Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
282/20.1PHSNT.L2-9
Relator: MARIA JOSÉ CORTES
Descritores: ADMISSÃO DO RECURSO
CASO JULGADO
FALTA DE CONCLUSÕES
REJEIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/24/2023
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO
Sumário: I – Conforme resulta do disposto no art.º 414.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, a decisão que admita um recurso, tal como a que lhe fixa o regime de subida e o efeito, não faz caso julgado e não vincula o tribunal superior.
II – O recorrente não apresentou conclusões no recurso que interpôs da sentença da primeira instância e, tendo sido convidado por este tribunal a apresenta-las, repetiu nas conclusões o que é dito na motivação.
III – Tal circunstância traduz-se em falta de conclusões, pois não havendo indicação concisa dos fundamentos explanados e desenvolvidos nas motivações, não há conclusões, o que é motivo de rejeição do recurso, de acordo com os art.ºs 417.º, n.° 3, e 420.º, n.° 1, al. c), do Código de Processo Penal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão sumária, ao abrigo do artigo 417.º, n.º 6, alínea b), do Código de Processo Penal

I – RELATÓRIO
1.1. No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Criminal de Sintra - Juiz 2, no âmbito do processo comum n.º 282/20.1PHSNT, foi proferida sentença, com data de 18 de janeiro de 2022, que condenou o arguido A, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 25.º, n.º 1, alínea a) e 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-C, anexa a esse diploma legal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.
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1.2. Inconformado com esta decisão, o arguido interpôs recurso para este Tribunal da Relação, que, por acórdão proferido em 10 de março de 2022, decidiu:
a) Declarar parcialmente nula a sentença recorrida, por inobservância do disposto nos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código de Processo Penal, a qual deve ser pelo mesmo tribunal substituída por outra onde se supra o apontado vício de falta de fundamentação, nos termos sobreditos;
b) Não conhecer da segunda questão suscitada pelo recorrente, por se mostrar prejudicada.
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1.3. O tribunal de primeira instância proferiu nova sentença, em 14 de outubro de 2022, decidindo:
a) Condeno o arguido A, pela prática, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 25.º, n.º 1, alínea a) e 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência à Tabela I-C, anexa a esse diploma legal, na pena de um (1) ano e três (3) meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período;
b) Condeno o arguido, nas custas do processo – artigo 514.º, n.º 1 do Cód. Processo Penal, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC (artigos 374.º e 513.º do Cód. Proc. Penal e art.º 8.º, n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais).”
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1.4. De novo inconformado com esta decisão da mesma interpôs o arguido o presente recurso, mas porque não formulou conclusões, por despacho proferido em 28 de novembro de 2022, pelo tribunal de primeira instância, foi o recorrente convidado a apresentar conclusões, o que fez, nos seguintes termos:
1. Mediante acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa nos presentes datado de 30/06/2022, a sentença e 18/01/2022 foi declarada parcialmente nula, por inobservância do disposto nos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código de Processo Penal, ordenando-se a sua substituição “por outra onde se supra o apontado vício de falta de fundamentação, nos termos sobreditos”.
2. Resulta dos autos que o Tribunal a quo NÃO procedeu à leitura da sentença recorrida, tendo a mesma sido eletronicamente notificada ao ora signatário através da plataforma Citius (cfr. Referência n.º 140169258).
3. Da conjugação disposto no n.º3 do Artigo 372.º e dos n.ºs 1 e 2 do Artigo 373.º, todos do C.P.P., a sentença deve ser reduzida a escrito (obedecendo ao estipulado no artigo 374.º do C.P.P.), assinada, lida publicamente e depositada.
4. “A consequência dessa falta de leitura pública da sentença, depois de elaborada, é a nulidade – insanável – da audiência de julgamento onde é suposto ter tido lugar e não teve, ex vi art.º 321.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, no qual se estatui que “a audiência de julgamento é pública, sob pena de nulidade insanável”1.
5. A exclusão da publicidade, quando admitida, não pode abranger, “em caso algum, a leitura da sentença” (n.º5 do artigo 87.º C.P.P.).
6. Mediante acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito do processo n.º301/15.3GAMIR.C1, de 13/11/2019, onde é relator o Senhor Desembargador Luís Teixeira, concluiu-se que “no que respeita agora ao âmbito material de aplicação daquele princípio, pode seguramente afirmar-se que, independentemente das dúvidas que possam legitimamente colocar-se sobre o exacto alcance do conceito de «audiência», tal como é utilizado no art.º 206.º da Constituição, o mesmo abrange, além da própria audiência de discussão e julgamento, a decisão judicial a proferir na sequência da mesma” (aí se dá conta, citando, de novo, Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., loc. cit., que as razões apontadas para a publicidade da audiência valem quanto à decisão, o que decorre do princípio do Estado de direito democrático)”
7. Verificando-se a ausência de leitura da sentença recorrida, é de concluir que a audiência de discussão e julgamento é nula, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do Artigo 321.º do C.P.P. e a sentença recorrida é juridicamente inexistente, porque, além do mais, viola o princípio da continuidade e publicidade da audiência (consagrado no artigo 321.º do C.P.P.).
8. Por conseguinte, deverá a notificação eletrónica da sentença ser anulada,  ordenando-se a leitura pública da mesma.
Se assim não se entender,
II. A Impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto dada como NÃO provada constante da alínea b) da sentença recorrida (n.º3 do Artigo 412.º do C.P.P.).
 9. O recorrente foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade (previsto e punido pelos artigos 25.º, n.º 1, alínea a) e 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência à Tabela I-C, anexa a esse diploma legal) na pena de 1 ano e 3 meses, suspensa na sua execução por igual período.
10. Resulta da matéria de facto dada como NÃO provada que “o arguido tinha o referido produto estupefaciente para seu próprio consumo”.
 11. O recorrente considera que foi incorretamente julgado o ponto b) dos factos dados como não provados na sentença recorrida (que aqui se dá por reproduzido por questões de economia processual).
 12. Foi o facto de se considerar que o produto estupefaciente não era destinado ao exclusivo consumo do recorrente que permitiu ao Tribunal a quo preencher o tipo do crime de tráfico de menor gravidade.
 13. Porém, o raciocínio de fundamentação do Tribunal a quo viola as regras da  experiência comum na apreciação da prova na forma como chegou à conclusão que o referido produto estupefaciente não se destinava ao consumo do recorrente.
14. As declarações prestadas pelo arguido na sessão da audiência de discussão e julgamento de 18/01/2022 (com início às 15:10:25 horas e termo às 15:26:47 horas) impõe decisão diversa da recorrida.
15. O recorrente entende que as suas declarações são credíveis e que não foi produzida qualquer prova que infirme a bondade das mesmas.
16. Salvo o devido respeito, consideramos que não foi produzida qualquer prova que “belisque” a credibilidade das declarações do recorrente.
17. Resulta das mesmas que o recorrente é consumidor regular de haxixe e que a  quantidade que detinha destinava-se ao seu consumo exclusivo.
18. O recorrente afirmou que destinava o produto estupefaciente ao seu consumo próprio e que era consumidor regular de haxixe.
19. Estamos perante uma pequena quantidade de haxixe – cerca de 9 gramas.
20. Tal quantidade é compatível com o consumo pessoal de tal substância.
21. Dizem-nos as regras da experiência comum que os consumidores compram, por vezes, quantidades superiores àquelas que ainda se inserem no âmbito contraordenacional para evitar deslocações e exposição a riscos (o que já foi até aventado pelo acórdão proferido em 30/03/2022).
22. Aliás, o recorrente até foi abordado num local conotado com a compra e consumo de estupefacientes.
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1.5. Notificado da interposição do recurso, respondeu o Ministério Público, concluindo pela improcedência do mesmo e pela manutenção da decisão recorrida.
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1.5. Nesta Relação, o Ex.º Procuradora-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1.7. Foi cumprido o estabelecido no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e tendo sido apresentada resposta pelo recorrente ao parecer do Ex.º Procurador-Geral Adjunto, concluiu como no requerimento de interposição de recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
Conforme resulta do disposto no art.º 414.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, a decisão que admita um recurso, tal como a que lhe fixa o regime de subida e o efeito, não faz caso julgado e não vincula o tribunal superior.
Nos termos do art.º 417.º, n.º 6, b), do Código de Processo Penal, o relator profere decisão sumária quando, entre outras causas, o recurso deva ser rejeitado.
Vejamos.
Conforme supra se referiu, constatado que o arguido/recorrente não apresentou as conclusões do recurso, foi convidado a apresentar conclusões, sob pena de o recurso ser rejeitado.
O recorrente veio a corresponder ao pedido tendo apresentado requerimento a juntar as conclusões, o que fazia prever a correspondência ao pedido do tribunal.
Porém, assim não é.
Com efeito, compulsado o dito recurso verifica-se que o recorrente, na parte que apelida ou denomina de conclusões, se limita a repetir integralmente o vertido antes na motivação de recurso, introduzindo algumas alterações pontuais em termos de disposição do texto e seu elenco gráfico.
Quid iuris?
Quando o recorrente interpõe recurso de uma decisão jurisdicional passível de recurso fica automaticamente vinculado à observância de dois ónus, se pretender prosseguir com a impugnação de forma válida e regular.
O primeiro é o denominado ónus de alegação, no cumprimento do qual se espera que o recorrente analise e critique a decisão recorrida, imputando as deficiências ou erros, sejam de facto e ou de direito, que, na sua perspetiva, enferma essa decisão, argumentando e postulando as razões em que se ancora para divergir em relação à decisão proferida.
O segundo ónus, denominado de ónus de concisão ou de conclusão, traduz-se na necessidade de finalizar as alegações recursivas com uma formulação sintética de conclusões, em que resuma ou condense os fundamentos pelos quais pretende que o tribunal ad quem modifique ou revogue a decisão proferida pelo tribunal a quo.
Destarte, enquanto as alegações propriamente ditas (motivação stricto sensu) se destinam à apresentação dos argumentos de facto e de direito pelos quais o apelante discorda da decisão proferida e pede a sua alteração, já as conclusões constituem a síntese dos fundamentos contidos nas próprias alegações.
Como referia Alberto dos Reis, “a palavra conclusões é expressiva. No contexto da alegação o recorrente procura demonstrar esta tese: Que o despacho ou sentença deve ser revogado, no todo ou em parte. É claro que a demonstração desta tese implica a produção de razões ou fundamentos.
Pois bem: essas razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no curso da alegação; hão-de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusões, no final da minuta.
Todavia, como salienta ainda o mesmo Ilustre Professor, “… para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação.” [Código de Processo Civil Anotado, V volume, 1984, p. 359.]
No mesmo sentido se posicionam Amâncio Ferreira e Aveiro Pereira, salientando este último que as conclusões das alegações são as “ilações ou deduções lógicas terminais de um raciocínio argumentativo, propositivo e persuasivo, em que o alegante procura demonstrar a consistência das razões que invoca contra a decisão recorrida.“ [Manual dos Recursos em Processo Civil, 8.ª edição, p. 167 e O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil, p. 31, acessível in www.trl.mj.pt/PDF/Joao%20Aveiro.pdf., respetivamente].
Com efeito, no nosso sistema de recursos incide sobre o recorrente um específico ónus de impugnação da decisão recorrida, não lhe sendo lícito limitar-se a recolocar à apreciação do tribunal superior, em termos globais e sincréticos, toda a situação litigiosa, devendo, por isso, especificar nas conclusões da sua alegação quais as questões a decidir, nomeadamente os pontos de facto ou de direito que, por terem sido, na sua ótica, incorretamente julgados pelo tribunal a quo, pretende que sejam reapreciados pelo tribunal ad quem.
A repetição nas conclusões do que é dito na motivação, traduz-se em falta de conclusões, pois não havendo indicação concisa dos fundamentos explanados e desenvolvidos nas motivações, não há conclusões, o que é motivo de rejeição do recurso.
Conforme é Doutrina e Jurisprudência unânimes, as conclusões devem ser concisas, precisas e claras, porque são as questões nelas sumariadas que serão objeto de decisão – v. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, p. 350, e acórdão do STJ, de 4.02.93, na CJ, acórdãos do STJ ano I, tomo 1, p. 140, C.J. acórdãos do STJ ano I, tomo 1, p.140 – “a razão de ser da lei é, por um lado, apelar para o dever de colaboração das partes e dos seus representantes (art. 266, do C P. C.) a fim de tornar mais fácil, mais pronta e mais segura a tarefa de administrar a justiça, e por outro lado, fixar a delimitação objetiva do recurso, indicando concreta e precisamente as questões a decidir (art. 684.º, do C.P.C.)".
Conforme ficou referido e resulta da transcrição supra efetuada, as conclusões, agora apresentadas pelo recorrente, mais não são que a reprodução das motivações inicialmente apresentadas.
Do que fica exposto se conclui que não se trata de dificuldade de concisão, a qual tem sempre algo de subjetivo. Trata-se, pois, de uma clara intenção de não apresentar conclusões, pois convidado a apresenta-las, optou por não as voltar a apresentar, substituindo-as pela repetição das motivações.
A peça apresentada após convite revela que não houve a mínima preocupação de responder positivamente ao convite, tentando cumprir o que a lei determina quanto à forma como os recursos devem ser elaborados, motivados e concluídos, omissão que o tribunal não pode suprir, já que só ao recorrente cabe delimitar o objeto do recurso, delimitação que, como referimos, é feita pelas respetivas conclusões que, tal como a lei as define, não foram apresentadas.
Não tendo o recorrente apresentado conclusões, o seu recurso, nos termos em que foi apresentado, não pode ser apreciado, impondo-se a sua rejeição, de acordo com os art.ºs 417.º, n.° 3, e 420.º, n.° 1, al. c), do Código de Processo Penal.
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III – DECISÃO
Termos em que, ao abrigo do disposto no art.º 414.º, n.º 2, e 417.º, n.ºs 3 e 6, al. a), e 420.º, n.º 1, c), do do Código de Processo Penal, não se admite o recurso por falta de conclusões.
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Lisboa, 24 de fevereiro de 2023
Maria José Sebastião Cortes