Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1707/10.0TVLSB-B.L1-7
Relator: PIMENTEL MARCOS
Descritores: ARRESTO
JUSTO RECEIO DE PERDA DA GARANTIA PATRIMONIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/15/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Sendo, como é, um procedimento cautelar, o arresto visa combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença que vier a ser decretada favoravelmente não perca o seu efeito útil, isto é, impedir que, durante a pendência da acção, a situação de facto se altere de tal modo que a sentença nela proferida perca a sua eficácia.
II - E depende da verificação cumulativa de dois requisitos a provar pelo requerente:
- Probabilidade da existência do crédito do requerente;
- Receio justificado da perda de garantia patrimonial.
III - O critério da avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor, isto é, em simples conjecturas, devendo antes basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselham uma decisão cautelar imediata, como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva.
IV - O receio da perda da garantia patrimonial para ser considerado «justo» há-de assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, não afastando o receio meramente subjectivo, porventura exagerado do credor, de ver insatisfeita a prestação a que julga ter direito.
V - Na fórmula genuína do «justo receio de perda da garantia patrimonial» cabe uma variedade de casos, tais como os de receio de fuga do devedor, de sonegação ou ocultação de bens e facilidade com que estes podem ser transaccionáveis.
VI -Tendo a requerida vários credores, um volume de negócios cada vez mais reduzido e não lhe sendo conhecidos outros bens para além da conta bancária, fica suficientemente indiciado o perigo de perda da garantia patrimonial.
VII - Em princípio, o juiz apenas pode fundar a sua decisão nos factos alegados pelas partes. Todavia, deverão ser considerados na decisão «os factos principais que, completando ou concretizando os alegados pelas partes, se tornem patentes na instrução da causa».
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

“A” Ldª instaurou a presente providência cautelar de arresto contra “B S.A.”, com os fundamentos seguintes:
Requerente e Requerida celebraram entre si um contrato de prestação de serviços.
Como contraprestação pelos serviços fornecidos pela requerente, a requerida comprometeu-se a pagar uma quantia mensal de € 5 000 (cinco mil euros).
Mas o contrato previa ainda um eventual prémio de desempenho se a “A” fosse capaz de criar as condições necessárias para se obter um resultado igual a 0 (zero) ou um resultado projectado positivo.
Este prémio de desempenho só seria atribuído pela requerida à requerente no caso de esta lograr atingir determinados objectivos, ou seja, a criação das condições necessárias para que fosse possível a obtenção de um resultado de (zero) ou de um resultado projectado positivo.
A requerente cumpriu as suas obrigações contratuais e criou efectivamente as condições necessárias para a reabilitação financeira da requerida, mas esta negou-se a pagar o prémio de desempenho.
Existe um fundado e real receio de que a Requerida levante todos os valores depositados, deixando a requerente desprovida de garantias patrimoniais, dado que não tem outros bens que possam assegurar o cumprimento das suas obrigações.
 
Requer assim que seja decretado o arresto da conta bancária.

Após produção da prova indiciária foram dados como provados os seguintes factos:
1. A Requerente e a Requerida celebraram, no dia 27 de Abril de 2009, um contrato de prestação de serviços.
2. Através da celebração deste contrato era objectivo da Requerida, essencialmente, que a Requerente, através dos seus meios técnicos e científicos, criasse as condições necessárias para inverter os resultados negativos, até então obtidos.
3. Nos termos do contrato outorgado pelas partes, o Sr. Dr. “P” tinha como funções, entre outras, a participação em diversas negociações, a preparação de documentos para assinatura de contratos, a elaboração de projecções de resultados de acordo com a evolução das negociações.
4. Como contraprestação pelos serviços fornecidos pela Requerente, ou seja, consultadoria administrativa, serviços de gestão e assistência operacional e financeira no quadro das renegociações contratuais, a Requerida comprometeu-se a pagar uma quantia mensal de € 5000 (cinco mil euros).
5. O contrato em causa previa ainda, na sua cláusula 4.2, um eventual prémio de desempenho nos seguintes termos: “Se a “A” for capaz de criar as condições necessárias para se obter um resultado igual a 0 (zero) ou um resultado projectado positivo, assumindo-se um volume de negócios de 3.348.000€ (três milhões, trezentos e quarenta e oito mil euros) e onde se reflictam todos os ganhos, em projecção anual, que se reflictam em (i) redução de custos e/ou (ii) um acréscimo de negócio, a “B” pagará à “A” um prémio de desempenho (de ora em diante chamado “S”).”
6. O prémio de desempenho (“S”) só seria atribuído pela Requerida à Requerente no caso de esta lograr atingir determinados objectivos, os quais seriam a criação das condições necessárias para que fosse possível a obtenção de um resultado de (zero) ou de um resultado projectado positivo.
7. Nestes termos, a Requerente, por intermédio do mencionado Dr. “P”, elaborou um documento que contém a projecção anual para o ano de 2010, documento em causa foi elaborado pela Requerente, no âmbito da prestação de serviços sub judice, tendo como finalidade servir de base para que os accionistas da Requerida (S F), decidissem se a mesma continuaria a sua actividade em Portugal ou se, pelo contrário, a encerraria, baseando-se a decisão em causa, na viabilidade económica da Requerida.
8. A Requerida encontrava-se numa difícil situação financeira, tendo a Requerente com um resultado operativo de €-905 000 (novecentos e cinco mil euros negativos) em 2008, e € -792 (setecentos e noventa e dois mil euros negativos) em 2009.
9. A Requerente por intermédio do Sr. Dr. “P” elaborou uma projecção anual para o ano de 2010, prevendo a projecção mencionada uma melhoria do desempenho da Requerida.
10. Em Julho de 2010, a Requerida atingiria, pela primeira vez, um resultado operativo positivo de € 48 000 (quarenta e oito mil euros).
11. Sendo que, a mesma conseguiria, no ano de 2010, obter um resultado operativo total positivo de € 11 000 (onze mil euros).
12. Os resultados em causa foram obtidos através do contributo da Requerente por intermédio do Sr. Dr. “P”, ao fazer parte de todas as rondas negociais em que foi conseguido diminuir de 50% (cinquenta por cento) a 60% (sessenta por cento) a percentagem entregue aos cinemas no âmbito das receitas de publicidade, para 20% (vinte por cento), o que foi fundamental para catapultar a margem bruta da empresa de 7% (sete por cento) para 50% (cinquenta por cento).
13. A Requerida realizou uma auditoria às suas contas por uma entidade exterior e imparcial denominada “E”, com o objectivo de assistir a Requerida através da análise da sua capacidade de gerar os recursos financeiros necessários no ano de 2009 e de 2010, tendo como finalidade comprovar a correcção da projecção anual para o ano de 2010 elaborada pelo Sr. Dr. “P”, examinando, assim, se a Requerida teria ou não condições para continuar a sua actividade.
14. Tendo a Requerente conhecimento que da auditoria referida resultou em sede de conclusão a perspectiva para um crescimento a partir dos resultados de € -793 000 (setecentos e noventa e três mil euros negativos) no final de 2009 para € 22 000 (vinte e dois mil euros) no final de 2010.
15. A auditoria da “E” a qual previu um resultado positivo de € 22 000 (vinte e dois mil euros).
16. Os accionistas da Requerida (S France), decidiram continuar a sua actividade em Portugal, o que só aconteceu, por a Requerente ter criado as condições necessárias para esse efeito.
17. A Requerida acabou por perder um dos seus clientes principais, a “Z S.A”.
18. Sendo que, quando foi elaborado o contrato não era previsível a perda desse cliente tendo sido, como tal, assumido um volume de negócios substancialmente superior ao que realmente se veio a verificar.
19. A projecção anual em causa, utilizou como ponto de partida o ano de 2008, incluindo os meses de Agosto de 2009 até Dezembro de 2009, e contendo ainda todo o ano de 2010.
20. Encontrando-se no documento em causa, todas as receitas operacionais, desde as obtidas no âmbito de ecrã a nível nacional, ecrã local (slides), total ecrã, produção, outras compras, total ecrã & produção, vendas fora do ecrã, e vendas totais.
21. E também, as respectivas despesas, desde vendas, marketing, marketing-outros, montagem, informáticas, amortização informática, gastos gestão e administração, bónus, amortização “G”, auditores, abate ao balanço, incobráveis a abater e total de custos de operação.
22. Concluindo o documento em causa com o resultado operativo o qual não é mais que a diferença entre os proveitos e os custos.
23. Os resultados em causa se deveram, entre outras, às seguintes medidas:
a. Renegociação de contratos realizados com os exibidores;
b. Renegociação de contratos de repartição de vendas realizados com os exibidores;
c.  Implementação de várias medidas de poupança na R.;
24. Consistindo as medidas de poupança referidas, entre outras, no:
25. Despedimento de empregada da área de vendas, e poupança em custos de administração de vendas;
26. Poupanças nos custos de marketing, e relocalização dos escritórios;
27. Redução de custos com relações públicas e estudos de mercados;
28. Descida de rendas, redução de custos de leasing e dos custos de comunicação;
29. A Requerente por intermédio do Sr. Dr. “P”, participou em todas estas medidas.
30. Surpreendentemente, após a Requerente ter contactado a Requerida para que fosse cumprida a obrigação estipulada, esta recusou-se.
31. No dia 8 de Abril de 2010, viu-se a Requerente obrigada a interpelar a Requerida formalmente, através de carta com aviso de recepção.
32. A requerida é titular de um depósito bancário não lhe sendo conhecidos outros activos disponíveis;
33. A não obtenção dos resultados projectados pela requerente deve-se a uma má gestão da requerida.
34. A requerida encontra-se numa situação económica difícil.
35. Os accionistas encontram-se a ponderar a viabilidade económica da manutenção da requerida em Portugal.

Finalmente, foi decretado o arresto do depósito bancário nº …, M, em nome de “S S.A”.
 
Deste despacho recorreu a requerida, formulando as seguintes conclusões:
a) Dos factos provados (ou melhor de não prova factual mas meramente conclusiva) 34 e 35 não resulta, à face de um juízo ponderado que se impõe, como de garantia do bem arrestado, sendo os mesmos conclusivas e não factuais, logo inaplicáveis como fundamento de facto e respectiva subsunção jurídica das normas.
b) Verifica-se em face da factualidade provada, por exactamente não ter sido provada inexistência de justificação para o receio invocado, logo a consequência jurídica seria o não decretamento da providência cautelar de arresto (artigo 407.º, n.º e artigo 408.º, n. 1 do CPC.)
c) Além do mais, o despacho é nulo, porquanto invoca questões, como o facto muito relevante para o tribunal “a quo” de que, a fls. 37 “… sendo conhecidos outros credores a quem não são pagos os valores acordados …”, no que se constata que o tribunal “a quo” vai usar um argumento que não foi objecto de prova, pelo que através de um preconceito (já que não está suportada na factualidade) em relação à requerida vai usar esse mesmo preconceito como fundamento de facto para a decisão objecto de recurso. Logo é uma decisão nula, nos termos do art. 668º, n.º 1, al. d), in fine, do CPC.

E termina dizendo que o recurso deve ser julgado procedente, devendo, em consequência, ser revogado o despacho que ordenou o arresto.

Em contra-alegações concluiu a apelada:
1. Não tem razão a Apelante ao invocar que os factos provados nos pontos 34 e 35 da douta decisão recorrida são considerações meramente conclusivas e não factuais;
2. A douta decisão recorrida procedeu a uma aplicação correcta do Direito aos factos dados como provados;
3. Ao tribunal “a quo” assiste o direito/dever constante do princípio da livre apreciação da prova e inerente princípio da livre convicção;
4. A convicção do Tribunal “a quo” é formada da conjugação dialéctica de dados objectivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem;
5. Ficou para si, tribunal “a quo”, sobejamente provado que estão reunidos os dois requisitos cumulativos de cuja verificação a lei faz depender o decretamento do arresto preventivo, como o demonstram a prova testemunhal e documental junta aos autos;
6. E a conclusão mencionada no ponto imediatamente precedente ao presente constitui a questão fundamental decidenda;
7. Finalmente, atento tudo supra exposto, improcede, inapelavelmente, a tese da nulidade do despacho.

Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.

1. Os requisitos do arresto preventivo vêm elencados no art. 619º, nº1, do C. Civil, segundo o qual, o credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, nos termos da lei do processo, ou seja, dos artigos 406.º e seguintes do CPC.
  Com efeito, o n.º 1 deste artigo reproduz aquela mesma doutrina: «o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor».
Sendo, como é, um procedimento cautelar, visa o arresto combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença que vier a ser decretada favoravelmente não perca o seu efeito útil, isto é, impedir que, durante a pendência da acção, a situação de facto se altere de tal modo que a sentença nela proferida perca a sua eficácia. «O arresto de bens do devedor constitui “a garantia patrimonial” assegurando que os bens apreendidos se irão manter na esfera jurídica do devedor até que no processo executivo seja realizada a penhora, antecedente do pagamento do crédito»[1].
O arresto consiste, pois, numa apreensão judicial de bens capaz de antecipar os efeitos derivados da sentença de condenação a proferir. É um meio de conservação da garantia patrimonial do credor. E depende da verificação cumulativa de dois requisitos:
- Probabilidade da existência do crédito do requerente;
- Receio justificado da perda de garantia patrimonial.

  No caso sub judice, competia, pois, à requerente alegar os fundamentos do arresto, deduzindo os factos que tornavam provável a existência do crédito e justificavam o receio invocado (cfr. os arts. 406º, nº1 e 407º, nº1, do C.P.C.).

No presente recurso apenas está em causa o segundo daqueles pressupostos.

2. «Examinadas as provas produzidas, o arresto é decretado, sem audiência da parte contrária, desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais» (artigo 408º, nº 1 do CPC)
Notificado ao arrestado o despacho que decretou o arresto, poderá este, em alternativa, recorrer, nos termos gerais, do despacho que decretou a providência ou deduzir oposição quando pretenda alegar e provar factos novos que não tenham sido considerados pelo tribunal e que afastem os fundamentos da providência.
No caso sub Judice, o arrestado interpôs recurso, pelo que lhe está vedado alegar factos novos.
O que está em causa é saber se se verifica o alegado justo receio de perda da garantia patrimonial. E este «pressupõe a alegação e prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito»[2].
«O critério da avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor (isto é, em simples conjecturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselham uma decisão cautelar imediata, como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva[3].
  Não é necessário que exista a certeza de que a perda da garantia se torne efectiva com a demora, mas apenas que haja um receio justificado de que isso possa vir a concretizar-se.
  Como sustenta a doutrina do acórdão do STJ de 20.01.2000, citado no douto despacho recorrido “no requerimento de arresto deve o credor alegar factos tendentes à formulação de um juízo de probabilidade da existência do crédito e justificativos do receio invocado. Tal «receio», para ser considerado «justo» há-de assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, não afastando o receio meramente subjectivo, porventura exagerado do credor, de ver insatisfeita a prestação a que tem direito. Na fórmula genuína do «justo receio de perder a garantia patrimonial» cabe uma variedade de casos, tais como os de receio de fuga do devedor, de sonegação ou ocultação de bens e de situação deficitária, não bastando que o requerente se limite a alegar meras convicções, desconfianças ou suspeições de tais situações.”

3. No caso sub judice, a requerida tem outros credores e o volume de negócio cada vez mais reduzido e, o que é muito importante, para além da conta bancária não são conhecidos outros bens à requerida.
Ora, como é sabido, nos dias de hoje, numa fracção de segundos, a conta bancária pode ficar a zero.
Alega a recorrente que a afirmação de que “a requerida encontra-se numa situação económica difícil” é uma mera conclusão que não está suportada por qualquer prova produzida.
E não há dúvida nenhuma de que o requerente do arresto deve alegar e provar factos de que o julgador possa concluir pelo receio justificado da perda de garantia patrimonial. Não pode, pois, limitar-se a alegar meros juízos de valor ou conclusivos.
Ora, afirmar-se que uma sociedade comercial se encontra “em situação económica difícil” é uma conclusão a retirar de factos alegados nesse sentido.
Mas, como diz a recorrida, a apreciação dos factos tendentes a demonstrar o pericula in mora não deve ser considerada isoladamente, mas sim no seu conjunto. Por isso, a situação económica difícil há-de resultar da apreciação de todo um conjunto de factos cuja prova se fez em sede de audiência.
Ora, os accionistas encontram-se a ponderar a viabilidade económica da manutenção da requerida em Portugal. E esta não só não executou o que lhe foi projectado como se recusa a efectuar o pagamento da quantia em divida.
A este propósito diz a recorrida: «uma vez que a requerida tem outros credores, tem o volume de negócios cada vez mais reduzido fica indiciado o perigo de perda da garantia patrimonial. Acresce que para além da conta bancária nada mais é conhecido à requerida».
E pode ler-se no despacho recorrido: No caso sub judice, uma vez que a requerida tem outros credores, tem o volume de negócio cada vez mais reduzido fica indiciado o perigo de perda da garantia patrimonial.

4. Mas diz a recorrente que este facto não foi alegado. E, com efeito, tendo sido alegado, como é obrigatório, que a requerida é credora da requerente, não foi alegado que existiam outros credores.

Dispõe o artigo 264º do CPC:
1. Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções.
2. O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 514.º e 665.º e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa.
3. Serão ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.

Portanto, às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir. E o juiz, em princípio, apenas pode fundar a sua decisão nos factos alegados pelas partes. Todavia, pode ter em consideração os factos a que se refere o antecedente n.º 3.
Daqui resulta que deverão ser considerados na decisão «os factos principais que, completando ou concretizando os alegados pelas partes, se tornem patentes na instrução da causa»[4]. Trata-se duma disposição profundamente inovadora após a revisão de 1995/1996.
Ora, durante a audiência, o juiz apercebeu-se de que existiam outros credores e que, por isso, se justificava o receio de perda da garantia patrimonial.
E, quer sobre estes factos quer sobre os outros que foram alegados pela requerente, a requerida somente podia pronunciar-se em data posterior à decisão, sendo certo que, como vimos, limitou-se a interpor recurso.
Esta factualidade, demonstrada indiciariamente, é susceptível de revelar, num juízo de verosimilhança, quer o direito de crédito da requerente quer o justo receio de perda da garantia patrimonial do direito invocado.
Perante este circunstancialismo concluiu-se no despacho recorrido:
«De modo que, ponderando o montante total do crédito de que a requerente aparenta ser titular sobre a requerida, o comportamento desta que apesar de instada insiste em não cumprir, a volatilidade dos bens de que é titular, considera-se justificado o receio manifestado pela requerente de que, sem o decretamento do arresto a muito curto prazo, venha a quedar insatisfeito o direito que lhe assiste».

Ora, tendo em consideração o que ficou dito, entende este tribunal que se justifica plenamente esta conclusão.

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Por todo o exposto acorda-se em negar provimento à apelação, confirmando-se o despacho recorrido.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 15 de Novembro de 2011.

José David Pimentel Marcos.
António Abrantes Geraldes.
Tomé Gomes.
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[1] António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Almedina, IV Volume, Janeiro de 2003, pág. 170.
[2]  Abrantes GERALDES, Temas Da Reforma Do Processo Civil, IV vol. Almedina, 2003, pág. 186.
[3]  Abrantes Geraldes, ob. loc. cit. pág. 187.
[4]  José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 1999, pág. 466.