Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | JORGE LEAL | ||
| Descritores: | ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO LICENÇA RENDA ACTUALIZAÇÃO DESPEJO IMEDIATO EXECUÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 05/17/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Sumário: | I – Tanto no caso de contrato de arrendamento para habitação celebrado em regime de renda livre, ao abrigo da Lei nº 46/85 de 20.9 e do Decreto-Lei nº 13/86, de 23.01, como ao abrigo do RAU, aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15.10, o senhorio não pode socorrer-se da faculdade legal de actualizar as rendas no caso de o locado não ter licença da utilização ou de habitação. II – Se o senhorio exigir o pagamento da renda actualizada no caso de o locado não ter licença de utilização ou de habitação e recusar-se a receber do locatário o valor da renda pelo valor inicial, o senhorio entra em mora. III – A consignação da renda em depósito no caso de mora do senhorio como a descrita em II, é meramente facultativa, seja antes da propositura da acção de despejo como na pendência desta, enquanto o senhorio não manifestar ao inquilino o desejo de receber a renda sem a actualização. IV – O despejo incidental previsto no art.º 58º do RAU deve ser julgado e ordenado pela Relação ou pelo STJ (pelo menos quanto estes tribunais entendam que para a apreciação do incidente basta a produção de prova documental) quando o respectivo processo se encontrar pendente nesses tribunais. V – À luz do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27.02, a execução do despejo passa a processar-se no âmbito do processo executivo comum para entrega de coisa certa, ao qual foram aditados pelo NRAU os artigos 930º-B a 930º-E do CPC; quanto ao incidente de despejo imediato, foi substituído pela tramitação prevista nos nºs 4 e 5 do artigo 14º do NRAU, a qual subsume-se à prática de actos tendentes à formação de título executivo que fundará a instauração de acção executiva comum para entrega de coisa certa. VI – Ao incidente de despejo imediato é aplicável a lei vigente à data em que foi proposto. VII – Não pode decretar-se o despejo imediato, por falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da acção de despejo, quando nesta está ainda em discussão saber se o locatário tinha ou não a obrigação de pagar as rendas indicadas pelo autor ao fundamentar a causa. VIII – O exposto em III e VII continua a ser válido à luz do NRAU (cfr. nºs 3 e 4 do artigo 14º do NRAU). (J.L) | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO Para além disso, e caso fosse condenado, formulou um pedido de diferimento da desocupação por um ano, alegando ter uma filha menor, encontrar-se desempregado, tal como sua companheira, não ter para onde ir viver e não possuir quaisquer bens ou rendimentos, ser deficiente e encontrar-se à beira da cegueira. Concluiu pedindo que a acção seja julgada improcedente e o pedido reconvencional procedente, e que, no caso de condenação, fosse diferida a desocupação do arrendado, pelo período de um ano. Notificados da contestação, os autores vieram requerer o despejo imediato do locado (em 08.01.1996), por falta de pagamento ou de depósito das rendas até então vencidas na pendência da acção, e responderam à reconvenção, alegando que a mesma não é admissível, em virtude de o pedido formulado pelo réu não emergir do mesmo facto jurídico que serviu de fundamento à acção. Os AA. opuseram-se ainda ao diferimento da desocupação do arrendado, alegando que não recebem rendas há mais de 4 anos e não têm quaisquer garantias de vir a recebê-las durante o período de diferimento. Por sua vez, o réu respondeu ao pedido de despejo imediato, pugnando pela sua improcedência, por não se encontrar em mora e ter procedido ao depósito das rendas pelo valor inicial. Juntou, ainda, documentos relativos a depósitos efectuados na Caixa Geral de Depósitos, por conta das rendas referentes aos meses de Janeiro de 1992 a Dezembro de 1995.. Os autores, notificados, alegaram ser extemporânea a pretensão do réu de fazer cessar a mora ou caducar o direito de resolução do contrato de arrendamento, em virtude de aquele não ter cumprido os prazos legais e apenas ter efectuado o depósito de rendas no montante de Esc. 818.670$00, quando o valor das rendas em dívida, até à distribuição da acção, era de Esc. 840.604$00, e as rendas vencidas na pendência da acção totalizam Esc. 73.080$00. Por sua vez, o réu respondeu, alegando que apenas está obrigado a pagar a renda inicial e que, nessa conformidade, vem procedendo ao seu depósito mensal. Entretanto, foi citada editalmente a ré M H P, e após, citado o Ministério Público, em representação da mesma, não foi apresentada contestação. Em 22.02.2001 os autores requereram a ampliação do pedido em relação às rendas entretanto vencidas a partir de Outubro de 1995, bem como o despejo imediato do locado, alegando que o réu, para além de efectuar depósitos de renda por valor inferior ao devido e fora de prazo, nem sempre o faz na pendência da acção. Em resposta, o réu pugnou pela improcedência do pedido formulado pelos autores, alegando novamente não estar em mora, ter pago todas as rendas devidas e ter procedido ao depósito da indemnização legal referente a algumas das que pudessem ser consideradas intempestivamente pagas. Por despacho proferido a fls. 190 a 192, foi admitido o pedido reconvencional e, por se entender que o estado dos autos permitia o imediato conhecimento do mesmo, procedeu-se à sua apreciação, tendo-se concluído no sentido da improcedência. Naquele despacho foi, ainda, apreciada e decidida a excepção de caducidade do direito de resolução do contrato por falta do pagamento de rendas, sendo a mesma julgada improcedente. Foi dispensada a organização da base instrutória atenta a simplicidade da causa. Após, as partes ofereceram os seus meios de prova. Entretanto, os autores desistiram da instância em relação à ré M H P. Nesta sequência, por despacho proferido a fls. 215 a 219, proferido em 05.7.2002, foi homologada tal desistência, tendo sido admitida a ampliação do pedido requerida pelos autores, no que respeita às rendas vencidas na pendência da acção. Por outro lado, declarou-se que o pedido de despejo imediato ficava prejudicado pela decisão que se ia proferir de seguida e, de seguida, conheceu-se do mérito da causa, tendo a acção sido julgada parcialmente procedente, declarando-se a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre os autores e o réu. Mais foi o réu condenado a entregar aos autores o locado livre de pessoas e bens no prazo de seis meses e, bem assim, a pagar as rendas vencidas, no montante mensal de € 74,82 desde Janeiro de 1992, bem como as vencidas e vincendas na pendência da acção, acrescidas dos juros de mora contados à taxa legal desde o mês respectivo até efectivo pagamento. O réu interpôs recurso da decisão. E, por acórdão de 09/07/2003, o Tribunal da Relação de Lisboa deu provimento à apelação, tendo anulado o despacho saneador no segmento em que conheceu do mérito da causa e determinou o prosseguimento dos autos com a elaboração da matéria de facto tida por assente e a constitutiva da base instrutória. Em obediência ao referido acórdão, em 27.5.2004 foi proferido despacho seleccionando a matéria de facto considerada relevante para a decisão de mérito. Entretanto, a instância foi suspensa por óbito do réu C A O S, ocorrido em 19.3.2004, tendo sido deduzido o competente incidente de habilitação de herdeiros e proferida decisão que declarou C R J S, filha do falecido réu, habilitada em substituição, na acção, do referido réu. Em 14.3.2005 as partes foram notificadas do despacho de selecção da matéria de facto, ao que os AA. reagiram, deduzindo reclamação tendo em vista a modificação da redacção de algumas alíneas da matéria de facto tida como assente e a adição de um novo quesito – reclamação que foi parcialmente deferida. Após, foi designada e realizou-se, em 21.11.2005, a audiência de discussão de julgamento, com observância do formalismo legal, tendo sido proferida resposta à matéria vertida na base instrutória, a qual não foi alvo de qualquer reclamação. Em 19.6.2006 foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e em consequência absolveu a R. do pedido. Os AA. apelaram da sentença, tendo em 16.10.2006 apresentado alegações em que formularam as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1 - No despacho saneador, formou-se caso julgado quanto à questão das obras invocadas pelo Réu/Apelado, pelo que é nula toda e qualquer decisão posterior, quanto à mesma questão, sendo pois nula a parte da sentença que decidiu com base naqueles factos, nomeadamente os n° 3, 5 e 6 da Base Instrutória. 2 - O Autor, ab initio, estava impedido legalmente de realizar quaisquer obras no locado porque aquele não está legalizado e as obras não foram autorizadas pela Câmara Municipal. 3 - Segundo a experiência comum, não é crível, que o locado, considerado bom para habitação pelo próprio Réu em 1987, se usado normalmente, que necessite de obras ordinárias em 1991 (decorridos quatro anos). 4 - De qualquer dos modos, verifica-se neste caso, duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão do Réu (necessidade de obras), a proferida no despacho saneador, transitada em julgado e a acolhida na douta sentença recorrida, pelo que, cumpre-se aquela que transitou em julgado em primeiro lugar, ou seja, a decisão proferida no douto despacho saneador, considerando que as obras não constituem objecto nem estão no âmbito destes autos, art. 675° CPC. 5 - Anulada a decisão que julgou prejudicada a apreciação do dito pedido de despejo imediato, impunha-se que o Tribunal a quo, decidisse sobre esse pedido, o que não fez, violando o art. 660° CPC. 6 - Na pendência dos autos, apesar do pedido de despejo imediato, regularmente notificado ao Réu/Apelado, este não depositou as rendas vencidas, verificando-se que o último depósito efectuado data de 10 de Setembro de 2001. 7 - Não consta da matéria dada como provada que o senhorio tenha sido compelido à realização de obras pela autoridade administrativa competente, segundo o regime do art. 9°, n° 6, 12° e seguintes do RAU, pelo que, por aqui também o Réu/Apelado não podia recusar o pagamento da renda actualizada. 8 - Ora, como vê, pela leitura da matéria assente e da base instrutória, não foi produzida qualquer prova, nem resultou matéria provada quanto ao local e data onde foi oferecida a renda, portanto, não está provado que o inquilino tenha oferecido a renda nos termos contratuais e que o senhorio a tenha recusado. Sendo assim, não estão preenchidos os requisitos para ocorrer a mora accipiendi, o que torna a decisão proferida pelo Tribunal a quo, infundada. 9 – Os depósitos de rendas efectuados pelo Réu/Apelado, não são liberatórios, porque feitos fora de prazo, como se vê, a maioria tem a data do próprio mês a que respeita em vez do mês anterior; não foram pagas as rendas vencidas até à contestação e após a notificação do pedido de despejo imediato, o Réu/Apelado não mais cumpriu com o depósito das rendas, estando em mora quanto às rendas vencidas entre Outubro de 2001 até à data. 10 - O Réu/Apelado não depositou as rendas na pendência da acção, estando por pagar, além de outras, as rendas de Outubro de 2001 e seguintes, pelo que deverá ser decretado o despejo imediato, art. 96° n° 1 e 700° n° 1 alínea f), ambos do CPC. Os apelantes terminam pedindo que seja anulada a decisão proferida, substituindo-a por outra que decrete a resolução do contrato de arrendamento, o despejo imediato do arrendado e a condenação do Réu no pagamento das rendas vencidas e vincendas até entrega do locado, bem como nos juros de mora calculados sobre as rendas devidas. Não houve contra-alegações. Foram colhidos os vistos legais. FUNDAMENTAÇÃO As questões a apreciar são as seguintes: se a sentença é nula por ofensa de caso julgado; se foi violado o art.º 660º do Código de Processo Civil, por o tribunal a quo não se ter pronunciado sobre o pedido de despejo imediato; se o arrendatário não podia recusar a actualização da renda; se não se mostram preenchidos os requisitos para ocorrer a mora accipiendi, invocada na sentença recorrida; se os depósitos efectuados pelo R. não são liberatórios; se deve ser decretado o despejo imediato do locado. Primeira questão (se a sentença ofendeu caso julgado) Para resolver esta questão há que levar em consideração o seguinte circunstancialismo: a) Na contestação o R. alegou que não está obrigado a pagar as rendas peticionadas pelos AA., com actualização do seu valor, porque o locado era e é um prédio clandestino, sem licença de habitação e que carecia de obras tanto para ser legalizado como para reunir as condições mínimas de habitabilidade; b) Em reconvenção, o R. alegou que o prédio carece de obras tanto para a sua legalização como para a sua habitabilidade, obras essas que deverão ser determinadas pela câmara municipal, após o que será então emitida licença de habitação e só então será exigível ao Réu o pagamento da renda actualizada; c) O Réu pediu, em reconvenção, que os RR. sejam condenados a efectuar as obras que se tornem necessárias para conferir habitabilidade ao locado e a obter a licença de habitação, tudo em prazo a fixar em prudente arbítrio do tribunal, mantendo-se a renda inicialmente fixada e procedendo ao pagamento das devidas quando tais obras estiverem concluídas. d) O Tribunal a quo julgou a reconvenção improcedente, por entender que as obras reclamadas pelo réu/reconvinte devem ser classificadas na categoria das obras de beneficiação, a cargo do senhorio nos termos do disposto no art.º 13º nº 1 do RAU, isto é, quando nos termos das leis administrativas em vigor a sua execução seja ordenada pela câmara municipal, verificados os requisitos e pressupostos das referidas leis administrativas, se for esse o caso, sendo certo que o incumprimento de ordens administrativas não constitui objecto nem está no âmbito dos autos. e) Não foi interposto recurso dessa decisão. f) O tribunal a quo elaborou base instrutória, na qual incluiu os artigos 3º, 5º e 6º, com a seguinte redacção: 3º- O 1º Réu solicitou aos autores por diversas vezes, a realização de obras? 5º …Nunca tendo [o A.] chegado a realizar quaisquer obras no locado? 6º …factos estes que levaram o 1º Réu a recusar a actualização de renda referida em E)? O Direito Transitada em julgado a sentença ou o despacho que recaia sobre o mérito da causa, a decisão proferida sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele, nos limites fixados pelos artigos 497º e seguintes (art.º 671º do Código de Processo Civil). A excepção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa e o seu conhecimento tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (art.º 497º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil). A causa repete-se quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista jurídico (identidade de sujeitos), quando numa e outra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (identidade de pedido) e quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico (identidade de causa de pedir) – art.º 498 do Código de Processo Civil. Na reconvenção o pedido era a condenação dos AA. na efectuação das obras necessárias para conferir habitabilidade ao locado e na obtenção da licença de habitação, tudo em prazo a fixar em prudente arbítrio do tribunal, mantendo-se a renda inicialmente fixada e procedendo o Réu ao pagamento das devidas (actualizadas) quando tais obras estivessem concluídas. A causa de pedir era a circunstância de o prédio não reunir condições de habitabilidade, sendo de construção clandestina. Na contestação a realização de obras no locado foi invocada como necessária à legalização do mesmo e para a sua habitabilidade mínima, obras essas que, na tese do Réu, constituíam pressuposto da exigibilidade, por parte dos AA., da actualização de renda. Na contestação a necessidade das obras constituía fundamento para a defesa do Réu, tendo em vista a sua absolvição do pedido; na reconvenção a necessidade das obras constituía fundamento para obter a condenação do A. na realização das mesmas. Na contestação a omissão das obras é invocada para sustentar a excepção de não cumprimento do contrato por parte do A. e a mora accipiendi. Na reconvenção a necessidade de obras é invocada para fundar o pedido de condenação na respectiva efectuação. A improcedência da reconvenção não se fundou na constatação da desnecessidade das obras nem na sua inexigibilidade, mas por se entender que estava em causa o incumprimento de ordens administrativas, cuja apreciação não constitui objecto nem está no âmbito dos autos. Em suma, entendeu-se que no âmbito desta acção não se enquadrava a possibilidade de o tribunal compelir o senhorio a fazer as aludidas obras, por tal ser da alçada das autoridades administrativas. Ora, essa decisão tem um âmbito e um alcance que em nada interferem com a cognoscibilidade da necessidade de obras para o efeito da apreciação da defesa do Réu em sede de contestação. Aqui não se está a ponderar a possibilidade de condenar o senhorio na prática de um acto, mas tão só se, nos termos do regime legal e também do acordado com o inquilino, a realização das obras, voluntária ou não, era ou é pressuposto da exigibilidade do pagamento das rendas actualizadas. Sobre isto não se pronunciou o tribunal a quo no âmbito da reconvenção, nem lhe cabia fazê-lo. Conclui-se, pois, que não se verifica a referida ofensa de caso julgado, pelo que o recurso improcede nesta parte. Segunda questão (se foi violado o art.º 660º do Código de Processo Civil, por o tribunal a quo não se ter pronunciado sobre o pedido de despejo imediato) Conforme resulta do relatório supra, que para o efeito aqui se dá por reproduzido, o tribunal a quo considerou prejudicado o pedido de despejo imediato do locado que os AA. haviam deduzido, face ao teor da decisão de mérito (saneador/sentença) que imediatamente foi proferida, a qual julgou a acção procedente e condenou os Réus a entregarem o locado aos autores, no prazo de seis meses. A referida decisão foi revogada e o processo seguiu os seus termos, sem que o tribunal a quo se tivesse pronunciado sobre o despejo imediato requerido. O Direito Os apelantes entendem que a referida omissão constitui violação de normas processuais, mais precisamente do disposto no artigo 660º do Código de Processo Civil. Vejamos. Ao abrigo do disposto no art.º 58º nº 2 do RAU (Regime do Arrendamento Urbano, então em vigor, aprovado pelo Dec.-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro), os AA. requereram que fosse decretado o despejo imediato do local arrendado, em virtude de o R. não ter pago nem depositado as rendas vencidas na pendência da acção. Com efeito, o art.º 58º do RAU dispõe que: “1- Na pendência da acção de despejo, as rendas vencidas devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais. 2- O senhorio pode requerer o despejo imediato com base no não cumprimento do disposto no número anterior, sendo ouvido o arrendatário. 3- O direito a pedir o despejo imediato nos termos deste preceito caduca quando o arrendatário, até ao termo do prazo para a sua resposta, pague ou deposite as rendas em mora e a importância de indemnização devida e disso faça prova, sendo, no entanto, condenado nas custas do incidente e nas despesas de levantamento do depósito, que serão contadas a final.” Conforme se disse, o tribunal a quo pronunciou-se sobre o requerimento de despejo imediato, ponderando que o mesmo ficava prejudicado pela decisão que se ia proferir de seguida. Sobre a referida abstenção de o tribunal se pronunciar acerca do despejo imediato não houve reacção por parte dos AA., sendo certo que também não impugnaram a decisão de mérito, que fixava o diferimento da obrigação de desocupação do locado pelo período de seis meses. Após a Relação de Lisboa ter revogado a referida decisão de mérito, afigura-se-nos que o tribunal a quo deveria ter-se pronunciado sobre o incidente de despejo imediato, o mais tardar aquando da prolação do despacho de selecção da matéria de facto, seja para o deferir, seja para o indeferir. Porém, não o fez, pelo menos até à sentença, e a verdade é que os AA. não reagiram a tal omissão, conforme supra relatado, sendo certo que, se mantinham a pretensão de obter o despejo imediato do locado, cabia-lhes reiterar tal pretensão. Se não o fizeram, sibi imputet: constituindo tal omissão uma nulidade processual, cabia-lhes argui-la, no prazo de 10 dias (artigos 153º nº 1 e 205º nº 1 do Código de Processo Civil). Decorrido esse prazo, bastava-lhes formular novo pedido de despejo imediato, do que se abstiveram. De todo o modo, na sentença recorrida o tribunal, ao pronunciar-se sobre o mérito da acção, a qual tem por fundamento a falta de pagamento das rendas pelo inquilino, emitiu juízo que tacitamente abarca a apreciação do incidente de despejo imediato, assente na falta de pagamento ou de depósito das rendas vencidas na pendência da acção de despejo: na sentença entendeu-se que o senhorio recusou-se, injustificadamente, a receber do inquilino a renda pelo valor inicialmente fixado no contrato de arrendamento, pelo que, existindo mora do credor, o inquilino/réu estava dispensado de pagar ou de depositar a renda, sendo a consignação de depósito meramente facultativa. Mais se ponderou que a mora creditoris mantém-se em relação às rendas subsequentes, até ao momento em que o senhorio manifeste a intenção de receber a renda no montante validamente oferecido pelo inquilino. Daí que o tribunal a quo tenha considerado improcedente o invocado fundamento de falta de pagamento de rendas, afirmando ainda, expressamente, que os depósitos feitos pelo réu são irrelevantes, por não estar obrigado à sua realização. E, a final, o tribunal a quo autorizou os autores a, após o trânsito em julgado da decisão, procederem ao levantamento das rendas em singelo, sem qualquer actualização, porque indevida, fazendo a ré os montantes depositados em excesso na C.G.D. Conclui-se, assim, que na sentença recorrida não se omitiu a apreciação de questão que cabia ao tribunal a quo conhecer, pelo que não foi desrespeitado o disposto no art.º 660º do Código de Processo Civil. Terceira questão (se o arrendatário não podia recusar a actualização da renda) O tribunal recorrido deu como assente e este tribunal aceita, sendo certo que não foi impugnada, a seguinte Matéria de Facto 1. No dia 26 de Junho de 1987 o 1° autor e o 1° réu celebraram entre si um acordo, através do escrito de fls. 4-5, no qual o primeiro, como senhorio e o segundo, como inquilino, declararam "ajustar entre si o arrendamento do 4º andar esq°, sito no n.° , freguesia de Forte da Casa, concelho de Vila Franca de Xira" – alínea A) da matéria assente. 2. Nos termos do mesmo acordo, o 1º autor e o 1º réu declararam ainda que "o arrendamento é feito segundo o regime de renda livre, pelo prazo de seis meses, com início em 1 de Julho de 1987, renovável nos termos da lei" - alínea B) da matéria assente. 3. Mais declararam que "a renda mensal é de Esc. 15.000$00 (quinze mil escudos), paga adiantadamente no domicílio do senhorio ou no local e a quem este indicar, no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito, estando sujeita a actualizações sistemáticas, a primeira das quais pode ser exigida pelo senhorio um ano após a entrada em vigor do contrato e as seguintes, sucessivamente, um ano após a actualização anterior, todas tendo corno base coeficientes a fixar anualmente pelo Governo, no ano civil anterior ao de cada actualização. Querendo o senhorio fazer uso de tal faculdade, comunicá-lo-á ao inquilino, por via postal registada e com a antecedência mínima de 3o (trinta) dias, indicando expressamente o montante da nova renda e o coeficiente utilizado no seu cálculo" - alínea C) da matéria assente. 4. Nos termos do mesmo acordo, o 1° autor e o 1° réu declararam ainda que "o local arrendado destina-se a habitação exclusiva do inquilino, reconhecendo este que o mesmo realiza cabalmente o fim a que é destinado" - alínea D) da matéria assente. 5. Os autores comunicaram, por escrito, ao 1° réu, o propósito de procederem à actualização da renda de Esc. 16.389$00 (dezasseis mil trezentos e oitenta e nove escudos) para Esc. 18 274$00 (dezoito mil e duzentos e setenta e quatro escudos), com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1992 - alínea E) da matéria assente. 6. O 1° réu recusou-se a aceitar a actualização de renda referida em 5. - alínea F) da matéria assente. 7. O 1° réu depositou, na Caixa Geral de Depósitos, à ordem do tribunal judicial de Vila Franca de Xira, as quantias constantes dos conhecimentos de depósito juntos aos autos a fls. 30 a 50, nas datas também deles constantes, os quais se dão aqui por inteiramente reproduzidos para todos os efeitos legais, por conta das rendas relativas aos meses de Fevereiro a Dezembro de 1992, Janeiro a Fevereiro e Junho a Dezembro de 1993 e Janeiro de 1994 - alínea G) da matéria assente. 8. O 1° réu depositou, na Caixa Geral de Depósitos, à ordem do tribunal judicial de Vila Franca de Xira, a quantia constante do conhecimento de depósito de fls. 51, na data também dele constante, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido, para todos os efeitos legais, por conta das rendas relativas aos meses de Janeiro de 1992, Março a Maio de 1993, Fevereiro a Dezembro de 1994 e Janeiro a Dezembro de 1995 - alínea H) da matéria assente. 9. A construção do prédio onde se situa o locado foi licenciada pela Câmara Municipal de Vila Franca de Xira através do alvará de licença de construção de 26/07/1971 - alínea I) da matéria assente. 10. O 4° andar esquerdo, correspondente ao locado, não constava do projecto inicial, tendo em 19/10/1989, através de requerimento, submetido à apreciação da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, o projecto de alterações para o prédio referido em I), que contemplava a criação de dois fogos, tipo T2, no sótão, o qual não foi aprovado, tendo sido comunicado o seu indeferimento ao 1º autor, através do ofício n° , de 15/12/1989 - alínea J) da matéria assente. 11. À data da comunicação referida em 5 o locado não dispunha de licença de habitação- alínea L) da matéria assente. 12. O 1° réu vive no locado com a sua companheira e uma filha - alínea M) da matéria assente. 13. O 1° réu e a sua companheira estão desempregados - alínea N) da matéria assente. 14. O 1º réu e a sua companheira não têm quaisquer fontes de rendimentos, nem bens próprios - alínea O) da matéria assente. 15. O 1º réu, a sua companheira e a filha não têm outro sítio para onde ir morar, para além do locado - alínea P) da matéria assente. 16. O 1º réu é deficiente e está quase cego - alínea Q) da matéria assente. 17. O 1º réu solicitou aos autores, por diversas vezes, a realização de obras - resposta ao artigo 3° da base instrutória. 18. Ao que o 1° autor propôs-lhe entregar-lhe Esc. 100 000$00 (cem mil escudos), para que abandonasse o locado - resposta ao artigo 4° da base instrutória. 19. Nunca tendo chegado a realizar quaisquer obras no locado -resposta ao artigo 5° da base instrutória. 20. Factos estes que levaram o 1° réu a recusar a actualização de renda referida em 5- resposta ao artigo 6° da base instrutória. 21. E a oferecer aos autores a renda anteriormente fixada - resposta ao artigo 7° da base instrutória. 22. Que eles recusaram receber. O Direito Conforme se provou, em 26.6.1987 o 1º A. e o falecido Réu celebraram entre sim um contrato de arrendamento urbano, para habitação, sujeitando-o ao regime de renda livre, então previsto pela Lei nº 46/85, de 20.9, regulamentada pelo Dec.-Lei nº 13/86, de 23 de Janeiro. Porém, o andar do edifício em que se situava o locado havia sido construído clandestinamente, não tendo sido autorizada a sua construção, pelo que o espaço arrendado não tinha licença de habitação (nºs 9 a 11 da matéria de facto), obrigatória nos termos do art.º 8º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 38 382, de 07 de Agosto de 1951. Daí que, nos termos imperativos do art.º 45º da Lei nº 46/85, de 20 de Setembro, não havia lugar a actualização anual da renda. A mesma solução manteve-se no RAU, aprovado pelo Dec.-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro: nos termos do art.º 9º, nº 6, do RAU, se o arrendado não tiver licença de utilização, por causa imputável ao senhorio, o arrendatário pode resolver o contrato, com direito a indemnização nos termos gerais, ou requerer a notificação do senhorio para a realização das obras necessárias, mantendo-se entretanto a renda inicialmente fixada. Isto é, enquanto a utilização ou habitabilidade do arrendado não estiver devidamente licenciada ou certificada, o senhorio não pode socorrer-se da faculdade legal de actualizar as rendas do locado – mesmo que o locatário não exija a realização das obras necessárias. O legislador visou, conforme se ponderou na sentença recorrida, proteger os senhorios que actuavam na legalidade e sancionar os que se lançaram nas construções clandestinas. Assim, conforme se entendeu na sentença recorrida, os autores não podiam exigir do inquilino a actualização da renda, sendo legítima a recusa do réu em pagar o aumento da renda que os senhorios lhe exigiram a partir de Janeiro de 1992. A legitimidade dessa recusa não dependia, conforme supra exposto, de que simultaneamente o arrendatário requeresse a notificação do senhorio para a realização de obras e/ou que o senhorio fosse compelido à realização de obras pela autoridade administrativa competente, improcedendo a argumentação propugnada pelos apelantes na conclusão 7ª do recurso. Quarta questão (se não se mostram preenchidos os requisitos para ocorrer a mora accipiendi, invocada na sentença recorrida) Os apelantes defendem que não se mostram preenchidos os requisitos da mora accipiendi, pois, no seu entender, “não foi produzida qualquer prova, nem resultou matéria provada quanto ao local e data onde foi oferecida a renda, portanto não está provado que o inquilino tenha oferecido a renda nos termos contratuais e que o senhorio a tenha recusado.” “O credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação” – art.º 813º do Código Civil. O local do pagamento da renda pode ser convencionado pelas partes, conforme decorre do disposto no art.º 1039º do Código Civil. No caso, o 1º A. e o falecido Réu estipularam que a renda mensal é de Esc. 15.000$00 (quinze mil escudos), paga adiantadamente no domicílio do senhorio ou no local e a quem este indicar, no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito (nº 3 da matéria de facto). Na primeira decisão de mérito que foi proferida nos autos, entendeu-se que na contestação o 1º Réu confessou que não havia efectuado o pagamento das rendas devidas (no valor de Esc. 15 000$00) e embora tenha declarado que estava na disponibilidade de efectuar o pagamento, de nenhuma parte do seu articulado resulta que o Réu tivesse, efectivamente, oferecido a prestação ao senhorio e este a tenha recusado. Daí que, por não se demonstrar existir mora do credor, decidiu-se pela procedência da acção de despejo. Na apelação que interpôs o Réu defendeu que da posição expressa pelas partes nos autos resultava não a confissão do Réu de que não pagara as rendas devidas, mas a de que o réu quis pagar a renda pelo valor inicial e o autor é que não a quis receber; assim, a acção deveria ter sido julgada improcedente ou, se o tribunal tinha dúvidas, deveria ter mandado prosseguir os autos para apuramento da questão da mora dos AA. ou do Réu. Tal posição foi, na segunda modalidade, acolhida pela Relação de Lisboa, que ordenou que os autos prosseguissem com a elaboração da matéria de facto tida por assente e a constitutiva da base instrutória. Sobre esta questão formularam-se então os seguintes quesitos: 6º “… factos estes [o 1º R. ter solicitado aos autores, por diversas vezes, a realização de obras, as quais estes nunca chegaram a realizar] que levaram o 1º R. a recusar a actualização de renda referida em E)?” 7º “… e a oferecer aos autores a renda anteriormente fixada?” 8º “… que eles recusaram receber?” Nenhuma das partes apresentou reclamação quanto à quesitação elaborada sobre esta questão. Efectuado o julgamento, o tribunal deu a estes quesitos a resposta de “provado”, também sem reclamações. Afigura-se-nos que, face ao contexto supra descrito, o factualismo dado como assente basta para imputar aos AA. a responsabilidade pelo não pagamento da renda. Com efeito, estes exigiram do R. o pagamento de uma renda de valor superior ao legal. O Réu declarou que não aceitava a actualização reclamada, e ofereceu aos autores a renda anteriormente fixada, a qual aqueles recusaram receber. Não há notícias nos autos de que alguma vez, no decurso daquela relação locatícia, que durava havia quatro anos e meio, alguma vez o inquilino havia incumprido a obrigação de pagamento pontual da renda. Ou seja, entre as partes nunca se suscitaram dúvidas ou questões de incumprimento quanto ao local e ao tempo de prestação da renda. A novidade, o problema que surgiu foi o da alteração do montante da renda. Alteração essa reclamada pelos senhorios e que era ilegal. O inquilino manifestou a sua oposição ao referido aumento e ofereceu o pagamento do valor anteriormente fixado, a qual aqueles recusaram receber. Está pressuposto, nas circunstâncias de facto apuradas, que o obstáculo ao pagamento da renda de 15 000$00 não foi o atraso do Réu em proceder a esse pagamento ou a sua não comparência no domicílio do credor, para efectuar a prestação; esta não se realizou por os credores a recusarem, recusa essa que assentou na não aceitação do montante oferecido, que foi de Esc. 15 000$00, e que os credores pretendiam que fosse de Esc. 18 274$00. Aliás, são os próprios AA. quem, no artigo 7º da petição inicial, põem a tónica, quanto ao comportamento do R., não num eventual incumprimento do clausulado quanto ao tempo e ao local da prestação, mas na não aceitação da actualização da renda (art.º 7º da contestação: “contudo, o R. recusou-se a aceitar a actualização da renda para o ano de 1992, conforme comunicação escrita, que para o efeito lhe foi dirigida, violando a cláusula 5ª do contrato de arrendamento”). O recurso improcede também nesta parte. Quinta questão (se os depósitos efectuados pelo Réu não são liberatórios) Foi dado como assente que o 1° réu depositou, na Caixa Geral de Depósitos, à ordem do tribunal judicial de Vila Franca de Xira, as quantias constantes dos conhecimentos de depósito juntos aos autos a fls. 30 a 50, nas datas também deles constantes, por conta das rendas relativas aos meses de Fevereiro a Dezembro de 1992, Janeiro a Fevereiro e Junho a Dezembro de 1993 e Janeiro de 1994 – nº 7 da matéria de facto. Mais foi dado como assente, no despacho de selecção da matéria de facto, transcrito na sentença, que o 1° réu depositou, na Caixa Geral de Depósitos, à ordem do tribunal judicial de Vila Franca de Xira, a quantia constante do conhecimento de depósito de fls. 51, na data também dele constante, por conta das rendas relativas aos meses de Janeiro de 1992, Março a Maio de 1993, Fevereiro a Dezembro de 1994 e Janeiro a Dezembro de 1995 – nº 8 da matéria de facto. Além dos referidos na selecção dos factos assentes, no decurso do processo foram juntos pelo R., assim como pela Ré habilitada, diversos documentos comprovativos de depósitos. Também o A. juntou aos autos declarações da CGD certificativas dos depósitos efectuados pelo R. De todos esses documentos resulta que o Réu depositou na Caixa de Geral de Depósitos, à ordem do Juiz de Direito da Comarca de Vila Franca de Xira, quantias a título de rendas referentes ao locado objecto destes autos, em alguns casos no valor de Esc. 18 720$00, a título condicional, e nos restantes no valor de Esc. 15 000$00, respeitantes aos meses de Janeiro de 1992 a Outubro de 2001. Em 28.02.2001 o Réu depositou ainda a quantia de Esc. 395 000$00 (€ 1 970,25), a título de indemnização legal pela eventual mora relativa às rendas dos meses de Novembro e Dezembro de 1996, Janeiro de 1997 a Março de 2001. No total, o Réu depositou, em escudos, a quantia global de Esc. 2 284 445$00 (€ 11 394,76), desde 27.01.1992 até 10.09.2001. O R. efectuou ainda depósitos, no valor de € 75,00 cada, em cada um dos meses de Outubro de 2002 a Abril de 2004, ressalvando-se o mês de Abril de 2003, em que o depósito foi de € 50,00 – depositando no total € 1 400,00. A renda correspondente ao mês de Janeiro de 1992 foi depositada em 26.01.1996, em singelo e as restantes rendas do ano de 1992 foram depositadas em singelo, respectivamente, a de Fevereiro, em 10.02.1992; a de Março em 09.3.1992; a de Abril em 08.4.1992, a de Maio em 09.5.1992, a de Junho em 08.6.1992, a de Dezembro, em Janeiro de 1993. Parte das rendas de 1993 foram depositadas no ano de 1994 (pelo valor de 15 000$00 cada). As rendas de 1995 foram depositadas em 26.01.1996, pelo valor de 15 000$00 cada (fls 29 e 51). A renda de Março de 2001 foi depositada em 28.02.2001, pelo valor de 15 000$00 (fls 148). A renda de Julho de 2001 foi depositada em 08.6.2001, pelo valor de 15 000$00 (fls 386). A renda de Outubro de 2001 foi depositada em 10.9.2001, pelo valor de 15 000$00. Os apelantes alegam que os depósitos efectuados pelo Réu não o libertaram da sua obrigação de pagamento da renda, uma vez que ou não foram efectuados quaisquer depósitos em relação a alguns meses de renda, ou foram-no para além do prazo legal, sem que o Réu pagasse a indemnização legalmente devida. Nos termos convencionados pelas partes, a renda deveria ser paga no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito. No caso de mora do locatário, o locador tem o direito de exigir, além das rendas em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento (nº 1 do artº 1041º do Código Civil); o direito à indemnização ou à resolução do contrato cessa se o locatário fizer cessar a mora no prazo de oito dias a contar do seu começo (nº 2 do art.º 1041º). Nos termos da alínea a) do nº 1 do art.º 64º do RAU, vigente à data dos factos, a falta de pagamento da renda no tempo e lugar próprios ou de depósito liberatório é um dos fundamentos taxativamente previstos para o senhorio resolver o contrato de arrendamento. O depósito liberatório referido na parte final do alínea a) do nº 1 do art.º 64º do RAU está disciplinado no art.º 1048º do Código Civil (redacção anterior à introduzida pelo Novo Regime do Arrendamento Urbano – NRAU -, aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27.02), que dispõe que “o direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ou aluguer caduca logo que o locatário, até à contestação da acção destinada a fazer valer esse direito, pague ou deposite as somas devidas e a indemnização referida no nº 1 do artigo 1041º”. O Réu efectuou depósitos, antes da contestação, referentes ao período em falta invocado na petição inicial (Janeiro de 1992 a Outubro de 1995) e bem assim respeitantes ao período que mediou desde a propositura da acção até à apresentação da contestação (Novembro de 1995 a Janeiro de 1996) em momentos posteriores aos devidos, em singelo, isto é, não depositou a indemnização prevista no nº 1 do art. 1041º do Código Civil. Assim, os depósitos efectuados não libertaram o Réu da obrigação que sobre ele impendia. Porém, e conforme se ponderou na sentença recorrida, atendendo à situação de mora do A., que não aceitou o pagamento da renda pelo valor legal, de Esc. 15 000$00, o Réu não estava vinculado à efectuação do depósito. A consignação de depósito, em caso de mora do credor, é meramente facultativa (art.º 841º nº 2 do Código Civil), ou seja, a possibilidade de o devedor depositar a coisa devida não faz cessar a mora do credor: a consignação é apenas um benefício atribuído ao devedor, para este se poder liberar da obrigação, se nisso tiver conveniência (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, volume II, Coimbra Editora, nota 4 ao artigo 841º). Conforme se conclui no acórdão da Relação do Porto, de 15.4.2004, citado pelo tribunal a quo (internet, dgsi-itij, processo nº 0431583), “havendo mora do senhorio por se recusar a receber a renda preexistente (validamente) oferecida pelo inquilino (mora creditoris ou mora accipiendi, ut art° 823°, CC), os depósitos de rendas, designadamente por via da consignação em depósito, são facultativos. Como tal, a falta de depósito, o depósito parcial, a sua extemporaneidade ou a sua eventual irregularidade nunca poderão constituir causa de resolução do contrato. E tal mora creditoris mantém-se em relação às rendas subsequentes, face a motivo (infundado) da recusa - até ao momento em que o senhorio manifeste a intenção de receber a renda no montante validamente oferecido pelo inquilino. Assim, tendo sido depositadas, condicionalmente, as rendas acrescidas de indemnização, ao senhorio apenas assiste o direito ao levantamento das rendas singelas depositadas e já não ao levantamento de tais montantes indemnizatórios, assistindo, por sua vez, ao arrendatário o direito a fazer seus os montantes que depositou em excesso (ut art° 28°, n°3, RAU).” Verificada em relação a determinado mês, a mora subsiste em relação às rendas dos meses subsequentes, transmitindo-se a estes até que o credor manifeste ao devedor, por um acto concreto, o seu desejo de as receber, alterando o seu comportamento e tornando possível o seu cumprimento. É esta a doutrina que já decorria do regime do art.º 996º do Código de Processo Civil e que foi reproduzida no art.º 25º do RAU (cfr. A. dos Reis, Processos Especiais, vol I, Coimbra Editora, pág. 265; acórdão da Rel. de Lisboa, de 30.10.1997,Col. de Jur., ano XXII, tomo IV, pág. 129; ac. da Rel. do Porto, de 16.3.1998, Col. de Jur., ano XXIII, tomo II, pág. 209). O A. nunca manifestou a intenção de receber do Réu a renda pelo valor de Esc. 15 000$00 (€ 74,82). Do exposto resulta, tal como se entendeu na sentença recorrida, que o tempo e o valor dos depósitos efectuados pelo Réu são irrelevantes, pois o Réu não estava nem está obrigado à sua efectivação. Conclui-se, pois, que o recurso também improcede nesta parte. Quinta questão (se deve ser decretado o despejo imediato do locado) Tem-se entendido, e aceita-se, que o despejo incidental previsto no art.º 58º do RAU deve ser julgado e ordenado pelas Relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça (pelo menos quando estes tribunais entendam que para a apreciação do incidente basta a produção de prova documental) quando o respectivo processo se encontrar pendente nesses tribunais (neste sentido, António Pais de Sousa, “Anotações ao Regime do Arrendamento Urbano” 2ª edição, Rei dos Livros, pág. 133, nota 8 ao artigo 58; Miguel Teixeira de Sousa, “A acção de despejo”, Lex, 1991, pág. 64; ainda na vigência do artigo 979º do Código de Processo Civil, que foi substituído pelo art.º 58º do RAU, cfr. acórdãos do STJ de 25.02.1987 e de 26.11.1985, in internet, dgsi-itij, processos nº 074382 e 073314) – tal decorre do disposto no art.º 96º nº 1 do Código de Processo Civil, 700º nº 1 alínea f) e 726º do Código de Processo Civil. Porém, constata-se o seguinte: O RAU, onde se prevê o incidente de despejo imediato, foi revogado pelo Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27.02, com efeitos desde 27 de Junho de 2006 (artigos 60º e 65º da Lei). No art.º 14º, nº 3, do NRAU, estipula-se que “na pendência da acção de despejo as rendas vencidas devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais”. No nº 4 do mesmo artigo preceitua-se que “se o arrendatário não pagar ou depositar as rendas, encargos ou despesas, vencidos por um período superior a três meses, é notificado para, em 10 dias, proceder ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância de indemnização devida, juntando prova aos autos, sendo, no entanto, condenado nas custas do incidente e nas despesas de levantamento do depósito, que são contadas a final.” Nos termos do nº 5 do mesmo artigo, “se, dentro daquele prazo, os montantes referidos no número anterior não forem pagos ou depositados, o senhorio pode pedir certidão dos autos relativa a estes factos, a qual constitui título executivo para efeitos de despejo do local arrendado, na forma de processo executivo comum para entrega de coisa certa.” A execução do despejo passa assim a processar-se no âmbito do processo executivo comum para entrega de coisa certa, ao qual foram aditados pelo NRAU os artigos 930º-B a 930º-E, do Código de Processo Civil. Quanto ao incidente de despejo imediato, é substituído pela tramitação supra referida, a qual se subsume à prática de actos tendentes à formação de título executivo que fundará a instauração de acção executiva comum para entrega de coisa certa. Ao incidente de despejo imediato, que já foi descrito como uma nova acção de despejo, com base na falta de pagamento de renda, inserida ou enxertada na acção pendente (cfr., para uma panorâmica geral sobre o incidente do despejo imediato e sobre o reflexo que as questões controvertidas na acção de despejo “principal” podem ter na viabilidade desse incidente, o acórdão nº 673/2005 do Tribunal Constitucional, de 06.12.2005, publicado no D.R., II, de 03.02.2006, pág. 1626 e seguintes), é aplicável a lei vigente à data em que for proposto (art.º 142º nº 2 do Código de Processo Civil). Assim, o incidente de despejo imediato, deduzido pelos apelantes em 16.10.2006, deve pautar-se pelas normas do NRAU. A circunstância de os apelantes terem formulado o seu requerimento ao abrigo do disposto no art.º 58º nº 2 do RAU não o inutiliza totalmente: conforme decorre do estipulado no art.º 199º do Código de Processo Civil, tal requerimento podia ser aproveitado para desencadear o mecanismo previsto no nº 4 do art.º 14º do RAU, ou seja, proceder-se à notificação da apelada para, em 10 dias, proceder ao pagamento ou ao depósito das rendas devidas e da indemnização devida, juntando prova nos autos, sob pena de o senhorio poder pedir certidão dos autos relativa a estes factos, a qual constituiria título executivo para efeitos de despejo do local arrendado, na forma de processo executivo comum para entrega de coisa certa (nº 5 do art.º 14º). Porém, como se disse supra, nesta acção de despejo questionava-se qual o valor da renda devida pelo inquilino e se existia mora creditoris, ou seja, se a falta de pagamento da renda era imputável ao senhorio. E a resposta dada a essa questão foi afirmativa, ou seja, concluiu-se que o autor/senhorio reclamou e reclamava do inquilino renda superior à devida e recusou-se a receber a renda pelo valor correcto. Não podia assim o inquilino ser responsabilizado pelo não pagamento da renda, sendo certo que a consignação em depósito da renda efectivamente devida é meramente facultativa. Tal controvérsia e a sua solução reflectem-se na apreciação do incidente deduzido pelos apelantes, sendo jurisprudência firmada, à luz do regime do RAU, que não pode decretar-se o despejo imediato, por falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da acção de despejo, quando nesta está ainda em discussão saber se o locatário tinha ou não a obrigação de pagar as rendas indicadas pelo autor ao fundamentar a causa (cfr., v.g., todos na internet, dgsi-itij, acórdãos da Rel. de Lx, 08.3.2001, processo 00110012; 30.4.2002, processo 0024357; Relação do Porto, 14.3.2000, processo 0020145, 20.5.2002, processo 0250216 e 06.7.2001, processo 0150768; Relação de Guimarães, 04.02.2004, processo 2387/03-1). Assim, se ao presente incidente fosse aplicável o regime previsto no art.º 58º do RAU, deveria ser o mesmo indeferido. Sendo aplicável o regime do NRAU, a solução será a mesma: Como se disse, nos termos do nº 4 do art.º 14º do NRAU, “se o arrendatário não pagar ou depositar as rendas, encargos ou despesas, vencidos por um período superior a três meses, é notificado para, em 10 dias, proceder ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância de indemnização devida, juntando prova aos autos, sendo, no entanto, condenado nas custas do incidente e nas despesas de levantamento do depósito, que são contadas a final.” Tal notificação ocorrerá por iniciativa do autor/senhorio, o qual dará conta ao tribunal de que o inquilino não lhe pagou a renda nem lhe deu a conhecer a realização do seu depósito. Porém, conforme se estipula no nº 3 do art.º 14º do NRAU (à semelhança do nº 1 do art.º 58º do RAU) “na pendência da acção de despejo, as rendas vencidas devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais”. Ou seja, continuam em pleno funcionamento as regras que disciplinam a realização da prestação, nomeadamente as que concernem à cooperação das partes, sob pena de o credor ou o devedor incorrerem em mora, com as consequências inerentes. Se o credor não aceitar, injustificadamente, a prestação oferecida pelo devedor, incorre em mora, e a consignação em depósito das rendas pelo inquilino é meramente facultativa. Se tal questão estiver em discussão na acção de despejo, o inquilino/réu não poderá ser notificado nos termos do nº 4 do art.º 14º do NRAU. Por maioria de razão, se na acção de despejo se julgou que o senhorio exigiu do inquilino renda superior à legal e se recusou a receber a renda no valor efectivamente devido, não se mostrando qualquer mudança de atitude a esse respeito, o réu/inquilino não poderá ser notificado nos termos do nº 4 do art.º 14º do NRAU. Improcede, pelas razões expostas, o incidente de despejo imediato. Existe um aspecto em que a sentença deve, porém, ser modificada. É que dúvidas não há que os apelantes têm direito ao pagamento de rendas, como contrapartida pela disponibilização do gozo do locado. O valor das rendas é de Esc. 15 000$00 (€ 74,82) por mês, montante esse que o falecido Réu e a Ré que seguidamente foi habilitada nunca negaram, assim como nunca negaram a obrigação de pagar essa renda. Assim, nos termos do art.º 662º nº 2 alínea a) e nº 2 do Código de Processo Civil, a Ré deve ser condenada ao pagamento das rendas correspondentes aos meses de Janeiro de 1992 até à data do trânsito em julgado deste acórdão, montante esse acrescido de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data da notificação do acórdão, mas correndo as custas respectivas pelos apelantes. O montante das rendas, desde Janeiro de 1992 até Maio de 2007 (referente ao mês de Junho de 2007) é de € 13 841,70 (treze mil oitocentos e quarenta e um euros e setenta cêntimos). O montante depositado pelo 1º R. na CGD orça em € 12 542,32 (doze mil quinhentos e quarenta e dois euros e trinta e dois cêntimos). Assim, falta pagar, nesta data, € 1 299,38 (mil duzentos e noventa e nove euros e trinta e oito cêntimos). DECISÃO Pelo exposto: 1º Julga-se a apelação parcialmente procedente e consequentemente condena-se a apelada a pagar aos apelantes a quantia de € 1 299,38 (mil duzentos e noventa e nove euros e trinta e oito cêntimos), correspondente à diferença entre o valor das rendas respeitantes aos meses de Janeiro de 1992 a Maio de 2007 (correspondente ao mês de Junho de 2007) e as quantias depositadas pelo Réu na CGD relativas ao locado (as quais deverão ser entregues aos apelantes) e bem assim a pagar aos apelantes o valor das rendas, respeitantes ao locado, que se vencerem a partir desta data até ao trânsito em julgado deste acórdão – tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, actualmente de 4%, vencidos desde a data da notificação deste acórdão, até integral pagamento; 2º No mais, confirma-se a decisão recorrida; 3º Julga-se improcedente o incidente de despejo imediato. Custas, da apelação e do incidente de despejo imediato, pelos apelantes.
Lisboa, 17.5.2007
Jorge Leal Américo Marcelino Francisco Magueijo
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