprimento do dever de informação a que se alude nas restantes alíneas do mesmo artigo. Ou seja, mesmo quando as cláusulas contratuais tenham sido devidamente comunicadas ao aderente nos termos do art. 5 do DL nº 446/85, aquelas inseridas depois da assinatura de algum dos contraentes não poderão, de acordo com lei expressa, vinculá-lo([10]), levando a crer que não foram as mesmas lidas ou aceites, pois no contrato escrito é a assinatura que exprime a assunção do compromisso. “(…) A clara intenção de protecção do aderente, que aliás explica o acentuado formalismo adoptado pelo legislador, conduz a fazer prevalecer a presunção de que há fundadas razões para crer que possa não ter ponderado devidamente o significado das cláusulas posteriores ao acto que exprime a assunção, pelo declarante, da declaração que emitiu: a sua assinatura. (…)”([11]).

Deste modo, e sem prejuízo das considerações expendidas sobre a irrelevância de outros reparos que foram assinalados na sentença ou dos que foram levados a cabo pelos AA., surge como incontornável a circunstância de que as “Condições Gerais” do contrato em apreço se encontram, de facto, colocadas depois das assinaturas dos mutuários.

Nessa medida, as referidas “Condições Gerais” têm-se por necessariamente excluídas do mesmo.

A exclusão das cláusulas ao abrigo do art. 8 do DL nº 446/85 não gera necessariamente a nulidade do contrato, tendo em vista o disposto no art. 9, nº 1, do mesmo Diploma, que prevê a manutenção do contrato “vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos” (um regime próximo da regra geral da redução do negócio jurídico prevista no art. 292 do C.C.).
Sucede, porém, que estando em causa, na situação em análise, o conjunto das condições gerais inerentes ao contrato de adesão e que o caracterizam, dificilmente se poderá conceber a subsistência do acordo confinado às condições particulares estabelecidas([12]). Tanto mais que, conforme consta do ponto 3 supra, no verso de fls. 45 que contém as ditas «Condições Gerais» e as cláusulas correspondentes diz-se imediatamente antes que se trata de “proposta válida até 31.12.2005, e pode converter-se em contrato, desde que assinada pelo(s) Mutuário(s), nos termos seguintes: (…)”, referindo-se ainda na menção que antecede as assinaturas dos mutuários que estes declaram, designadamente, aceitar todas as condições gerais do contrato e ter consciência de que essas “declarações e informações são essenciais para a C, S.A. decidir aceitar a proposta de crédito”.

Estando em causa, por isso, a nulidade do contrato fundada na violação do regime das cláusulas contratuais gerais, logo, de conhecimento oficioso, não pode convocar-se o instituto do abuso de direito. Ou seja, se a apreciação de tal nulidade não depende da arguição do aderente – ao invés do que sucede no regime jurídico do contrato de crédito ao consumo previsto no DL nº 359/91, de 15.9, como acima observámos – não faz qualquer sentido ponderar sobre se os AA. agiram em abuso de direito ao invocar o respetivo vício. Na verdade, a ilegitimidade em que se traduz o abuso de direito não resulta da violação formal de qualquer preceito legal em concreto mas da utilização manifestamente anormal, excessiva, do direito, independentemente do animus ou da consciência que o seu titular tenha do carácter abusivo da sua conduta([13]).

Da nulidade assim reconhecida decorre, como é inevitável, a improcedência da reconvenção, baseada na validade do contrato e no respetivo incumprimento pela contraparte.

Em todo o caso, tal nulidade não deixa de ter outras implicações.
Na verdade, a declaração de nulidade tem efeito retroativo, acarretando a obrigação de restituir tudo o que houver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (cfr. art. 289, nº 1, do C.C.). Desta forma, uma vez julgado nulo um contrato tudo funciona como se o mesmo nunca tivesse existido, obrigando-se os intervenientes a repor o que tenham recebido.

É, pois, no art. 289 do C.C., que estabelece quais os efeitos da declaração de nulidade ou da anulação, que tem de justificar-se a obrigação de restituir, uma vez afastada a validade do mútuo celebrado.

Deste modo não pode, naturalmente, subscrever-se o entendimento seguido na sentença de que não há lugar, no caso, à restituição das quantias entregues porque tal não foi peticionado (pela Ré) com fundamento na nulidade do contrato.

Tal significa, por isso, que em decorrência da nulidade declarada, cumprirá aos AA. restituir à Ré o montante de € 8.148,00 que esta lhes entregou (pontos 4 e 14 supra) e à Ré devolver aos AA. o montante de € 4.568,00 que os mesmos lhe pagaram (ponto7 supra), o que vale por dizer que aos AA. caberá pagar à Ré a quantia de € 3.580,00, correspondente à diferença entre aqueles valores (€ 8.148,00-€ 4.568,00).

Procede, assim, apenas em parte o recurso.

***

IV- Decisão:

Termos em que e face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, condenando os AA. a entregar à Ré a quantia de € 3.580,00 tendo em vista a nulidade do contrato, confirmando, no mais, a sentença recorrida ainda que com fundamentação parcialmente diversa.
A apelante suportará 70% do valor das custas devidas nesta instância, não havendo lugar ao pagamento da parte restante.
Notifique.

***

Lisboa, 5.5.2015

Maria da Conceição Saavedra
Cristina Coelho
Roque Nogueira                                                                                          

[1] Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, pág. 244.
[2] Este DL 143/2001 foi, entretanto, revogado pelo DL nº 24/2014, de 14.2.
[3] Foi posteriormente o DL nº 95/2006, de 29.5, que, transpondo para a ordem jurídica nacional a Diretiva nº 2002/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro, veio consagrar um regime específico para os contratos à distância relativos a serviços financeiros.
[4] O referido DL nº 359/91, de 15.9, veio a ser revogado pelo DL nº 133/2009, de 2.6.
[5] Gravato de Morais, “Contratos de Crédito ao Consumo”, Almedina, 2007, págs. 104/105.
[6] Recorde-se que, aquando da subscrição do contrato dos autos, não se encontrava estabelecido um regime jurídico específico para os contratos à distância relativos a serviços financeiros.
[7] Cfr. Ana Prata, “Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais”, 2010, págs. 266 a 282 e 309 a 313, em anotação aos arts. 8 e 12 do DL 446/85.
[8] Proc. 06B1650, disponível em www.dgsi.pt.
[9] Ver sobre a questão Ana Prata, ob. cit., págs. 272 a 276, em anotação ao art. 8 do DL 446/85, e a jurisprudência aí citada.
[10] Conforme se assinalou no Ac. do STJ de 7.1.2010, Proc. 08B3798, disponível em www.dgsi.pt, devem ter-se como não escritas as cláusulas contratuais que fisicamente se encontram no verso do documento, após as assinaturas dos contraentes, ainda que antes dessas assinaturas haja uma cláusula no sentido de que o mutuário declara ter tomado conhecimento e dado o seu acordo às que constam do verso.
[11] O mesmo já citado Ac. do STJ de 7.1.2010.
[12] Cfr. Ac. do STJ de 28.4.2009, Proc. 2/09.1YFLSB, em www.dgsi.pt.
[13] Cfr. Ana Prata, “Dicionário Jurídico”, 3ª ed., pág. 7.