Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
68/19.6TNLSB.L1-5
Relator: LUÍS GOMINHO
Descritores: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
CORREIO ELECTRÓNICO
ASSINATURA ELECTRÓNICA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/03/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: Ainda que se possa reconhecer a existência de uma fase administrativa e uma outra judicial no processo contra-ordenacional, a verdade é que um processo contra-ordenacional, embora tenha uma fase adminstrativa, não é um processo administrativo.
- Um recurso de “impugnação judicial” em processo contra-ordenacional, como tal definido por lei – artigo 59.º, n.º 1, do RGCO - não é um recurso administrativo, nem se lhe aplicam normas administrativas.
- Ao recurso de impugnação judicial do processo contra-ordenacional aplicam-se as normas do RGCO; em caso de lacuna neste aplicam-se as normas do C.P.P. (artigo 41.º do RGCO); em caso de lacuna deste, aplicam-se as normas do C.P.C. (artigo 4.º do C.P.P.)”.
- Em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27.12, e na Portaria n.º 642/2004, de 16.06, aplicáveis conforme o disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal.
- Não pode deixar de exigir-se a assinatura ou autenticação dos documentos electrónicos remetidos a juízo, não por via do citius, sequer através de endereço de e-mail oficializado pela Ordem dos Advogados, mas por endereço particular de e-mail do Ex.mo Advogado remetente.
- Mas a remessa para a Autoridade administrativa por meio de correio electrónico simples, sem a assinatura do seu autor, não deve determinar como consequência, a rejeição pura e simples da impugnação apresentada, que seja tempestiva, sem que previamente seja concedida ao interessado a possibilidade do seu aperfeiçoamento, rejeição que a existir, sem tal prévio convite, viola o viola o direito ao recurso.
- Acresce que não existe norma legal a cominar a rejeição do recurso, enviado e recebido pela autoridade administrativa dentro do prazo, quando não esteja devidamente assinado pelo seu autor, vigorando neste domínio, um princípio de legalidade.
- Não deixando aquela omissão de traduzir uma irregularidade, entende-se que a mesma poderá ser reparada com um convite ao seu subscritor para, em prazo que se entenda conveniente, apresentar pessoalmente no Tribunal recorrido o original do recurso de impugnação por si enviado, devidamente assinado, ou então, também pessoalmente, ratificar o articulado primitivamente apresentado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5.ª) da Relação de Lisboa:

I - Relatório:
I - 1.) Inconformada com a decisão aqui melhor constante de fls. 30 a 35, em que o Mm.º Juiz da Secção Única do Tribunal Marítimo de Lisboa, não aceitou o recurso de impugnação interposto pela Arguida “HR, Ld.ª” da decisão da Autoridade Marítima Nacional, Capitania do Porto de Cascais, que pela prática de uma contra-ordenação resultante da conjugação da al. a) do art. 9.º do Plano de Ordenamento da Orla Costeira Sintra-Sado, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 86/2003, de 25/06, com a al. d) do n.º 1, do art. 60.º da Lei n.º 58/2005, de 29/12, e da al. i) do n.º 2, do art. 3.º do DL n.º 96/A/2006, de 02/06, a condenou na coima de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), recorreu a mesma para a presente Relação, deixando exaradas, no remate da sua motivação, as seguintes conclusões:
1.ª - A interposição do recurso de impugnação da decisão que aplicou a coima integra-se ainda na fase administrativa do processo de contraordenação, pois o feito só é introduzido em juízo quando o MP apresenta os autos ao juiz.
2.ª - Não sendo a impugnação da decisão administrativa um acto judicial, não lhe são aplicáveis subsidiariamente, nem o processo penal, nem o processo civil.
3.ª - Nem, consequentemente, o disposto na Portaria n.º 642/2004 ou no Dec.Lei n.º 28/92.
4.ª - A lei prevê expressamente a admissibilidade de apresentação de requerimentos a órgãos administrativos através do seu envio por correio electrónico simples, cfr. art. 104.º/d do CPA, norma aplicável ao caso vertente.
5.ª - E por conseguinte o meio utilizado pelo mandatário da recorrente - envio do recurso de impugnação pelo seu e-mail da ordem dos advogados sem aposição da assinatura electrónica certificada - é legalmente admissível.
6.ª - Ao decidir em contrário, não aceitando o recurso interposto, a douta sentença em crise fez errada interpretação da lei, maxime do art. 41.º do RGCO, e do disposto na Portaria n.º 642/2004 e do Dec. Lei n.º 28/92.
Nestes termos nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença recorrida e operando-se a sua substituição por decisão de admissão do recurso de impugnação.
I - 2.) Respondendo ao recurso interposto, a Digna Procuradora da República junto do tribunal a quo, teve a oportunidade de expor as razões pelas quais, no seu entendimento, o recurso deverá ser considerado improcedente e mantida a decisão proferida.
II - Subidos os autos a esta Relação, a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta teve vista do processo.
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Seguiram-se aqueles outros previstos no art. 418.º do Cód. Proc. Penal.
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Tendo lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir:
III - 1.) Conforme resulta das conclusões apresentadas, consensualmente tidas como definidoras do respectivo objecto, a questão essencial colocada no recurso interposto pelos “HR, Ld.ª” nos presentes autos, traduz-se em saber se o recurso de impugnação que apresentaram, remetido para a Capitania do Porto de Cascais, através de correio electrónico simples, sem aposição da assinatura certificada do seu Ilustre Mandatário, mostra-se legalmente admissível, e como tal, deve ser admitido.
III - 2.) Como temos por habitual, vamos conferir primeiro o teor da decisão de que se recorre, na parte que aqui releva:
Exame preliminar da impugnação.
(…)
1. Extemporaneidade do recurso de impugnação apresentado por HR, Lda..
O art. 41.º, n.º 1, do RGCOC, epigrafado de «direito subsidiário», estabelece que, sempre que o contrário não resulte de tal compêndio normativo, «são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal».
Partido do citado normativo é possível retirar a conclusão de que o Código de Processo Penal constitui direito adjectivo subsidiário relativamente ao processo das contra-ordenações, o que pressupõe o recurso às soluções normativas daquela codificação sempre que se constate a inexistência de solução própria nos quadros do regime específico da disciplina do ilícito de mera ordenação social.
É de notar, porém, que a importação das soluções da principal codificação processual penal não é directa, antes devendo passar - sempre que necessário - por um esquema de adaptação aos princípios e às soluções processuais próprias do Direito das Contra-ordenações, de forma a salvaguardar a harmonia do processo e a afastar divisões que podem atingir a aplicação coerente do direito.
Assim, e perante a constatação da necessidade de recorrer às soluções do direito subsidiário, impõe-se ao intérprete/aplicador o cuidado de avaliar previamente as soluções do processo penal e a sua articulação com as especificidades do processo das contra-ordenações, de forma a respeitar os valores acima referidos, em conformidade com o comando legal «devidamente adaptados», constante daquela norma.
Importa atentar ainda que o art. 41.º do RGCOC tem uma eficácia transversal, na medida em que se aplica a todas as fases do processo das contra-ordenações, independentemente do facto de os autos correrem termos perante a autoridade administrativa ou num tribunal. Com efeito, o processo das contra-ordenações não pode ser considerado como um procedimento administrativo especial para efeitos do disposto no art. 2.º, n.º 5, do CPA, pelo que está excluída a aplicação subsidiária, em primeira linha, deste Código à fase organicamente administrativa daqueloutro. Daí que, muito embora o procedimento das contra-ordenações integre, na sua fase pré-judicial, uma actuação materialmente administrativa, o certo é que esta forma de actuar obedece sempre a um procedimento próprio de natureza sancionatória, moldado a partir do processo penal, que é expressamente assumido como direito subsidiário[1].
*
Fixado o principal regime adjectivo subsidiário aplicável processo contra-ordenacional, importa agora cuidar da tempestividade da impugnação deduzida nos autos, tendo por assente que esta foi remetida pelo Ilustre Defensor da Recorrente à Autoridade recorrida por correio electrónico simples (cf. fls. 214-240) e que aquele, não obstante ter sido convidado para tanto, não demonstrou a aposição da sua assinatura electrónica certificada na minuta recursiva, a qual não se deduz do facto de ter sido utilizado o e-mail fornecido pela Ordem dos Advogados.
Ora, o art. 59.º, n.º 3 do RGCOC, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 244/95, de 14-09, prescreve que o recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa «(...) é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido (...)». A contagem desta dilação é concretizada pelo art. 60.º do RGCOC, também na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 244/95, do seguinte modo: o prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados (n.º 1), mas não durante as férias judiciais, dado que não tem natureza judicial[2]; o termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso transfere-se para o primeiro dia útil normal (n.º 2).
Sucede, porém, que o regime geral das contra-ordenações e coimas é omisso a respeito da forma de entrega ou remessa do recurso de impugnação judicial à autoridade administrativa por parte do arguido, pelo que importa recorrer às normas processuais penais, em obediência ao sobredito art. 41.º, n.º 1, do RGCOC.
Ora, não existe no Código de Processo Penal norma específica que regule a remessa a juízo de todas as peças processuais nele previstas. Com efeito, o Título IV - Da comunicação dos actos e da convocação para eles - do Livro II - Dos actos processuais -, do Código de Processo Penal, integrado pelos arts. 111.º a 117.º, rege apenas sobre a comunicação dos actos e da convocação para eles, nada estabelecendo relativamente a remessa a juízo de peças processuais.
Ademais, a Portaria n.º 280/2013, de 26-08[3], que veio regulamentar a tramitação electrónica dos processos nos tribunais judiciais e, designadamente, a apresentação de peças processuais e documentos por transmissão electrónica de dados, não se aplica a todas as fases do processo penal ou do processo contra-ordenacional.
Com efeito, e no que diz respeito à tramitação electrónica dos processos penais, o regime previsto na Portaria n.º 280/2013 apenas é aplicável a partir da recepção dos autos em tribunal a que se referem o n.º 1 do art. 311.º e os arts. 386.º, 391.º-C e 396.º do CPP (art. 1.º, n.º 2, da Portaria n.º 280/2013). Por seu turno, o processamento electrónico nos tribunais judiciais das impugnações judiciais das decisões e das demais medidas das autoridades administrativas tomadas em processo de contra-ordenação, somente está sujeito à disciplina da Portaria n.º 280/2013 a partir do momento em que os autos são presentes ao juiz» (art. 1.º, n.º 3, da Portaria n.º 280/2013).
Tal significa que, quer no processo penal, quer no processo contra-ordenacional, queda sem regulação a apresentação de peças processuais realizada a montante das ocasiões acima delimitadas ou sem que nela intervenha qualquer Defensor.
Donde, e tendo em conta o disposto no art. 4.º do CPP, «[n]os casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal.»
São, pois, aplicáveis ao processo penal e, consequentemente, ao processo contra- ordenacional, as normas previstas no Código de Processo Civil que regulam a remessa a juízo de peças processuais, conforme aliás preconizaram ao abrigo da legislação de pretérito os Assentos do Supremo Tribunal de Justiça n.ºs 2/2000, de 09-12-1999, e 1/2001, de 08-032001, os quais, respectivamente, fixaram a seguinte jurisprudência:
- «O n.º 1 do artigo 150.º do Código de Processo Civil é aplicável em processo penal, por força do artigo 4.º do Código de Processo Penal.», e
- «Como em processo penal, também em processo contra-ordenacional vale como data da apresentação da impugnação judicial a da efectivação do registo postal da remessa do respectivo requerimento à autoridade administrativa que tiver aplicado a coima - artigos 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, 4.º do Código de Processo Penal e 150.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2000, de 7 de Fevereiro.»[4]
É de salientar que o art. 150.º do CPC referido nos citados arestos foi alterado sucessivamente pelos DL n.º 183/2000, de 10-08, Lei n.º 30-D/2000, de 20-12, DL n.º 324/2003, de 27-12, e DL n.º 303/2007, de 24-08, e inclusivamente revogado pelo art. 4.º, al. a), da Lei n.º 41/2013, de 26-06. Contudo, nem por isso o objecto da regulamentação por si instituída deixou de ter consagração legal, pois o art. 144.º do CPC actualmente vigente (aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013) ocupa-se justamente da "Apresentação a juízo dos actos processuais", estabelecendo para tanto o seguinte:
1. Os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por transmissão electrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º, valendo como data da prática do ato processual a da respectiva expedição.
2. A parte que pratique o acto processual nos termos do número anterior deve apresentar por transmissão electrónica de dados a peça processual e os documentos que a devam acompanhar, ficando dispensada de remeter os respectivos originais.
3. A apresentação por transmissão electrónica de dados dos documentos previstos no número anterior não tem lugar, designadamente, quando o seu formato ou a dimensão dos ficheiros a enviar não o permitir, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º.
4. Os documentos apresentados nos termos previstos no n.° 2 têm a força probatória dos originais, nos termos definidos para as certidões.
5. O disposto no n.º 2 não prejudica o dever de exibição das peças processuais em suporte de papel e dos originais dos documentos juntos pelas partes por meio de transmissão electrónica de dados, sempre que o juiz o determine, nos termos da lei de processo.
6. Quando seja necessário duplicado ou cópia de qualquer peça processual ou documento apresentado por transmissão electrónica de dados, a secretaria extrai exemplares dos mesmos, designadamente para efeitos de citação ou notificação das partes, excepto nos casos em que estas se possam efectuar por meios electrónicos, nos termos definidos na lei e na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º.
7. Sempre que se trate de causa que não importe a constituição de mandatário, e a parte não esteja patrocinada, os actos processuais referidos no n.º 1 também podem ser apresentados a juízo por uma das seguintes formas:
a) Entrega na secretaria judicial, valendo como data da prática do ato processual a da respectiva entrega;
b) Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do ato processual a da efectivação do respectivo registo postal;
c) Envio através de telecópia, valendo como data da prática do ato processual a da expedição.
8. Quando a parte esteja patrocinada por mandatário, havendo justo impedimento para a prática dos actos processuais nos termos indicados no n.º 1, estes podem ser praticados nos termos do disposto no número anterior.
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Resulta do citado inciso que Código de Processo Civil, ao fixar o modo de apresentação dos actos processuais que carecem de ser praticados por escrito, impõe a regra da sua remessa através de transmissão electrónica de dados, nos termos da portaria prevista no n.º 1 do art. 132.º do CPC. Este normativo, por seu turno, consagra a tramitação dos processos por via electrónica em termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça. Tal portaria corresponde à citada Portaria n.º 280/2013, a qual - como já se viu - regula o processamento electrónico dos autos judiciais (art. 1.º, n.º 1, da Portaria n.º 280/2013) nos seguintes aspectos:
a) Definição do sistema informático no qual é efectuada a tramitação electrónica de processos nos termos previstos no Código de Processo Civil;
b) Apresentação de peças processuais e documentos por transmissão electrónica de dados, nos termos dos n.ºs 1 a 3 do art. 144.º do CPC, incluindo a apresentação do requerimento de interposição de recurso, das alegações e contra-alegações de recurso e da reclamação contra o indeferimento do recurso e a subida dos recursos, nos termos dos arts. 643.º, 644.º, 646.º, 671.º, 688.º e 696.º do CPC, e a apresentação do requerimento de interposição de recurso, das motivações, da reclamação contra a não admissão ou retenção do recurso, e da resposta ao recurso, nos termos dos arts. 405.º, 411.º e 413.º do CPP;
c) Apresentação de peças processuais e documentos pelos magistrados do Ministério Público nos processos em que intervenham no exercício das suas competências;
d) Comprovação do prévio pagamento da taxa de justiça e demais quantias devidas a título de custas, de multa ou outra penalidade, ou da concessão do benefício do apoio judiciário, de acordo com o n.º 4 do art. 145.º, o n.º 4 do art. 552.º e o n.º 1 do art. 570.º do CPC e com a alínea a) do n.º 1 e o n.º 2 do art. 14.º e com os n.ºs 2 e 8 do art. 32.º do RCP;
e) Designação de agente de execução que efectua a citação, de acordo com a al. g) do n.° 1 e os n.ºs 7 e 8 do art. 552.º do CPC;
f) Distribuição por meios electrónicos, prevista no art. 204.º, no n.º 2 do art. 207.º, do art. 208.º e do n.º 2 do art. 209.º do CPC;
g) Prática de actos processuais por meios electrónicos por magistrados e funcionários judiciais;
h) Publicação do anúncio de citação edital em página informática de acesso público, nos termos do n.º 1 do art. 240.º do CPC;
i) Notificações por transmissão electrónica de dados, nos termos do art. 248.°, do art. 252.º e do art. 255.º do CPC e do n.º 11 do art. 113.º do CPP;
j) Consulta dos processos, nos termos do n.º 3 do art. 163.º do CPC;
k) Organização no processo físico das peças electrónicas; Comunicações entre tribunais e entre estes e os agentes de execução.
l) Prática de actos processuais pelos mandatários perante administradores judiciais por via electrónica, nos termos do n.º 2 do art. 17.º e do n.º 2 do art. 128.º do CIRE (art. 1.º, n.º 6, da Portaria n.º 280/2013).
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Decorre de tudo quanto vem de ser exposto - e designadamente - que a apresentação do recurso de impugnação da decisão que aplicou uma coima, por ser - por um lado - efectuada junto da autoridade administrativa que proferiu a determinação condenatória e - por outro - anterior à conclusão dos autos ao juiz (arts. 59.º, n.º 3, e 63.º do RGCOC), não cai no âmbito de aplicação da Portaria n.º 280/2013.
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Perante este cenário, é possível ensaiar duas posições acerca da possibilidade de apresentação pelo Defensor do Arguido do recurso de impugnação por correio electrónico.
Uma, denegatória, parte da constatação de que a apontada omissão do direito contra- ordenacional e do direito processual penal a respeito da apresentação dos actos processuais, a impossibilidade da remessa electrónica do recurso para a autoridade administrativa nos termos preconizados pela Portaria n.º 280/2013 (pois os autos de contra-ordenação ainda não se consubstanciam num processo que corre os seus termos perante uma autoridade judicial) e a aplicação subsidiária do principal compêndio adjectivo civil na parte em que se refere aos casos em que não é necessária a remessa electrónica dos actos a praticar por escrito, forçam a conclusão de que a impugnação a que se refere o art. 59.º, n.º 2, do RGCOC apenas pode ser apresentada por uma das três vias subsidiariamente indicadas pelo art. 144.° do CPC. A saber:
- Entrega na secretaria ou secção da autoridade administrativa, valendo como data da prática do ato processual a da respectiva entrega;
- Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do ato processual a da efectivação do respectivo registo postal;
- Envio através de telecópia, valendo como data da prática do ato processual a da expedição.
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Outra posição, mais permissiva, admite a possibilidade de apresentação do recurso de impugnação por Ilustre Defensor através de correio electrónico, mas desde que observados determinados procedimentos.
Para chegar a tal conclusão, é necessário recuar até à legislação processual civil de pretérito, mormente ao art. 150.º do CPC aprovado pelo DL n.º 44.129, de 28-12-1961, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 324/2003, de 27-12, o qual previa expressamente no seu n.º 1 que os actos processuais que devessem ser praticados por escrito pelas partes eram apresentados a juízo por uma das formas que elencava, entre as quais se contava o «[e]nvio através de correio electrónico, com aposição da assinatura electrónica avançada, valendo como data da prática do acto processual a da expedição, devidamente certificada.
O n.º 2 do mesmo art. 150.º do CPC estabelecia então que os termos a que obedecia o envio através de tal meio seriam definidos por portaria do Ministro da Justiça.
Tal portaria começou por ser a Portaria n.º 337-A/2004, de 31-03, a qual depois foi revogada pela Portaria n.º 642/2004, de 16-06.
Sucede que, com a publicação do DL n.º 303/2007, de 24-08 (que, no uso de autorização legislativa concedida pela Lei n.º 6/2007, de 02-02, alterou o Código de Processo Civil, procedendo à revisão do regime de recursos e de conflitos em processo civil e adaptando-o à prática de actos processuais por via electrónica), desapareceu do elenco do então art. 150.º, n.º 2, do CPC o correio electrónico como forma de apresentação a juízo de actos processuais, a qual foi definitivamente substituída pela transmissão electrónica integrada na plataforma informática CITIUS, posteriormente instituída pela Portaria n.º 114/2008, de 06-02, a qual revogou parcialmente a sobredita Portaria n.º 642/2004.
Esta revogação segmentada da Portaria n.º 642/2004 pode ser explicada pelo facto de o sistema CITIUS nunca ter estado e continuar a não estar disponível em todas as fases de determinados processos, inviabilizando dessa forma a prática de actos processuais por transmissão electrónica de dados. Nessa medida, tem-se entendido que nos casos em que é inviável o recurso ao CITIUS ainda é possível a utilização do correio electrónico como forma de apresentação de actos processuais, nos termos preconizados pela Portaria n.º 642/2004[5].
Daqui decorre que o correio electrónico constitui ainda uma forma admissível de prática de actos processuais em todos aqueles processos ou fases processuais excluídos do âmbito de aplicação da Portaria n.º 280/2013.
Todavia, os termos em que essa forma de apresentação a juízo de actos processuais se efectiva e os efeitos processuais consequentes dependem do cumprimento das disposições relevantes da Portaria n.º 642/2004.
Assim, «[a] mensagem de correio electrónico remetida por mandatário forense deve conter necessariamente a aposição da assinatura electrónica do respectivo signatário» (art. 2.°, n.° 5, da Portaria n.º 642/2004). Tal assinatura «(...) deve ter associado à mesma um certificado digital que garanta de forma permanente a qualidade profissional do signatário» (art. 2.°, n.° 6, da Portaria n.º 642/2004).
Ademais, «[a] expedição da mensagem de correio electrónico deve ser cronologicamente validada, nos termos da alínea u) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 290- D/99, de 2 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril, mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea» (art. 4.º, n.º 3, da Portaria n.º 642/2004).
Não se mostrando verificados tais requisitos e tendo a apresentação de peças processuais sido efectuada por correio electrónico simples ou sem validação cronológica, deve aplicar-se, para todos os efeitos legais, o regime estabelecido para o envio através de telecópia (art. 10.º da Portaria n.º 642/2004), ou seja, o DL n.º 28/92, de 27-02.
De entre as normas que integram o DL n.º 28/92, avultam os n.ºs 3 e 6 do seu art. 4.º. A primeira determina que «[o]s originais dos articulados, bem como quaisquer documentos autênticos ou autenticados apresentados pela parte, devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial, no prazo de sete dias contados do envio por telecópia, incorporando-se nos próprios actos»[6]; a segunda estabelece que «[a] data que figura na telecópia recebida no tribunal fixa, até prova em contrário, o dia e hora em que a mensagem foi efectivamente recebida na secretaria judicial.»
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Transpondo o que vem de ser exposto para o caso vertente, constata-se que o recurso interposto pelo Ilustre Defensor da Arguida HR, Lda. foi remetido para a Autoridade administrativa por correio electrónico simples e sem que tenha sido alegada qualquer situação de justo impedimento obstativa da apresentação da impugnação na secretaria ou secção da Recorrida ou expedição da mesma pelo correio, sob registo, ou através de telecópia.
A Recorrente praticou assim um acto que - à luz das duas possibilidades acima equacionadas - a lei não consente, circunstância que acarreta naturalmente a total invalidade do mesmo.
Neste contexto, e atenta a ineficácia da apresentação da impugnação deduzida pelo Ilustre Defensor da Recorrente, equiparável à dedução extemporânea, não aceito o recurso interposto a fls. 214-236 (arts. 59.º, n.º 3, e 63.º, n.º 1, do RGCOC).
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Nestes termos, e com tais fundamentos, não aceito o recurso interposto a fls. 22-27 pela Arguida HR, Lda..
(…)”
III – 3.3.1.) Tal como decorre das conclusões acima deixadas transcritas, o essencial da posição defendida pela Recorrente assenta em dois pilares argumentativos fundamentais:
Por um lado, o traduzido na afirmação de que o recurso de impugnação é apresentado na fase administrativa do processo, não assumindo pois natureza judicial, o que significaria que não lhe são aplicáveis nem o Código de Processo Penal nem o de Processo Civil, mas antes, o Código de Procedimento Administrativo.
Por outro, a sustentação da não pertinência normativa da mencionada Portaria n.º 642/2004, de 16/06, ou do DL n.º 28/92, de 27/02, convocados pelo Mm.º Juiz a quo na resolução da questão suscitada.
Na sua matriz de base, não se pode afirmar que o Regime Geral das Contra-Ordenações, no que concerne à aplicação das respectivas sanções e à consequente defesa posterior por parte das pessoas por elas tidas por responsáveis, tivesse em vista consagrar uma regulamentação particularmente exigente ou complexa, mormente em termos processuais.
O que aliás é concorde com a ressonância menos gravosa do ilícito objecto do Direito de Mera Ordenação Social.
Assim, no caso do recurso de impugnação, as exigências que assinala, confinam-se à forma escrita da sua apresentação e à necessidade de incluírem alegações e conclusões (art. 59.º, n.º 2).
Mas note-se, tanto pode ser interposto por defensor como até pelo próprio arguido, o que sinonima a acessibilidade que a actuação desta forma de reacção deveria revestir.
Só que a situação legislativa exterior ao problema não deixou de evoluir…
Assim, no que concerne ao primeiro dos argumentos adiantados, e ainda que se possa reconhecer a existência de uma fase administrativa e uma outra judicial no processo contra-ordenacional, a verdade é que como se poderá ver defendido no acórdão da Rel. de Évora de 06/12/2016, proferido nos autos de recurso com o n.º 236/15.0T8PTM.E1 (consultável no endereço www.dgsi/pt.jtre), “um processo contra-ordenacional não é um processo administrativo. Tem uma fase administrativa. Mas existem diferenças entre os termos “fase” e “processo”.
Um recurso de “impugnação judicial” em processo contra-ordenacional, como tal definido por lei – artigo 59.º, n.º 1, do RGCO - não é um recurso administrativo. Nem se lhe aplicam normas administrativas.
Ao recurso de impugnação judicial do processo contra-ordenacional aplicam-se as normas do RGCO; em caso de lacuna neste aplicam-se as normas do C.P.P. (artigo 41.º do RGCO); em caso de lacuna deste, aplicam-se as normas do C.P.C. (artigo 4.º do C.P.P.)”.
E se assim é, por maioria de razão, não temos motivos para questionar a concepção interpretativa acabada de enunciar em último lugar, que com aquela primeira conflui, e que sustenta a aplicabilidade geral do mencionado art. 41.º do RGCO às diversas situações omissas verificadas no desenvolvimento deste tipo de processo, como sucede no caso em apreciação, decorrente da forma pela qual tal recurso de impugnação deve ser apresentado à autoridade administrativa.
Se bem se conferir, nessa parte, o despacho recorrido acaba por aplicar, grosso modo, a Doutrina constante do já referido Parecer da Procuradoria-Geral da República n.º 84/2007, homologado por despacho de 07/03/2008 e publicado do DR II.ª - Série n.º 68/2008, de 07/04/2008:
 “(…) A referida norma do artigo 41º do Decreto-Lei de 27 de Outubro, tem eficácia em todas as fases do processo das contra-ordenações, sendo aplicável quer na fase administrativa, quer na fase do recurso de impugnação.
Na verdade, o processo das contra-ordenações não pode ser considerado como um procedimento administrativo especial para efeitos do disposto no nº 7 do artigo 2º do Código do Procedimento Administrativo, pelo que está excluída a aplicação subsidiária, em primeira linha, deste código à fase administrativa do processo das contra-ordenações.
Embora o procedimento das contra-ordenações integre, na sua fase administrativa, uma actuação materialmente administrativa, esta forma de actuar sempre obedeceu a um procedimento próprio de natureza sancionatória, moldado a partir do processo penal, que é expressamente assumido como direito subsidiário.
Trata-se de uma fase de um processo que tem como direito subsidiário, na sua globalidade, o processo penal, nos termos do referido nº 1 do artigo 41º daquele Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro.
Os procedimentos especiais previstos no nº 7 do artigo 2.º do Código do Procedimento Administrativo são aqueles que se encontram dispersos pela legislação administrativa, nomeadamente, os licenciamentos, os loteamentos urbanos, os procedimentos concursais e outros.
Não cabem nesse âmbito os procedimentos sancionatórios na medida em que tenham como direito subsidiário o direito processual penal, uma vez que é com este ramo do direito que aqueles procedimentos se articulam, já que foram moldados a partir dele, e é nesse procedimento que sistematicamente se inserem.
O Código do Procedimento Administrativo só seria, deste modo, direito subsidiário do processo das contra-ordenações se se desse como revogado o disposto no nº 1 do artigo 41º do regime geral das contra-ordenações, o que dada a especialidade desta norma, não seria possível sem uma referência expressa.
Acresce que sendo o processo das contra-ordenações um todo que se desdobra por várias fases, não pode o mesmo procedimento ter como direito subsidiário numa fase o Código do Procedimento Administrativo e noutra fase o Código de Processo Penal, o que criaria distorções inaceitáveis.
Tal como refere Costa Pinto, a solução que se defende, “apesar de implicar como que uma metamorfose jurídica dos actos administrativos em actos de um processo de contra-ordenação, parece ser aquela que é ditada não só pelo enquadramento constitucional das garantias em processo de contra-ordenação, mas também pelo facto de o regime geral das contra-ordenações determinar a aplicação subsidiária do processo penal (artigo 41º do regime geral) e equiparar os poderes instrutórios em processo de contra-ordenação aos poderes de polícia de investigação criminal (artigo 48.º, nº 2), negando implicitamente qualquer recurso subsidiário ao Direito Administrativo”.
3.3.2.) Aqui chegados, facilmente se concluirá que o Código de Processo Penal, em termos de comunicação de actos, regula apenas as emitidas pelo próprio tribunal (mandados, cartas e ofícios), particularizando sobretudo as destinadas à convocação para comparecimento e às notificações.
Não o envio a juízo de peças processuais.
Daí a remissão consequente para o Código Processo Civil, por força do art. 4.º daquele primeiro Códice.
Ora a aplicabilidade do então art. 150.º do Cód. Proc. Civil, neste domínio, este sempre perfeitamente consensualizada em vários arestos do Supremo Tribunal de Justiça fixadores de Jurisprudência.
Desde logo, de forma directa e expressa, pelo Assento n.º 2/2000, de 09/12/1999.
Mas também está pressuposta na resolução do problema colocado no com o n.º 1/2001, de 08/03/2001.
Tal Código foi alterado, desde logo pela revisão legislativa operada em 2013, sendo que o actual 144.º, refere agora que: “os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes, são apresentadas a juízo por transmissão electrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do art. 132.º ”, isto é, por portaria a definir por membro do Governo responsável pela área da Justiça.
O que nos reconduz ao dédalo normativo entretanto gerado neste domínio.
Seja como for, uma vez que se mostra arredada a aplicação subsidiária do art. 104.º, al. d) do Código de Procedimento Administrativo, sustentada pelos Recorrentes, não vamos entrar em grandes detalhes sobre os exactos contornos da respectiva evolução legislativa.
Importa antes sublinhar, que de harmonia com a Doutrina fixada pelo Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão n.º 3/2014, publicado no DR, 1.ª Série, de 15 de Abril de 2014, «em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27.12, e na Portaria n.º 642/2004, de 16.06, aplicáveis conforme o disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal».
Ou seja, para além das modalidades disponibilizadas ao próprio acoimado pelo n.º 7 do já mencionado art. 144.º do Cód. Proc. Civil (caso entendesse ser ele a apresentar ou veicular o recurso de impugnação), aplica-se para esse efeito de transmissão, entre o mais, a Portaria acima indicada, que recorde-se, os Recorrentes pretendiam ver aqui afastada.
Mas também sobre o referido DL n.º 28/92, de 27/02, não se deixou de aí se aludir o seguinte:
“O primeiro passo no sentido da desburocratização dos serviços judiciais através do uso das novas tecnologias foi dado pelo Decreto -Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro. Nesse diploma avulso, introduziu -se a possibilidade do uso da telecópia para transmissão de mensagens entre os serviços judiciais e entre estes e os serviços públicos e facultou -se «às partes e aos intervenientes em processos judiciais de qualquer natureza o uso de telecópia para a prática de actos judiciais, evitando os custos e demoras resultantes de deslocações às secretarias judicias», conforme se fez constar do preâmbulo do diploma. O uso de telecópia em processo penal era possível sempre que se harmonizasse com os princípios do processo penal e compatível com o segredo de justiça. Até então a entrega das peças processuais na secretaria judicial era a única forma prevista no Código de Processo Civil para a prática de actos processuais escritos, exigindo-se dos interessados que subscrevessem requerimentos e não fossem conhecidos no tribunal a exibição do bilhete de identidade ou o reconhecimento da assinatura por notário”.
Sendo que no referido douto aresto poderá ser encontrada uma recensão detalhada deste segmento legislativo até ao momento da sua prolação.
3.3.3.) Como decorre do anteriormente referido, não falta ao despacho recorrido proficiência fundamentadora.
E haverá que reconhecê-lo, também corroboração Jurisprudencial.
Na realidade, o recente acórdão da Relação de Évora 08/05/2018, no processo n.º 1564/17.5T8EVR.E1, relatado pelo actual Exm.º Juiz Conselheiro Clemente de Lima não deixa de sustentar expressamente que “não é válida a remessa do requerimento de impugnação judicial da decisão administrativa por via de endereço de correio electrónico privado e sem assinatura digital.”
Assim se concluiu, seja em razão da Doutrina expendida no sobredito acórdão n.º 3/2014, seja porque “nos termos mesmo da Resolução de Conselho de Ministros n.º 60/98, de 16 de Abril de 1998 (Diário da República, 1.ª série B, de 6 de Maio de 1998), não pode deixar de exigir-se a assinatura ou autenticação dos documentos electrónicos remetidos a juízo, não por via do citius, sequer através de endereço de e-mail oficializado pela Ordem dos Advogados, mas por endereço particular de e-mail do Ex.mo Advogado remetente”.
Nessa perspectiva, não vamos pois questionar a decisão proferida.
O que se pergunta é se a consequência drástica actuada - rejeição da impugnação apresentada - será a melhor e mais consentânea solução a extrair?
3.3.4.) Já sabemos que na situação que temos presente, o recurso de impugnação apresentado pelo Ilustre Defensor da Arguida “HR, Lda”, foi por aquele remetido para a Autoridade administrativa por meio de correio electrónico simples.
Sabemos também que a sua apresentação foi tempestiva. Donde, só pela consideração da sua total invalidade nos termos já expostos, se poder concluir pela respectiva extemporaneidade.
É certo que nos termos do art. 63.º, n.º1, do RGCO, o juiz pode rejeitar o recurso feito fora do prazo “ou sem respeito pelas exigências de forma”.
Mas estas, entenda-se, são a tal forma escrita e a necessidade de conter alegações e conclusões.
Sendo que em relação a estas últimas, o Tribunal Constitucional, em diversas decisões proferidas (cfr. acórdãos n.ºs 303/99, 319/99 e 265/2001), uma delas até com força geral obrigatória (na hipótese das conclusões), já afirmou que nesses casos, a rejeição pura e simples, sem que previamente seja concedida ao interessado a possibilidade do seu aperfeiçoamento viola o direito ao recurso.
Num cenário de aplicação subsidiária, o Código de Processo Penal também só autoriza aquela não admissão, quando a decisão for irrecorrível, quando o recurso tiver sido interposto fora de tempo, o recorrente não reunir as condições necessárias para o efeito, ou quando faltando a motivação ou as conclusões o recorrente não as apresentar no prazo de 10 dias (cfr. art. 414.º, n.º2).
O que vem de significar que não existe norma legal a cominar a rejeição do recurso enviado e recebido pela autoridade administrativa dentro do prazo, quando não esteja devidamente assinado pelo seu autor, vigorando neste domínio, tanto quanto se alcança, um princípio de legalidade.
É certo que o Mm.º Juiz a quo não deixou de convidar o Ilustre Mandatário da Arguida “para, em cinco dias, comprovar nos autos que o recurso de impugnação foi enviado para a Autoridade Administrativa através de mensagem de correio electrónico contendo a sua assinatura electrónica e a associação desta a um certificado digital que garanta de forma permanente a qualidade profissional do respectivo signatário”.
Mas esta era uma condição de satisfação impossível, atendendo ao condicionalismo que envolveu tal remessa e a posição depois por si defendida nos autos.
Naturalmente que a razão essencial que justifica a necessidade da aposição de tal tipo de assinatura decorre da necessidade de garantir que o apresentante de um qualquer articulado processual é realmente o seu autor, e acessoriamente, securizar a qualidade profissional de quem o envia.
No caso da telecópia, cujo regime foi entendido pelo despacho recorrido como sendo o aqui aplicável, tal desiderato, num primeiro momento, era assegurado ou pela utilização do respectivo serviço público ou do equipamento do advogado ou solicitador, cujo número tinha que constar das listas organizadas pela respectiva Ordem ou Câmara dos Solicitadores.
Mas daí justificar-se também a necessidade posterior dos originais dos articulados deverem “ser remetidos ou entregues na secretaria judicial, no prazo de sete dias contados do envio por telecópia, incorporando-se nos próprios actos” (cfr. art. 4.º, n.º 3, do DL n.º 28/92, de 27/02).
Não será exactamente o regime que vigora para o caso da remessa electrónica com assinatura digital.
Em todo o caso, haverá que reconhecê-lo, que se o Ilustre Mandatário tivesse utilizado a telecópia, a carta registada, ou no limite, até tivesse apresentado o recurso presencialmente na sede administrativa própria, a circunstância de o articulado estar meramente assinado por si, não lograria qualquer relevância.
Pelo que se legitima questionar a razoabilidade do peso excludente conferido à rejeição associada à via processual que em concreto foi eleita para a transmissão, tanto mais que fortemente lesiva do seu direito ao recurso.
Nesta conformidade, julgamos ser possível desenhar uma outra solução com melhor conforto constitucional e maior compatibilidade ao tipo de regulamentação inerente ao domínio contra-ordenacional.
Assim, não deixando aquela omissão de traduzir uma irregularidade, entende-se que a mesma poderá ser reparada com um convite ao seu subscritor, não tanto nos termos em que o foi, mas antes para em prazo que se entenda conveniente, apresentar pessoalmente no Tribunal recorrido o original do recurso de impugnação por si enviado, devidamente assinado, ou então, também pessoalmente, ratificar o articulado primitivamente apresentado.
Nesta conformidade:
IV – Decisão:
Nos termos e com os fundamentos expostos, na procedência do recurso interposto pela Arguida “HR, Ld.ª”, posto que com fundamentos totalmente distintos, acorda-se em alterar o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que convide o seu Ilustre Mandatário, para em prazo que se entenda conveniente, apresentar pessoalmente no Tribunal recorrido, o original do recurso de impugnação por si enviado, devidamente assinado, ou então, também pessoalmente, ratificar o articulado primitivamente apresentado.

Elaborado em computador. Revisto pelo relator, o1.º signatário.
_______________________________________________________
[1]  No sentido de que vem sendo exposto, cf. Parecer n.° 84/2007 votado na sessão do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, de 28-02-2008, homologado por despacho do Conselheiro Procurador-Geral da República, de 07-03-2008, e publicado no Diário da República n.° 68/2008, Série II de 07-04-2008, pp.15223 - 15231.
[2] Cf. a este propósito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (fixação de jurisprudência) n.° 2/94, de 10 de Março de 1994, publicado no Diário da República, 1.a Série-A, de 07-05-2004, o qual fixou a seguinte jurisprudência:
«Não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.° 3 do artigo 59.° do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.° 356/89, de 17 de Outubro.»
Na doutrina, cf. SIMAS SANTOS e LOPES DE SOUSA, Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, Áreas Editora, 6.a Edição, p. 473, PAULO PINTO ALBUQUERQUE, Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, Universidade Católica Portuguesa, 2011, pp. 246-247, e BEÇA PEREIRA, Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas Anotado, Almedina, 8.a Edição, p. 154.
[3] A Portaria n.° 280/2013 foi rectificada pelas Declarações de Rectificação n.° 44/2013, de 25-10, e 16/2017, de 0606, e alterada pelas Portarias n.°s 170/2017, de 25-05, e 267/2018, de 20-09.
[4]Os Assentos do Supremo Tribunal de Justiça n.°s 2/2000 e 1/2001 foram publicados, respectivamente, nos Diários da República, I Série - A, de 07-02-2000 e 20-04-2001.
[5]Cf., neste sentido, o Acórdão tirado pelo Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2014, de 06-03-2014, publicado no Diário da República, 1.a Série, n.º 74, de 15-04-2014, pp. 2440-2447, o qual refere a este propósito que a «eliminação da referência ao correio electrónico no artigo 150.º resultou, porém, não da verificação de uma qualquer circunstância que desaconselhasse a sua utilização, mas da desnecessidade do seu uso face a uma transmissão electrónica de dados integrada num sistema mais completo e abrangente. Foi, todavia, intenção expressa do legislador rodear a implementação do novo método das maiores cautelas e, por isso, a aplicação da regulamentação por esta Portaria ficou limitada, nos termos do respectivo artigo 2.°, às acções declarativas cíveis, providências cautelares e notificações judiciais avulsas e às execuções cíveis».
[6] O prazo de sete dias referido no inciso citado passou a corresponder ao de dez dias nos termos do disposto no art. 6.°, n.° 1, al. b), do DL n.º 329-A/95, de 12-12.