Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9227/2006-6
Relator: MARIA MANUELA GOMES
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
FALTA DE PAGAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/16/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I - Deriva do disposto no nº 3 do art. 467º do CPC, conjugado com o art. 474º, al. f) do mesmo diploma, que a secretaria deve recusar o recebimento de qualquer petição inicial desde que a mesma não venha acompanhada de “documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça” ou do documento que ateste a concessão de apoio judiciário, excepto nos casos a que tem aplicação a denominada citação urgente.
II - Não tendo sido recusada, procedendo a autora ao pagamento da taxa de justiça inicial e comprovando esse pagamento, sempre o vício verificado tem de ser considerado sanado, com o pagamento da taxa de justiça efectuado antes de qualquer acto processual relevante, nos termos do art. 288º nº 2 ou 3 do CPC.
(FG)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório
1. A Dra. E, advogada, intentou, no dia 2.10.2003, nos Juízos Cíveis de Lisboa, acção de honorários, com processo comum, sob a forma sumária, contra J, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia total de € 8662,01 (sendo € 7279 relativa a despesas e honorários em dívida pela sua intervenção em diversos processos e € 1383,01 de IVA), acrescida dos juros vincendos à taxa legal de 4% até integral pagamento.
E fez constar da parte final da p. i. que requerera, nos serviços competentes da Segurança Social, a concessão do benefício do apoio judiciário na modalidade de isenção do pagamento de taxa de justiça e demais encargos, conforme fotocópia de documentos que juntou.
Em 4 de Novembro de 2003, a autora, invocando ter sido notificada de que lhe não fora deferido o pedido de apoio judiciário formulado, requereu a junção aos autos de documento comprovativo de auto liquidação da taxa de justiça inicial.
Citada veio a ré contestar e reconvir; para além do mais, deduziu a excepção dilatória inominada da falta de apresentação, com a petição, de documento comprovativo da concessão do beneficio do apoio judiciário.
Fundamentou tal pretensão, em síntese, no seguinte: a Autora intentou a presente acção instruída com um requerimento de pedido de apoio judiciário, sem requerer a citação urgente nos termos do artigo 478° do CPC., pelo que não deveria a presente acção ter sido recebida, como decorre do artigo 474.° alínea f) do CPC; o não pagamento da taxa de justiça ou a não apresentação de documento que ateste a concessão do apoio judiciário e não tendo sido requerida a citação urgente da Ré, constitui uma excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso que implica a absolvição da Ré da instância.
Notificada, a Autora veio pugnar pela improcedência dessa excepção.
Invocou, em síntese, que a citação urgente não fora requerida, porque não tinha que o ser; a petição inicial deu entrada, como a própria Ré admite, instruída com o requerimento de concessão de apoio judiciário, sendo que Autora aguardava, àquela data, a decisão do mesmo; ainda que se entendesse que a secretaria não podia/devia ter recebido a petição inicial, sempre se dirá que, não tendo havido recusa do recebimento da petição pela secretaria, como não houve, a Autora sempre deveria ter sido notificada, nos termos do Código das Custas Judiciais e da Lei Processual Civil, para efectuar o pagamento omitido, com a sanção pecuniária ali prevista e não com qualquer sanção processual; mesmo que assistisse razão à Ré quanto à apresentação do documento, tal facto não produziria qualquer excepção dilatória, mas quanto muito, uma irregularidade processual externa, sem qualquer consequência para a apreciação do mérito da causa; se admitíssemos estar perante uma excepção dilatória, conforme o preceituado no artigo 288° do CPC, a mesma só subsistiria enquanto a respectiva falta ou irregularidade não fosse sanada; mas ainda que a falta de documento comprovativo do apoio judiciário ou do pagamento prévio de taxa de justiça deva ser verificada pela secretaria judicial, não tendo sido recusada a entrada de tal peça, tal facto não pode ser, nem é, imputável à Autora, pois que, é entendimento pacífico que os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em caso algum, prejudicar as partes.

Em sede de despacho saneador foi logo julgada procedente a dita excepção dilatória inomimada consistente na “falta de apresentação, com a petição inicial do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça ou da concessão do benefício do apoio judiciário” e absolvida a ré da instância.

Inconformada, a autora interpôs recurso de agravo.
Alegou e formulou as seguintes conclusões:
1. Nos presentes autos, a autora deu entrada da petição inicial em juízo em 29 de Setembro de 2003, acompanhada de documento comprovativo de requerimento da concessão de apoio judiciário nas modalidades de isenção de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
2. Em 4 de Novembro de 2003, a autora requereu a junção aos autos de documento comprovativo de liquidação de taxa de justiça inicial, porquanto não lhe foi concedido o beneficio de apoio judiciário.
3. O Despacho recorrido foi proferido em 24 de Março de 2006, absolvendo a ré da instância, por estar em face de uma excepção dilatória que se consubstanciou na “falta de apresentação, com a petição inicial de documento comprovativo do pagamento de taxa de justiça inicial ou da concessão do benefício de apoio judiciário."
4. Salvo o devido respeito não merece acolhimento a posição sufragada na decisão que ora se põe em crise.
5. Na verdade, a falta de apresentação com a petição inicial de documento comprovativo de pagamento de taxa de justiça inicial constitui mera irregularidade, que jamais pode ser alvo de qualquer cominação processual, atento o disposto no artigo 14º do DL 329-A/95.
6. No caso dos autos a irregularidade foi sanada mediante o pagamento de taxa de justiça e junção do comprovativo aos autos em 4 de Novembro de 2003.
7. Restava ao Tribunal recorrido aplicar multa à autora, caso assim entendesse.
8. Mas não considerar, como considerou o tribunal recorrido, estar em face de uma excepção dilatória;
9. Que, ainda que por mera hipótese académica muito rebuscada se admitisse, encontrar-se-ia, no momento em que o despacho recorrido foi proferido, completamente sanada, nos termos do disposto no artigo 288° n.° 3 do CPC, pelo que sempre estaria vedado ao Tribunal proferir despacho de absolvição da instância com os fundamentos constantes no despacho recorrido.
10. O Tribunal recorrido violou assim os artigos 14° do DL 329-A/95, 288° 3, 493°, 1, 494°, 495° e 511º a) todos do CPC.
11. Nos termos e fundamentos que supra se aduziram o despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que ordene o prosseguimento dos ulteriores termos processuais.
Terminou pedindo que o recurso fosse julgado procedente e, em consequência, o despacho recorrido revogado e substituído por outro que ordene o prosseguimento dos autos.

Não houve contra alegação e o despacho recorrido foi sustentado, por remissão para a fundamentação do próprio despacho.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.

2. Para a decisão do presente recurso importa realçar a seguinte factualidade verificada:
- A petição inicial da acção deu entrada em juízo no dia 29.09.2001.
- Na parte final da petição, a Autora declarou que requerera nos serviços competentes da Segurança Social a concessão de apoio judiciário, nas modalidades de isenção de pagamento da taxa de justiça, bem como dos demais encargos do processo.
- Com a petição inicial, a Autora juntou documento comprovativo de que, no dia 05.08.2003, apresentara na Segurança Social requerimento com que é promovido o procedimento administrativo de concessão do pedido de apoio judiciário por si formulado, na modalidade de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
- Na data de 04.11.2003, a Autora apresentou nos autos requerimento no qual declarou que fora notificada de que não lhe fora deferido o pedido de apoio judiciário e juntou, com o mesmo, documento comprovativo da liquidação da taxa de justiça inicial, liquidação essa realizada no dia 03.11.2003.
- A ré foi citada por carta registada com a. r., expedida no dia 7.01.2004.
- O despacho recorrido foi proferido no dia 24.03.2006.

3. Visto o teor das conclusões da alegação da recorrente, as quais delimitam o objecto do recurso, a questão a decidir traduz-se em saber se, perante o circunstancialismo provado - respeitante à omissão do pagamento da taxa de justiça inicial devida pela autora ou da comprovação de que gozava do benefício do apoio judiciário, no momento da apresentação da petição inicial – se impunha a absolvição da ré da instância, conforme foi decidido.
Deriva do disposto no nº 3 do art. 467º do CPC Que juntamente com os nºs 4 e 5 do mesmo preceito lhe foram aditados pelo DL 183/2000, como consequência da nova regulação estabelecida em sede de pagamento de taxa de justiça inicial e do novo regime instituído pela Lei nº 30-E/2000 para o apoio judiciário, conjugado com o estatuído no art. 474º, al. f) do mesmo diploma, que a secretaria deve recusar o recebimento de qualquer petição inicial desde que a mesma não venha acompanhada de “documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça” ou “do documento que ateste a concessão de apoio judiciário, excepto no caso previsto no n º 4 do artigo 467º”, ou seja, nos casos a que tem aplicação a denominada citação urgente.
Daqui deriva, como todos reconhecem, que a petição inicial apresentada pela autora, não se verificando a situação excepcional referida, deveria ter sido recusada pela secretaria.
Mas não o foi. Porém, mesmo antes da ré ter sido citada para os termos da acção, a autora, invocando ter tido, entretanto, conhecimento de que a sua pretensão ao benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça, fora indeferida, procedeu ao pagamento da taxa de justiça inicial e veio aos autos comprovar esse pagamento.
Quid juris?
Quer a falta verificada configure uma excepção dilatória inominada como entendeu o tribunal recorrido e parece defenderem alguns autores, quer se traduza numa irregularidade processual como defende a recorrente e se nos afigura ser o caso Neste sentido v. Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, I, 2º ed., p. 403, sempre o vício verificado tem de ser considerado sanado com o pagamento da taxa de justiça efectuado antes de qualquer acto processual relevante, nos termos do art. 288º nº 2 ou 3 do CPC.
Estatui esta norma, que enuncia os casos em que o julgador se deve abster de conhecer do pedido e absolver o réu da instância (nº 1), que cessa o disposto no número anterior “quando o processo haja de ser remetido para outro tribunal e quando a falta ou a irregularidade tenha sido sanada” (nº 2).
E dispõe o nº 3, na redacção emergente do DL nº 180/96, que “As excepções dilatórias só subsistem enquanto a respectiva falta ou irregularidade não for sanada nos termos do nº 2 do artigo 265º” E acrescenta: “ainda que subsistam, não terá lugar a absolvição da instãncia quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da excepção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte”.
Ora a exigência dos antigamente denominados “preparos” prende-se fundamentalmente com a defesa do interesse público de garantir o pagamento do funcionamento dos serviços de justiça por parte do vencido a final, razão pela qual, assegurado essa finalidade primordial pelo pagamento da taxa devida, não se justifica qualquer sancionamente, contrário até aos princípios de economia processual que estão, de forma acentuada, subjacentes ao actual processo civil.
E tanto assim é que, nas situações contempladas no art. 25º nº 2 e 31º nº 5 da Lei nº 30- E /2000, vigente ao tempo da propositura da acção, o procedimento legalmente estabelecido evidenciava que fora propósito do legislador facilitar a instauração e o prosseguimento da acção logo que se mostrasse paga a taxa de justiça devida ou, definitivamente decidida a questão do apoio judiciário.
Procede, pelo exposto, o núcleo central da argumentação da recorrente, impondo-se, assim, dar provimento ao recurso e revogar o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro dando seguimento à acção, caso não haja razão diversa da apreciada que obste a tal.

4. Termos em que se acorda em conceder provimento ao presente agravo e revogar o despacho recorrido.
Custas pela recorrida que, não obstante não ter contra alegado, deu causa à decisão recorrida ao ter arguido a dita “excepção dilatória inominada”.
Lisboa, 16 de Novembro de 2006.
(Manuela Gomes)
(Olindo Geraldes)
(Ana Luísa Passos G.)