Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | CELINA NÓBREGA | ||
| Descritores: | SUBSÍDIO DE AGENTE ÚNICO TRABALHADOR RECONVERTIDO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/19/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | 1-O n.º 5 da cláusula 34.ª introduzido pela revisão publicada no JORAM, III Série, n.º 19, de 08.10.2020, do Acordo de Empresa celebrado entre a Horários do Funchal-Transportes Públicos S.A. e o Sindicato dos Trabalhadores Rodoviários e Atividades Metalúrgicas da Região Autónoma da Madeira, publicado no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira (JORAM), III Série, n.º 4, não permite uma interpretação extensiva da cláusula no sentido de ser mantido o subsídio de Agente Único aos trabalhadores reconvertidos em virtude de acidente de trabalho. 2- O que se pretende acautelar com a cláusula 45.ª, n.º 3 do mesmo AE é que, em caso algum, seja diminuída a retribuição base do trabalhador reconvertido em consequência de acidente de trabalho. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa: Relatório AA, identificado nos autos, veio intentar contra HORÁRIOS DO FUNCHAL, TRANSPORTES PÚBLICOS, S.A., acção declarativa emergente de contrato de trabalho, sob a forma de processo comum, pedindo que a acção seja julgada procedente e, em consequência: - Seja a Ré condenada a pagar ao Autor todas as diferenças salariais existentes na retribuição auferida antes do acidente de trabalho (Julho de 2015) e as efectivamente auferidas até ao presente, nomeadamente o pagamento do subsídio de Agente Único em falta, bem como as que se vencerem na pendência da presente ação.; - Quando assim se não entender, seja a Ré condenada no pagamento ao Autor da “gratificação de função” no valor em vigor na empresa, ou seja no valor exactamente igual ao do agente único, como compensação pela perda salarial, conforme usos e práticas da empresa; - Seja a Ré condenada a pagar custas, procuradoria e demais encargos processuais e legais. Invocou para tanto, em síntese, que: -O Autor encontra-se a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, com a categoria profissional de motorista; no ano de 2015 o Autor sofreu um acidente de trabalho do qual resultou uma incapacidade de 17%; nessa sequência, o Autor foi inibido de continuar a exercer as funções de motorista de transportes públicos de passageiros; a Ré procedeu à reconversão do Autor, passando o mesmo a laborar na secção de lavagem, sendo-lhe atribuído um subsídio de lavagem; em 2017 o Autor mudou de funções, passando a trabalhar na Tesouraria da Ré, na venda de bilhetes e, em função disso, passou a auferir abono para falhas, abono que recebeu entre Maio de 2017 e Junho de 2019; em Junho de 2019, o Autor regressou à lavagem devido a “extinção do posto de trabalho”, que passaria a ser efectuada por maquinaria e, novamente, recebeu um subsídio de lavagem; em Setembro de 2021, o Autor passou a exercer funções de Expedidor/Operador SAE, categoria que só foi reconhecida em Setembro de 2022; desde Julho de 2015 que a Ré não paga ao Autor o subsídio de Agente Único que corresponde, nos termos da cláusula 34º n.º 1 do Acordo de Empresa, a 18% da remuneração normal (remuneração base+diuturnidades), subsídio que auferia como motorista e que faz parte integrante da sua remuneração; os valores do subsídio de lavagem e do abono para falhas que recebia são muito inferiores aos do subsídio de Agente Único que auferia, pelo que passou a auferir menos do que auferia antes do acidente de trabalho; nos termos do n.º 3 da Cláusula 45.º do Acordo de Empresa, publicado no JORAM nº 4, III Série de 19.02.2019, celebrado entre a Ré e o STRAAM, sindicado onde o Autor se encontra sindicalizado, ao trabalhador reclassificado, em virtude de acidente de trabalho, são devidas as retribuições e demais regalias da nova categoria, não podendo em caso algum ser diminuída a sua retribuição anterior, sendo que o Código do Trabalho estabelece o princípio da irredutibilidade da retribuição; por força do disposto no n.º 1 da Cláusula 31.º do Acordo de Empresa e 258º do Código do Trabalho, a retribuição do trabalho compreende a remuneração base mensal e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie; de acordo com a 2.ª revisão do Acordo de Empresa efectuada a 21.09.2020, foi alterada a Clausula 34ª, o que determinou que o nº 5 estipulasse que “Os motoristas que exerçam a sua actividade profissional como agente único manterão o direito a receber o subsidio de agente único em caso de suspensão de serviços de cobrança, temporária ou definitivamente, causada por motivo de força maior ou determinação legal, ou resultante de evolução tecnológica ou automação dos serviços”; e no âmbito das negociações destas alterações foi expressamente mencionado que nesta cláusula estavam incluídas as suspensões motivadas por acidentes de trabalho; o Autor pretende a reposição do subsídio de agente único que lhe deixou de ser pago em virtude do acidente de trabalho e da reconversão profissional subsequente, desde Julho de 2015, correspondendo a 18% da sua remuneração normal, que corresponde a retribuição base e diuturnidades; ainda que seja praxe da empresa o pagamento a todos os trabalhadores requalificados de uma “gratificação de função”, com o intuito de compensar o subsídio de agente único, compensação esta que é feita quando o trabalhador recorre a reconversão voluntária, por maioria de razão, esta gratificação deve ainda ser paga a um trabalhador fiel da empresa que, através de acidente de trabalho, se lesiona e perde as suas capacidades de trabalho; esta compensação tem valor igual ao do agente único para todos os trabalhadores requalificados tais como o trabalhador BB que também é expedidor como o Autor e recebe a gratificação de função no valor exactamente igual ao do agente único; este trabalhador também teve acidente de trabalho e mantém o seu status salarial inalterável, não compreendendo o Autor como na mesma empresa existe discriminação salarial; e, caso se entenda não ser devido o pagamento do subsídio de agente único, então deverá ao Autor ser atribuída a gratificação de função por forma a compensar o trabalhador da sua perda salarial, tal como é uso e prática da empresa com os demais trabalhadores, no valor exactamente igual ao do agente único. Realizou-se a audiência de partes não se obtendo a conciliação. A Ré contestou por excepção e por impugnação. Por excepção, invocou a ineptidão da petição inicial por o Autor não alegar nem concretizar quais foram as quantias que lhe foram/são pagas a título de retribuição e quais é que pretende receber e cujos montantes não indica, pelo que a petição inicial é inepta por falta de indicação da causa de pedir e/ou do pedido, ineptidão que gera a nulidade do processo e constitui uma excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa, determinando a absolvição da instância. Caso assim não se entenda, invoca a Ré que o Autor deve ser convidado a suprir as manifestas insuficiências da petição inicial, sendo dado novo prazo à ora Ré para contestar a acção. Mais impugnou o valor da causa e, quanto ao mais, alegou em suma, que o Autor não tem actualmente a categoria profissional de motorista; que o Autor esqueceu-se, convenientemente, de referir que os 18% que alega são/eram “sobre a remuneração da hora normal (remuneração base mensal + diuturnidades), durante o tempo efectivo de serviço prestado nessa qualidade, com o pagamento mínimo correspondente a oito horas de trabalho diário nessa situação.”; que o Autor deixou de exercer as funções de motorista de transportes públicos de passageiros na sequência do acidente de trabalho ocorrido em 2015, tendo-lhe sido fixada uma incapacidade absoluta para o trabalho habitual de 17%, na sequência do que aufere uma pensão anual e vitalícia paga pela seguradora; que o Autor, tendo deixado de deter a categoria de motorista, perdeu o direito a auferir os/quaisquer subsídios inerentes ao (e exclusivos do) exercício dessas funções; que o subsídio de agente único é calculado nos termos da Cláusula 34.ª do Acordo de Empresa, em função das horas de serviço efectivo desenvolvido pelo motorista, quando desacompanhado de cobrador bilheteiro e não em razão da remuneração mensal; tanto o subsídio de agente único atribuído aos motoristas, como a “Gratificação de lavagem” no caso dos trabalhadores de lavagem, o abono de falhas para os trabalhadores de tesouraria e a “Gratificação de função” para os Operadores de SAE, são prestações de natureza retributiva, em tudo semelhante às prestações devidas por trabalho suplementar ou trabalho nocturno, as quais se destinam a compensar o trabalhador por uma determinada operação/actividade funcional, claramente inserida na sua normal e habitual laboração profissional, pelo que, alterando-se a categoria profissional e inexistindo a conexão com o serviço prestado, cessará, necessariamente, o direito à atribuição da respectiva compensação; que o princípio da irredutibilidade da retribuição apenas se aplica à retribuição considerada em sentido estrito e não abrange todas as componentes da retribuição, como seja o subsídio de Agente Único; que o Autor encontra-se a receber, pelo menos, a mesmo retribuição que auferia enquanto motorista, ou seja, mantendo a remuneração base e as diuturnidades, devidamente actualizadas, que auferia antes do acidente de trabalho, montante ao qual acresce as diversas remunerações complementares a que o Autor tinha, tem e terá direito, na categoria em que desempenhou, desempenha e desempenhará as suas funções, não tendo direito ao valor/diferencial que reclama; que a referida “gratificação de função” não se destina a compensar qualquer perda do subsídio de agente único, nem corresponde ao valor deste, antes correspondendo a uma liberalidade, não prevista no Acordo de Empresa e de valor unilateralmente definido pela ora Ré, atribuída em virtude do acréscimo de funções dos Operadores de Sistema de Apoio à Exploração, pelo que, recebendo o Autor o valor a que tem direito em virtude das funções que desempenha, inexiste o tratamento discriminatório e/ou a violação dos usos em vigor na ora Ré invocada pelo mesmo; e caso se entenda que o Autor tem direito à remuneração global (ou seja, incluindo o subsídio de agente único) que auferia no momento do acidente de trabalho, sempre deverá ser deduzido ao valor da remuneração global a considerar os valores dos subsídios que passou a auferir posteriormente e que não receberia enquanto motorista. Terminou pedindo que a excepção deduzida seja julgada procedente e a Ré absolvida da instância; ou, caso assim não se entenda, seja a acção julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido. O Autor respondeu pugnando pela improcedência das excepções. As partes foram notificadas para se pronunciarem sobre a apensação a estes autos do Processo n.º 15/24.3T8FNC, ao que nada opuseram, na sequência do que foi determinada a apensação do mencionado processo. CC, identificado nos autos, veio propor contra HORÁRIOS DO FUNCHAL – TRANSPORTES PÚBLICOS, S. A., acção declarativa sob a forma de processo comum, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe todas as diferenças salariais existentes desde o acidente de trabalho e as efectivamente auferidas, nomeadamente o pagamento do subsídio de agente único em falta, bem como as que se vencerem na pendência da presente ação e que, caso assim não se entenda, seja a Ré condenada no pagamento ao Autor da “gratificação de função” no valor em vigor na empresa, como compensação pela perda salarial, conforme usos e práticas da mesma. Invocou, em resumo, que é trabalhador da Ré, que, no ano de 2021, sofreu um acidente de trabalho e foi inibido de continuar a exercer as funções de motorista de transportes públicos de passageiros, tendo a Ré procedido à sua reconversão e que nas secções onde foi integrado auferiu subsídios cujo valor era inferior ao de agente único, pelo que passou a auferir quantias inferiores às que auferia antes do acidente, estando em dívida a quantia de € 1 935,00 e concluiu que foi violado o princípio da irredutibilidade da retribuição. Mais alegou que é praxe da empresa o pagamento a todos os trabalhadores requalificados de uma “gratificação de função”, com o intuito de compensar o subsídio de agente único quando o retiram, que a mencionada compensação é feita quando o trabalhador recorre a reconversão voluntária, pelo que, por maioria de razão, esta gratificação deve ainda ser paga a um trabalhador fiel à empresa que, através de acidente de trabalho, se lesiona e perde as suas capacidades de trabalho. Citada, a Ré contestou arguindo a excepção da ineptidão da petição inicial. Mais impugnou o valor da causa e os factos alegados pelo Autor, invocando, em síntese, que o Autor não tem actualmente a categoria de motorista, que não corresponde à verdade que o subsídio de agente único corresponde a 18% da remuneração normal, que, por deixar de deter a categoria de motorista, o Autor perdeu o direito a auferir quaisquer subsídios inerentes ao exercício de tais funções, que o subsídio de agente único é calculado em função das horas de serviço efectivo desenvolvido pelo motorista e não em função da retribuição mensal e, diversamente, a gratificação de lavagem, que o Autor está a receber a mesma retribuição que auferia como motorista, mantendo a remuneração base e as diuturnidades e recebeu as diversas remunerações complementares relativas às funções que, entretanto, foi desenvolvendo, que a gratificação de função que actualmente aufere constitui uma liberalidade definida unilateralmente pela Ré em virtude do acréscimo de funções daquela categoria e que, caso se entenda que o Autor tem direito ao que peticiona, então, deverão ser deduzidos ao valor da remuneração global a considerar os valores que, entretanto, recebeu e que não recebia/receberia enquanto motorista. Finalizou pedindo que a excepção deduzida seja julgada procedente e a Ré absolvida da instância ou, caso assim não se entenda, que a acção seja julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido. O Autor respondeu pugnando pela improcedência da excepção. Foi dispensada a realização da audiência prévia e fixado o valor da causa em € 30.000,01 para cada uma das acções. Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial e dispensou a enunciação dos temas da prova, na consideração de que a matéria de facto controvertida se reveste de simplicidade. Realizou-se a audiência de julgamento e, após, foi proferida a sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido. Inconformados, os Autores recorreram e sintetizaram as alegações nas seguintes conclusões: “I. A sentença é nula por falta de fundamentação, devido à grave ausência de análise crítica das provas produzidas e insuficiente explicação para a decisão tomada. II. Não foram indicados de forma clara os factos provados, e nem sequer se elenvou os factos não provados, fazendo-se uma menção genérica a “A demais factualidade resultou como não provada”. III. Não foram devidamente evidenciada a fundamentação da matéria de facto, os motivos pelas quais foram dados como provados ou não provados os factos. IV. Não existe qualquer pronúncia sobre os depoimentos testemunhas, nomeadamente, sobre a sua maior ou menor credibilidade - fazendo-se apenas referências genéricas tais como: - Que das testemunhas ouvidas apenas se retira que “a situação de motoristas reconvertidos por acidente de trabalho, como os aqui autores, foi discutida em sede de negociações; - Que a prova documental foi apreciada à luz do princípio da livre apreciação; - Que os factos não provados são “a demais factualidade”- sem qualquer outro juízo. V. A ausência de análise detalhada e critica quanto à prova testemunhal e documental compromete o exercício do direito ao contraditório e à tutela jurisdicional efetiva (art. 205.º, n.º 1, CRP). VI. Por outro lado, e ainda a nível da fundamentação, o tribunal a quo não fundamenta, por exemplo, por que motivo não excluí o subsidio de agente único das “outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente” constantes da cláusula 31ª do Acordo de Empresa. VII. Parte logo para a jurisprudência e para o facto de o subsídio de agente único não ser retribuição à luz da jurisprudência e estar intimamente ligado à função de motorista ignorando o demais. VIII. Aliás, faz uma longa interpretação da norma contudo não se pronuncia sobre o resultado dessa interpretação, tão pouco qual a norma que estava a interpretar. IX. Existem, inclusive, contradições insanáveis na douta sentença de difícil compreensão, nomeadamente, refere que “a cláusula 45ª n.º 3, do Acordo de Empresa, resulta expressa que não pode, em caso algum, ser diminuída a retribuição. E, na verdade esta é composta pela remuneração base e as outras prestações, onde se incluiria o subsídio de agente único. Mas quanto ao elemento racional ou teleológico, não resulta da letra do Acordo qualquer referência ou propósito na inclusão de todas as prestações retributivas.” X. Não faz qualquer sentido concluir que sim pela letra da cláusula inclui-se expressamente o subsídio mas depois, pela mesma letra, não resulta qualquer referência ou propósito de inclusão de todas as prestações retributivas. XI. Nem como é que o Tribunal a quo alega que “não foram alegados” quaisquer factos a respeito das negociações, mas no parágrafo anterior faz referência a essa mesma alegação com “Os Autores afirmam que “no âmbito das negociações destas alterações foi expressamente mencionado que nesta cláusula estavam incluídas as suspensões motivadas por acidentes de trabalho” (artigo 31º e 15º das petições iniciais).“ XII. Nestes termos, dúvidas não existem que a distar sentença não cumpre com o seu dever de fundamentação imposto pelo artigo 154º do Código Civil e 205º n.º 1 da Constituição da República, sendo nula ao abrigo do artigo 615º n.º 1 al. b). XIII. Por outro lado, a sentença é ainda omissa quanto ao pedido subsidiário efetuado pelos recorrentes, que se transcreve: “Quando, assim, se não entender, ser a R. condenada no pagamento ao A. da “gratificação de função” no valor em vigor na empresa, ou seja no valor exatamente igual ao do agente único, como compensação pela perda salarial, conforme usos e praticas da empresa;” XIV. O recurso visa a reapreciação da prova gravada, com vista á alteração da matéria dada como provada, nomeadamente dos depoimentos de: - testemunha DD prestado na audiência de julgamento de 23.09.2024 - testemunha EE na audiência de julgamento realizada no dia 9-10-2024 - testemunha FF na audiência de julgamento realizada a 9-10-2024 - depoimento de parte de AA prestado na audiência de julgamento de 23-09-2024 - testemunha GG depoimento na audiência de julgamento do dia 09-10-2024, conforme ata, - depoimento de parte de CC prestado na audiência de julgamento de 23-09-2024 XV. A Sentença não faz referência a prova produzida quanto a esta aspeto, qualquer argumento de direito ou contra-argumento - nada, é como se este pedido não tivesse existido. XVI. Nestes termos, e tendo em conta a jurisprudência (vide Ac. STJ de 11.10.2022, proc. n.º 602/15.0T8AGH.L1-A.S1), a sentença deverá ser nula por omissão de pronúncia quanto ao pedido subsidiário efetuado pelos recorrentes, nos termos do artigo 615º n.º 1 al. d) e 608º n.º 2, ambos do CPC. XVII. Além das nulidades referidas, os recorrentes consideram existir erro na apreciação da prova, não obstante nem se ter conhecimento se a mesma foi apreciada, ou de que forma foi, uma vez que o Tribunal a quo foi omisso, como já se mencionou. XVIII. Ainda assim, os recorrentes consideram que certos factos deveriam ter sido dados como provados, nomeadamente: a negociação, em sede de redação do Acordo de empresa, do agente único estar incluído no conceito de retribuição da cláusula 45º n.º 3; e a existência de uma gratificação de função, como “compensação” do agente único, para os trabalhadores reconvertidos por acidente de trabalho. XIX. Quanto à negociação, o Tribunal a quo considerou que da prova produzida, nomeadamente testemunhal, apenas foi possível concluir que “a situação de motoristas reconvertidos por acidente de trabalho, como os aqui autores, foi discutida em sede de negociações” e, posteriormente, afirma que “nos autos não foram alegados nem demonstrados factos que permitam tal conclusão” quanto a “no âmbito das negociações destas alterações foi expressamente mencionado que nesta cláusula estavam incluídas as suspensões motivadas por acidentes de trabalho”. XX. Em primeiro lugar, é sim e como referido pelo próprio Tribunal a quo alegado na petição inicial que no âmbito das negociações, em sede de revisão da C.C.T., foi expressamente salvaguardada a posição de trabalhadores motoristas reconvertidos e o subsídio de agente único. XXI. Nomeadamente nos artigos 31º e 15º das petições iniciais - e mais não lhes era exigido pois não se trata de um facto robusto com muito que se alegue… e a produção de prova ocorre no julgamento e não nas petições iniciais. XXII. Em segundo lugar, não se compreende o porquê do Tribunal a quo considerar que não foram demonstrados quaisquer factos que permitam tal conclusão. XXIII. Na própria ata das negociações, documento junto aos autos e que também não mereceu qualquer apreciação critica, é possível aferir que o tema de reconversão e agente único foram abordados - o que, não obstante não significar que se trate da situação dos presentes autos, permite, ainda assim, concluir que ambos os pontos foram referenciados. XXIV. Por outro lado, todos os presentes confirmaram na reunião confirmaram a discussão deste tema, ainda que tenham cautelosamente colocada a questão por outras palavras, nomeadamente, o presidente da Recorrida. XXV. Os representantes do STRAMM, por sua vez, disseram explicitamente que foi a questão clausulada e referida aquando das negociações - o que tem uma importante relevância para os presentes autos embora, salvo melhor entendimento, o Acordo de Empresa seja bastante explicito na sua letra e teleologia. XXVI. Assim, aquando da revisão da cláusula 34º n.º 5 relativa à questão de auferir o agente único em caso de suspensão dos serviços temporária ou definitivamente. XXVII. E quando clausulado que em caso de reconversão, os trabalhadores não perderiam qualquer remuneração, em caso algum, discutiu-se expressamente o caso do agente único. XXVIII. Neste sentido, veja-se os depoimentos de DD, supra transcrito representante do STRAMM, de 23-09-2024, minutos 2:09 a 5:31, 6:51 a 7:31, minuto 10:45 a 11:04, 15:05 a 15:50, que referiu de forma imparcial e credível que o agente único foi expressamente discutido, como incluído nos casos de remuneração da reconversão, em sede de negociações, e que foi aceite. XXIX. Para corroberar este testemunho, veja-se os depoimentos de EE, supra transcrito, interveniente no Acordo Empresa, de 9-10-2024, minuto que referem exatamente o mesmo de forma imparcial e credível. XXX. Inclusive ambos referem o facto de o recorrente AA questionar, em plenário das negociações, o presidente da Ré (FF) sobre a sua remuneração e o mesmo afirmar que se manteria intacta, incluindo agente único. XXXI. Por outro lado, as testemunhas mais “ligadas” à Ré, nomeadamente o seu representante, não foram tão credíveis e até contrários à experiencia comum. XXXII. Já o representante legal da Ré, FF, contradisse-se por diversas vezes, alterando o seu discurso consoante as perguntas do ilustre mandatário da Ré. Veja-se o seu depoimento no dia 0-10-2024, minuto 12:12 a 12:35 e 26:55 a 27:53- existe uma clara “memória seletiva” do depoente. XXXIII. Que é, por sua vez, parte interessada no desfecho dos presentes autos e demonstra um claro discurso decorado no sentido de conseguir a sua improcedência. XXXIV. Ora, dos meios probatórios referidos e passagens supra transcritas identificadas nos números anteriores, aliada prova documental, em especial, a ata, os recorrentes considera, que se deveria acrescentar os seguintes factos ao elenco de factos provados: “14. Durante as negociações do Acordo de Empresa, foi acordado que, em caso de reconversão decorrente de acidente de trabalho, os trabalhadores manteriam todas as suas retribuições e regalias, incluindo o subsídio de agente único. 15. Acordado o referido no número anterior, foi dada a redação da cláusula 45ª n.º 2 e 31ª. 16.Os trabalhadores reconvertidos nunca perderiam o valor do agente único, independentemente do nome a atribuir. XXXV. Quanto à existência de gratificação de função para compensar os motoristas reconvertidos em virtude de acidente de trabalho, por vários depoimentos ficou demonstrado que existe uma prática na empresa de, em caso de trabalhador reconvertido, colocá-lo numa determinada função residual, onde o mesmo aufere uma gratificação de função em substituição desse valor do agente único. XXXVI. O tribunal a quo em momento algum na douta sentença se pronuncia quanto a esta “praxe “e quanto ao argumento referido na petição inicial de que “Por maioria de razão, esta gratificação deve ainda ser paga a um trabalhador fiel da empresa que, através de acidente de trabalho, se lesiona e perde as suas capacidades de trabalho.” (Artigo 38º da P.I.). XXXVII. Não obstante, esta questão foi mencionada em sede de depoimento testemunhal, e de forma credível, pelo que dever-se-ia ter sido levada a cabo e considerado e dado como provado. XXXVIII. Veja-se o depoimento de AA de 23-09- 2024, minuto 5:10 a 6:15 e CC de 23-09-2024, minuto 6:49 a 8:08, 9:27 a 9:37 e 9:49 a 10:25 - ambos mencionam a existência da gratificação de função para compensar trabalhadores reconvertidos. XXXIX. E ambos são trabalhadores dos horários do funchal nessa mesma posição de reconversão. XL. Aliás, o Senhor CC refere mesmo uma pressão da empresa (recorrida) para assinar uma reconversão voluntária- para quê esse interesse? XLI. Também o depoimento de DD, minuto 7:56 a 8:59 reforça essa existência. XLII. Por outro lado, o próprio representante legal da Recorrida “admite” essa transformação do subsídio de agente único numa gratificação - apenas altera o seu discurso após a pergunta do ilustre mandatário da Ré que, de forma perspicaz, procura corrigir como se vê no seu depoimento (de FF) de 9-10-2024, minuto 2:25 a 3:06 e minuto 20:31 a 20:37. XLIII. Note-se, também, que ao longo dos depoimentos das várias testemunhas e partes, foi referido que todos os expedidores auferem uma gratificação de função- o que a Recorrida, e bem, utilizou como argumento para prova de que se todos auferem, não tem qualquer relação com conversão. XLIV. Contudo, a própria Recorrida, através do seu representante legal, referiu em sede de audiência que os expedidores são “quase todos” motoristas requalificados. Veja-se depoimento de FF de 9-10-2024, minuto 16:29 a 16:55, minuto 18:08 a 18:19. XLV. Portanto, ainda que se negue que os motoristas são requalificados e lhes é atribuído uma gratificação como compensação não poderá ter cabimento- em primeiro lugar, porque a própria ré fala em “transformação” e, em segundo lugar, porque são todos requalificados para esta categoria residual. XLVI. Também, o Sr. GG, trabalhador da Recorrida na secção de salários, isto é, lida diretamente com os vencimentos dos trabalhadores há anos, pelo que conhece bem a existência ou não de gratificação, nega o facto de todo e qualquer trabalhador auferir a gratificação de função- veja-se o seu depoimento de 09-10-2024, minuto 5:52 a 6:22, 6:33 a 7:09, minuto 7:45 a 7:59 e 16:16 a 17:25. XLVII. Face a estes meios probatórios, transcritos no texto do presente recurso, deverá acrescentar-se ao elenco de factos provados o seguinte facto: - Os trabalhadores reconvertidos nunca perderiam o valor do agente único, independentemente do nome a atribuir. - O agente Único é transformado em gratificação de função - Os motoristas reconvertidos recebem uma gratificação de função - A maioria dos trabalhadores da categoria de expedidores são ex-motoristas ou ex- fiscais, e recebem gratificação de função para manter as condições salariais que tinham em suas funções anteriores. - Existe uma prática empresarial de atribuir uma gratificação de função em substituição do subsídio de agente único em situações de reconversão XLVIII. O erro na apreciação e valoração da prova por parte do Tribunal a quo resultou na omissão de factos essenciais que sustentam o pedido dos recorrentes, sendo imperativo que o Tribunal ad quem corrija tais omissões. XLIX. Nestes termos, requer-se que o presente recurso seja julgado procedente, com a modificação dos factos provados, adicionando-se os seguintes factos que reconhecem os direitos dos recorrentes à manutenção das suas retribuições e regalias, nos termos do Acordo de Empresa: L. Assim, sumariando, deverá aos factos dados como provados ser adicionados os seguintes factos com os números 15, 16, 17,18, 19, 20 e 21, com a seguinte redação: 15.Durante as negociações do Acordo de Empresa, foi acordado que, em caso de reconversão decorrente de acidente de trabalho, os trabalhadores manteriam todas as suas retribuições e regalias, incluindo o subsídio de agente único. 16 Acordado o referido no número anterior, foi dada a redação da cláusula 45ª n.º 2 e 31ª. 17 Os trabalhadores reconvertidos nunca perderiam o valor do agente único, independentemente do nome a atribuir. 18 O agente Único é transformado em gratificação de função 19 Os motoristas reconvertidos recebem uma gratificação de função 20 A maioria dos trabalhadores da categoria de expedidores são ex-motoristas ou ex-fiscais, e recebem gratificação de função para manter as condições salariais que tinham em suas funções anteriores. 21 Existe uma prática empresarial de atribuir uma gratificação de função em substituição do subsídio de agente único em situações de reconversão LI. Devem ser elencados os factos dados como não provados, pois não se sabe quais são. LII. Por fim, os recorrentes não se conformam com o Direito aplicado na sentença, considerando que houve uma incorreta interpretação das normas e cláusulas constantes do Acordo de Empresa vigente entre as partes. LIII. Nomeadamente, das cláusulas 31º n.º 1, 34º n.º 5 e 45º n.º 3 e 5. LIV. Ora, o Tribunal a quo recorreu aos mecanismos conhecidos de interpretação, previsto no artigo 9º n.º 1 do Código Civil, contudo não é claro nem na norma que está a interpretar nem no resultado dessa interpretação, concluindo apenas que “a atribuição do agente único está intimamente relacionada com as circunstâncias em que o trabalho era prestado”. LV. A letra da lei é o ponto de partida bem como final do interprete, por regra - não pode o intercepte considerar um pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeito (9º n.º 2 CC). LVI. Da letra da lei, parte-se para o elemento histórico, teleológico e sistemático – este último o Tribunal a quo não se pronunciou. LVII. Quanto ao elemento histórico (trabalhos preparatórios, precedentes normativos, etc) o Tribunal a quo considera que inexistem elementos, o que os recorrentes não se conformam - em primeiro lugar, pois está junta a acta, bem como os vários testemunhos referentes às negociações do AE, nomeadamente, de que ficariam os trabalhadores reconvertidos salvaguardados, especificamente, quanto ao agente único; e a propria representante legal da Ré referiu que, já em 2020, deu-se a revisão do AE por os motoristas deixarem de receber o subsídio de agente único por motivo de força maior. LVIII. O elemento teleológico da cláusula 45º n.º 3 é claro: proibir em momento algum a perda de retribuição de um trabalhador reconvertido. LIX. É uma cláusula que vai além do princípio da irredutibilidade da retribuição- este princípio, como referido pelo Tribunal a quo, “não incide sobre a globalidade da retribuição, mas apenas a retribuição estrita, ficando afastadas as parcelas correspondentes ao maior esforço ou penosidade do trabalhador, a situações de desempenho específicas, ou a maior trabalho (como é o caso das parcelas atinentes a subsídio de turno, retribuição por trabalho noturno, retribuição especial por isenção de horário de trabalho, etc).” (Ac. Tribunal da Relação do Porto de 18.03.2024, proc. n.º 8113/22.1T8VNG.P1). LX. A menção expressa de “em caso algum” não é um acaso - não se trata de uma expressão utilizada de forma imperfeita pelo legislador uma vez que nenhum elemento aponta nesse sentido. LXI. O elemento teleológico aponta, de forma clara e inequívoca, para a proteção do trabalhador reconvertido, procurando garantir que o mesmo não fica prejudicado por motivos alheios à sua vontade (como uma reconversão por acidente de trabalho), nomeadamente, a receber menos do recebia anteriormente. LXII. Note-se trabalhadores em momento algum estão a reclamar subsídio de lavagem, ou qualquer gratificação inerente a uma função: estão a reclamar o acordado, não perder retribuição que inclui o subsidio de agente único. LXIII. Se a denominação do recibo de vencimento for “gratificação de função” não existem quaisquer incómodos, a formalidade não tem interesse nos presentes autos - a verdade é que auferem menos do que auferiam anteriormente, o que é proibido! LXIV. A sentença desconsiderou a lógica teleológica e sistemática desta cláusula, que visa proteger a estabilidade financeira do trabalhador em situações de vulnerabilidade, como acidentes de trabalho. LXV. Neste sentido, o Tribunal a quo quanto à cláusula 31º n.º 1 refere que, do elemento teleológico, não resulta a intenção/propósito de incluir “todas as prestações retributivas” por mencionar “outras prestações regulares e periódicas” - o que não se compreende. LXVI. Não se compreende o raciocínio nem a lógica, se o legislador tivesse a intenção de prever expressamente as que se incluiriam e se excluiriam certamente que o teria feito. LXVII. Pelo que resta ao intérprete, olhando para os demais elementos, concluir que sim são todas as prestações. LXVIII. O trabalhador enquanto parte mais fraca carece de uma proteção acrescida pois diante de um contrato de trabalho - bilateral - não existe igualdade nas partes, o trabalhador está sempre subordinado à sua entidade patronal, por diversos motivos como de subsistência. LXIX. Por fim, quanto ao elemento sistemático, não existem dúvidas de que a norma do 45º n.º 3 (presumindo ser esta a norma interpretada pelo o Tribunal a quo) está incluída num sistema que esclarece, ele próprio, o conceito de retribuição na sua cláusula 31ª. LXX. Mais, ao longo do AE, é feita uma clara distinção entre a utilização da expressão “retribuição base” ou só “retribuição”. LXXI. Se ambas tivessem o mesmo significado, ou se ficasse ao critério do intérprete para quê defini-las na cláusula 31ª? Para quê alternar entre utilização de expressões? Não tem lógica. LXXII. Mais, como poderiam existir dúvidas de que o agente único, auferido mensal e regularmente, com valor acentuado, todos os meses do ano, integra o conceito de retribuição para efeitos da cláusula 45ª? E por isso não poderia ser retirado? LXXIII. Da nossa interpretação dúvidas não podem existir quanto à não retirada do subsídio de agente único do salário de um trabalhador reconvertido que em momento algum pode ver a sua retribuição diminuída. LXXIV. E retribuição é o vencimento base e todas as outras prestações regulares periódicas auferidas (cláusula 31ª n.º 1 do AE). LXXV. Não se pode olvidar de que a situação dos presentes autos (trabalhador reconvertido) não se trata de uma situação imprevisível que o legislador não conseguisse prever - foi uma situação acautelada e que se o legislador pretendesse excluir alguma prestação, tê-lo ia feito. LXXVI. Não utilizaria a expressão “todas as outras prestações” aliada de, noutra cláusula, “em caso algum” ver a sua retribuição diminuída; Ou se fosse para abarcar meramente a retribuição base, também tê-lo-ia expressado e ressalvado. LXXVII. Ora, e não obstante o Tribunal a quo não se pronunciar sobre esta questão que não vagamente (como referido supra), a toda esta interpretação acresce o facto de a questão do trabalhador reconvertido ter sido discutida nas negociações de revisão da cláusula. LXXVIII. O resultado que o Tribunal a quo faz da interpretação da norma que não identifica, mas presume-se da cláusula 45º n.º 3 pois é a primeira mencionada, é quase um resultado aleatório à norma: o subsídio de agente único está intimamente ligado com a prestação de função de motorista. LXXIX. Facto que nunca ninguém negou. LXXX. Assim, não se podem os recorrentes conformar com a interpretação feita das normas pelo Tribunal a quo, uma vez que não correspondem à realidade nem à vontade do legislador. LXXXI. Consideram que a interpretação da cláusula 45º n.º 3 ter sido feita em conjunto com a cláusula 31º n.º 1, e interpretada no sentido de que toda e qualquer prestação periódica e regular não poderá ser retirada em caso de reconversão. LXXXII. E a cláusula 34º n.º 5 incluir os trabalhadores reconvertidos que por “força maior”, como acidente de trabalho alheio à sua vontade, teriam direito ao subsídio de agente único - situação esta, reitera-se, expressamente referida no âmbito das negociações de revisão. LXXXIII. Sempre sem olvidar que os recorrentes não reclamam o subsídio de agente único per si: o que é reclamado é o seu valor. LXXXIV. E, por esta interpretação os recorrentes deveriam ter sempre mantido o agente único ou recebido uma gratificação de função com valor igual ao agente único, sendo a sua ação procedente e a recorrida condenada no pagamento desses valores. LXXXV. Por outro lado, é importante, também, mencionar que o Tribunal a quo faz uma análise de se o subsídio de agente único integra o conceito de retribuição à luz do código de trabalho ou se tem relevância para efeitos do princípio da irredutibilidade da remuneração - tal análise não tem qualquer fundamento. LXXXVI. A questão dos presentes autos prende-se com as normas da C.C.T. e não com a lei do trabalho que, máxime, auxiliaria a interpretar as normas. LXXXVII. Um instrumento de regulamentação coletiva de trabalho pode afastar a lei desde que disponha sem sentido mais favorável aos trabalhadores. LXXXVIII. A própria lei prevê no artigo 3º n.º 3 al. j) que um IRCT afaste a lei sobre forma de cumprimento e garantias da retribuição, pelo que o C.C.T. prevalecerá sobre as normas do código de trabalho, nesta questão. LXXXIX. Por fim, quanto à gratificação de função, os recorrentes não têm fundamento para se pronunciar/defender em sede do presente recurso uma vez que tal pedido subsidiário em momento algum é apreciado na douta sentença. XC. Com efeito, mantém-se apenas o alegado supra quanto a esta questão (nomeadamente, sobre a omissão de pronúncia e prova desta “praxe”), pedindo-se a apreciação do pedido, em caso de improcedência do principal, com procedência e, consequentemente, o pagamento pela recorrida. XCI. Foram violadas as normas constantes do artº 205 da Constituição da República Portuguesa, dos artºs 154º, 608 nº 5, 615 nº 1 al. b) e d) C.P.C e os artigos 31nº1, 34 nº 5, 45º nº 3 do Acordo de Empresa. Termos e nos demais de direito, deverá ser dado provimento ao recurso e em consequência: - ser declarada a nulidade da sentença por falta de fundamentação e omissão de pronúncia; - proceder-se á reapreciação da matéria de facto, considerando os factos indicados como provados, bem como enumerando-se os factos não provados e - revogar-se a sentença recorrida, substituindo-a por outra que proceda á condenação da Ré no pagamento do subsídio de agente único, ou, subsidiariamente, na gratificação de função.” A Ré contra-alegou e terminou as alegações com as seguintes conclusões: “A) Analisadas as Alegações dos Recorrentes, constata-se que os mesmos formulam 90 “conclusões”, nas quais se limitam, a reproduzir/repetir ipsis verbis, e sem qualquer esforço de síntese, o conteúdo da sua alegação, pelo que, “equivalendo essa reprodução à falta de conclusões deve o recurso ser rejeitado nos termos estatuídos no artigo 641.º, nº 2, al. b), do CPC., não sendo de admitir despacho de aperfeiçoamento.” B) As faltas de fundamentação invocadas pelos Recorrentes não existem, configurando uma mera discordância face ao decidido pelo Tribunal de 1.ª instância, pelo que devem ser indeferidas. C) Apesar de os Recorrentes terem formulado 2 pedidos aparentemente distintos, o efeito jurídico visado pelos mesmos, bem como a respectiva causa de pedir, são idênticos/únicos, reportando-se à irredutibilidade do subsídio de agente único e, consequentemente, ao direito ao respectivo recebimento/pagamento, questão que foi apreciada pelo Tribunal de 1.ª instância, que, assim sendo, não incorreu em qualquer omissão de pronúncia. D) Conjugados dos depoimentos invocados pelos Recorrentes na sua alegação, com os depoimentos integrais, e não selectivos, do legal representante da ora Recorrida e das Testemunhas HH e GG, conclui-se que a Decisão relativa à Matéria de Facto não merece qualquer censura, devendo ser mantida. E) O conceito de retribuição adoptado o n.º 1 da Cláusula 31.ª do Acordo de Empresa coincide, integralmente, com o adoptado no n.º 2 do art. 258.º do CT, pelo que o subsídio de agente único, dado que “decorre do facto de este visar compensar o motorista pelo desempenho cumulativo das funções de motorista com as de cobrador”, não configura retribuição (cfr. art. 206.º, n.º 1, alínea c) do Código do Trabalho). F) O n.º 5 da Cláusula 34.ª do Acordo de Empresa não se aplica aos casos de reconversão profissional, antes pressupondo que o trabalhador desempenha (e continua a desempenhar), efectivamente, as funções de motorista, mas que não pode desempenhar, cumulativamente, as funções referentes aos serviços de cobrança, em virtude de estes terem sido suspensos, temporária ou definitivamente, por motivos alheios ao mesmo. G) Os n.ºs n.º 3 e 5 da Cláusula 45.ª do Acordo de Empresa, que não foi alterada na revisão invocada pelos Recorrentes, e que regula, de forma expressa e taxativa a reconversão, estabelecem 2 situações distintas, com soluções/consequências diferentes. H) O n.º 3, aplicável aos acidentes de trabalho, estabelece o princípio, que a ora Recorrida não contesta e tem aplicado aos Recorrentes, que são devidas ao trabalhador reclassificado “as retribuições e demais regalias da nova categoria”, estabelecendo como limite/valor mínimo a receber o correspondente à retribuição (sem “regalias”), ou seja, tal como prevista no n.º 1 da Cláusula 31.ª do Acordo de Empresa, que o trabalhador vinha auferindo. I) O n.º 5 desta Cláusula, que, consagrando a irredutibilidade da quaisquer benefícios ou regalias, permitiria manter o direito ao recebimento do subsídio de agente único, não é, manifestamente, aplicável aos casos de acidente de trabalho, antes regulando, expressa a taxativamente, a reconversão profissional em virtude de uma necessidade de reestruturação da ora Recorrida. J) Porque o direito invocado pelos Recorrentes não decorre do teor literal e/ou sistemático de qualquer cláusula do Acordo de Empresa, e o Tribunal de 1.ª Instância não incorreu em qualquer erro de interpretação e/ou aplicação das mesmas. K) Porque um Acordo de Empresa é um negócio rigidamente formal, sujeito ao disposto no n.º 1 do art. 221.º e no art. 238.º do Código Civil, o alegado acordo verbal entre a partes outorgantes sempre seria nulo, ou pelo menos ineficaz, pelo que, ainda que a Matéria de Facto fosse alterada nos termos peticionados pelos Recorrentes as acções sempre deveriam continuar a ser julgadas improcedentes. Nestes termos, e sempre com o Douto suprimento de V. Exas., deve o Recurso ser rejeitado, ou caso assim não se entenda, julgado improcedente, confirmando-se a Douta Sentença recorrida Como é de Lei e de Justiça!!” Foi proferido despacho que admitiu o recurso. Recebidos os autos neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido da procedência do recurso. Apenas os Autores responderam ao Parecer, aderindo ao mesmo. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. Questão Prévia: O recurso deve ser rejeitado? Nas contra-alegações invoca a Recorrida que os Recorrentes formulam 90 conclusões nas quais se limitam a reproduzir/repetir ipsis verbis, e sem qualquer esforço de síntese, o conteúdo da sua alegação e que, como tal, nada acrescentam ou delimitam relativamente a este mesmo conteúdo. Apelando ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09.11.2020, proferido no Proc. n.º 18625/18.6T8PRT.P1, em cujo sumário se escreve que a reprodução integral do vertido nas alegações nas conclusões não pode ser considerada para efeitos do cumprimento do artigo 639.º , n.º 1 do CPC, equivalendo essa reprodução à falta de conclusões, pedem que o recurso seja rejeitado. Apreciando. Estatui o n.º 1 do artigo 639.º n.º 1 do CPC que “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.” Por seu turno, dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que, “Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.” Ou seja, a lei processual determina que as conclusões integram a síntese ou o resumo do que é dito nas alegações de recurso. Donde, as conclusões não podem ser uma repetição das alegações nem o local próprio para se citar jurisprudência, doutrina ou transcrever os depoimentos das testemunhas o que, lamentavelmente, sucede com frequência. Analisadas as alegações e as conclusões do recurso, constata-se que aquelas são constituídas por 181 artigos e estas por 90 pontos. Por isso, não se pode afirmar, como afirma a Recorrida, que as conclusões reproduzem ipsis verbis as alegações. Contudo, é manifesto que as conclusões são extensas e repetem, desnecessariamente, as questões objecto do recurso. Porém, como se escreve, entre outros, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25-05-2017, Proc. n.º 2647/15.1T8CSC.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt, “I A reprodução nas conclusões do recurso da respectiva motivação não equivale a uma situação de alegações com falta de conclusões. II Nestas circunstâncias, não há lugar à prolação de um despacho a rejeitar liminarmente o recurso, impondo-se antes um convite ao seu aperfeiçoamento, nos termos do nº3 do artigo 639º do CPCivil, atenta a sua complexidade e/ou prolixidade.” Consequentemente, não há lugar à rejeição do recurso pelo fundamento invocado pela Recorrida. Por outro lado, não obstante a extensão das conclusões, é manifesto que o objecto do recurso é facilmente perceptível, pelo que nem se justificava, no caso, a prolação de despacho de aperfeiçoamento. Em suma, não se impõe a rejeição do recurso. Objecto do recurso O âmbito do recurso é delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635.º n.º 4 e 639.º do CPC, ex vi do n.º 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608.º nº 2 do CPC). Da análise das conclusões decorre que foram submetidas à apreciação deste Tribunal as seguintes questões: 1.ª- Da nulidade da sentença. 2.ª-Da impugnação da matéria de facto. 3.ª- Se é devido aos Autores o pagamento do subsídio de Agente Único. 4.ª-Improcedendo a questão anterior, se deve ser paga aos Autores a denominada gratificação de função (pedido subsidiário). Fundamentação de facto A sentença considerou provados os seguintes factos: 1. O Autor AA foi admitido ao serviço da Ré para o exercício das funções de motorista. 2. No ano de 2015 o Autor AA sofreu um acidente de trabalho, tendo-lhe sido fixada uma incapacidade permanente parcial para o trabalho habitual de 17%. 3. E Ré procedeu à reconversão do Autor. 4. Em Junho de 2016, o Autor AA passou a desempenhar funções na secção de lavagem, auferindo um subsídio de lavagem. 5. Em 2017, o Autor AA passou a desempenhar funções na Tesouraria, na venda de bilhetes, auferindo abono para falhas, de Maio de 2017 a Junho de 2019. 6. Em Junho de 2019, o Autor AA regressou à secção de lavagem e auferiu subsídio de lavagem. 7. Em Setembro de 2021, o Autor AA passou a exercer funções de expedidor/ operador SAE auferindo uma gratificação de função. 8. O último mês em que o Autor AA auferiu o valor de agente único foi em Julho de 2015. 9. O Autor CC foi admitido ao serviço da Ré para o exercício das funções de motorista. 10. No ano de 2021 o Autor CC sofreu um acidente de trabalho, tendo-lhe sido fixada uma incapacidade permanente parcial para o trabalho habitual de 23,325% 11. E Ré procedeu à reconversão do Autor. 12. O Autor CC passou a desempenhar funções na secção do posto de abastecimento e lavagem, auferindo um subsídio de lavagem. 13. Em 29 de Maio, o Autor CC passou a desempenhar funções de expedidor/ operador SAE auferindo uma gratificação de função. 14. O último mês que o Autor AA auferiu o valor de agente único foi em Março de 2023. * A sentença ainda considerou que a demais factualidade resultou como não provada e que a restante matéria alegada nos articulados constitui matéria de direito, de impugnação, conclusiva ou irrelevante para a decisão da causa, pelo que não respondeu à mesma. * Da impugnação da matéria de facto Os Recorrentes expressaram a sua vontade no sentido de ver alterada a decisão que recaiu sobre a matéria de facto tendo, para tanto, cumprido os ónus a que alude o artigo 640.º do CPC. Pretendem os Recorrentes, em primeiro lugar, que seja aditada aos factos provados a matéria seguinte: 15- Durante as negociações do Acordo de Empresa, foi acordado que, em caso de reconversão decorrente de acidente de trabalho, os trabalhadores manteriam todas as suas retribuições e regalias, incluindo o subsídio de agente único. 16- Acordado o referido no número anterior, foi dada a redação da cláusula 45ª n.º 2 e 31ª. 17-Os trabalhadores reconvertidos nunca perderiam o valor do agente único, independentemente do nome a atribuir. Para fundamentar a sua pretensão indicaram os depoimentos das testemunhas DD e EE e as declarações do representante legal da Recorrida, FF. A Recorrida indicou as declarações de parte do representante legal da Ré e o depoimento da testemunha HH. Antes de mais, importa referir que a matéria do aditamento 17, 1.ª parte, repete a matéria do aditamento 15, revelando-se como nova apenas a parte em que refere “independentemente do nome a atribuir.” Do que se percebeu, salvo o devido respeito, os Recorrentes pretendem que se considere provado e se adite aos factos provados a seguinte matéria. 15- Durante as negociações do Acordo de Empresa, foi acordado que, em caso de reconversão decorrente de acidente de trabalho, os trabalhadores manteriam todas as suas retribuições e regalias, incluindo o subsídio de agente único, independentemente do nome a atribuir.” A matéria em causa retira-se do artigo 31.º da petição inicial do Autor AA e do artigo 15.º da petição inicial do Autor CC. Por outro lado, a matéria do aditamento 16 integra matéria conclusiva, pelo que não pode integrar o elenco dos factos provados. Como se sabe, a Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aprova o Código de Processo Civil, deixou de prever norma idêntica ao anterior artigo 646.º n.º 4 que estatuía que “Têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito (…).” Sobre esta norma escreve-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Novembro de 2023, processo n.º 7127/22.6T8SNT.L1-4, consultável em www.dgsi.pt ,“Na verdade, dispunha o n.º 4 do art. 646.º do Código de Processo Civil de 1961 que se têm por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito. Por outro lado, embora não se contemplassem directamente as respostas sobre a matéria de facto vagas, genéricas e conclusivas, foi-se consolidando na jurisprudência o entendimento de que aquela disposição era de aplicar analogicamente a tais situações, sempre que a matéria em causa se integrasse no thema decidendum, por se reconduzirem à formulação de juízos de valor que se devem extrair de factos concretos, objecto de alegação e prova. Ora, não obstante a eliminação do preceito mencionado no Código de Processo Civil de 2013, é de considerar que se deve manter aquele entendimento, interpretando, a contrario sensu, o actual n.º 4 do art. 607.º, segundo o qual, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados. Isto é, o que o tribunal pode e deve considerar como provado em resultado da prova produzida são os factos e não os conceitos ou efeitos jurídicos ou as conclusões ou juízos de valor a extrair dos factos à luz das normas jurídicas aplicáveis .” Neste sentido, indicou-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2015, proferido no processo n.º 306/12.6TTCVL.C1.S1 (disponível em www.dgsi.pt). Sobre a questão, veja-se ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.01.2016, processo n.º 1715/12.6TTPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se afirma “ 1.º − Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de facto que se insira de forma relevante na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta ou componente relevante da resposta àquelas questões, ou cuja determinação de sentido exija o recurso a critérios jurídicos, deve o mesmo ser eliminado. (…).” E mais recentemente, no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 09.11.2023, processo n.º 2275/14.9T8VNF-B.G1, igual pesquisa. Assim, apenas se apreciará se deve ser considerada provada a matéria do pretendido aditamento 15 na redacção supra referida, ou seja, “se, durante as negociações do Acordo de Empresa, foi acordado que, em caso de reconversão decorrente de acidente de trabalho, os trabalhadores manteriam todas as suas retribuições e regalias, incluindo o subsídio de agente único, independentemente do nome a atribuir.” Auditada prova dela resultou o seguinte: A testemunha DD, motorista na Recorrida desde o ano de 2000, delegado sindical, que esteve presente nas reuniões de negociação do Acordo de Empresa declarou, em suma, que foi negociado que, em caso de reconversão por acidente de trabalho, os trabalhadores manteriam todos os direitos, esclarecendo que tal significava que tudo o que recebiam antes do acidente continuariam a receber após a reconversão, acrescentando que a Recorrida, através do seu Presidente do Conselho de Administração, afirmou que, nestes casos, manter-se-ia o subsídio de agente único e todos os complementos que o trabalhador reconvertido auferia antes do acidente. Mais acrescentou que, em Plenário dos Trabalhadores, o Presidente do Conselho de Administração da Ré também garantiu que aqueles trabalhadores manteriam o mencionado subsídio. Ainda disse que, anteriormente ao AE, no caso de reconversão, o trabalhador recebia um complemento de função que tinha o mesmo valor hora do subsídio de agente único, embora lhe fosse dada uma diferente designação, isto porque o subsídio de agente único é atribuído apenas aos trabalhadores que vendem bilhetes nos autocarros. Confirmou que todos os trabalhadores reconvertidos recebem uma denominada gratificação de função mas cujo valor é inferior ao do subsídio de agente único. Reafirmou que foi negociado que, se o trabalhador fosse reconvertido, continuaria a auferir todos os valores que recebia anteriormente A testemunha EE, motorista na Recorrida desde 2002, dirigente sindical e que também participou nas reuniões do AE, afirmou, em resumo, que foi negociado que, no caso de reconversão, os trabalhadores motoristas não perderiam qualquer direito e regalia, em especial o subsídio de agente único. Justificou a sua afirmação referindo que o sindicato entendia que era muito mau para o trabalhador vítima de acidente de trabalho, por um lado, não poder exercer a sua profissão e, por outro, ser colocado a exercer as funções de outra profissão e perder remuneração, bem como poder de compra. Mais referiu que, nas negociações, a Recorrida aceitou que não perderiam o subsídio de agente único e que, em Plenário dos Trabalhadores, face a uma pergunta que lhe foi dirigida pelo Autor AA, o Presidente do CA da Recorrida afirmou que ninguém iria perder remuneração, mais concretamente, o subsídio de agente único. Ainda disse que a suspensão de serviços a que se refere a cláusula 34.º n.º 5 do AE inclui várias situações como a automatização, mas também os acidentes de trabalho e que sempre pretenderam salvaguardar o subsídio de agente único por representar uma verba considerável no ordenado dos motoristas. Por seu turno, a testemunha HH, Directora de Recursos Humanos na Recorrida, que também participou nas negociações do AE referiu, em síntese, que não se lembra de ter sido exigência dos representantes do sindicato que, em caso de reconversão, não fosse retirado o subsídio de agente único e que nunca lhe foi dito que tal exigência fora aceite pela empresa. Mais esclareceu que, em caso de reconversão dos motoristas vítimas de acidente de trabalho, estes mantêm a remuneração base e diuturnidades da categoria de motorista (quando existam) e passam a auferir a gratificação de função igual à dos colegas da secção onde são integrados e que exercem as mesmas funções, deixando, assim, de auferir o subsídio de agente único o qual é atribuído apenas aos motoristas que fazem a cobrança de bilhetes. Por fim, o representante legal da Ré, FF, afirmou, em suma, que os trabalhadores reconvertidos mantêm a remuneração base e diuturnidades (caso existam) e passam a auferir a gratificação de função correspondente às funções que passam a desempenhar. Mais esclareceu que, antes do AE de 2019, o CCT aplicável estipulava que os trabalhadores reconvertidos em virtude de acidente de trabalho passavam a auferir a remuneração da categoria onde eram integrados e que, por isso, o que pretenderam salvaguardar no AE de 2019 foi que esses trabalhadores não perdessem a remuneração base da categoria de origem, reafirmando que o que se quis com o AE de 2019 foi não diminuir a retribuição base dos trabalhadores. Mais disse que com ao AE de 2020 (revisão) pretenderam acautelar as situações de suspensão dos serviços não imputáveis aos motoristas, decorrentes de força maior, de doença, como sucedeu com a Covid que impediu os motoristas de cobrarem bilhetes a bordo, de decisões do governo, da automatização e que, nesses casos determinariam a perda do subsídio de agente único aos motoristas que continuassem a exercer a condução, não se integrando na alteração da cláusula a situação dos trabalhadores reconvertidos por acidente de trabalho. Mais acrescentou que, com a revisão de 2020, pretenderam que os trabalhadores motoristas que continuavam a exercer as funções de condução, não perdessem o subsídio de agente único nas mencionadas situações. Mais explicou as razões da atribuição da denominada “gratificação de função” que, segundo o mesmo, estarão ligadas à perigosidade ou penosidade de determinadas funções, ou por serem exercidas outras funções para além das da categoria respectiva. A título de exemplo indicou a situação dos expedidores que têm de sair do local onde exercem as suas funções e, nessas saídas, podem ser confrontados com alguns imprevistos. Ainda disse que a gratificação de função tem a ver com as funções que são exercidas e não visa compensar a perda do subsídio de agente único. Por último, reafirmou que o que foi negociado foi que, em caso de reconversão, nunca poderia haver diminuição da retribuição base do trabalhador e só. Ora, da prova indicada resulta, com clareza, existirem duas versões diversas para o que terá sido acordado no âmbito das negociações do AE, no que se refere ao subsídio de agente único relativamente aos motoristas reconvertidos em virtude de acidente de trabalho. Ponderada a prova, percebe-se bem a posição das testemunhas DD e EE e as razões que invocam para que se mantivesse o subsídio de agente único e, nessa medida, temos por certo que a questão terá sido discutida com essa dimensão nas reuniões de negociação do AE. Contudo, a versão contrária também se revelou coerente e, contrariamente ao que referem os Recorrentes, não descortinámos a invocada “memória selectiva” do Presidente do CA da Recorrida, pelo que, não podemos afirmar que a versão dos Recorrentes é mais credível do que a da Recorrida e que foi mesmo acordado entre as partes que se manteria o subsídio de agente único. Aliás, o subsídio de agente único não se poderia manter, com essa denominação, visto que, de acordo com o AE, é atribuído apenas aos motoristas que cobram bilhetes. Quando muito, seria de manter o valor atribuído a título de subsídio de agente único, o que não se pode afirmar ter sucedido pelas razões indicadas. Acresce que a Acta número oito, da reunião negocial de 13.12.2018, do Acordo de Empresa, que foi junta aos autos mediante o requerimento de 23.09.2024, não traz qualquer luz a esta questão. Com efeito, no que ao caso importa, consta da referida Acta o seguinte: “Deu-se início à reunião, e começou-se por discutir a redação das cláusulas referentes, designadamente: à vigência, deveres da empresa garantias dos trabalhadores, obrigações dos trabalhadores e garantias da empresa, acidentes de trabalho e doenças profissionais, assistência na doença, reconversão, reconversão, densidade, período experimental, local de trabalho, duração e organização do tempo de trabalho, descanso semanal obrigatório e complementar, rendições, trabalho suplementar, trabalho noturno, retribuição do trabalho, diuturnidades dos rodoviários, agente único, serviço ocasional/regular especializado, ajuramentação, retribuição do trabalho em dias de feriados ou de descanso obrigatório, feriados, retribuição do período de férias e subsídio, salvo justo impedimento, faltas injustificadas, processo disciplinar, limite à aplicação de sanções, tendo após a as partes acordado na redação das ditas cláusulas.” Ora, a Acta em questão apenas relata os temas que foram discutidos na reunião em causa, os relativos às diversas cláusulas que enumera, mas não concretiza o que foi acordado relativamente ao conteúdo de cada uma dessas cláusulas, nomeadamente no que respeita ao direito dos trabalhadores reconvertidos, em consequência de acidente de trabalho, a manterem o subsídio de agente único ou respectivo valor. A Acta espelha que se discutiu o subsídio de agente único, mas não esclarece o resultado dessa discussão, o que foi sugerido a propósito do mencionado subsídio e o que foi aceite pela Recorrida. Aliás, de acordo com a mesma Acta, o STRAMM apenas sugeriu a introdução de uma cláusula a definir o horário dos metalúrgicos, a qual foi proposta pela HF e após discussão foi aceite pelo STRAMM. Em consequência, resta concluir que a prova indicada pelos Recorrentes não impõe o aditamento da matéria que, no entender destes integraria o ponto 15 dos factos provados. Em segundo lugar os Recorrentes pretendem que sejam aditados os seguintes factos: 18- O agente Único é transformado em gratificação de função 19- Os motorista reconvertidos recebem uma gratificação de função 20- A maioria dos trabalhadores da categoria de expedidores são ex-motoristas ou ex- fiscais, e recebem gratificação de função para manter as condições salariais que tinham em suas funções anteriores. 21-Existe uma prática empresarial de atribuir uma gratificação de função em substituição do subsídio de agente único em situações de reconversão. Para tanto indicaram as suas próprias declarações, os depoimentos das testemunhas DD e GG, as declarações de parte do representante legal da Recorrida e as actas das reuniões do AE juntas aos autos. A Ré indicou os depoimentos das testemunhas GG e HH e do seu representante legal. A matéria do aditamento 18 é conclusiva, razão pela qual não pode integrar os factos provados, remetendo-se para o que se disse supra a propósito do aditamento 16. A restante matéria que os Recorrentes pretendem seja aditada extrai-se dos artigos 36.º, 37.º, 38.º, 40.º e 41.º da petição inicial do Autor AA e dos artigos 20.º, 21.º, 22.º e 24.º da petição inicial do Autor CC. O Autor AA apenas afirmou que sempre lhe disseram (não identificou quem) que se mudasse de funções manteria o ordenado , “os meus vencimentos” que recebia até à data do acidente, mas que nunca o fizeram. Mais acrescentou que lhe disseram que ficava com a gratificação de função, que era o mesmo que o subsídio de agente único, que era para manter, mas sem um nome específico. O depoente não especificou que parcelas integravam o seu ordenado e os seus vencimentos, tendo sido a ilustre Advogada quem referiu que a empresa falava de uma compensação semelhante à do subsídio de agente único. O Autor CC, por seu turno, referiu que deixou de receber o subsídio de agente único e que lhe terão dito que passaria a receber uma gratificação de função, esclarecendo que essa gratificação, contudo, não tem o mesmo valor do subsídio de agente único, sendo inferior em 160€, que essa gratificação é paga quando há reconversão por doença e que, quando se trata de acidente de trabalho, reclamam mas que “dizem que os outros recebem assim que a gente também tem que receber assim” A testemunha DD também não confirmou a matéria em questão e referiu que os trabalhadores que são reconvertidos beneficiam de uma gratificação de função que não é um valor fixo para todos nem igual para todos, o que não vai contra a restante prova da qual resultou que os trabalhadores reconvertidos passam a auferir de uma denominada gratificação de função que é paga aos demais trabalhadores da secção que passam a integrar. O representante legal da Recorrida quando questionado sobre se tinha conhecimento sobre o que se discutia na presente acção, inicialmente, referiu que o que estava em causa era o problema do agente único relativamente a dois motoristas que sofreram um acidente de trabalho, “ que não foi pago o agente único mas transformado numa gratificação”. Contudo, posteriormente, clarificou esta afirmação no sentido de que não houve qualquer transformação, mas sim que os motoristas reconvertidos mantinham a remuneração base e diuturnidades e passavam a auferir uma gratificação da função a par com os trabalhadores que exerciam as mesmas funções. E relativamente aos expedidores confirmou que a maioria são motoristas e fiscais e que auferem uma gratificação de função para minorar a perigosidade e imprevistos em que incorrem no exercício das respectivas funções, como já referimos supra, e não para compensar terem perdido o subsídio de agente único. A testemunha GG, escriturário na Recorrida, coordenador dos salários desde 2019, também referiu que em caso de acidente de trabalho os motoristas auferem a remuneração base da categoria de motorista e diuturnidades e é-lhes atribuída uma gratificação de função igual à que é auferida pelos trabalhadores que exercem a mesma função. Mais esclareceu que na secção de lavagem nem todos recebem gratificação de função explicando que, por exemplo, os abastecedores que exercem outras funções para além de abastecer, têm a gratificação de função e os outros não, confirmando que todos os motoristas reconvertidos e integrados na lavagem auferem gratificação de função. Apesar de a testemunha ter confirmado que a maioria dos trabalhadores da categoria de expedidores são ex-motoristas ou ex- fiscais, e que recebem gratificação de função, a verdade é que não confirmou que estes ex-motoristas e ex fiscais recebem valores iguais ao do subsídio de agente único. Aliás, a prova foi no sentido de que os motoristas reconvertidos auferem uma gratificação de função, cujo valor não é igual ao do subsídio de agente único, o que agora reivindicam. Assim, da prova indicada resulta que os Recorrentes não confirmam a matéria que pretendem aditar mas apenas que, em caso de reconversão por acidente de trabalho, é paga uma gratificação de função que não tem o valor do subsídio de agente único. Da prova também se extrai que os motoristas reconvertidos recebem uma gratificação de função - a que corresponde à função que passam a exercer- e que é auferida pelos trabalhadores que exercem as mesmas funções. Nos casos em que exercem as funções de caixa, apenas auferem abono para falhas, deixando de auferir qualquer gratificação de função. Da prova produzida também não se conseguiu extrair existir uma prática ou uso empresarial no sentido de a Recorrida, em caso de reconversão por acidente de trabalho, atribuir uma gratificação de função em substituição ou como compensação do subsídio de agente único, de igual valor, nem foi identificado qualquer trabalhador motorista vítima de acidente de trabalho que tenha sido reconvertido e que tenha continuado a receber o valor do subsídio de agente único embora com outra designação. O que decorreu da prova é que, nas situações de reconversão decorrentes de acidente de trabalho, são mantidas a retribuição base e diuturnidades da categoria de motorista e atribuída uma gratificação de função que corresponde à praticada na secção onde é integrado o trabalhador reconvertido, não se tendo extraído que é pago um valor igual ao do subsídio de agente único, com denominação diversa. Consequentemente, não se impõe o aditamento dos factos em causa, improcedendo, assim, a impugnação da matéria de facto em toda a sua extensão. * Ao abrigo do disposto nos artigos 663.º n.º 2 e 607.º n.º 4 do CPC, adita-se aos factos provados os seguintes: 1-O Autor AA é associado do Sindicato dos Trabalhadores Rodoviários e Actividades Metalúrgicas da Região Autónoma da Madeira, desde o dia 11 de Janeiro de 2012 (Documento junto com a petição inicial); 2- Na sequência da incapacidade sofrida, o Autor AA deixou de exercer as funções de motorista de transportes públicos de passageiros (confessado no artigo 3.º da petição inicial); 3- O Autor AA recebeu da Ré: - Subsídio de lavagem: de Junho 2016 a Abril de 2017 e de Junho de 2019 a Setembro 2021; - Abono de falhas de Maio de 2017 a Maio de 2019 (admitido por acordo); 4- O Autor CC é associado do Sindicato dos Trabalhadores Rodoviários e Actividades Metalúrgicas da Região Autónoma da Madeira, desde o dia 3 de Agosto de 1983 (Documento junto com a petição inicial); 5- Na sequência do acidente sofrido, o Autor CC, desde Março de 2023, deixou de exercer as funções de motorista de transportes públicos de passageiros. (confessado artigo 4.º da petição inicial); 6- O valor do subsídio de lavagem, do abono para falhas e da gratificação de função é inferior ao valor do subsídio de agente único (admitido por acordo). Mais completa-se e rectifica-se o facto provado 10 que passa a ter a seguinte redacção: 10. No ano de 2021, o Autor CC sofreu um acidente de trabalho, tendo-lhe sido fixada, por sentença datada de 02.12.2023, uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) de 26,325%, desde 9 de Janeiro de 2023. (sentença junta com a petição inicial) Fundamentação de direito Da nulidade da sentença Comecemos, então, por apreciar se a sentença é nula. A este propósito defendem os Recorrentes, em primeiro lugar, que a sentença é nula por falta de fundamentação nos termos do artigo 615.º n.º 1 al.b) do Código de Processo Civil Estribam o seu entendimento nas seguintes linhas de pensamento: 1-A sentença é nula por falta de fundamentação devido à grave ausência de análise crítica das provas produzidas e insuficiente explicação para a decisão tomada, o que compromete o exercício do direito ao contraditório e à tutela jurisdicional efectiva (art. 205.º, n.º 1, CRP); 2-Não foram devidamente evidenciados a fundamentação da matéria de facto e os motivos pelos quais foram dados como provados ou não provados os factos; 3-Não existe qualquer pronúncia sobre os depoimentos das testemunhas, nomeadamente sobre a sua maior ou menor credibilidade, fazendo-se apenas referências genéricas aos mesmos; 4-O tribunal a quo não fundamenta, por exemplo, por que motivo não excluí o subsídio de agente único das “outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente” constantes da cláusula 31ª do Acordo de Empresa; 5-Existem contradições insanáveis na douta sentença de difícil compreensão, nomeadamente refere que “a cláusula 45ª n.º 3, do Acordo de Empresa, resulta expressa que não pode, em caso algum, ser diminuída a retribuição. E, na verdade esta é composta pela remuneração base e as outras prestações, onde se incluiria o subsídio de agente único. Mas quanto ao elemento racional ou teleológico, não resulta da letra do Acordo qualquer referência ou propósito na inclusão de todas as prestações retributivas”, bem como refere que “não foram alegados” quaisquer factos a respeito das negociações, mas no parágrafo anterior faz referência a essa mesma alegação com “Os Autores afirmam que “no âmbito das negociações destas alterações foi expressamente mencionado que nesta cláusula estavam incluídas as suspensões motivadas por acidentes de trabalho” (artigo 31º e 15º das petições iniciais).“ Vejamos: O artigo 615.º do CPC, aplicável ao caso por força do que dispõe o artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, enuncia, de modo taxativo, as causas de nulidade da sentença. Estatui a al.b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, que é nula a sentença quando “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.” O dever de fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente encontra consagração no artigo 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 154.º e 607.º n.º 3 do CPC. A violação do dever de fundamentação, quer na vertente dos factos, quer na vertente do direito, gera a nulidade da sentença. Em anotação a esta norma escrevem os Professores José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre no “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2.º, 3.ª Edição, Coimbra Editora, pags.735 e 736: ”Ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão (art.607-3). Há nulidade (no sentido lato de invalidade, usado pela lei) quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão (ac. STJ de 17.10.90, II, AJ,12,p.20:constitui nulidade a falta de discriminação dos factos provados). Não a constitui a mera deficiência de fundamentação (ac. do TRP de 6.1.94, CJ, 1984, I, p.197: a simples indicação do preceito legal aplicável constitui fundamentação suficiente da decisão de condenação da parte como litigante de má fé.)” Ainda a propósito desta causa de nulidade da sentença, escreve o Professor Alberto dos Reis no “Código de Processo Civil anotado, Volume V (Reimpressão), Coimbra Editora LIM, pags.139 e 140: “ Uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base. (…). As razões por que a lei atribuiu à motivação esta importância são fáceis de descortinar. Razão substancial. A sentença deve representar a adaptação da vontade abstracta da lei ao caso particular submetido à apreciação do juiz; ao comando geral e abstracto da lei o magistrado substitui um comando particular e concreto. Mas este comando não se pode gerar arbitrariamente; porque o juiz não tem, em princípio, o poder de ditar normas de conduta, de impor a sua vontade às vontades individuais que estão em conflito, porque a sua atribuição é unicamente a de extrair da norma formulada pelo legislador a disciplina que se ajusta ao caso sujeito à sua decisão, cumpre-lhe demonstrar que a solução dada ao caso é legal e justa ou, por outras palavras, que é a emanação correcta da vontade da lei. É esta a função específica dos fundamentos. Razões práticas. As partes precisam de ser elucidadas a respeito dos motivos da decisão. Sobretudo a parte vencida tem o direito de saber por que razão lhe foi desfavorável a sentença; e tem mesmo necessidade de o saber, quando a sentença admita recurso, para poder impugnar o fundamento ou fundamentos perante o tribunal superior. Este carece também de conhecer as razões determinantes da decisão, para as poder apreciar no julgamento do recurso. Não basta, pois, que o juiz decida a questão posta; é indispensável que produza as razões em que se apoia o seu veredicto. A sentença, como peça jurídica, vale o que valerem os seus fundamentos. Referimo-nos ao valor doutrinal, ao valor como elemento de convicção, e não ao valor legal. Este deriva, como já assinalámos, do poder de jurisdição de que o juiz está investido. Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2 do art.668.” Ora, analisada a sentença consta-se que esta especificou os fundamentos de facto e de direito que, na sua óptica, determinaram a decisão que alcançou. E concorde-se, ou não, com a fundamentação que suporta a decisão, o certo é que não podemos afirmar que a sentença padece de falta de fundamentação, tanto mais que o vício a que alude a al.b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, apenas se verifica perante a falta absoluta de fundamentação, quer no segmento de facto, quer no segmento de direito, o que não é, manifestamente, o caso. Mesmo admitindo-se que, relativamente aos factos não provados, a técnica usada não é de aplaudir e dificulta a impugnação da matéria de facto, mesmo assim, não podemos concluir que, relativamente a estes estamos perante uma falta absoluta de fundamentação, pois a sentença refere que “ A demais factualidade resultou como não provada.” Quanto às alegadas contradições, salvo o devido respeito, basta atentar na forma verbal utilizada para se concluir que a primeira contradição invocada não se verifica. E também não vislumbramos a segunda contradição invocada pelos Recorrentes na medida em que o Tribunal refere que “não foram alegados factos” e não que nada foi alegado a este propósito. Acresce que os vícios apontados pelos Recorrentes para sustentarem a alegada nulidade da sentença por falta de fundamentação, reconduzem-se, em rectas contas, a vícios do julgamento da decisão de facto e não a um vício estrutural da sentença, como é aquele a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. E como é sabido, os vícios do julgamento da decisão de facto são atacáveis nos termos do artigo 662.º do CPC, sendo certo que a Relação deve, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida na 1.ª instância quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto (artigo 662.º n.º 2 al.c) do CPC), bem como deve determinar que o tribunal de 1.ª instância fundamente a decisão de facto que não se mostre devidamente fundamentada (artigo 662.º n.º 2 al.d) do CPC. Concluindo, não se verifica a alegada nulidade da sentença por falta de fundamentação a que alude o artigo 615.º n.º 1 al.b) do CPC. Em segundo lugar, invocam os Recorrentes que a sentença é nula por omissão de pronúncia nos termos do artigo 615.º n.º 1 al.d) do CPC posto que não apreciou o pedido subsidiário que formularam. De acordo com esta norma, a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar….” Esta nulidade decorre da inobservância do disposto no artigo 608.º n.º 2 do CPC na parte em que estatui que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;” Sobre este vício da sentença escrevem os Professores José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre na pag.737 da obra citada: “Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art.608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (…)”. Também sobre este vício da sentença ensina o Professor Alberto dos Reis, pags.142 e 143 da obra citada: “Esta nulidade está em correspondência directa com o 1.º período da 2.ª alínea do artigo 660.º.Impõe-se ai ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. A nulidade que examinamos resulta da infracção do referido dever. (…). (…) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.” Do exposto resulta que a nulidade resultante da omissão de pronúncia não se basta com a mera falta de pronúncia sobre determinada questão, pelo que, cumpre apurar se se impunha ao Tribunal de 1.ª instância conhecer do pedido subsidiário. De acordo com o n.º 1 do artigo 554.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º n.º 2 al.a) do CPT, “Podem formular-se pedidos subsidiários. Diz-se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior.” Os Recorrentes formularam dois pedidos: um pedido principal e o seguinte pedido: Quando assim se não entendesse, fosse a Ré condenada no pagamento ao Autor da “gratificação de função” no valor em vigor na empresa, ou seja no valor exactamente igual ao do agente único, como compensação pela perda salarial, conforme usos e práticas da empresa. Assim, não existem dúvidas que os Recorrentes formularam um pedido subsidiário, antevendo a improcedência do pedido principal. Analisada a sentença constata-se que esta considerou como questão a decidir a de saber se os Recorrentes têm direito ao pagamento do valor referente ao subsídio de agente único uma vez que foram reconvertidos por força de acidente de trabalho. E concluiu que não assiste aos Recorrentes esse direito e que não foi desrespeitado o principio da irredutibilidade da retribuição. Improcedeu, assim, o pedido principal. Não obstante a improcedência do pedido principal, a sentença recorrida não cuidou de apreciar o pedido subsidiário. Na verdade, como referem os Recorrente, nada é dito na sentença sobre este pedido. Ou seja, o Tribunal a quo não resolveu uma das questões que foi colocada à sua apreciação e que se lhe impunha conhecer, na medida em que não ficou prejudicada pela solução dada à questão anterior. Omitiu-se, pois, pronúncia, quanto ao pedido subsidiário, o que determina a nulidade (parcial) da sentença nos termos do artigo 615.º n.º 1, al.d), 1ª parte do CPC. Contudo, estabelece o artigo 665.º do CPC: “1.Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação.” 2 - Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários. 3 - O relator, antes de ser proferida decisão, ouve cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias.” Assim, a declaração de nulidade da sentença não obsta a que se conheça do objecto da presente apelação, o que se cuidará de fazer infra, posto que os autos já fornecem os elementos necessários para tanto, sem prejuízo da sua apreciação ficar prejudicada com a solução que for dada à questão de saber se é devido aos Recorrentes o subsídio de Agente Único. * Analisemos, agora, se é devido aos Recorrentes o pagamento do subsídio de Agente Único. A sentença recorrida, depois de definir as questões a decidir, apelar às cláusulas do Acordo de Empresa que vigora na Ré, quer na sua primeira redação, publicada no JORAM Série III, n.º 4, de 19.02.2019, quer na redacção da revisão publicada no JORAM, III série, n.º 19 de 08.10.2020, considerar que estamos perante um problema de interpretação legal a solucionar à luz do disposto no artigo 9º, n.º 1 do Código Civil, pronunciou-se sobre a questão nos seguintes termos: “Quanto ao elemento literal, da cláusula 45ª n.º 3, do Acordo de Empresa, resulta expressa que não pode, em caso algum, ser diminuída a retribuição. E, na verdade esta é composta pela remuneração base e as outras prestações, onde se incluiria o subsídio de agente único. Mas quanto ao elemento racional ou teleológico, não resulta da letra do Acordo qualquer referência ou propósito na inclusão de todas as prestações retributivas. Aliás, ficaríamos com uma questão: Como calcular o valor do subsídio de agente único quando o trabalhador, como será o caso dos nossos Autores, não desempenha efectivamente esta função? Relembre-se que, na redacção de 2019, este subsídio corresponde a 18% da remuneração da hora normal (remuneração base mensal + diuturnidades) pelo tempo efectivo de serviço prestado nessa qualidade, com um mínimo de 8 horas diárias. Qual seria então, no caso dos Autores, esse tempo efectivo? Ou seriam sempre para estes trabalhadores reconvertidos as oito horas diárias? No entanto, esta previsão legal de um mínimo de oito horas diárias considera apenas os motoristas e não os motoristas reconvertidos. E na redacção de 2020 se é certo que se estabeleceu este subsídio nas 8horas diárias, excluíram-se as faltas e salvaguardou-se a penosidade inerente ao trabalho prestado para além das 169 horas mensais. Por outro lado, o n.º 5 previsto na redacção de 2020 visa, sem qualquer margem para dúvidas, garantir aos motoristas esta parcela retributiva mesmo quando não exista qualquer cobrança ou a necessidade dela. E, aliás, assim se compreende a harmonia na fixação das 8 horas. No que respeita ao elemento histórico não existem quaisquer referências, pois que se desconhece precedentes redacções deste clausulado e anteriormente era aplicável a estes trabalhadores a Convenção Colectiva para os Transportes Públicos Pesados de Passageiros (firmada entre a Associação Comercial e Industrial do Funchal – ACIF – e o Sindicato dos Motoristas e Trabalhadores Afins do Distrito do Funchal), publicada no JORAM, III série, n.º 6, de 16.03.1984, a qual não tem qualquer referência a esta matéria. Acrescente-se que a alteração da redacção de 2020, concretamente do n.º 5 da cláusula 34ª, não é expressa quanto aos trabalhadores reconvertidos, fazendo depender a sua aplicação, literalmente, do exercício da actividade profissional de motoristas. O artigo 129º, n.º 1, alínea d), do Código do Trabalho, estabelece a proibição de diminuição da retribuição. E é efectivamente esta proibição que resulta também do n.º 3, da citada cláusula 45ª, a qual aliás vai mais longe quando estabelece que ao trabalhador reclassificado por acidente de trabalho será devida a retribuição e demais regalias da nova categoria. Constitui uma cláusula de salvaguarda, acautelando o caso de o trabalhador ser reconvertido para uma categoria com retribuição inferior, conforme aliás sucedeu com os Autores, quando reconvertidos à secção de lavagem da Ré. Como tal, mantiveram a retribuição de motoristas. A este propósito, conforme cita a Ré, tem-se entendido que “as quantias auferidas a título de agente único não integram a remuneração mensal para efeitos de cálculo da retribuição horária de complementos retributivos” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29.06.2022, www.dgsi.pt). E tal decorre do facto de este visar compensar o motorista pelo desempenho cumulativo das funções de motorista com as de cobrador. É esta a sua génese. É certo igualmente que com a redacção de 2020 e a previsão do n.º 5 da cláusula 34ª alterou-se este paradigma, pois que se previu o direito a este subsídio em caso de suspensão de serviço de cobrança, motivo de força maior, determinação legal, evolução tecnológica ou automatização dos serviços. Mas em qualquer destes casos, necessário é que se tratem de “motoristas que exerçam a sua actividade”, conforme expressamente se fez constar. Os Autores afirmam que “no âmbito das negociações destas alterações foi expressamente mencionado que nesta cláusula estavam incluídas as suspensões motivadas por acidentes de trabalho” (artigo 31º e 15º das petições iniciais). Nos autos não foram alegados, nem demonstrados factos que permitam tal conclusão. No caso dos ora Autores, com a reconversão ocorreu uma alteração lícita do seu contrato de trabalho, tendo estes deixado de cumprir com as funções para as quais foram contratados, as de motorista e a estas, sinalagmaticamente, corresponde o dito subsídio. Como assinala Monteiro Fernandes, a retribuição é constituída pelo “conjunto dos valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade de força de trabalho por ele oferecida)” (Direito do Trabalho, 13ª edição, Almedina, página 456; artigo 258º, do Código do Trabalho). O princípio da irredutibilidade da retribuição “só incide sobre a retribuição estrita, não abrangendo as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho ou a situações de desempenho específicas (como é o caso da isenção de horário de trabalho), ou a maior trabalho (como ocorre quando se verifica a prestação de trabalho para além do período normal de trabalho), ou à prestação de trabalho em condições mais onerosas, em quantidade ou esforço (como é o caso do trabalho por turnos e do trabalho nocturno), o mesmo sucedendo com as prestações decorrentes de factos relacionados com a assiduidade ou desempenho do trabalhador, cujo pagamento não esteja antecipadamente garantido” (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11.07.2017, www.dgsi.pt). “(…) Embora de natureza retributiva, tais remunerações não se encontram submetidas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, pelo que só serão devidas enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, podendo a entidade empregadora suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.02.2014, www.dgsi.pt). De facto, constitui entendimento sedimentado na jurisprudência e na doutrina, com o que se concorda, que o princípio da irredutibilidade da retribuição não significa que não possam diminuir-se ou extinguir-se certas prestações retributivas complementares. Tal princípio não incide sobre a globalidade da retribuição, mas apenas sobre a retribuição estrita. E “o princípio da irredutibilidade da retribuição não se aplica nos casos de reconversão profissional de trabalhador que fica absolutamente incapacitado para o trabalho habitual, em consequência de acidente de trabalho” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.11.2007, www.gsi.pt). No caso dos presentes autos, a atribuição do subsídio de agente único está intimamente relacionada com as circunstâncias em que o trabalho era prestado, com a cumulação de outras funções, mas sempre dependente do exercício destas. E o facto de actualmente o Acordo de Empresa prever que mesmo que as funções se alterem ou nem se exerçam, por suspensão do serviço, força maior ou sua desnecessidade, será sempre devido o subsídio a conclusão não se modifica, pois que sempre dependerá do exercício de funções da ocasião da suspensão, força maior ou desnecessidade do serviço de cobrança pelo motorista. Neste sentido, mostra-se forçoso concluir que não se mostra desrespeitado o princípio da irredutibilidade da retribuição, pelo que improcede o alegado, absolvendo-se a Ré do pedido.” Discordando do entendimento do Tribunal a quo sustentam os Recorrentes, em suma, que o Tribunal a quo interpretou incorrectamente as cláusulas 31.ª, n.º 1, 34.ª n.º 5 e 45.º n.ºs 3 e 5 do AE aplicável, que quanto ao elemento histórico (trabalhos preparatórios, precedentes normativos, etc), o Tribunal a quo considerou que inexistem elementos, o que os Recorrentes não aceitam posto que está junta a acta, bem como os vários testemunhos referentes às negociações do AE, nomeadamente, de que ficariam os trabalhadores reconvertidos salvaguardados, especificamente, quanto ao agente único e que o próprio representante legal da Ré referiu que, já em 2020, deu-se a revisão do AE por os motoristas deixarem de receber o subsídio de agente único por motivo de força maior, que o elemento teleológico da cláusula 45º n.º 3 é claro ao proibir que, em momento algum, haja perda de retribuição de um trabalhador reconvertido, que esta cláusula vai para além do princípio da irredutibilidade posto que este incide apenas sobre a retribuição estrita, afastando as parcelas correspondentes ao maior esforço ou penosidade do trabalhador, o elemento teleológico aponta, de forma clara e inequívoca, para a proteção do trabalhador reconvertido, procurando garantir que o mesmo não fica prejudicado por motivos alheios à sua vontade e visa proteger a sua estabilidade económica, que a cláusula 31.ª do AE inclui todas as prestações auferidas pelo trabalhador, que não existem dúvidas de que a norma da cláusula 45º n.º 3 está incluída num sistema que esclarece, ele próprio, o conceito de retribuição na sua cláusula 31ª, ao longo do AE é feita uma clara distinção entre a utilização da expressão “retribuição base” ou só “retribuição”, a interpretação das cláusulas 31.ª n.º 1 e 45.º n.º 3 tem de ser feita em conjunto e no sentido de que toda e qualquer prestação periódica e regular não poderá ser retirada em caso de reconversão e a cláusula 45.ª deve ser interpretada no sentido de incluir os trabalhadores reconvertidos que, “por força maior” como acidente de trabalho alheio à sua vontade, teriam direito ao subsídio de agente único. Apreciando. Antes de demais, importa relembrar que soçobrou a pretendida alteração da matéria de facto e que se concluiu que a Acta número oito relativa à reunião das negociações do AE em nada contribui para a decisão da presente causa. Resta, pois, proceder à interpretação das cláusulas do AE que, no entender dos Recorrentes, foram incorrectamente interpretadas, sem recurso a tais elementos. Ora, como é sabido, a interpretação da parte normativa das convenções colectivas, tal como considerou o Tribunal a quo, deve ser efectuada à luz das regras previstas no artigo 9.º do Código Civil. Neste sentido, escreve-se, entre outros, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.01.2023, Processo, n.º 422/21.3T8CSC.L1.S1, consultável em www.dgs.pt., que aquele Tribunal “tem reiteradamente afirmado que a interpretação da parte normativa das convenções coletivas deve seguir as regras da interpretação da lei. A este respeito o artigo 9.º do Código Civil, embora afirme no seu n.º 1 que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, afirma, depois, que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2) e que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n.º 3). A letra da lei – aqui a letra da cláusula da convenção – é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma, o que é de particular importância nesta sede já que as partes de uma convenção não devem obter pela interpretação da convenção pelo tribunal o que não lograram obter nas negociações. “ E no que respeita ao princípio da irredutibilidade da retribuição, dispõe o artigo 129.º n.º 1, al.d), do Código do Trabalho (Garantias do trabalhador), que é proibido ao empregador diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. Mas como se sumariou, entre outros, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22.02.2021, Proc. n.º 4463/19.2T8MTS.P1, consultável em www.dgsi.pt, “I.O princípio da irredutibilidade da retribuição não incide sobre a globalidade da retribuição, mas apenas sobre a retribuição estrita, ficando afastadas as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho, a situações de desempenho específicas, como é o caso da isenção de horário de trabalho, ou a maior trabalho, como ocorre com a prestação de trabalho além do período normal de trabalho (vulgo, trabalho suplementar). II - Não estando submetidas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, essas prestações retributivas apenas são devidas enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, sendo permitido à entidade empregadora suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição. (…). Vejamos as cláusulas em causa. A cláusula 31.ª inserida no Capítulo V (Retribuição do Trabalho) do Acordo de Empresa celebrado entre a Horários do Funchal-Transportes Públicos, S.A. e o Sindicato dos Trabalhadores Rodoviários e Atividades Metalúrgicas da Região Autónoma da Madeira, publicado no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira (JORAM), III Série, número 4, de 19 de Fevereiro de 2019 estatui: “1 - A retribuição do trabalho compreende: • a remuneração base mensal; • e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie. 2 - A base de cálculo de prestação complementar ou acessória é constituída pela remuneração base mensal e diuturnidades. 3 - Para o efeito do disposto no número anterior, entende-se por: • remuneração base mensal: corresponde à remuneração mínima mensal dos trabalhadores; • diuturnidade: a prestação de natureza retributiva a que o trabalhador tenha direito com fundamento na antiguidade. (…).” A cláusula 34.ª do AE, sob a epígrafe “Agente Único”, tem a seguinte redacção: “1 - A todos os Motoristas que venham a trabalhar em regime de Agente Único será atribuído um subsídio de 18% sobre a remuneração da hora normal (remuneração base mensal + diuturnidades), durante o tempo efetivo de serviço prestado nessa qualidade, com o pagamento mínimo correspondente a oito horas de trabalho diário nessa situação. 2 - Para efeitos do número anterior é agente único o motorista que em carreiras de serviço público presta serviço de cobrança sem qualquer acompanhamento. 3 - O valor do subsídio de agente único será pago igualmente na remuneração de férias e respetivo subsídio, bem como no subsídio de Natal, tendo por referência o valor de agente único, apurado em termos médios dos valores auferidos no ano civil anterior. 4 - No ano de admissão o valor do subsídio de agente único será pago igualmente na remuneração de férias e respetivo subsídio, bem como no subsídio de Natal, proporcionalmente ao tempo de trabalho.” A cláusula 45.ª do AE sob a epígrafe “Reconversão” estabelece: “1 - O empregador é obrigado a ocupar o trabalhador que, ao seu serviço, ainda que a título de contrato a termo, sofreu acidente de trabalho ou contraiu doença profissional que tenha resultado qualquer incapacidade temporária parcial, ou incapacidade permanente, parcial ou absoluta para o trabalho habitual, em funções e condições de trabalho compatíveis com o respetivo estado, nos termos previstos na legislação em vigor. 2 - Quando o empregador declare impossibilidade de assegurar ocupação e função compatível com o estado do trabalhador, a situação deve ser avaliada e confirmada pelo serviço público competente na área do emprego e formação profissional nos termos previstos na legislação em vigor. 3 - Ao trabalhador reclassificado, em virtude de acidente de trabalho, são devidas as retribuições e demais regalias da nova categoria, não podendo em caso algum ser diminuída a sua retribuição. (…).” O Acordo de Empresa foi revisto e a revisão foi publicada no JORAM, III Série, n.º 19, de 08.10.2020. Nessa sequência, a cláusula 34.ª passou a ter a seguinte redacção: “1- A todos os motoristas que venham a trabalhar em regime de Agente Único será atribuído um subsídio fixo durante o tempo de 8 (oito )horas de trabalho diário nessa situação, excetuadas as situações de faltas injustificadas e justificadas. 2- O Subsídio de Agente Único terá os seguintes valores, pagos 14 (catorze) meses por ano: . No ano de 2019 é de 190,00€, por mês completo de trabalho, correspondente a 169 horas; . No ano de 2020 será de 200,00 €, por mês completo de trabalho, correspondente a 169 horas; . No ano de 2021 será de 205,00€, por mês completo de trabalho, correspondente a 169 horas; .A partir do ano de 2022 será de 210,00€, por mês completo de trabalho, correspondente a 169 horas. 3. Para efeitos do número 1 do presente artigo é agente único o motorista que em carreiras de serviço público presta serviço de cobrança sem qualquer acompanhamento. 4. Ao trabalho prestado para além das 169 horas mensais será pago o valor hora de agente único proporcional. 5- Os motoristas que exerçam a sua atividade profissional como agente único manterão o direito a receber o subsídio de agente único em caso de suspensão de serviços de cobrança, temporária ou definitiva, causada por motivo de força maior ou determinação legal, ou resultante de evolução tecnológica ou automatização dos serviços.” No Acórdão de 29 de Julho de 2022, proferido no Proc. nº 985/20.0T8 FNC.L1, no qual a ora relatora interveio como 1.ª adjunta, foram analisadas cláusulas do AE celebrado entre a Recorrida e o Sindicato dos Motoristas cujo teor é idêntico ao das cláusulas 31.ª e 34.ª do AE em análise nestes autos. E nesse aresto entendemos que “O subsídio de agente único surge, assim, como um complemento retributivo” e que “ o subsídio de agente único não integra a remuneração para efeitos de cálculo da retribuição horária dos indicados complementos retributivos” (trabalho nocturno e trabalho suplementar). Porém, no caso presente, não se trata de saber se o subsídio de agente único é um complemento retributivo, que é, nem se deve ser considerado no cálculo de outras prestações acessórias como o trabalho nocturno e trabalho suplementar, que não deve pelas razões enunciadas no Acórdão; trata-se, sim, de saber se com a reconversão do trabalhador, em consequência de acidente de trabalho, a Recorrente podia ter suprimido esse complemento retributivo. Começando pelo n.º 5 da cláusula 34.ª, introduzido pela revisão do AE de 2020, impõe-se referir que dele não é possível extrair uma resposta afirmativa à mencionada questão. Com efeito, da análise da referida cláusula resulta o seguinte: - Tem como destinatários os trabalhadores motoristas que exerçam a sua actividade como agente único, isto é, que ainda exerçam a actividade de motorista, o que afasta aqueles que não exercem, de todo, essa actividade. - Os mencionados motoristas manterão o direito ao recebimento do subsídio de agente único em caso de suspensão de serviços de cobrança, suspensão esta determinada por motivo de força maior, determinação legal, evolução tecnológica ou automatização de serviço. Ou seja, os trabalhadores que exercem a actividade de motorista e, em simultâneo, exerçam as funções de agente único e que se vejam confrontados com a suspensão dos serviços de cobrança temporária ou definitiva por uma das razões indicadas na cláusula (motivo de força maior, determinação legal, evolução tecnológica ou automatização de serviço), manterão o direito ao subsídio de agente único. Ora, de acordo com esta cláusula, a razão de os motoristas que exercem a actividade de agente único terem garantido o direito a receber o respectivo subsídio reside na circunstância de ocorrer a suspensão dos serviços de cobrança, decorrente de facto externo e que não lhes é imputável, mas continuarem a exercer a actividade de motoristas, o que não é o caso dos Recorrentes. Acresce que, mesmo que se considerasse que para o reconhecimento do direito previsto na cláusula era desnecessária a continuidade da actividade de motorista, a verdade é que a ocorrência de um acidente de trabalho não se inscreve nas razões nela elencadas como justificativas do reconhecimento do direito. E, uma vez que o que está em causa é a ocorrência da suspensão dos serviços de cobrança determinada pelas razões que a cláusula indica, entendemos não ser possível uma interpretação extensiva da mesma cláusula no sentido de nela se incluir, como motivo daquela suspensão, a ocorrência de acidente de trabalho. Aliás, um acidente de trabalho não será idóneo a determinar a suspensão de serviços de cobrança. Consequentemente, salvo o devido respeito, a cláusula 34.ª n.º 5 do AE não permite a interpretação trazida aos autos pelos Recorrentes. Importa ainda saber se da conjugação da cláusula 31.º n.ºs 1 e 2 com as cláusulas 34.ª n.ºs 1 e 2 e 45.ª n.º 3 do AE, é possível afirmar que a Recorrida não podia ter suprimido o subsídio de agente único, o que passa por saber que “retribuição” não pode em caso algum ser diminuída. A cláusula 31.ª refere que a retribuição compreende a remuneração base mensal e outras prestações regulares e periódicas feitas directa ou indirectamente em dinheiro ou em espécie. As partes não põem em causa que o subsídio de agente único é uma prestação regular e periódica paga em dinheiro e que tem natureza retributiva. Sucede, porém, que o seu pagamento depende do exercício efectivo das funções de motorista (cláusula 34.ª n.ºs 1 e 2) e visa compensar o facto de os motoristas terem de cobrar os bilhetes sem acompanhamento, o que torna mais penosa a sua actividade. Ora, cessando esta função de cobrança e a correspectiva penosidade, naturalmente que cessam os pressupostos de atribuição do referido subsídio. Assim, considerando a unidade do sistema jurídico instituído pelo AE, entendemos que nada obstava a que a Recorrida suprimisse o subsídio em causa aos Recorrentes, dado que estes deixaram de exercer as funções de motorista, lamentavelmente, em consequência de acidente de trabalho. E repare-se que, embora tal facto não lhes seja imputável, como no caso dos motoristas a que alude a cláusula 34.ª, n.º 5 do AE não lhes é imputável a suspensão dos serviços de cobrança, a verdade é que os trabalhadores a que alude a mencionada cláusula continuam a exercer as funções de motorista, o que não ocorre com os Recorrentes, daí que não se possa equiparar a situação de uns com a dos outros. Mas será que, como sustentam os Recorrentes, a cláusula 45.ª n.º 3 do AE opõe-se a que esse subsídio seja suprimido? A cláusula 45.ª n.º 3 refere que ao trabalhador reclassificado em virtude de acidente de trabalho, “são devidas as retribuições e demais regalias da nova categoria”. Ora, a palavra “retribuições” só pode significar retribuição base, caso contrário não faria sentido acrescentar que o trabalhador também tem direito às “demais regalias da nova categoria”. E sendo assim, como entendemos ser, a conclusão a retirar é a de que o que se pretende acautelar na cláusula 45.ª n.º 3 do AE é que, no caso de reconversão em categoria a que corresponda retribuição base inferior à que o trabalhador reconvertido auferia antes da reconversão, em caso algum poderá ser diminuída a sua retribuição base, o que não sucedeu com os Recorrentes. Consequentemente, esta pretensão dos Recorrentes improcede devendo ser mantida a sentença recorrida. Por fim, suprindo a nulidade da sentença por omissão de pronúncia uma vez que improcedeu a questão anterior e sendo certo que os autos contêm elementos que permitem a sua apreciação, analisemos se deve ser paga aos Recorrentes a denominada gratificação de função a que se refere o pedido subsidiário. Nesta sede, depois de referirem que não têm fundamento para se pronunciarem em sede de recurso devido à omissão de pronúncia da sentença quanto a esta matéria, mesmo assim, os Recorrentes remetem para o quanto alegaram relativamente à existência de uma prática ou uso na Recorrida que determina o pagamento de um gratificação de função aos trabalhadores reconvertidos em valor igual ao do subsídio de agente único. Conforme já dito em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, não ficou provada a existência dessa prática ou uso, pelo que, sem necessidade de mais considerações, é de concluir que improcede esta pretensão dos Recorrentes e o recurso em toda a sua extensão, devendo ser confirmada a sentença recorrida. Considerando o disposto no artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, as custas do recurso são da responsabilidade dos Recorrentes, sem prejuízo da isenção de que beneficiam (artigo 4.º n.º 1, al.h), do Regulamento das Custas Processuais). Decisão Face ao exposto acorda-se em: - Declarar a nulidade parcial da sentença por omissão de pronúncia quanto ao pedido subsidiário. - Julgar improcedente a impugnação da matéria de facto nos termos supra mencionados. - Julgar o recurso improcedente e confirmar a sentença recorrida que absolveu a ré do pedido principal, absolvendo-a também do pedido subsidiário. Custas pelos Recorrentes, sem prejuízo da isenção de que beneficiam. Lisboa, 19 de Novembro de 2025 Celina Nóbrega Maria José Costa Pinto Alves Duarte |