Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
863/2006-4
Relator: ISABEL TAPADINHAS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CLÁUSULA OBRIGACIONAL
NULIDADE
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/29/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Sumário: I - A regulação legal dos pactos de não concorrência contida no nº 2 do art. 36º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969 não pode ser considerada como restringindo de forma constitucionalmente intolerável a liberdade de trabalho.
II - Em lado algum a lei exige que o montante da retribuição prevista na alínea c) do nº 2 do art. 36º do RJCIT, para ser atribuída ao trabalhador durante o período de limitação de actividade, esteja quantificado no acordo, ficando satisfeito o requisito constante da citada alínea c), com a previsão de uma retribuição durante o referido período, com o que se pretende evidenciar o carácter oneroso do pacto de não concorrência.
III - O facto de a retribuição a atribuir não estar quantificada no pacto de não concorrência em nada ofende a liberdade de escolha de profissão ou do género de trabalho consagrados nos arts. 47º, nº 1 e 58º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa já que o interesse do trabalhador ao impor-se que ele seja economicamente compensado pela limitação da actividade a que se obriga é tido em consideração, independentemente de essa compensação estar ou não quantificada.
IV - Para se falar de concorrência não é necessário que exista um efectivo desvio de informação, conhecimentos ou recursos (clientela), a que o trabalhador teve acesso pela posição que detinha na empresa, bastando que esse desvio seja potencial.
V - O erro de interpretação dos factos e ou do direito ou na aplicação deste constitui erro de julgamento e não o vício de nulidade decorrente de contradição entre os fundamentos e a decisão a que alude a alínea c) do nº 1 do art. 668º do Cód. Proc. Civil.
VI - O facto ilícito a que alude a alínea b) do nº 2 do art. 805ºdo Cód. Civil deve entender-se como referido apenas ao ilícito aquiliano e, portanto, só é aplicável na responsabilidade extracontratual; nos casos de responsabilidade contratual os juros de mora apenas são devidos, a partir da citação – art. 805º, nº 1 do Cód. Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
Relatório
Ch…, S.A. instaurou, em 16 de Setembro de 2004, acção emergente de contrato individual de trabalho com processo comum contra B… pedindo a condenação do réu a pagar à autora:
a) A quantia de € 61.875,00, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento, os quais liquidou, à data da propositura da acção, em € 392,07;
b) Danos de imagem e de perturbação interna a contabilizar em execução de sentença.
Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, o seguinte:
- é uma empresa que se dedica à prestação de serviços postais e a assegurar, na qualidade de transportador público rodoviário de mercadorias e comissário de transporte, a recepção, o transporte sob todas as formas e a entrega de volumes e documentação, tanto em Portugal como no estrangeiro;
- em 25.01.2002 a autora e o réu celebraram um contrato de trabalho por tempo indeterminado, ao abrigo do qual o réu exerceria as funções de “Director de Logística”;
- trata-se de um cargo de elevada confiança e responsabilidade, nos termos do qual o réu teria acesso aos “segredos do negócio” da autora e participaria na tomada de decisões estratégicas da autora;
- por esse motivo, porque a saída do réu para a concorrência causaria prejuízos à autora, esta e o réu acordaram, aquando da celebração do contrato de trabalho, um pacto de não concorrência, nos termos do qual o réu assumiu a obrigação de, durante três anos após a cessação do vínculo, não exercer, quer por conta própria quer ao serviço de terceiro, actividade profissional em empresa concorrente com a primeira contraente;
- como contrapartida, a autora pagaria ao réu uma compensação pecuniária na data da cessação do contrato;
- em 22.6.2004, após uma reunião em que se abordaram temas fulcrais para o desenvolvimento e crescimento da autora e do grupo em que esta se insere, o réu comunicou à autora a rescisão do contrato de trabalho e informou pessoalmente o respectivo Administrador Delegado que iria trabalhar para os CTT – Correios de Portugal;
- a autora dispensou o réu do período prévio a que estava obrigado e pagou-lhe, a título da compensação respeitante ao pacto de não concorrência, a quantia ilíquida de € 42.000,00, sujeita aos descontos legais;
- porém, o réu violou o aludido pacto, pois foi exercer as funções de Director de Distribuição numa empresa concorrente com a autora, os CTT – Correios de Portugal, S.A.;
- tal causou prejuízos à autora, que desde logo se consubstanciam na compensação que a autora pagou (€ 42.000,00), acrescida da verba, a seu cargo, que a autora entregou à segurança social (€ 9.975,00), a quantia relativa ao aviso prévio de que o réu foi dispensado (€ 8.000,00), acrescida da contribuição da autora para a segurança social (€ 1.900,00) e respectivos juros de mora e ainda danos causados à imagem da autora, grave perturbação comercial, grande perturbação e agitação interna, a liquidar em execução de sentença.
Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação foi ordenada a notificação do réu para contestar, o que ele fez, por impugnação, concluindo pela improcedência da acção com a sua absolvição e, na hipótese de se entender que a cláusula do pacto de não concorrência constante do contrato de trabalho não é nula, pediu, em reconvenção, a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de € 30.078,05, acrescida de juros contados à taxa legal de 4% ao ano vencidos desde a data da cessação do contrato de trabalho entre as partes até integral pagamento.
Para tal, alegou, resumidamente, o seguinte:
- não só presta uma actividade diferente da que desempenhava ao serviço da autora, como os CTT – Correios de Portugal S.A. apenas exercem actividade na área dos serviços postais reservados, os quais apenas podem ser prestados por essa empresa, na qualidade de concessionária do serviço postal universal, pelo que os CTT não são uma empresa concorrente da autora;
- por outro lado, o pacto de não concorrência é nulo, pois nele não se estabeleceu a retribuição a que o réu teria direito durante o período de limitação da sua actividade, deixando-se a mesma ao critério e livre arbítrio da autora;
- o pedido formulado pela autora quanto aos danos não é admissível, por constituir um pedido genérico que não cabe em nenhuma das situações previstas no art.º 471º do Cód. Proc. Civil;
- quanto aos danos decorrentes do pré-aviso, o réu não pode ser por eles responsabilizado, pois foi a autora que prescindiu do período de pré-aviso;
- finalmente, embora o pacto de não concorrência fosse nulo, o réu aceitou receber a aludida compensação por entender que existia um compromisso que do ponto de vista ético lhe cabia respeitar e que respeitou, compromisso esse que a autora também aceitou, pagando-lhe a quantia que achou por bem, embora soubesse perfeitamente para onde o réu iria trabalhar, pelo que a obrigação estabelecida, embora nula, deve ter-se por cumprida, nos termos do art.º 762º nº 2 do Cód. Civil;
- para o caso de se entender que o pacto de não concorrência é válido, se fosse trabalhar para uma empresa concorrente da autora auferiria uma retribuição superior àquela que recebe ao serviço dos CTT, pelo que reclama a respectiva diferença, reportada ao período de três anos, descontando-se os € 40.000,00 pagos pela autora, no total de € 30.078,05, acrescido de juros de mora vencidos desde a data da cessação do contrato e até integral pagamento.
Na resposta a autora impugnou a matéria da reconvenção e concluiu pela improcedência da mesma.
Notificado, o réu requereu que se desse como não escrita a resposta, na parte que extravasa a contestação da reconvenção, pretensão contra a qual a autora se pronunciou.
A fls. 254 a 256 foram proferidos os seguintes despachos: um considerando não escritos parte dos artigos da resposta à contestação, outro considerando admissível o pedido genérico deduzido pela autora, outro relegando para final a apreciação da excepção de nulidade do pacto de concorrência invocada pelo réu, um quarto despacho admitindo o pedido reconvencional e um outro dispensando a selecção da matéria de facto, atenta a simplicidade da causa.
Instruída e julgada a causa foi proferida a fls. 385 a 402, sentença cuja parte dispositiva se transcreve:
Pelo exposto:
1º Julgo a acção parcialmente procedente e consequentemente condeno o R. a pagar à A. a quantia de € 51 975,00 (cinquenta e um mil novecentos e setenta e cinco euros), acrescida de juros à taxa legal sucessivamente vigente, actualmente 04%, vencidos desde 05.7.2004 e vincendos, até integral pagamento;
2º Absolvo a A. do pedido reconvencional.
Custas pela A. e pelo R., na proporção do respectivo decaimento.
Notifique e registe. Cumpra o disposto no art.º 76º do Código de Processo do Trabalho.
Inconformado, o autor veio interpor recurso de apelação dessa decisão, restrito à parte em que foi condenado, tendo sintetizado a sua alegação nas seguintes conclusões:
( … )
No requerimento de interposição do recurso, o recorrente arguiu a nulidade da sentença recorrida.
A autora na sua contra-alegação pugnou pela manutenção da decisão recorrida e pela improcedência da nulidade da sentença.
O Ex.º Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer, a fls. 590, no sentido de ser confirmada a sentença recorrida e negado provimento ao recurso.
Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.
Como se sabe, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes e decididas pelos tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente – tantum devolutum quantum appelatum (Alberto dos Reis “Código do Processo Civil Anotado” vol. V, pág. 310 e Ac. do STJ de 12.12.95, CJ/STJ Ano III, T. III, pág. 156).
Tratando-se de recurso a interpor para a Relação este pode ter por fundamento só razões de facto ou só razões de direito, ou simultaneamente razões de facto e de direito, e assim as conclusões incidirão apenas sobre a matéria de facto ou de direito ou sobre ambas (Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3a ed., pág. 148).
No caso em apreço, não existem questões que importe conhecer oficiosamente.
As questões colocadas no recurso delimitado pelas respectivas conclusões (com trânsito em julgado das questões nela não contidas) – arts. 684º, nº 3, 690º, nº 1 e 713º, nº 2 do Cód. Proc. Civil – são as seguintes:
1ª- saber se o pacto de não concorrência celebrado entre as partes é nulo, por violação do disposto na alínea c) do nº 2 do art. 36º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969 ;
- saber se os CTT – Correios de Portugal S.A. e a apelante não são sociedades concorrentes.
3ª - saber se existiu culpa da apelada, lesada, que afasta a obrigação de indemnizar;
4ª- saber se sentença recorrida incorreu nas nulidades previstas no art. 668º nº 1 alíneas c) – oposição entre os fundamentos e a decisão – e d) – omissão de pronúncia - do Cód. Proc. Civil.
Fundamentação de facto
A 1ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto não objecto de impugnação e que, assim, se considera fixada:
( … )
Fundamentação de direito
Quanto à 1ª questão (nulidade do pacto de não concorrência, por violação do disposto na alínea c) do nº 2 do art. 36º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969)
O pacto de concorrência aqui em causa consta da cláusula 8ª do contrato de trabalho celebrado entre apelada e apelante e tem o seguinte teor:
1. Salvo no caso de revogação por mútuo acordo ou por não renovação do referido contrato de acordo com o disposto no art. 46º, nº 1, do Dec. – Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, o segundo contratante compromete – se a, durante três anos após a cessação do vínculo, não exercer (quer por conta própria, quer ao serviço de terceiro) em actividade profissional em empresa concorrente com a primeira contraente.
2. Em contrapartida, a primeira contraente pagará ao segundo contraente uma compensação pecuniária na data da cessação do contrato.
À data em que foi celebrado o contrato de trabalho entre as partes – 25 de Janeiro de 2001 -, vigorava o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969 (RJCIT também designado por LCT).
Na parte que ora interessa, dispunha o art. 36º do RJCIT, nos seus nºs 1 e 2:
1 - São nulas as cláusulas dos contratos individuais e das convenções colectivas de trabalho que, por qualquer forma, possam prejudicar o exercício do direito ao trabalho, após a cessação do contrato.
2 - É lícita, porém, a cláusula pela qual se limite a actividade do trabalhador no período máximo de três anos subsequentes à cessação do contrato, se ocorrerem cumulativamente as seguintes condições:
a) Constar tal cláusula, por forma escrita, do contrato de trabalho;
b) Tratar-se de actividade cujo exercício possa efectivamente causar prejuízo à entidade patronal;
c) Atribuir-se ao trabalhador uma retribuição durante o período de limitação da sua actividade, que poderá sofrer redução equitativa quando a entidade patronal houver despendido somas avultadas com a sua formação profissional.
Esta matéria está hoje consignada no art. 146º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto que entrou em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003.
Para além de aperfeiçoamentos de redacção, reduziu-se de 3 para 2 anos o período máximo de limitação da actividade, excepto se se tratar de trabalhador afecto ao exercício de actividades cuja natureza suponha especial relação de confiança ou com acesso a informação particularmente sensível no plano da concorrência, hipótese em que a limitação da actividade pode ser prolongada até aos 3 anos; esclareceu-se, em sentido afirmativo, a questão, que a norma do art. 36º do RJCIT suscitava, de saber se o pacto de não concorrência só podia ser clausulado na celebração do contrato de trabalho ou também no acordo de cessação deste; e determinou-se que, em caso de despedimento declarado ilícito ou de resolução com justa causa pelo trabalhador com fundamento em acto ilícito do empregador, o montante da “compensação” (expressão agora usada, com maior rigor, em substituição da menção a “retribuição” constante da alínea c) do nº 2 do artigo 36º do RJCIT), prevista para ser atribuída ao trabalhador durante o período de limitação de actividade, é elevada até ao equivalente à retribuição base devida no momento da cessação do contrato, sob pena de não poder ser invocada a cláusula de não concorrência.
A proclamação - constante do n.º 1 do art. 36º do RJCIT (e agora do nº 1 do art. 146º do Cód. Trab.) - da nulidade das cláusulas dos contratos individuais e das convenções colectivas de trabalho (expressão substituída, no Cód. Trab., pela mais abrangente “instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho”) que, por qualquer forma, possam prejudicar o exercício da liberdade de trabalho, após a cessação do contrato, tem sido vista, pela generalidade da doutrina, como uma decorrência da liberdade de escolha de profissão ou de género do trabalho e do direito ao trabalho, consagrados nos arts. 47º, nº 1, e 58º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, especificamente enquanto deles deriva o direito a não ser impedido de exercer uma profissão para a qual se tenham os necessários requisitos.
Já a norma do nº 2 do art. 36º do RJCIT permite uma restrição à liberdade de trabalho, cuja conformidade constitucional depende da emissão de um juízo de proporcionalidade, adequação e necessidade, o que passa pela ponderação dos interesses conflituantes em presença.
No Acórdão do Tribunal Constitucional de 14.04.2004, disponível no respectivo site (www.tribunalconstitucional.pt), após análise do que a doutrina a este respeito vem defendendo (Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho, “Comentário às Leis do Trabalho”, vol. I, Lisboa, 1994, págs. 169 a 174, Pedro Romano Martinez, “Direito do Trabalho”, Almedina, Coimbra, 2002, págs. 604 a 608, Monteiro Fernandes, “Direito do Trabalho”, 12ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, págs. 610 a 613, Lobo Xavier “Curso de Direito do Trabalho”, Verbo, Lisboa, 1992, pág. 543 e Júlio Manuel Vieira Gomes, “As cláusulas de não concorrência no direito do trabalho Algumas questões”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXXX, XIII, da 2ª Série, 1999, pág. 740), entendeu-se que a regulação legal dos pactos de não concorrência contida no nº 2 do art. 36º do RJCIT não pode ser considerada como restringindo de forma constitucionalmente intolerável a liberdade de trabalho.
Escreveu-se naquele Acórdão, o seguinte:
Sendo irrecusável a possibilidade da existência, em alguns casos, do apontado constrangimento à aceitação desta cláusula restritiva, não deixa de ser relevante que ela não resulte de imposição do legislador, mas antes de acordo de vontades das partes, assentando, assim, em último termo, na autonomia do trabalhador.
Depois, a imposição de forma escrita, como formalidade “ad substantiam”, assegura a assunção consciente da restrição e delimita o seu âmbito de aplicação.
Por outro lado, trata-se de restrição com limitação temporal e, embora a lei não o diga expressamente, a doutrina é concorde em considerá-la também sujeita a limitação geográfica, derivada do seu próprio fundamento, pois nada justificaria o impedimento da actividade do trabalhador em zona aonde o seu antigo empregador não estende a sua acção empresarial.
Especial relevância assume a exigência legal da existência de risco efectivo de prejuízos para o ex-empregador, entendidos estes limitadamente como sendo apenas os derivados directamente da colocação ao serviço de empresas concorrentes dos segredos e conhecimentos especificamente adquiridos ao serviço da antiga empresa. Não basta o prejuízo comum de o empregador perder um seu trabalhador de qualidade para outra empresa concorrente. Há-de estar em causa o risco daquilo que a doutrina designa por “concorrência diferencial”, isto é, a especificidade da concorrência que um ex-trabalhador está em condições de realizar relativamente ao seu antigo empregador, por ter trabalhado para ele.
Exige-se ainda a estipulação de uma adequada compensação monetária, que terá de ser justa, isto é, suficiente para compensar o trabalhador da perda de rendimentos derivada da restrição da sua actividade.
Finalmente, o trabalhador não fica, em rigor, absolutamente privado do seu direito ao trabalho. A limitação voluntária ao exercício desse direito é sempre revogável (artigo 81.º, n.º 2, do Código Civil) e o incumprimento do pacto, através da celebração de contrato de trabalho com empresa concorrente do antigo empregador, não gera, em princípio, a invalidade deste contrato, mas eventualmente mera obrigação de indemnização. E se tiver sido estabelecida “cláusula penal”, que a doutrina justifica como meio de obviar à dificuldade de prova e de quantificação dos danos sofridos pelo antigo empregador (isto é, como liquidação antecipada desses prejuízos), existirá sempre a possibilidade da sua redução pelo tribunal de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva (artigo 812.º, n.º 1, do Código Civil).
A questão da validade do pacto de não concorrência aqui em causa, suscitada pelo apelante, prende–se exclusivamente com o facto de não estar quantificado na sua redacção o valor da quantia compensatória a pagar ao apelante no termo do contrato.
Na decisão recorrida, entendeu-se que este facto não afectava a validade do pacto, justificando-se que as partes relegassem tal quantificação para momento posterior, aplicando-se as regras contidas no art. 400º do Cód. Civil.
Em abono deste entendimento cita-se Abílio Neto, que defende que como a lei não impõe que a retribuição a auferir pelo trabalhador durante o período de limitação do seu trabalho seja fixada, desde logo, no documento que insere a cláusula de não concorrência, é possível entender-se que a fixação do correspondente montante poderá ter lugar, ou por acordo ou por decisão judicial, depois de se ter operado a cessação do contrato (“Contrato de Trabalho, Notas Práticas, 16ª edição, pág. 235).
O apelante insurge-se contra este entendimento, pois, na sua tese, a alínea c) do nº 2 do art. 36º do RJCIT é uma formalidade ad substantiam e, por isso, não pode ser deixada em aberto a fixação do valor compensatório a pagar pelo empregador.
Pouco há a dizer acerca desta argumentação.
De acordo com o nº 1 do art. 364º do Cód. Civil, a formalidade ad substantiam é aquela que não pode ser substituída por outro meio de prova ou por outro documento.
Por conseguinte, constando o pacto de não concorrência aqui em causa de cláusula escrita inserta no contrato individual de trabalho, evidente se torna que foi observada a referida formalidade ad substantiam que está prevista na alínea a) do nº 2 do art. 36º da RJCIT e que assegura a assunção consciente da restrição assumida, tendo em conta a gravidade do acto.
Em lado algum a lei exige que o montante da retribuição prevista na alínea c) do nº 2 do art. 36º do RJCIT, para ser atribuída ao trabalhador durante o período de limitação de actividade, esteja quantificado no acordo, ficando satisfeito o requisito constante da citada alínea c), com a previsão de uma retribuição durante o referido período, com o que se pretende evidenciar o carácter oneroso do pacto de não concorrência.
O facto de a retribuição a atribuir não estar quantificada em nada ofende a liberdade de escolha de profissão ou do género de trabalho consagrados nos arts. 47º, nº 1 e 58º, nº 1 – e não 59º, como, por lapso manifesto o apelante refere - da Constituição da República Portuguesa já que o interesse do trabalhador ao impor-se que ele seja economicamente compensado pela limitação da actividade a que se obriga é tido em consideração, independentemente de essa compensação estar ou não quantificada.
A conduta do apelante ao invocar a nulidade do pacto de não concorrência deixa, de resto, muito a desejar em termos de boa fé processual.
Na verdade:
- o apelante teve o cuidado de manuscrever no recibo de quitação que a quantia recebida pela cessação do contrato de trabalho não incluía o pagamento da obrigação de não concorrência (facto provado nº 24), o que só pode significar que o apelante sempre considerou a obrigação assumida como uma obrigação válida, caso contrário, não faria qualquer sentido a ressalva que fez;
- e, antes de apresentar a pagamento o cheque correspondente ao valor que lhe foi atribuído a título de compensação pelo pacto de não concorrência, teve a preocupação de perguntar à apelada qual foi o cálculo utilizado para determinar a quantia que lhe foi paga, tendo-lhe sido transmitido que a mesma correspondia a oito meses de remuneração média mensal (factos provados nºs 25, 26, 28 29 e 30), donde se conclui que ao apresentar o cheque a pagamento, o apelante, não só aceitou - uma vez mais - a obrigação a que se vinculou, como também aceitou o montante da compensação, que não pôs sequer em causa.
Improcedem, por conseguinte, as 1ª a 11ª conclusões do recurso.
Quanto à 2ª questão (concorrência entre os CTT – Correios de Portugal S.A. e a apelante)
Na sentença recorrida entendeu-se que os CTT – Correios de Portugal, S.A., empresa para a qual o apelante foi trabalhar, após ter apresentado o seu pedido de demissão da apelada, era uma empresa concorrente desta, isto porque aquela empresa não só tem a possibilidade de concorrer com outras empresas na área dos serviços postais não reservados – que é a área da apelada que se dedica, preferencialmente, à prestação de serviços postais não reservados e não abrangidos no âmbito do serviço postal universal, exercendo a sua actividade de prestação de serviços postais não reservados na área do correio expresso -, incluindo o correio expresso, como o faz efectivamente, quer através de empresas por si criadas, detidas e controladas quer directamente, como é o caso do chamado “correio verde” cujas características lhe permitem ombrear com o correio expresso.
O apelante não aceita este entendimento com a seguinte argumentação:
- apesar de os CTT – Correios de Portugal, S.A., terem a possibilidade de exercer a sua actividade na área do serviço postal não reservado, o certo é que não fazem e antes constituíram uma empresa autónoma (o apelante refere-se à CTT Expresso – Serviços Postais e Logística, S.A., denominação da empresa resultante da fusão de duas outras criadas pelos CTT – Correios de Portugal, S.A. para explorar o serviço não reservado, de correio expresso, cujo capital é totalmente detido pelos CTT);
- o apelante não está integrado na estrutura orgânica da CTT Expresso;
- embora os CCT – Correios de Portugal, S.A., também distribuam cerca de 20 a 30% dos objectos da CTT Expresso em áreas de menor densidade populacional e regiões do interior, essa distribuição é feita por acordo entre as duas empresas;
- ainda que o denominado “correio verde” assuma características próximas do serviço postal não reservado, não se trata na verdade de uma invasão na área do serviço postal não reservado com verdadeira expressão concorrencial.
Como próprio apelante reconhece, os CCT – Correios de Portugal, S.A., distribuem cerca de 20 a 30% dos objectos da CTT Expresso, por acordo entre as empresas e o denominado “correio verde” assume características próximas do serviço postal não reservado.
O facto de a expressão concorrencial deste serviço não ser relevante, como o apelante alega, não tem qualquer interesse para a questão que nos ocupa.
Na verdade, para se falar de concorrência não é sequer necessário que exista um efectivo desvio de informação, conhecimentos ou recursos (clientela), a que o trabalhador teve acesso pela posição que detinha na empresa, bastando até que esse desvio seja potencial.
Como escrevem Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho (“Comentário às Leis do Trabalho, vol. I, Lisboa, 1994, pág. 94): não sofre contestação que os prejuízos que a actividade concorrencial é susceptível de causar podem ser meramente potenciais. Tanto a doutrina como a jurisprudência assinalam que não é necessária a efectividade dos danos ou mesmo a ameaça dos mesmos. É por isso que por vezes se fala a propósito da violação da proibição de concorrência de uma espécie de ilícito de perigo (Acs. do STJ de 05.03.92, AD, 376, pág. 465 segs. e de 12.06.2003, CJ/STJ, Ano XI, T. II, pág. 284 e segs. e, na doutrina, Monteiro Fernandes “Dever de lealdade e proibição de concorrência”, “Temas Laborais”, Coimbra, Almedina, 1984, pág. 66).
Improcedem, portanto, as 12ª a 26ª conclusões.
Quanto à 3ª questão (existência de culpa da apelada, lesada, que afasta a obrigação de indemnizar)
Sustenta o apelante que a apelada actuou com culpa geradora do prejuízo que invoca, o que, afasta a obrigação de indemnizar, nos termos do disposto no art. 570º do Cód. Civil.
Alicerça esta conclusão no facto de no dia 22 de Junho de 2004, ter informado Administrador Delegado da apelada que a sua saída se ficava a dever ao facto de ir trabalhar para a CTT – Correios de Portugal, S. A. e de após isso – no dia 23 de Junho de 2004 – a apelada lhe ter enviado o cheque para pagamento da compensação prevista no pacto de não concorrência, o que, em seu entender, significa que a apelada considerou que o apelante, ao ir trabalhar para os CTT – Correios de Portugal, S. A., não estava a violar o pacto que celebrara.
Como já dissemos e é jurisprudência uniforme a de que os recursos visam apenas modificar decisões e não criar decisões sobre matéria nova e também o é aquela segundo a qual os princípios que regem os recursos têm-nos como meios de obter a reforma das decisões dos tribunais inferiores e não como vias jurisdicionais para alcançar decisões novas, como resulta, entre outros, do disposto nos art. 676º, nº 1, e 690º, todos do Cód. Proc. Civil e, por isso, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes e decididas pelos tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 310, Castro Mendes, “Recursos” 1980/28 e Ac. STJ, de 12.12.95, CJ/STJ, T III, pág. 156).
Na contestação o apelante não suscitou a questão que aqui vem colocar limitando-se a alegar que embora o pacto de não concorrência fosse nulo, aceitou receber a compensação por entender que existia um compromisso que do ponto de vista ético lhe cabia respeitar e que respeitou, compromisso esse que a apelada também aceitou, pagando-lhe a quantia que achou por bem, embora soubesse perfeitamente para onde o apelante iria trabalhar, pelo que a obrigação estabelecida, embora nula, deve ter-se por cumprida, nos termos do art. 762º nº 2 do Cód. Civil.
Esta questão é, portanto, uma questão nova da qual não se conhece.
No entanto, sempre se dirá que a possibilidade contida no art. 570º, nº 1 do Cód. Civil de a indemnização ser reduzida ou mesmo excluída quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos pressupõe que um que o facto do prejudicado possa considerar-se causa do dano ou do seu aumento e que haja culpa do prejudicado (Almeida Costa “Obrigações”, 3ª edição, pág. 535), visando a expressão facto culposo do lesado afastar os actos do lesado que embora contribuindo para a produção ou agravamento dos dano não traduzam um comportamento censurável por não se poder afirmar que ele tenha agido com negligência (Antunes Varela “Obrigações”, pág. 668).
Não se descortina, em que medida a apontada conduta da apelada contribuiu para o prejuízo desta: ao pagar a compensação prevista no pacto de não concorrência, a apelada limitou-se a cumprir a obrigação que assumira.
Note-se ainda que na carta em que enviou o cheque para pagamento da compensação a apelada relembrou que o apelante tinha celebrado um pacto de não concorrência, nos termos do qual, nos três anos subsequentes à cessação do mesmo, está impedido de exercer qualquer actividade concorrente com a desta empresa (sic) (facto provado nº 25), acrescentando ainda esta empresa não prescinde do integral cumprimento do pacto assumido, constante do contrato de trabalho, o qual é válido e se encontra em vigor, sendo certo que, em caso de violação do mesmo, recorrerá às competentes instâncias judiciais (facto provado nº 26) e que, não obstante este aviso, o apelante, recebeu a referida compensação e não se absteve de ir trabalhar para uma empresa concorrente.
Improcedem, assim, as 27ª a 31ª conclusões do recurso.
Quanto à 4ª questão (nulidades da sentença previstas no art. 668º nº 1 alíneas c) – oposição entre os fundamentos e a decisão – e d) – omissão de pronúncia - do Cód. Proc. Civil)
Segundo alegação do apelante as referida nulidades traduzem-se no seguinte:
- a oposição entre os fundamentos e a decisão: no facto de ter sido condenado a pagar juros contados desde 2 de Julho de 2004, sem que perceba a razão de ser dessa data para o início da contagem de juros; na sua tese, se a data de referência fosse a data de recebimento pelo apelante da quantia compensatória paga pela apelada essa data nunca seria antes de 29 de Julho de 2004 e se fosse a data em que alegadamente se iniciou por parte do apelante a violação do pacto de não concorrência, sempre tal data teria de ser a do dia 9 de Agosto de 2004;
- a omissão de pronúncia: no facto de constar do recibo junto aos autos a fls. 52 dos autos o que o apelante recebeu da apelada o montante de € 24.150,00, após a dedução dos encargos sociais de IRS e de segurança social de modo que se esse pagamento não era devido a apelada pode pedir a restituição das contribuições para a segurança social e para o IRS, a título de pagamento indevido em resultado da sentença proferida nos autos.
Comecemos pela questão da omissão de pronúncia.
Quando as partes submetem à apreciação do tribunal determinada questão, é usual socorrerem-se de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; mas o que importa é que o tribunal decida a questão que lhe foi posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.
Não se devem confundir factos (fundamentos ou argumentos) com questões (a que se reportam os arts. 660º, nº 2 e 668º, nº 1, alínea d) do Cód. Proc. Civil). Uma coisa é não tomar conhecimento de determinado facto ou de qualquer argumento invocado pela parte, outra completamente distinta, é não tomar conhecimento de determinada questão submetida à apreciação do tribunal. Os factos materiais são apenas elementos para a solução da questão, mas não são a própria questão (Alberto dos Reis, “Código do Processo Civil Anotado” vol. V, págs. 143 a 145)).
A omissão de pronúncia a que alude o art. 668º, nº 1, alínea d) do Cód. Proc. Civil diz respeito a questões e não a factos. A omissão de factos, só integra nulidade de sentença - a da alínea b) e não a da alínea d) - se se traduzir na falta absoluta da respectiva fundamentação de facto, o que não é o caso.
Na hipótese que nos ocupa, a questão que foi submetida à apreciação do tribunal pela apelada consistia em saber se pelo apelante lhe era devida a quantia de € 61.875,00, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento, a título de indemnização pelos prejuízos causados pela violação do pacto de não concorrência (€ 42.000,00 da compensação paga ao autor + € 9.975,00, correspondentes à verba, a seu cargo, que a entregou à segurança social + € 8.000,00, relativos à quantia referente ao aviso prévio de que o apelante foi dispensado + € 1.900,00 da contribuição da apelada para a segurança social + € 392,07 de juros vencidos à data da propositura da acção) e ainda danos de imagem e de perturbação interna a contabilizar em execução de sentença.
Essas questões, como resulta da decisão recorrida, foram apreciada e decididas pelo juiz a quo que, a este respeito, escreveu, o seguinte:
O incumprimento do pacto de não concorrência constitui um facto gerador de responsabilidade civil contratual em relação ao trabalhador faltoso, nos termos do art.º 798º do Código Civil. Assim, a situação patrimonial da autora deve ser reconstituída (art.º 562º do Código Civil), desde logo através do pagamento à autora de quantias idênticas às que esta despendeu por força da compensação prevista no pacto de concorrência, ou seja, € 42.000,00 + € 9.975,00 (contribuição da autora para a segurança social - nº 31 da matéria de facto) = € 51.975,00.
Não se provou que a conduta do réu causou à autora qualquer outro dano ou prejuízo – pelo menos até este momento.
Não existe, pois, a apontada nulidade de omissão de pronúncia.
O que se depreende das conclusões de recurso é que apelante discorda do facto de ter sido condenado a pagar as quantias referentes aos encargos sociais de IRS e de segurança social, pois, segundo, alega se esse pagamento não era devido a apelada pode pedir a restituição das contribuições para a segurança social e para o IRS, a título de pagamento indevido em resultado da sentença proferida nos autos e só a apelada pode pedir essa devolução.
Trata-se uma vez mais de uma questão nova, não levantada na contestação, da qual não se conhece pelas razões expostas na análise da precedente questão.
Diga-se, no entanto, que o princípio geral contido no art. 562º do Cód. Civil impõe que o obrigado a reparar um dano reconstitua a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Dano é o prejuízo que em consequência de um acontecimento ou evento determinado sofre uma pessoa, quer nos seus bens vitais naturais, quer na sua propriedade ou no seu património.
A finalidade da indemnização é fazer com que o devedor nivele a diferença patrimonial que ao credor foi produzida. Este nivelamento pode fazer-se de diversos modos. Um deles consiste em repor as coisas no estado em que estariam se não tivesse ocorrido o sucesso de que nasce a obrigação de indemnizar: é o procedimento da restituição em espécie. Outro, é o que consiste em prestar uma quantidade de dinheiro que reponha no património lesado o valor que representa o dano produzido: indemnização em metálico.
O nosso Código aceitou a tradicional teoria da diferença, adoptando, como regra, o processo da reposição natural, só depois admitindo a indemnização em dinheiro - art. 566º do Cód. Civil.
No sentido acabado de expor, veja-se, Rodrigues Bastos (Notas ao Código Civil, vol. III, pág. 32).
Ora, no caso em apreço, a apelada em cumprimento do pacto de não concorrência, que o apelado violou, ficou desembolsada de quantia de € 42.000,00, (€ 24.150,00, que pagou ao apelante + € 4.620,00, de contribuição do apelado para a segurança social + 13.230,00 de IRS retido nos termos do art. 99º, nº 1 do CIRS e dedutível à colecta do apelante, de acordo com o disposto no art. 78º, nº 2 do referido diploma) e ainda da quantia de € 9.975,00, de contribuição da apelada para a segurança social, como resulta do recibo junto a fls. 52. e do facto provado nº 31.
Em nome da teoria da diferença a indemnização a pagar à apelada pelo apelante deve, pois, corresponder à soma das quantias por ela desembolsadas, ou seja, € 51.975,00.
Improcedem, por isso, as 31ª a 36ª conclusões do recurso.
Vejamos, agora, a alegada oposição entre os fundamentos e decisão.
Resulta da lei que os fundamentos de facto e de direito utilizados devem ser harmónicos com a pertinente conclusão ou decisão, corolário do princípio de que a decisão deve ser fundamentado de facto e de direito, o que não verifica caso ocorra contradição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão nos quais assenta.
A oposição entre os fundamentos e a decisão referida na alínea c) do nº 1 do art. 668º do Cód. Proc. Civil diz respeito à construção lógica da sentença e, como diz Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, págs. 131 e 141.), tal nulidade só ocorre quando existe no raciocínio do julgador um vício lógico, isto é, quando os fundamentos por ele invocados conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.
Por isso, o erro de interpretação dos factos e ou do direito ou na aplicação deste constitui erro de julgamento e não o vício de nulidade decorrente de contradição entre os fundamentos e a decisão a que alude a alínea c) do nº 1 do art. 668º do Cód. Proc. Civil.
No caso em apreço, como vamos ver, estamos perante um erro de julgamento e não perante nulidade da sentença decorrente de oposição entre os fundamentos e a decisão.
Dispõe o art. 804º do Cód. Civil:
1. A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor.
2. O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.
Dispõe, por seu turno, o art. 805º do Cód. Civil:
1. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.
2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:
a) Se a obrigação tiver prazo certo;
b) Se a obrigação provier de facto ilícito;
c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.
3. Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.
Como ensina Rodrigues Bastos (Notas ao Código Civil, vol. III, pág. 262) o facto ilícito a que alude a alínea b) do nº 2 - do art. 805ºdo Cód. Civil - deve entender-se como referido apenas ao ilícito aquiliano e, portanto, só é aplicável na responsabilidade extracontratual.
Por conseguinte, no caso em apreço, os juros de mora apenas são devidos, a partir da citação – art. 805º, nº 1 do Cód. Civil -, ou seja, a partir de 30 de Outubro de 2004 (fls. 17).
Procedem, pois, nesta medida as demais conclusões do recurso.
Decisão
Pelo exposto acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso, alterando a sentença recorrida na parte em que a mesma condenou a apelada a pagar juros vencidos desde 05.7.2004 ficando a apelante condenada a pagar juros à taxa legal sucessivamente vigente, actualmente 4%, vencidos desde 30 de Outubro de 2004 e vincendos, até integral pagamento.
Custas da acção e da apelação, por ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento.
Lisboa, 29 de Março de 2006