Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1159/14.5TYLSB-AD.L1-1
Relator: RENATA LINHARES DE CASTRO
Descritores: FALÊNCIA
INEFICÁCIA DO NEGÓCIO
INOPONIBILIDADE
MASSA FALIDA
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
DESPESAS COM IMÓVEL
BENFEITORIAS
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/25/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário (da relatora) – artigo 663.º, n.º 7, do CPC[1]
I. Um acto será ineficaz sempre que não produza todos ou parte dos efeitos que a categoria a que pertence está, em abstracto, apta a produzir, pelo que a ineficácia não equivale necessariamente à falta total de efeitos.
II. Ao ser declarada a ineficácia de uma escritura pública de compra e venda outorgada em momento posterior ao da prolação e registo da sentença que declarou a falência, com fundamento no estatuído nos artigos 147.º, n.º 2, e 155.º, n.º 1, ambos do CPEREF, o efeito jurídico atinente à transmissão da propriedade sobre o imóvel não se poderá ter por produzido com relação à massa falida.
III. Não se trata de uma ineficácia absoluta (erga omnes), mas antes de uma ineficácia relativa, já que apenas se verifica com relação à massa falida (inoponibilidade à mesma), não afectando a validade do negócio.
IV. Até ao momento da declaração de ineficácia da escritura pública, quem usufruiu do bem foi quem interveio na qualidade de compradora e figurou como proprietária do imóvel, seja perante a administração fiscal, seja perante o condomínio, nessa medida só ela sendo responsável pelos pagamentos devidos a esse título.
V. Para que se possa caracterizar uma benfeitoria como necessária é exigível que a mesma seja de facto imprescindível à conservação da coisa, só dessa forma se justificando que não se admita a restituição do enriquecimento através do seu levantamento e se imponha ao proprietário o pagamento de uma indemnização.
VI. Aquele que peticiona a restituição fundada em enriquecimento sem causa tem o ónus de alegação e prova dos factos pertinentes ao preenchimento dos seguintes requisitos: a) existência de um enriquecimento; b) obtenção desse enriquecimento à custa de outrem (empobrecimento deste último); e c) ausência de causa justificativa desse enriquecimento.
VII. Nada se tendo apurado quanto a eventuais obras que tivessem sido realizadas no imóvel (bem como quanto à sua necessidade ou possibilidade de poderem ou não ser levantadas sem prejuízo do imóvel), carece de sustentação a pretensão da autora, nada podendo a mesma reclamar, seja a título de benfeitorias, seja a título de enriquecimento sem causa (já que não ficou demonstrada qualquer valorização do imóvel, isto é, qualquer vantagem objectiva e concretamente obtida pela massa falida).
VIII. O facto de a autora ter usufruído do imóvel por cerca de 20 anos, por si só traduz um benefício económico, mais a mais quando o imóvel foi alvo de arrendamento, sendo as rendas pela mesma recebidas.
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[1] Por opção da relatora, o presente acórdão não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa.
I - RELATÓRIO
Em 04/01/2021, Auferma - Investimentos Imobiliários, S.A. intentou a presente acção de processo comum contra a massa falida de Favorita – Indústria Agro-Alimentar, S.A., representada pela liquidatária judicial AR[2], peticionando a condenação da ré a:
“a) Pagar à A. o valor de 91.716,35€, acrescido de juros à taxa de 7%, desde 2000 até efetivo pagamento, referente aos factos invocados em 4º desta PI;
b) A pagar à A. o valor de 25.237,00€ a título de IMI, referente ao prédio identificado em 1º, entre 2000 a 2019, conforme alegado em 5º desta PI;
c) Pagar à A., 5.237,00€ de levantamento da penhora que incidia no prédio identificado em 1º, acrescido de juros à raxa legal desde 1999, até à presente data, conforme alegado em 5º da PI;
d) Pagar à A. 24.021,32€ de condomínio pago, conforme referido em 5º;
e) Ser conferido à A. o direito de retenção do imóvel identificado em 1º, até efetivo pagamento do valor peticionado em a), b), c) e d) desta petição, bem como os seus rendimentos.”
Para tanto alegou: - Estar registada a seu favor a fração autónoma melhor identificada nos autos, por a ter adquirido por escritura pública de compra e venda celebrada em 30/09/1999, a qual veio a ser declarada ineficaz; - Ter procedido a obras de beneficiação no imóvel e pago os impostos devidos a título de IMI dos anos de 2000 a 2019, bem como as quotas de condomínio ao mesmo respeitantes; - Ter igualmente procedido ao pagamento do montante necessário para cancelamento da penhora registada sobre esse imóvel.
Regularmente citada, a ré deduziu contestação, defendendo-se por excepção e impugnação.
Invocou a incompetência material do tribunal; a caducidade do direito de acção da autora; a caducidade do invocado direito de retenção; a prescrição do direito a indemnização por benfeitorias e de restituição por enriquecimento sem causa; e a prescrição do direito à restituição de parte dos montantes referentes a IMI e a quotas de condomínio. // Mais alegou: - Que, aquando da celebração da escritura pública de compra e venda, a autora já havia sido citada para a acção no âmbito da qual veio a ser declarada a ineficácia de tal negócio – apenso F; - Que a autora não reclamou qualquer crédito no processo de falência; - Que não foi autorizada pelo liquidatário judicial a realizar benfeitorias no prédio (que desconhece terem sido realizadas) ou a efectuar quaisquer pagamentos ao mesmo respeitantes (disso não tendo sido dado conhecimento ao processo), nessa medida não tendo agido de boa-fé; - Que, em 1995, quando a falida encerrou a sua actividade, o imóvel estava em bom estado de conservação, o que não sucede actualmente; - Que tal imóvel esteve arrendado/explorado com benefício da autora; - Inexistir qualquer aumento de valor da coisa; - Qualquer valor pago a título de IMI ou de condomínio é referente ao período durante o qual a autora era proprietária e exclusiva utilizadora do imóvel; - Ignorar qualquer cancelamento da penhora.
A autora  apresentou resposta às excepções invocadas.
Alegou: - Em 02/03/2000 não era credora da insolvente; - O imóvel não foi apreendido para a massa falida; - Até à data da decisão proferida no apenso F a autora estava convencida da legalidade da aquisição, só com o trânsito em julgado da mesma tendo ficado lesada (valores ora reclamados) e, só então, a ré tendo ficado proprietária do imóvel; - As rendas que auferiu com o arrendamento do imóvel não permite recuperar o valor no mesmo investido; - A ré beneficiou do levantamento da penhora registada. // Refutou ter ocorrido qualquer prescrição.
Posteriormente, tendo para tanto sido notificada para que se pronunciasse “sobre as exceções e/ou questões novas invocadas pelo(a/s) réu(é/s)[3], por requerimento de 16/11/2021, veio a autora propugnar pela improcedência das excepções de incompetência do tribunal e de caducidade.
Por decisão proferida em 13/12/2021 foi julgada procedente a excepção de incompetência territorial do tribunal (do Juízo Central Cível do Porto, Tribunal Judicial da Comarca do Porto, no qual a acção foi intentada), tendo a presente acção sido remetida para apensação ao processo de falência.
Foi agendada audiência prévia no âmbito da qual, para além do mais, foram as partes convidados “para, querendo, concretizarem ou complementarem a matéria de facto alegada nos articulados e/ou alterarem os respetivos requerimentos probatórios” (acta de 22/11/2023).
Posteriormente foi junta documentação por ambas as partes (Ref.ªs/Citius 37779452 e 37913147).
Por despacho de 11/02/2024 (reiterado em 17/12/2024), a autora foi convidada a aperfeiçoar a petição inicial no que respeita ao valor pago pelo cancelamento da penhora[4].
Após outras vicissitudes processuais[5], em 16/04/2025, a autora juntou aos autos cópia de um contrato de promessa de arrendamento datado de 01/06/2000  e de um contrato de arrendamento datado de 01/11/2008 (Ref.ª/Citius 42593624).
Em 29/06/2025, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
“Os requerimentos apresentados correspondentes a aperfeiçoamento da petição inicial, com junção de novo articulado, e contestação ao mesmo, por legalmente inadmissíveis, não serão atendidos, tendo-se por não praticados e escritos para todos os efeitos. // De notar, por despacho de 11 de Fevereiro de 2024, o tribunal convidou a autora a concretizar o valor peticionado a título de “cancelamento da penhora a A. pagou 1.050.000$00, hoje 5.237,00€”, nomeadamente concretizando a que se reporta o valor alegadamente pago e identificando a execução no âmbito da qual tal sucedeu, juntando documentos que o demonstrem.”, e só.”
E, na mesma peça processual, passou a proferir saneador sentença, pelo qual julgou a acção integralmente improcedente, absolvendo a ré de todos os pedidos formulados.
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Inconformada com esta sentença dela interpôs RECURSO a autora, tendo formulado as CONCLUSÕES que aqui se transcrevem:
”1- A Ré, em fevereiro de 2000 intentou ação judicial contra a aqui A.(apenso F).
2- Pedindo a ineficácia da escritura de compra e venda efetuada pela A. em 30/09/1999.
3- A douta sentença proferida em 15/07/2020, decidiu:
d) Declarar-se a ineficácia perante a Massa Falida, a escritura de compra e venda realizada pela A. e outros, em 30/09/1999;
e) Declarar-se a ineficácia perante a Massa Falida, a escritura de compra e venda realizada em 30/09/1999, enquanto ato de cumprimento do contrato de promessa de 17/11/1983;
f) Determinar-se a transmissão para a Ré da fração descrita, pelo preço já pago.
4- A Recorrente através destes autos, alegou e peticionou o ressarcimento dos valores pagos a título de benfeitorias e despesas;
5- A douta sentença, decidiu que os valores reclamados pela A. não são devidos, porque a A. manteve a propriedade do imóvel até transito em julgado da sentença ( 15/07/2020);
6- A A., enquanto proprietária, estava obrigada e no seu próprio interesse a realizar as obras de beneficiação, pagamento de impostos devidos entre 2000/2019, e as quotas de condomínio vencidas até 31/11/2000;
7- Decidiu que a A. usufruiu das obras que alegadamente realizou, consumindo a sua vida útil;
8- A. não concorda com a douta decisão.
9- As obras realizadas pela A. visaram a recuperação do imóvel e as despesas a sua manutenção.
10- O douto Tribunal aquo, omite os verdadeiros efeitos da ineficácia da escritura.
11- A ineficácia da escritura, tem como efeitos a retroatividade á data da mesma( 30/09/1999);
12- Os seus efeitos, são considerados como nunca tivesse sido celebrada;
13- A douta sentença ignora os efeitos retrativos do contrato, os efeitos ex tunc;
14- Considerou que a A. só deixou de ser proprietária do imóvel, pela douta sentença que declarou a ineficácia da escritura de 30 de Setembro de 1999.
15- A A. realizou as benfeitorias e as despesas;
16- Os efeitos da ineficácia da compra, colocaram a A. em possuidora de boa-fé do imóvel.
Com o direito de ser indemnizada pelas benfeitorias realizadas e despesas efetuadas.
Em respeito às regras do enriquecimento sem causa;
17- Se a ineficácia de negócio da compra e venda, os efeitos desta escritura não se verificaram;
18- A ineficácia reporta-se à escritura de 30/09/1999 segundo a A.;
19- Os autos deveriam prosseguir até decisão final mas não com os fundamentos da douta sentença recorrida.
Pelo exposto deve a douta sentença recorrida ser revogada por outra que determine o prosseguimento dos autos. E assim se fará justiça!
A ré apresentou contra-alegações, nas quais concluiu:
“De tudo o que se deixa dito, decorre, sem necessidade do prosseguimento da ação (que só beneficiaria a continuação indevida da posse da recorrente), que a decisão recorrida terá de ser inteiramente mantida, sem prejuízo de o seu fundamento poder ser, além do usado na 1ª instância, alguma das exceções invocadas pela recorrente e não apreciadas na decisão recorrida. // Para o caso de se entender – mal (JOSÉ LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE, CPC anotado, III, 2022, nº 2 da anotação ao art. 636) – que a recorrida tem para tanto o ónus de pedir a extensão do objeto do recurso e esses fundamentos, a recorrente manifesta, à cautela, a vontade de realizar tal extensão, nos termos do art. 636-1 CPC.”. 
O recurso foi admitido por despacho de 29/10/2025.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II – DO OBJECTO DOS RECURSOS
O objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, ressalvadas as questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, sem prejuízo de o tribunal ad quem não estar limitado pela iniciativa das partes - artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2, 635.º e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC.
Assim, a questão a decidir consiste em aferir se a autora tem direito aos montantes cujo pagamento reclama na presente acção, seja a título de benfeitorias, seja a título de enriquecimento sem causa.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na sentença recorrida considerou-se provada a seguinte factualidade.
1. Por escritura pública outorgada no dia 30 de Setembro de 1999, a autora declarou comprar e JP e LC vender, pelo preço de 22.500 contos, a fração autónoma designada pela letra B do prédio descrito na Conservatória de Registo Predial do Porto sob o número …/…507.
2. Em Fevereiro de 2000, a ré intentou, para além do mais, contra a autora, citada em Novembro de 2000, ação declarativa de condenação que correu termos como apenso F, pedindo, a título principal, que fosse declarada a ineficácia perante a massa falida da compra e venda referida no ponto 1, enquanto ato de cumprimento do contrato de promessa de 17/11/1983, e sua nulidade, por falta de causa, enquanto contrato autónomo, bem como se declarasse transmitida à autora (aqui ré) a fração referida no ponto 1, pelo preço de 22.500 contos, já pagos.
3. No dia 15 de Julho de 2020 foi proferida sentença, transitada em julgado no dia 2 de Dezembro de 2020, nos autos referidos no ponto 2, nos termos da qual, julgando a ação procedente, nos termos conjugados dos artigos 147º, n.º1, e 155º, n.º1, do CPEREF, se decidiu o seguinte: “… a) Declara-se a ineficácia perante a massa falida da designação da 1ª ré como compradora na escritura de compra e venda realizada em 30/09/1999 e identificada nestes autos; b) Declara-se a ineficácia perante a massa falida da escritura de compra e venda referida em 30/09/1999 enquanto ato de cumprimento do contrato promessa de 17/11/1983, identificado nos autos; c) Determina-se a transmissão para a autora da fração descrita e em causa nestes autos, pelo preço já pago por esta; ficando a 1ª ré sujeita à execução da fração em causa, para garantia do crédito da autora.”.
4. A autora manteve o uso e fruição do imóvel identificado no ponto 1 pelo menos até 23 de Março de 2021 (apenso B).
5. A autora, na qualidade de dona, entre 2000 e 2020, ajustou contrato de promessa de arrendamento e contrato de arrendamento tendo por objeto o gozo do imóvel identificado no ponto 1.
Em complemento da facticidade descrita, acrescenta-se:
6. Favorita – Indústria Agro-Alimentar, S.A foi declarada falida por sentença proferida em 15/07/1999 e registada em 23/07/1999, a qual transitou em julgado no dia 09/08/1999.
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Importa realçar que ao presente litígio é aplicável, como foi, o CPEREF, já que estamos perante uma falência decretada em 1999 (ou seja, em momento anterior ao início de vigência do actual CIRE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/04, de 18/04).
Prescreve o artigo 147.º do CPEREF: “1 – A declaração de falência priva imediatamente o falido, por si, ou, no caso de sociedade ou pessoa colectiva, pelos órgãos que o representem, da administração e do poder de disposição dos seus bens presentes ou futuros, os quais passam a integrar a massa falida, sujeita à administração e poder de disposição do liquidatário judicial. 2 – O liquidatário judicial assume a representação do falido para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à falência.”
Já o artigo 155.º do mesmo código estatui: “1 - Os negócios realizados pelo falido, posteriormente à declaração de falência, são inoponíveis à massa falida; se forem, porém, celebrados a título oneroso com terceiros de boa fé, serão inoponíveis se celebrados depois do registo da sentença. 2 - Os negócios do falido posteriores à declaração de falência podem, no entanto, ser confirmados pelo liquidatário judicial, quando nisso haja interesse para a massa falida. 3 - O devedor do falido deve cumprir as suas obrigações perante o liquidatário judicial, só sendo liberatório o pagamento feito ao falido se a sentença não estiver registada e se tratar de terceiro de boa fé ou se o devedor provar que o respectivo montante deu efectiva entrada na massa falida. 4 – (…).”
Como resulta do decidido no apenso F, e se mostra vertido na fundamentação de facto (a qual não foi alvo de impugnação), a escritura pública de compra e venda do imóvel aqui em causa – celebrada em 30/09/1999, isto é, já após o registo da sentença que declarou a falência – foi objecto de acção judicial intentada pela massa falida, tendo-se então peticionado, para além do mais, a sua declaração de ineficácia perante a massa e a transmissão daquele bem para a mesma.
A acção foi intentada em Fevereiro de 2000 e a aí ré, aqui autora, foi citada para os termos da mesma em Novembro do mesmo ano.
A acção foi julgada procedente por sentença proferida em 15/07/2020, cujo dispositivo veio a ser confirmado por decisão sumária desta Relação proferida em 10/11/2020 e transitada em julgado em 02/12/2020.
Foi assim declarada a “ineficácia perante a massa falida da designação da 1ª ré como compradora na escritura de compra e venda realizada em 30/09/1999”, bem como a “ineficácia perante a massa falida da escritura de compra e venda referida em 30/09/1999 enquanto ato de cumprimento do contrato promessa de 17/11/1983”, mais tendo sido determinada a transmissão para a massa falida da fração em apreço, “pelo preço já pago por esta; ficando a 1ª ré sujeita à execução da fração em causa, para garantia do crédito da autora.”[6].
Pretende agora a recorrente ser ressarcida dos montantes que alega ter despendido seja com relação a obras que efectuou no imóvel, seja com relação ao pagamento de impostos e outras despesas ao mesmo referentes.
A 1.ª instância entendeu nada lhe ser devido em virtude de a mesma, até à data do trânsito em julgado da decisão proferida no apenso F, ter mantido a propriedade do imóvel, dessa forma beneficiando das benfeitorias alegadamente realizadas (“usufruiu das obras que alegadamente realizou em 1999, consumindo a sua vida útil”), para além de que lhe incumbia, no seu próprio interesse, realizar quaisquer obras de beneficiação, bem como pagar os legais impostos e quotas de condomínio que se vencessem.
Contrapõe a recorrente que, para além de as obras efectuadas terem visado a recuperação do imóvel (“recolocando o seu telhado”), a decisão recorrida olvidou os efeitos retroactivos (à data da escritura – 30/09/1999) que decorrem da declaração de ineficácia.
E, continua, em face de tais efeitos, nunca chegou a ser proprietária, antes devendo ser considerada “possuidora de boa-fé do imóvel”, nessa medida não lhe podendo ser negado o direito de ser indemnizada pelas benfeitorias necessárias que realizou e pelas despesas que suportou, o que deverá ser quantificado segundo as regras do enriquecimento sem causa (artigos 1275.º, 1273.º, 1269.º e 289.º do CC). Mais acrescenta que “Os efeitos não se verificam, porque, ao que resulta da decisão estamos perante uma ineficácia originária, por vicio relativo, ao próprio contrato.”
Já a recorrida defende inexistir “qualquer incompatibilidade entre a declaração judicial dessa ineficácia e a manutenção, fora do círculo da falência, da qualidade de proprietária da ora recorrente”, qualidade essa que se perdeu com a prolação da decisão do apenso F, “sem prejuízo da retroatividade decorrente do registo da ação de execução específica movida pela ora recorrida (arts. 3-1-a, 92-1-a e 101-2-b do CRPr) e da aquisição de efeito erga omnes dessa eficácia com a liquidação dos bens da falida (art. 179-1 CPEREF).”
Acrescenta que nunca à recorrente assistirá qualquer direito a indemnização nos moldes peticionados em face de a mesma ter beneficiado da posse e usufruição do imóvel (o qual, inclusive, deu de arrendamento até ao final de Novembro de 2020, recebendo a respectivas rendas).
Apreciando.
Segundo Carlos Ferreira de Almeida[7], um acto será ineficaz sempre que não produza todos ou parte dos efeitos que a categoria a que pertence está, em abstracto, apta a produzir, pelo que a ineficácia não equivale necessariamente à falta total de efeitos.
Mais esclarecendo[8] que: “Em sentido amplo – não produção de efeitos – a ineficácia inclui a invalidade (ato nulo ou anulado), a inexistência e a ineficácia em sentido estrito. (…) // O critério distintivo subjacente consiste em que, na invalidade, a ineficácia deriva do desvalor jurídico (ou vício) reportado a um elemento ou requisito intrínseco à estrutura ou à formação do ato, enquanto a ineficácia em sentido estrito resulta de um facto extrínseco ao ato e, por isso, não valorativo deste. // A ineficácia em sentido estrito verifica-se se um ato existente e válido não produzir imediatamente (ineficácia originária) ou deixar de produzir (ineficácia subsequente) a totalidade ou parte dos seus efeitos. // A ineficácia stricto sensu não é uma sanção nem um efeito sancionatório; é apenas a consequência de conformidade com a autonomia privada ou de desconformidade não valorativa com certas regras legais. (…) // A mera ineficácia é autónoma, quando decorre da autonomia privada. É heterónoma, quando a eficácia de ato válido depende (ou a ineficácia resulta) apenas da lei ou de ato jurídico previsto na lei. (…) // A ineficácia é heterónoma (ou exógena), se tiver como fonte a lei. É geralmente subsequente e pode funcionar ipso iure (…) // A ineficácia heterónoma pode ser absoluta, reportar-se apenas aos efeitos entre as partes ou restringir os efeitos em relação a terceiros. (…) // A ineficácia limitada a terceiros diz-se inoponibilidade, quando é originária, em consequência, por exemplo, (…) da prática de atos de disposição pelo insolvente (…)”.
A ineficácia não traduz, assim, um vício do negócio.
Ao ser declarada a ineficácia de uma escritura pública de compra e venda, os efeitos jurídicos que dela decorriam, designadamente a transmissão da propriedade, não se poderão ter por produzidos.
E, se assim é, numa primeira leitura, poder-se-ia reconhecer razão à recorrente quando censura o entendimento da 1.ª instância segundo o qual aquela seria tida por proprietária até à data de declaração da ineficácia (já que nunca a mesma adquiriu validamente o imóvel).
Sucede que tal leitura não se mostra consentânea com o disposto no n.º 1 do já citado artigo 155.º do CPEREF, o qual referia expressamente que os negócios são inoponíveis à massa falida. Aliás, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, não obstante a consagrada inoponibilidade, possibilitava-se que o liquidatário judicial pudesse vir a confirmar o negócio celebrado “quando nisso haja interesse para a massa falida”.
Daqui decorre que a ineficácia da escritura pública de compra e venda acarreta efeitos jurídicos distintos daqueles que resultariam da sua invalidade (anulação ou declaração de nulidade), porquanto, no primeiro caso, o negócio, pese embora válido, não produz os efeitos (ou todos os efeitos) a que tenderia - segundo as declarações negociais que o compõem -, enquanto, no segundo caso, verifica-se ab inicio uma total ausência de efeitos jurídicos.
Não estamos perante uma ineficácia absoluta – já que não opera erga omnes -, mas antes perante uma ineficácia relativa, já que apenas se verifica com relação à massa falida (daí que o legislador fale em inoponibilidade), não afectando a validade do negócio.
Como já José Oliveira Ascensão escrevia[9], o facto de tais negócios serem inoponíveis à massa é uma consequência lógica de o falido não ter a administração e disposição da mesma. Mais acrescentando este Professor: “a inoponibilidade nunca poderia significar a nulidade. A lei nem sequer impôs a anulabilidade. Bastou-se com a fórmula muito mais expedita da inoponibilidade, que poupa ao liquidatário judicial a preocupação de impugnar eventuais actos que venham a ser praticados pelo falido e atinjam a massa. Isto significa que semelhantes actos são válidos, apenas ineficazes em relação à massa falida.” (sublinhado nosso).
Também Carvalho Fernandes e João Labareda[10], em anotação ao transcrito artigo 155.º, escreviam: “À primeira vista, a massa falida parece comportar-se como terceiro em relação aos atos do falido, sendo nessa qualidade que estes lhe seriam inoponíveis. // Mas em rigor não é assim. A massa falida, como tal, não tem individualidade própria, pelo que os interesses tutelados pela inoponibilidade são os dos credores e, em certa medida, também os do falido. // (…) a via da inoponibilidade é mais expedita e mais adequada que a do regime próprio da invalidade. // É mais expedita por atuar independentemente da anulação judicial prévia do ato, meio normal de a obter, por não ser razoável admitir, em processo de falência, vir ela a realizar-se por acordo. Ficam, assim, afastadas as delongas e as despesas de uma ação judicial. // É mais adequada por não impor a destruição do ato, facultando, assim, sem artifícios, a sua invocação se os bens em causa, por qualquer circunstância não vierem a ser alienados na falência ou se esta se não mantiver. // (…) A inoponibilidade dos actos do falido posteriores à declaração da falência é plena, se o negócio for gratuito ou, independentemente da sua natureza, se a pessoa com quem o falido a praticou ou a quem se dirige estiver de má fé. Se estiver de boa fé e o acto for oneroso, a inoponibilidade só se verifica em relação aos negócios posteriores ao registo da sentença.”
Já ao nível jurisprudencial, por pertinente, convoca-se o acórdão do STJ de 27/10/2009 (Proc. n.º 93/1999.C1.S2, relator Sebastião Póvoas), no qual se pode ler: A ineficácia do negócio jurídico poderá ser tomada em sentido amplo (“… sempre que um negócio não produz, por impedimento decorrente do ordenamento jurídico, no todo ou em parte, os efeitos que tenderia a produzir segundo o teor das declarações respectivas”) ou em sentido estrito (quando depende “não de uma falta ou irregularidade dos elementos internos do negócio, mas de alguma circunstância intrínseca que, conjuntamente com o negócio, integra a situação complexa – “fatti specie” – produtiva de efeitos jurídicos”) – cf. “Teoria Geral do Direito Civil”, 4.ª ed., 615 – Prof. Mota Pinto, actualizado pelo Prof. A. Pinto Monteiro e pelo Dr. Paulo Mota Pinto. // A ineficácia em sentido estrito (…), é absoluta se operar automaticamente “erga omnes” ou relativa se o negócio apenas for inoponível a certas pessoas. // Esta acontece em situações caracterizadas pela existência de um direito, de uma expectativa ou de um interesse legítimo de um terceiro, que seriam prejudicados pelo negócio. // Se o negócio é relativamente ineficaz não o é entre as partes – já que a ineficácia se destina a proteger terceiro – mas apenas perante este ou outras pessoas.”
Em face de assim ser, ao contrário do alegado pela recorrente, não se poderá afirmar que a declaração de ineficácia aqui em causa produza efeitos retroactivos com carácter absoluto (ex tunc), pois só assim sucederia na eventualidade de ter sido declarada a nulidade ou a anulação do negócio (o que não é o caso)[11]
Pelo contrário, na situação em análise, os efeitos da declaração de ineficácia retroagem única e exclusivamente com relação à massa falida, assim já não sucedendo nas relações com os demais. Estamos, pois, em face de um efeito retroactivo com carácter relativo (levando apenas a que o imóvel retorne ao património da massa falida, como se dela nunca tivesse saído, desde logo com vista a proteger os interesses dos credores).
Por outras palavras, a escritura pública de compra e venda aqui em causa produziu os seus efeitos, apenas não sendo dotada de eficácia com relação à massa falida.
Nesse sentido, vide, também, Carlos Mota Pinto[12] - o qual refere que no caso de ineficácia relativa, “o negócio, embora eficaz noutras direcções, é inoponível a certas pessoas” (dando como exemplo os “actos do falido” ou os “negócios do representante sem poderes”); “Os negócios feridos de ineficácia produzem, pois, efeitos, mas não estão dotados de eficácia relativamente a certas pessoas. Daí que sejam, por vezes, apelidados de negócios bifrontes ou negócios com cabeça de Jano, numa alusão a uma divindade da mitologia latina, representada na estatuária por uma figura com duas caras.” – e Augusto Teixeira Garcia[13] – “Negócios jurídicos inoponíveis à massa falida são todos os que a lei veda ao falido praticar. A massa falida porque destinada por lei a um certo fim, a satisfação dos credores existentes ao tempo da declaração da falência (credores da falência), há-de constituir um património imune a quaisquer actos prejudiciais do falido. // É precisamente esta ideia que leva a concluir ser a ineficácia restrita aos casos em que os negócios jurídicos realizados pelo falido podem prejudicar a massa. // (…) os actos praticados pelo falido em prejuízo da massa falida apenas não produzem efeitos contra ela, são-lhe inoponíveis, mas não são inválidos, pois que o falido não é incapaz.”  
Tal conclusão em nada contraria o facto de ter que ser cancelado o registo de propriedade a favor da recorrente, porquanto, em face da declaração de ineficácia e em face do estatuído no artigo 13.º do CRPredial, sempre tal cancelamento se impunha – “Os registos são cancelados com base na extinção dos direitos, ónus ou encargos neles definidos, em execução de decisão administrativa, nos casos previstos na lei, ou de decisão judicial transitada em julgado.”
Aqui chegados, debrucemo-nos sobre os montantes reclamados.
Quanto ao montante reclamado a título de impostos e de quotas de condomínio, defendeu-se na sentença recorrida: “quer considerando que, salvo relativamente à ré e, por esta via, os respetivos credores, a autora mantém a propriedade do imóvel identificado no ponto 1 dos factos provados, quer considerando que a ré só adquiriu a propriedade do referido imóvel a partir do trânsito em julgado da sentença a que se alude no ponto 3 dos factos provados, a autora, como dona, logo obrigada a tanto, e no próprio interesse, terá procedido ao pagamento dos créditos tributários referentes a IMI vencidos de 2000 a 2019 e às quotas do condomínio vencidas até 31 Novembro de 2020 relativas ao imóvel de que usufruiu pelo menos até 23 de Março de 2021, nomeadamente arrendando o mesmo, apropriando-se da respetiva renda. Logo, tanto mais que privada do respetivo gozo durante o período em causa, nada lhe deve a ré a este título, nada sendo de lhe imputar, carecendo a pretensão da autora de fundamento legal.
No essencial, concorda-se com tal entendimento.
Até ao momento em que foi declarada a ineficácia da escritura pública, quem usufruiu do bem e figurou como proprietária do imóvel foi a recorrente (outorgante da escritura na qualidade de compradora e em nome da qual estava registada a propriedade), seja perante a administração fiscal, seja perante o condomínio, nessa medida só ela sendo responsável pelos pagamentos devidos a esse título (o que apenas deixa de suceder com a mencionada declaração de ineficácia, ou seja, quando o imóvel passa a integrar a massa falida).
No que concerne ao alegado pagamento destinado ao levantamento da penhora registada sobre o imóvel, defendeu o tribunal a quo que “a quantia que a autora tenha pago com vista ao levantamento da penhora que onerava o imóvel referido no ponto 1 dos factos provados corresponde a dívida que onerava os alienantes. Logo, só a estes pode ser repetida (sub-rogação – artigos 589º e segs. CC), bem como as despesas associadas à ação executiva no âmbito da qual aquela foi realizada. Nada sendo, pois, a este título de imputar à ré.
A recorrente em nada contraria tal entendimento, o qual igualmente não nos merece censura.
Já no que concerne aos montantes reclamados a título de benfeitorias (obras alegadamente realizadas no imóvel), a 1.ª instância considerou desde logo que a pretensão de imputar à massa falida o custo das obras se assume manifestamente destituída de fundamento legal.
E, efectivamente, assim é, não podendo ser exigido à recorrida qualquer reembolso das quantias agora invocadas porquanto, como se defendeu no acórdão da Relação de Coimbra de 10/02/2015 (Proc. n.º 1289/12.8TBACB.C1, relator Barateiro Martins) [14], não obstante as benfeitorias necessárias conferirem o direito a que o possuidor seja indemnizado do seu valor (ainda que o mesmo esteja de má fé), “a indemnização (…) não é o mesmo que reembolso, na medida em que o valor das benfeitorias não pode exceder o valor do benefício ao tempo da entrega. Ou seja, para calcular tal indemnização, deve, num primeiro momento, atender-se ao seu custo, uma vez que é o valor da “despesa” do possuidor, mas, por outro lado, uma vez que só na data da entrega é que o titular beneficia da benfeitoria, deve atender-se ao seu valor em tal data, razão pela qual a indemnização das benfeitorias necessárias não pode/deve ultrapassar o valor da benfeitoria à data da entrega”.
Acresce que em momento algum existiu prévia autorização pelo liquidatário judicial para a realização de quaisquer obras (artigo 147.º, n.º 2, do CPEREF).
Mas poderá a recorrente ser indemnizada pelo custo das obras na perspectiva do instituto do enriquecimento sem causa?
No ponto 16 das conclusões formuladas, defende-se que “ Os efeitos da ineficácia da compra, colocaram a A. em possuidora de boa-fé do imóvel. // Com o direito de ser indemnizada pelas benfeitorias realizadas e despesas efetuadas. // Em respeito às regras do enriquecimento sem causa”.
No que concerne às benfeitorias, rege o artigo 1273.º, n.º 1, do CC que “Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela”.
Por seu turno, decorre do artigo 216.º, n.º 3, do mesmo código, serem benfeitorias necessárias as que se mostram indispensáveis à conservação da coisa ou tendentes a evitar que a mesma se deteriore ou destrua, e benfeitorias úteis as que incrementam o valor da coisa (ou , acrescentaremos, a sua utilidade), embora não sejam indispensáveis. Estão em causa obras ou melhoramentos levados a cabo numa coisa.
Nas palavras de Marta Sá Rebelo[15], as benfeitorias a que alude o citado artigo 1273.º “procuram o melhoramento da própria coisa, alcançando efeitos duradouros”, mais esclarecendo que “A dissociação entre o proprietário da coisa beneficiada e o autor da intervenção de melhoria ou conservação justifica a autonomia de tratamento jurídico das benfeitorias. Por gerarem o enriquecimento daquele – beneficiação de coisa de sua propriedade – à custa deste – que suporta a despesa respetiva – surge a necessidade de regular se, quando, como e em que medida há lugar a reembolso.” Mas, realça a mesma autora, para que se possam caracterizar as benfeitorias como necessárias é exigível que produzam “o real efeito de conservação da coisa. (…) só se a benfeitoria necessária for de facto imprescindível à conservação da coisa se justifica que em relação a esta não se admita a restituição do enriquecimento através do levantamento da mesma e se imponha ao proprietário o pagamento de uma indemnização.” 
Já com relação às benfeitorias úteis, continua, o aumento do valor da coisa deverá “ser apreciado em termos objetivos, atendendo à vantagem concretamente produzida, ou seja, confrontando o valor da coisa antes e depois do melhoramento. É esta a diferença para mais que consubstancia o enriquecimento e não o montante despendido pelo benfeitorizante.[16]  
Já com relação ao instituto do enriquecimento sem causa, prescreve o artigo 473.º do CC: “ 1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou. 2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.
Trata-se de um instituto que, como decorre do artigo seguinte, tem natureza residual ou subsidiária – “Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”.
E, segundo o artigo 479.º do mesmo código,1. A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. 2. A obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento à data da verificação de algum dos factos referidos nas duas alíneas do artigo seguinte.”
A restituição fundada no enriquecimento sem causa exige, assim, o preenchimento dos seguintes requisitos: a) existência de um enriquecimento; b) obtenção desse enriquecimento à custa de outrem (empobrecimento deste último); e c) ausência de causa justificativa desse enriquecimento.
E incumbe a quem peticiona tal restituição o ónus de alegação e prova dos competentes factos pertinentes – artigo 342.º, n.º 1, do CC.
Em anotação ao artigo 473.º do CC, e versando sobre tais requisitos, escreve Júlio Gomes[17] a propósito do conceito de enriquecimento: “a nossa lei utiliza tanto o conceito de enriquecimento real, como o de enriquecimento patrimonial (…), mas o objeto da restituição é o enriquecimento real, funcionando o enriquecimento patrimonial como o limite da obrigação de restituir, quando e enquanto o enriquecido está de boa fé. Por outras palavras, deve ser restituído o que tiver sido «indevidamente recebido» (ou recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou que em vista de um efeito que não se verificou, como afirma o n.º 2 do artigo 473.º) e a nossa lei parte do primado da restituição natural.”
Já aludindo ao empobrecimento, esclarece: “a exigência de que o enriquecimento tenha ocorrido à custa de outrem não deve confundir-se com a exigência de um dano, mormente de um dano patrimonial. A restituição fundada no enriquecimento sem causa não visa a reparação de um dano e não é uma modalidade menor (que por um lado prescindiria de culpa do responsável, mas por outro apenas asseguraria a reparação de um dano nos limites do enriquecimento) de responsabilidade civil (…) o ordenamento não reage aqui contra uma perda patrimonial que pode nem sequer existir, mas contra a obtenção de algo que de acordo com o próprio ordenamento deveria caber a outrem. (cfr. Ac. RC 19.12.2012: «o que provoca a reação da lei é a vantagem ou aumento injustificado do património do enriquecido e não a possível perda ou diminuição no património do empobrecido»)”. Mais acrescentando que: “a nossa lei não exige necessariamente a imediação entre enriquecimento e empobrecimento” (citando nesse sentido o acórdão do STJ de 30/05/2006, Proc. n.º 06A825, relator Nuno Cameira[18]).
Por fim, aludindo ao terceiro requisito, refere que o mesmo ocorre “quando esse enriquecimento não está de harmonia com o ordenamento jurídico geral”, mais acrescentando que, podendo as causas justificativas serem as mais diversas, entre elas se inclui “uma decisão judicial”.
Também segundo Antunes Varela[19], “o enriquecimento é injusto porque, segundo a própria lei, ele deve pertencer a outro. E esta é a directriz que importa seguir (…) para saber se o enriquecimento criado por determinados factos assenta ou não numa causa justificativa. Trata-se de um puro problema de interpretação e integração da lei, tendente a fixar a correcta ordenação dos bens à luz do Direito vigente. Quando o enriquecimento criado está de harmonia com a ordenação jurídica dos bens aceita pelo sistema, pode asseverar-se que a deslocação patrimonial tem causa justificativa; se, pelo contrário, por força dessa ordenação positiva, ele houver de pertencer a outrem, o enriquecimento carece de causa”.
Quanto a esta questão, na sentença recorrida verteu-se a seguinte fundamentação:
Acreditamos que carece de fundamento de facto e direito. Na verdade, sustenta a autora que na sequência do trânsito em julgado da sentença referida no ponto 3 dos factos provados se verifica um enriquecimento indevido da ré à sua custa, cuja compensação requer. No entanto, nada alega com vista à concretização desse enriquecimento e sua atualidade (consequente empobrecimento), factos constitutivos do direito assim invocado e cuja tutela se peticiona. (…) // Isto posto, também por esta via, a pretensão formulada pela autora carece de fundamento de facto e direito, tanto mais que as alegadas obras datam de 1999, contando mais de vinte anos, e a autora usufruiu do referido imóvel até pelo menos Março de 2021. Logo, usufruiu das obras que alegadamente realizou em 1999, consumindo a sua vida útil. // Mais, dispõe o artigo 473º, (…) o que no caso dos autos não se verificou. Sendo que, estatui o artigo 474º (…) // Ora, a autora, como refere, realizou as obras que alega na qualidade de proprietária e possuidora do imóvel referido no ponto 1 dos factos provados, qualidades que na sequência do trânsito em julgado da sentença referida no ponto 3 dos factos provados deixou de ter. (…)” (sublinhados nossos).
Mais acrescentando: “a autora nada alega quanto à necessidade de realização das obras que sustenta ter realizado no imóvel referido no ponto 1 dos factos provados em 1999 e/ou ao aumento de valor delas decorrentes, impossibilidade do respetivo levantamento e seu estado atual, ao mesmo tempo que a sua antiguidade, mais de vinte anos, e o aproveitamento das mesmas por parte da autora obsta a que se equacione a ocorrência de qualquer dano decorrente da respetiva privação que importe indemnizar (benfeitorias necessárias) ou empobrecimento que importe compensar (benfeitorias úteis). Ou seja, também por esta via, a pretensão formulada pela autora carece de fundamento de facto e direito.” (sublinhados nossos).
Como se demonstrará, a conclusão a que chegou a 1.ª instância não merece censura.
Não se questiona que, em abstracto, tendo sido realizadas obras no imóvel, o mesmo possa ter sido valorizado, dessa forma se podendo dizer que a massa falida saiu beneficiada.
Sucede que, nos autos, nada resulta quanto à realização de tais obras e inerente custo (a fundamentação de facto é omissa quanto às mesmas e a recorrente nada alegou nessa parte)[20], o que desde logo afasta a possibilidade de estarmos em face de quaisquer benfeitorias nos moldes invocados.
A isto acresce que nem sequer foi invocada a concreta data na qual as alegadas obras teriam sido realizadas (não se podendo dizer que o teriam sido em 1999, já que tal não foi alegado[21]), apenas resultando do processado que a pretensão da recorrente se suporta no Doc. 4 junto com a p.i..
Ora, este documento, para além de não identificar o imóvel aqui em causa, corresponde a um orçamento datado de Abril de 2003, ou seja, tem data posterior àquela na qual foi a recorrente citada para os termos da acção a que se reporta o apenso F (citação essa que se verificou em Novembro de 2000 – facto provado n.º 2, o qual não foi impugnado, como sucedeu com relação a toda a fundamentação de facto).
Por assim ser, as eventuais obras, a terem ocorrido, foram-no num momento em que, para além de estar já registada a sentença que declarou a falência, a recorrente tinha igualmente conhecimento de que a eficácia da escritura pública de compra e venda estava a ser questionada pela massa falida (pelo que, se alguma obra levou a cabo, sempre a mesma será da sua exclusiva responsabilidade e só por si terá que ser suportada, apesar de nenhum comprovativo de pagamento ter sido junto. Apenas se poderia ponderar solução diferente caso se estivesse perante uma situação que implicasse necessariamente obras para a conservação do imóvel, o que não resultou demonstrado).
Seja como for, nada se tendo apurado quanto a eventuais obras que tivessem sido realizadas (bem como quanto à sua necessidade ou possibilidade de poderem ou não ser levantadas sem prejuízo do imóvel), carece de sustentação a pretensão da recorrente, nada podendo a mesma reclamar, seja a título de benfeitorias, seja a título de enriquecimento sem causa (já que não ficou demonstrada qualquer valorização do imóvel, isto é, qualquer vantagem objectiva e concretamente obtida pela massa falida).
Importa, ainda, referir que, como também realçou a 1.ª instância, a recorrente usufruiu do imóvel por cerca de 20 anos.
Ora, tal facto, por si só, traduz um benefício económico, mais a mais quando o imóvel foi alvo de arrendamento, sendo as rendas recebidas pela recorrente, como a própria o admite.
Decorre também da sentença recorrida que, considerando que estamos em face de um período temporal bastante significativo, quaisquer obras que tivessem então sido realizadas, teriam já consumido a sua vida útil, dessa forma tendo a recorrente sido compensada pelos custos que a esse título teria supostamente suportado.
Como se escreveu no já citado acórdão da Relação de Coimbra de 10/02/2025, a ideia de “de ter que ser nominalmente reembolsado de todas as despesas, independentemente da distância temporal em que as fez (…) fere princípios fundamentais do direito privado, como os da boa fé e do equilíbrio das prestações. // Pelo seguinte: // Tendo o possuidor o gozo da coisa, cabe-lhe, como é natural, a faculdade de nela fazer benfeitorias, que são alterações – conservações/melhoramentos – trazidos à coisa, enfim, benefícios de que o possuidor, se e enquanto continuar no gozo da coisa, é o primeiro a colher/gozar as respectivas vantagens e utilidades. // Significa isto – continuando o possuidor no gozo da coisa, após a realização das benfeitorias, anos a fios (como é o caso dos autos) – que até pode dar-se o caso, no limite, de ter sido ele a esgotar/exaurir a totalidade das vantagens e utilidades das benfeitorias por si efectuadas. // Em tal hipótese, mantendo-se a coisa sobre o seu domínio anos a fio, mal andaria o direito – seria até um pouco “torto” – se viesse a consagrar como solução a obrigação do titular/proprietário reembolsar todos os gastos feitos com benfeitorias, ainda que feitos há 15 ou 20 anos, ainda que respeitantes a conservações e melhoramentos que, entretanto, com o passar/erosão/desgaste dos anos e da utilização/gozo por parte do possuidor, tivessem perdido todo ou a maior parte do seu valor. // O crédito por benfeitorias estabelecido nos art. 1273.º e 1275.º do C. Civil tem em vista impedir enriquecimentos ilegítimos do proprietário à custa de quem foi possuidor (e zelou e valorizou a coisa), mas, naturalmente, não autoriza ou consente que se adoptem aplicações/interpretações que conduzam a empobrecimentos ilegítimos do proprietário.”
A conclusão de assim suceder pode não ser tão linear (importando fazer uma análise casuística), mas, não se tendo apurado que tenham sido efectivamente realizadas obras (e quais), tal questão nem sequer importa analisar. Aliás, reitera-se, tão pouco foi alegado e demonstrado que tenha existido algum aumento do valor do imóvel (o facto de nada ter sido alegado/demonstrado quanto ao estado do imóvel antes e após a sua transmissão para a massa falida, leva a que assim se conclua[22]).
Teria sido essencial que a recorrente tivesse provado ter realizado e custeado as obras, que estas ficaram integradas no imóvel e que, nessa sequência, o bem foi concretamente valorizado. E, tal ónus não foi cumprido, assim como também o não foi o referente à ausência de causa justificativa do pretenso enriquecimento, pelo que não se mostram verificados os legais pressupostos do enriquecimento sem causa.
Por fim, não se poderá deixar de dar nota que, tendo a transmissão da propriedade do imóvel para a massa falida tido como causa o decidido no apenso F, foi aí considerado provado ter sido a falida quem pagou integralmente o preço estipulado no contrato promessa que antecedeu a escritura pública de compra e venda (na qual interveio já a recorrente por indicação da falida), não tendo a massa falida recepcionado qualquer verba monetária por conta de tal negócio.
***
IV - DECISÃO
Em face de todo o exposto, acordam as Juízas desta Secção do Comércio em julgar a apelação improcedente, por não provada, mantendo-se o decidido pela 1.ª instância.
Custas pela apelante.

Lisboa, 25 de Novembro de 2025
Renata Linhares de Castro
Elisabete Assunção
Paula Cardoso
_____________________________________________
[2] A Sra. Liquidatária Judicial veio a ser posteriormente substituída por BG em Janeiro de 2024 (Ref.ªs/Citius 431201630, 431685626 e 431797423 dos autos de falência). 
[3] Despacho proferido em 16/11/2021.
[4] Despacho com o seguinte teor: “Notifique-se a autora para que, aperfeiçoando a petição inicial, concretize o valor peticionado a título de “cancelamento da penhora a A. pagou 1.050.000$00, hoje 5.237,00€”, nomeadamente concretizando a que se reporta o valor alegadamente pago e identificando a execução no âmbito da qual tal sucedeu, juntando documentos que o demonstrem.“
A autora respondeu em 26/02/2024: “Decorridos mais de 20 anos, a A. não tem na sua posse os documentos que provam o pagamento da penhora no valor de 15.119.178$00 // O certo é que a penhora foi extinta pelo pagamento da A.. // Pelo que requer a notificação dos exequentes, melhor identificados, AAF e HMF, residentes em xxx, para juntar aos autos prova desse pagamento, ou, caso não seja possível, a notificação da C.R.P., para juntar aos autos o documento de cancelamento dessa penhora, considerando que não resulta o cancelamento desta penhora no histórico do registo.”
[5] Em 06/01/2025, a autora apresentou p.i. aperfeiçoada (na qual concluiu: “deve a presente ação ser procedente por provada, condenando-se a Ré: // a) Pagar à A. o valor de 91.716,35€, acrescido de juros à taxa de 7%, desde 2000 até efetivo pagamento, referente aos factos invocados em 4º desta PI; // b) A pagar à A. o valor de 25.237,00€ a título de IMI, referente ao prédio identificado em 1º, entre 2000 a 2019, conforme alegado em 5º desta PI; // c) Pagar à A., 5.237,00€ de levantamento da penhora que incidia no prédio identificado em 1º, acrescido de juros à raxa legal desde 1999, até à presente data, conforme alegado em 5º da PI; // d) Pagar à A. 24.021,32€ de condomínio pago, conforme referido em 5º; // e) Ser conferido à A. o direito de retenção do imóvel identificado em 1º, até efetivo pagamento do valor peticionado em a), b), c) e d) desta petição, bem como os seus rendimentos.”);
Por requerimento de 06/02/2025, a autora solicitou: “requer-se a retificação do valor de 5.237,00€, para o valor de 75.414,14€, por erro manifesto, comprovado no registo da penhora, acrescido do valor das custas no montante de 416.705$00, hoje 2.078,50€, acrescido de juros à taxa legal até efetivo pagamento.”, tendo a ré exercido o contraditório (Ref.ª/Citius 42012707).
Em 16/03/2025 foi proferido novo despacho: “(…) Derradeiramente, renovo o despacho que antecede, devendo a autora concretizar a que se reporta o valor alegadamente pago.”
Em 31/03/2025, a autora veio juntar nova p.i. aperfeiçoada (peticionando: “deve a presente ação ser procedente por provada, condenando-se a Ré: // a) Pagar à A. o valor de 91.716,35€, acrescido de juros à taxa de 7%, desde 2000 até efetivo pagamento, referente aos factos invocados em 4º desta PI; // b) A pagar à A. o valor de  25.237,00€ a título de IMI, referente ao prédio identificado em 1º, entre 2000 a 2019, conforme alegado em 5º desta PI, acrescido de juros até efetivo pagamento; // c) Pagar à A., de 75.414,14€; pelo pagamento do valor exequendo referente à penhora que incidia no prédio identificado em 1º, acrescido de juros à taxa legal desde 1999, até à presente data, conforme alegado em 5º da PI; // d) Pagar à A. 24.021,32€ de condomínio pago, conforme referido em 5º, acrescido de juros; // e) Ser conferido à A. o direito de retenção do imóvel identificado em 1º, até efetivo pagamento do valor peticionado em a), b), c) e d) desta petição, bem como os seus rendimentos.”), na sequência do que veio a ré, em 10/04/2025, juntar contestação rectificada, à qual a autora respondeu.
[6] Na decisão sumária proferida por esta Relação no Apenso F pode, ainda, ler-se: “Nos termos do artº 147º, nº2, do CPEREF, competia ao liquidatário judicial a representação do falido, pelo que nem sequer os sócios gerentes podiam dar a indicação aos outorgantes de quem com eles outorgaria o contrato. Como bem refere a recorrida, “o ato de nomeação da recorrente pela Favorita, à data da escritura era, pois, inoponível à massa falida, sem que a invocada boa-fé do comprador lhe pudesse aproveitar (artºs 147º, 1, e 155º, 1, do CPEREF). Nele repousando a compra e venda de 30/09/99, a ineficácia do ato de nomeação arrastou a ineficácia da própria compra e venda, sem ele carecido de causa.” // E por força deste mesmo artigo 147º, nº1, em conjugação com o artº 155º, nº1, do CPEREF, é absolutamente irrelevante a circunstância alegada pelo recorrente de não ter sido efetuada a apreensão do imóvel. Sempre os negócios posteriores ao registo da falência, como foi o caso da venda, seriam inoponíveis à massa falida, independentemente dessa (não) apreensão. De igual forma, a não efetivação do registo da insolvência no referido prédio não gera a inoponibilidade da apreensão a terceiros, tendo efeito meramente enunciativo.”
[7] Invalidade, inexistência e ineficácia, Católica Law Review, vol. I, n.º 2, maio de 2017, págs. 11-12, disponível https://revistas.ucp.pt/index.php/catolicalawreview/article/view/1980/1902, onde se pode ainda ler: “No seu sentido mais amplo, a ineficácia de um ato jurídico verifica-se sempre que os efeitos próprios do ato não se verifiquem no todo ou em parte, que não se verifiquem logo ou que já não se verifiquem. A ineficácia é compatível com a produção de outros efeitos derivados do próprio ato ou até com efeitos derivados da ineficácia do ato.”
[8] Obra citada, págs. 26-28.
[9] Efeitos da falência sobre a pessoa e negócios do falido, págs. 682-683, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 55, Dezembro de 1995, disponível in https://portal.oa.pt.
[10] Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência Anotado, Quid Juris, 2.ª edição, 1995, págs. 385-386.
[11] Decretada a nulidade de um contrato de compra e venda de um imóvel, a declaração de nulidade do negócio jurídico tem efeito retroactivo ex tunc, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado, como decorre do artigo 289.º, n.º 1, do CC.
[12] Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 3.ª edição, 1988, págs. 607-608.
A fls. 249-250, pode ainda ler-se: “Os actos praticados pelo falido ou pelo insolvente não são nulos ou anuláveis; são (…) ineficazes em relação à massa falida (…). Os negócios conservam-se válidos, podendo produzir os seus efeitos, quando e onde não prejudiquem a massa falida. Estão apenas inquinados de uma ineficácia relativa. // Só esta consequência é exigida pelo interesse dos credores, isto é, pelos interesses que determinam o procedimento falimentar ou insolvencial.” (sublinhado nosso).
[13] Extinção dos efeitos da falência em relação ao falido e direito de credores, texto integrado na obra Falência, Insolvência e Recuperação de Empresas, Coordenação MIGUEL PESTANA DE VASCONCELOS, Centro de Investigação Jurídico Económica, Coleções da FDUP, Fevereiro de 2017, pág. 35, mais se podendo aí ler: “Consequentemente, uma vez levantados os efeitos da falência, o terceiro que com o falido tenha negociado pode exigir o cumprimento, p.e., tratando-se de um contrato de compra e venda, exigir a entrega do bem em causa, caso o mesmo não tenha sido liquidado no âmbito da falência; se foi liquidado, pode exigir a competente indemnização. Note-se, porém, que não pode exigir a satisfação do seu direito à massa, mesmo estando de boa fé, salvo o caso de a sentença de falência, à data do acto, ainda não estar registada (art.º 1103.º, n.º 1, 2.ª parte): ele não é um credor da falência, tão-pouco um credor da massa falida, mas tão-só um credor do falido.”
[14] Em cujo sumário se pode ler: “Nas benfeitorias necessárias – que são as que se dirigem à conservação da coisa benfeitorizada, isto é, a obviar à sua perda, destruição ou deterioração – o possuidor tem o direito a ser indemnizado, o que no caso, na medida em que o valor das benfeitorias não pode exceder o valor do benefício ao tempo da entrega da coisa, não significa o mesmo que reembolso nominal (actualizado) do seu custo.”
[15] Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2023, págs. 579/580.
[16] Nesse sentido, veja-se o acórdão do STJ de 31/01/2023 (Proc. n.º 5633/16.0T8LSB.L1.S1, relator Jorge Arcanjo).
[17] Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, 2021, págs. 250-252.
[18] Consignou-se no sumário do citado aresto: “1 – Não é possível inferir com segurança das normas que regulam o instituto do enriquecimento sem causa – art.ºs 473º a 482º do Código Civil – que a lei faça da imediação um requisito geral desta figura. (…)”.
[19] Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 6.ª edição, 1989, pág. 455.
[20] Sendo certo que, em face do alegado na p.i., sempre a fundamentação de facto (provada ou não provada) deveria ter feito menção às obras invocadas, o certo é que, através da presente apelação, a recorrente não se insurge quanto a tal omissão.
[21] Na p.i., no seu art. 4.º, foi apenas alegado: “A A. como proprietária e possuidora, procedeu a obras de beneficiação do referido imóvel, logo após a sua aquisição” (sublinhado nosso).
[22] Pese embora versando sobre um caso diverso (comodato), veja-se o acórdão da Relação de Évora de 12/07/2026 (Proc. n.º 2596/12.5TBEVR-A.E1, relator Silva Rato), no qual se pode ler: “No dizer do n.º1 do art.º 479º do Cód. Civ., “a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa, compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição não for possível, o valor correspondente.” // O que deverá ser entendido, a nosso ver, no caso do contrato de comodato, e tendo em vista o disposto no n.º2 do art.º 479º e no art.º 480º, ambos do Cód. Civ., na data em que a coisa foi restituída ou o comodante tomou posse da mesma. // Pois é no momento da restituição da coisa ao comodante que se pode aferir, em que medida as benfeitorias úteis realizadas pelo comodatário vieram trazer acréscimo de valor à coisa emprestada. // A não ser assim, bens incorporados e obras realizadas pelo comodatário, na constância do empréstimo da coisa, e que na vigência do comodato tenham acrescentado valor à coisa emprestada, que, pelas suas características, se deterioraram ou mesmo desapareceram por completo, poderiam ter que ser valoradas para efeitos do cálculo da indemnização devida pelo comodante para efeitos do seu enriquecimento sem causa, sem que a coisa emprestada, à data da sua restituição ao comodante, se visse valorizada por efeito daquelas benfeitorias. // Estamo-nos a lembrar, por ex. do telhado do prédio emprestado, que foi colocado de novo pelo comodatário na constância do empréstimo da coisa, acrescentando valor ao prédio pois o que então aí se encontrava colocado estava completamente danificado, mas que, por via do decurso do tempo na utilização da coisa emprestada, se veio a degradar, não acrescentando à coisa emprestada, à data da sua restituição ao comodante, o valor que tinha à data da sua colocação, ou mesmo não tendo já qualquer valor, porque entretanto também se deteriorou, ou por exemplo a pintura de um prédio que aquando da sua entrega ao comodatário não tinha qualquer pintura e, por isso, à data em que foi efectuada acrescentou valor ao prédio, mas volvidos, por ex. 20 anos, já está completamente degrada ou mesmo já saltou, ou ainda um soalho novo que foi colocado pelo comodatário quando lhe foi entregue o prédio, que tinha então um piso completamente degradado, acrescentando-lhe valor, mas que com o desenrolar dos anos se foi degradando estando em péssimo estado.”