Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3722/2007-4
Relator: MARIA JOÃO ROMBA
Descritores: LEGITIMIDADE
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
SOCIEDADES COMERCIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/16/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário:
I- A ilegitimidade das partes, constituindo uma excepção dilatória, ou seja, uma deficiência do processo que obsta a que o tribunal conheça do mérito, determinando a absolvição da instância (art. 288º e 493º do CPC), deve ser conhecida o mais cedo possível, a fim de evitar actos inúteis, processualmente proibidos (art. 137º do CPC), e sempre necessariamente antes do conhecimento do fundo da causa.
II- O levantamento da personalidade jurídica apenas deve operar excepcionalmente, em situação de abuso de direito, ou seja, quando o titular do direito exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social desse direito (art. 334º do CC)
III- Estando o Banco de Portugal, como a generalidade dos Bancos portugueses, obrigado ao pagamento das pensões de segurança social ao respectivo pessoal, mas legalmente impedido de gerir os fundos de pensões, restando-lhe atribuir essa gestão a uma sociedade constituída exclusivamente para esse fim ou a uma companhia de seguros autorizada a explorar o ramo vida, tal não significa que deva ser desconsiderada a autonomia jurídica e a separação patrimonial inerente a tal sociedade - a Sociedade Gestora do Fundo de Pensões do Banco de Portugal, S.A.
Decisão Texto Integral:    Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


A… demandou no Tribunal do Trabalho de Sintra a SOCIEDADE DE GESTÃO DO FUNDO DE PENSÕES DO BANCO DE PORTUGAL em acção declarativa de condenação com processo comum, sob a forma ordinária, pedindo:
-  a declaração de ilicitude do seu despedimento;
- a condenação da Ré no pagamento ao Autor do montante de € 235.807,85 relativo a indemnização por antiguidade e créditos devidos, acrescidos de juros legais desde a data da constituição de cada uma das obrigações, e a indemnização devida pelos danos morais e outros patrimoniais (lucros cessantes), montantes a que devem acrescer juros legais desde a citação até efectivo pagamento.
(…)
A Ré contestou por excepção, invocando a sua ilegitimidade, por considerar ser apenas o empregador formal, sendo o empregador real o Banco de Portugal (…)
(…)
Foi admitido o pedido reconvencional deduzido e proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade, fixou a matéria assente e elaborou a base instrutória.
A Ré agravou do despacho que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade, arguindo também a respectiva nulidade. Apresenta a final as seguintes conclusões:
            (…)
Admitido o recurso com subida diferida, o processo prosseguiu termos e após audiência de julgamento foi proferida a sentença de fls. 612/639 que julgou a acção parcialmente procedente e consequentemente:
I - Declarou a ilicitude do despedimento, condenando a Ré a pagar ao Autor:
a) A quantia que se liquidar em execução de sentença, correspondente aos salários, e respectivos subsídio de férias e de Natal, vencidos desde 1 de Maio de 2002, até ao trânsito em julgado da sentença, com referência ao salário mensal de € 1.400,90, deduzidas as importâncias que o Autor eventualmente tenha auferido, a título de rendimentos de trabalho, após a data do despedimento.
Montantes estes acrescidos de juros de mora à taxa legal desde os respectivos vencimentos, até integral pagamento.
b) A título de indemnização de antiguidade a quantia de € 18.211,70 (dezoito mil duzentos e onze euros e setenta cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da notificação da sentença até integral pagamento.
c) De subsídios de Natal e de Férias referentes aos anos de 1994 a 2003, a quantia de € 22.644,58 (vinte e dois mil seiscentos e quarenta e quatro euros e cinquenta e oito cêntimos) a que acrescem os juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento
d) De proporcionais, a quantia de € 1.050,67 (mil e cinquenta euros e sessenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal desde o dia 30 de Março de 2002, até integral pagamento.
II- Absolveu o Autor do pedido reconvencional deduzido.
De novo inconformada, apelou a R., arguindo também nulidades da sentença, mais precisamente a omissão de pronúncia sobre a questão da identificação da real entidade patronal do A..
E nas alegações de recurso apresenta, por sua vez as seguintes conclusões:
(…)
O A. contra-alegou apenas o recurso de apelação pugnando pela confirmação da sentença.
Subidos os autos a este tribunal, pelo digno PGA foi emitido o parecer de fls. 743/744, favorável à improcedência de qualquer dos recursos interpostos.
(…)

Face ao teor das conclusões dos recursos admitidos e ao preceituado pelos art. 684º nº 3 e 690º nº 1 do CPC, aplicável ex-vi do art. 1º nº 2 al. a) do CPT, é o seguinte o objecto dos recursos:
No agravo: se a decisão recorrida padece da nulidade de excesso de pronúncia e se foi prematura a apreciação da alegada ilegitimidade da R. no despacho saneador, violando o art. 510º nºs 1 e 4 do CPC.
Na apelação: se a sentença padece da nulidade arguida - omissão de pronúncia por não ter julgado de mérito quanto à questão de saber quem é a real entidade patronal do A. e se incorreu em erro na interpretação e aplicação do direito, designadamente em relação ao conceito de legitimidade processual, à questão de definir quem é a verdadeira entidade patronal do A., ao alegado abuso de direito e má fé do A. e ainda  quanto à interpretação e  aplicação dos art. 5º e 13º nº 1 al. c) e nº 3 do regime jurídico anexo ao DL 64-A/89, de 27/2.

 Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:                            
1. Entre 1994.02.01 e 2002.03.30, o Autor desempenhou funções Administrativas de Apoio de Compras do …. da Ré. (A)
2. Entre A. e R. foi subscrito em 1995.04.01, um contrato denominado de "prestação de serviços", pelo prazo de seis meses, sendo automaticamente renovado se não for denunciado por qualquer das partes, com a antecedência mínima de trinta dias. (B)
3. A função que foi desempenhar esteve e está consagrada no Organograma da Empresa, fazendo parte das tarefas quotidianas asseguradas pelo seu pessoal (C)
4. Tal tarefa implicava, nomeadamente, “dar execução às políticas definidas pela Ré, nas tarefas de apoio às actividades de responsabilidade da área operacional e outras inerentes aos projectos que lhe forem encomendados pela Ré, conforme lhe fosse solicitado” (D).
5. O Autor foi encarregado das seguintes funções / tarefas:
        a)– todo o expediente da secção de compras:
      -Manutenção de Stocks do Economato;
    -Gestão do activo mobiliário existente e requisição a pedido e sob instruções e directivas da hierarquia;
    -Manutenção e Gestão de Carteira de Contactos com Fornecedores e permanente informação de gestão dessa carteira de contactos;
        b)– Apoio à Tesouraria:
   -Desempenho das funções de Tesoureiro, nas ausências (férias, faltas, etc.) ou impedimento do titular daquele Posto de Trabalho, Senhor J….
    -Execução das diversas operações quotidianas e relativas à Carteira de Títulos, designadamente no que concerne à sua recolha informática (actividade fundamento da existência da Ré). (E)
6. O autor estava vinculado a horário definido pelo empregador e considerando que o horário em vigor era e é idêntico ao praticado na Banca, referia-se a um período de 7 horas diárias fixadas entre as 8h30 e as 16h30. (F)
7. Exigia a Ré ao Autor que este último executasse, pessoalmente, a prestação a que se obrigou e de tal modo, que o Autor ao longo de nove anos de trabalho ao serviço da Ré, nunca se ausentou ou faltou no seu Posto de Trabalho; (G)
8. O Autor obedecia a ordens, instruções e orientações do empregador e estava sujeito à sua fiscalização permanente. (H)
9. E esta proporcionava-lhe mesmo adequada formação profissional, tal como aos restantes trabalhadores da empresa. (I)
10. E marcava férias integrado na estrutura da empresa. (J)
11. E tanto assim era que o Autor reunia com a sua chefia directa com regularidade, de quem recebia instruções e orientações, tal como acontecia e acontece com os restantes trabalhadores da Ré. (L)
12. Os instrumentos de trabalho eram e são propriedades da entidade empregadora e não propriedade do autor; (M)
13. A sua remuneração era certa, regular, mensal (N);
14. Aquela remuneração foi inicialmente fixada (em 1 de Fevereiro de 1994), no montante de Esc. 210.000$00. (O)
15. Aquele montante era anualmente actualizado, seguindo a Ré neste domínio (como noutros – cfr. Horário de trabalho) os critérios em vigor para a banca e nos termos do ACTV dos Bancários. (P)
16. E a correcção anual da sua remuneração seguia, por maioria de razão os critérios e moldes da actualização salarial dos restantes trabalhadores e colaboradores da empresa. (Q)
17. Eram-lhe descontadas (retiradas na fonte) as contribuições legais, designadamente retinha-se-lhe o valor correspondente ao IRS; (R)
18. O Autor reunia com regularidade com os órgãos seus superiores hierárquicos, de quem recebia directivas, orientação, e instruções, (S)
19. Tanto assim é, que lhe confiaram, entretanto, novas responsabilidades e funções, que exigiam, também elas, o reporte directivo às respectivas chefias, nos mesmos termos, moldes e forma que os restantes trabalhadores da empresa; (T)
20. A Ré denunciou o Contrato de Prestação de Serviços celebrado em 1995.04.01 a partir de 2002.03.30, o que comunicou ao A., por carta datada de 2002.02.26. (U)
21. O Autor ingressou no Banco de Portugal, como empregado administrativo, em 6/07/79 e reformou-se, por acordo negociado com o Banco, em 1 de Dezembro de 1993, com 23 anos de antiguidade no Sector Bancário, (mas apenas 14 no Banco de Portugal) e 48 anos de idade (V).
22. O Banco de Portugal concedeu ao Autor a reforma antecipada, por invalidez presumível, ao abrigo do nº1 da clª 137 do ACTV, nos seguintes moldes:
   -promoção de um nível, do 9 ao 10 ACTV para o sector Bancário;
   -compensação monetária no valor de 2.293.000$00;
   -pagamento de uma pensão de reforma, igual a 100% do vencimento da categoria, nos termos do anexo VI do ACTV, no valor de 148.600$00 (741,21€) mensais, equivalentes à pensão de reforma que lhe seria atribuída se permanecesse no Banco até perfazer 35 anos do serviço ou 65 anos de idade.
    -Pensão de reforma paga durante 14 meses, nos termos do disposto na clª 137ª, nº 1 c) do ACTV.
    -Direito de acesso ao Fundo Social do Banco de Portugal, para obtenção de empréstimo com juro reduzido, em condições iguais às dos empregados no activo».(X)
23. O administrador delegado da Sociedade Gestora depende, hierárquica e directamente, do Conselho de Administração do Banco de Portugal, e é considerado, para todos os efeitos, como Director do Banco de Portugal.. (Z)
24. A descrição dos postos de trabalho e respectivas funções dos empregados ao serviço da Sociedade Gestora é realizada pelo Departamento de Recursos Humanos do Banco de Portugal. (AA)
25. Era igualmente o Banco de Portugal quem pagava os vencimentos dos empregados ao serviço da Ré, até porque a generalidade dos trabalhadores da Ré pertenciam e pertencem aos quadros do Banco de Portugal , no activo e na reforma, como era o caso do A. (BB)
26. O posto de trabalho do Autor era descrito pelo Departamento de Recursos Humanos do Banco de Portugal  que considerava o Autor como trabalhando na sede do Banco, na sua Unidade Fundo de Pensões. (CC)
27. A maioria esmagadora dos empregados ao serviço da Ré são empregados, no activo ou na reforma, do Banco de Portugal. (DD)
28. Na descrição do posto de trabalho do Autor ele é considerado integrado no grupo I do ACT para o Sector Bancário. (EE)
29. O Autor fazia formação profissional, quer no Departamento de Recursos Humanos do Banco, quer no Instituto de Formação Bancária, como qualquer outro empregado do Banco(FF).
30. A Ré não pagou ao Autor os subsídios de férias e de Natal dos anos de 1994 a 2002, e férias, subsídios de férias e de Natal proporcionais ao trabalho prestado no ano de 2002. (GG)
31. O local de trabalho do Autor  situava-se nas instalações da Ré (2º)
32. Na estrutura existente à data da sua contratação, e para cuja função não possuía a empresa trabalhador com a qualidade conveniente, o Autor foi convidado directamente pela Administradora Executiva (delegada) a integrar os Quadros da Empresa, como acontecia e acontece com os restantes funcionários da Ré; (3º).
33. Para compensar os trabalhadores a Ré criou-lhes e incentivou-os com um complemento de remuneração que atribuía a título de senhas de gasolina (5º)
34. Tendo posteriormente transformado as senhas de gasolina em gratificações e mesmo estas (resolveu) contabilizá-las em “Despesas com o Pessoal”, pelo seu reconhecimento como retribuição pelos auditores da empresa (6º)
35. O complemento de remuneração referido nos factos anteriores era pago de forma regular, trimestralmente, e era atribuído a todos os funcionários do Banco de Portugal no activo, pelas razões constantes dos factos 38 e 39, e porque não havia necessidade de atribuir tal compensação aos trabalhadores reformados, uma vez que estes, para além do seu salário, recebiam mensalmente a pensão de reforma. (7º)
36. O Autor reformou-se a 1 de Dezembro de 1993 e iniciou funções na Sociedade Gestora do Banco de Portugal no dia 1 de Fevereiro de 1994. (8º e 9º)
37. O Autor iniciou funções na Ré pelas razões referidas no facto 32º e por ser reformado do Banco de Portugal. (10º e 11º)
38. Considerando que os trabalhadores do Banco, no activo se encontravam deslocados, embora voluntariamente a exercer funções distintas das que cabiam na definição do seu posto de trabalho no Banco de Portugal, foi deliberado pela Ré, em Outubro de 1993, atribuir a esses trabalhadores, enquanto prestassem funções na Sociedade Gestora e os seus postos de trabalho estivessem a ser reclassificados pelo Departamento de Recursos Humanos do Banco, um complemento remunerativo variável. (12º)
39. Desde logo, tal complemento, em razão dos seus pressupostos só era pago aos trabalhadores empregados, no activo, do Banco de Portugal e que prestavam serviços na Sociedade Gestora e cujos postos de trabalho estavam a ser objecto de reclassificação pelo Departamento de Recursos Humanos do Banco. (13º)
40. O relatório de Auditoria da Sociedade Gestora do Fundo de Pensões do Banco de Portugal realizado pela empresa “Ernst and Young era um documento reservado.( 14º15º)
41. Para além da Administração da Ré, o referido relatório era do conhecimento dos empregados Dr. R…, chefe do Autor,  Dr. P…. e Drª M…..(16º)
42. O Autor juntou aos presentes autos cópia de fls.3, 45, 55, 56, 57, 58 e 65, do referido relatório. (17º)
43. A Ré é uma sociedade anónima, constituída, em 15/09/88, e detida em mais de 91% pelo Banco de Portugal, que tem por missão exclusiva gerir o Fundo de Pensões dos empregados do Banco de Portugal [1].

                  Apreciação
                  Do agravo
                  É do seguinte teor o despacho recorrido: “Alega a R. que é parte ilegítima, porquanto a partir de 1994.02.01 não mantém com o A. qualquer contrato de trabalho. Cumpre decidir.
                        A legitimidade é uma posição de A. e R. em relação ao objecto do processo, qualidade que justifica que possa aquele A., ou aquele R., ocupar-se em juízo desse objecto do processo[2].
                        A legitimidade como pressuposto processual fixa-se, tendo em atenção a posição das partes em relação ao objecto do processo aferida pelos termos em que o A. configura a causa[3]
                        Sempre que a lei não disponha de outro modo, consideram-se como titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo A. – nº 3 do art. 26º do CPC ex-vi do art. 1º do CPT.
                        Não configurando a lei de outro modo e abstraindo do mérito da causa, a R. é parte legítima, pois é o sujeito da relação jurídica tal como ela é definida pelo A..
                        Pelo exposto julgo improcedente por não provada a deduzida excepção dilatória de ilegitimidade.”.
                        No requerimento em que interpôs agravo deste despacho a R. invocou também a nulidade do mesmo, por ter decidido a legitimidade sem que se encontrassem assentes todos os elementos de que dependia uma decisão fundada desta matéria, o que, em seu entender, dada a especificidade do caso, só podia suceder a final, por depender de análise do mérito da causa e da apreciação de todo o articulado. O tribunal teria assim decidido uma questão de que não podia tomar conhecimento – art. 668º nº 1 al. d) do CPC.
                  Mas, salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.
                  Subjacente à invocação da aludida nulidade está, afinal, a assunção da tese adoptada pelo Prof. José Alberto dos Reis na velha querela doutrinária que o opôs ao Prof. Barbosa de Magalhães a propósito da legitimidade e que também dividiu a jurisprudência durante décadas, mas que se encontra totalmente ultrapassada desde a alteração do CPC introduzida pelos DL 329-A/95 de 12/12 e sobretudo pelo DL 180/96 de 25/9, com o aditamento, na parte final do nº 3 do art. 26º, da expressão “tal como é configurada pelo A.”.
                  Não oferece hoje dúvidas, face aos termos do normativo legal referido, tanto mais quanto está em causa apenas a legitimidade directa e singular, que o interesse directo relevante para ajuizar da legitimidade das partes, seja para demandar, seja para contradizer, se afere pela titularidade da relação material controvertida, tal como é configurada pelo A., pelo que a apreciação desse pressuposto processual, ainda que sobre ele haja controvérsia, não exige o conhecimento do mérito, nem com ele se confunde, sendo distinto e necessariamente prévio a esse conhecimento.
                  Com efeito, a legitimidade das partes é um mero pressuposto processual, ou seja, um requisito de natureza adjectiva relativo à relação entre os sujeitos processuais e o objecto da acção, indispensável para que o processo possa prosseguir os seus termos em ordem a alcançar a respectiva finalidade: a obtenção de uma decisão que conheça do fundo da causa e  resolva o litígio que subjaz à propositura da acção. A falta de um pressuposto processual como é a legitimidade constitui uma excepção dilatória, ou seja, uma deficiência do processo que obsta a que o tribunal conheça do mérito, determinando a absolvição da instância (art. 288º e 493º do CPC), pelo que deve ser conhecida o mais cedo possível, a fim de evitar actos inúteis, processualmente proibidos (art. 137º do CPC), e sempre necessariamente antes do conhecimento do fundo da causa. Não faz por isso sentido, salvo o devido respeito, sustentar que a legitimidade da R. só pudesse ser conhecida a final, com o mérito da causa.
                  No caso, o conhecimento da alegada ilegitimidade passiva no despacho saneador não foi, ao contrário do que pretende a agravante, prematura, pois devendo a mesma ser aferida exclusivamente em função da relação material controvertida tal como descrita pelo A. na petição, não havia fundamento que justificasse que esse conhecimento fosse relegado para final, não dependendo, de forma alguma, da decisão do mérito da causa.
                  Contrariamente ao que sustenta a agravante, a decisão recorrida não violou o disposto no art. 510º nº 1 al. a) do CPC, antes se limitou a cumpri-lo, visto o mesmo determinar que no despacho saneador o juiz conheça das excepções dilatórias e a ilegitimidade arguida é justamente uma excepção dilatória, sendo aquele o momento próprio e adequado para dela conhecer.
                  Por outro lado não vislumbramos em que possa ter sido violado o disposto no nº 4 do mesmo preceito legal.
                  Em suma, o despacho recorrido não padece da nulidade arguida e o agravo não merece provimento, devendo pois improceder.
                 
                  Da apelação
                  Das nulidades da sentença
                  A apelante arguiu nulidades da sentença, mas do complexo requerimento que sob essa epígrafe formulou apenas se vislumbra como arguição de nulidade propriamente dita a alegada omissão de pronúncia sobre a questão da identificação da real entidade patronal do A..
                  Tudo o mais que longamente aí expende, salvo o devido respeito, não consiste, em rigor, em arguição de nulidade (como aliás a própria sistemática do requerimento deixa entender, dado que só o ponto I respeita a nulidades), não passando da sua própria apreciação sobre essa questão com as conclusões que dela retira relativamente à relação entre a reforma do A. concedida pelo Banco de Portugal e o contrato de trabalho celebrado em 1/2/94 (em seu entender, também com o Banco de Portugal, real entidade patronal do A.), e à alegada má-fé, caracterizadora de abuso de direito do A., ao pretender que nove anos de antiguidade considerados para a concessão da reforma voltem a ser considerados e pagos pela mesma entidade patronal a título de indemnização e salários.
                  Vejamos então se se verifica a aludida nulidade.
                  Antes de mais cabe salientar que a delimitação das questões que o juiz tem de analisar na sentença é feita pelo art. 660º nº 2 do CPC, ao determinar que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
                  Questões para este efeito são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas, assim como aquelas que sejam de conhecimento oficioso[4].
                  No início da fundamentação (fls. 616) da sentença a srª Juíza definiu as questões a resolver nos seguintes termos:
“- Determinar se o contrato de trabalho celebrado entre as partes é um contrato a termo ou um contrato por tempo indeterminado.
             a) decidir se é aplicável o instituto da “desconsideração da personalidade jurídica.”
-Definir as consequências do despedimento.
             a) Apurar qual a retribuição do Autor
- Avaliar da procedência do pedido de indemnização por danos morais
                        - Determinar, quanto as créditos laborais peticionados, quais os montantes em dívida.
                          -Conhecer do pedido reconvencional deduzido.
                          -Avaliar se as partes litigaram de má fé.”
                  No Capítulo I da contestação, sob a epígrafe “por excepção” que só no art. 64º qualifica como ilegitimidade passiva, a ora apelante vem sustentar que “para efeitos laborais e de regime de pessoal, a R. deve considerar-se como uma unidade de estrutura do Banco de Portugal, sem autonomia jurídica, para efeitos laborais, sendo o Banco quem pagava e geria a carreira da generalidade dos trabalhadores, quem mantinha os seus processos individuais, quem decidia as suas promoções e progressões, quem abria os concursos de admissão e decidia do seu recrutamento”. Alega que é uma sociedade dominada (o Banco de Portugal detém 91,69% do seu capital) e de administração unitária, donde é possível concluir que, na realidade, a entidade empregadora do A. e para quem ele continuou a trabalhar a partir de 1/2/94, continuava a ser o Banco de Portugal. Alega, enfim, que o caso caracteriza exactamente uma daquelas hipóteses que ocorrem nos grupos de empresas, em que, apesar da diferente personalidade jurídica das sociedades, uma não passa, na prática, de um prolongamento da outra, o que impõe, em razão da factualidade provada, de motivos ponderosos de justiça e para evitar abuso de direito, que se encontre o empregador real e se desconsidere a personalidade jurídica do que não passa de um empregador formal. E sendo assim, continuando o A. a exercer funções a favor do Banco de Portugal, depois de este lhe conceder uma reforma por invalidez presumível (equiparada a velhice), a pretensão de que o contrato de trabalho a partir de 1/2/94 seja considerado por tempo indeterminado traduz abuso de direito, uma vez que por imperativo legal (art. 5º do DL 64-A/89) esse contrato só pode ser contrato a termo por seis meses, prorrogável.
                  Mais do que uma questão de ilegitimidade (excepção dilatória que traduz a falta do pressuposto processual que é a legitimidade das partes e que, nos termos da lei vigente, se afere apenas pelos termos da petição inicial, como atrás se deixou referido ao apreciar o agravo) o que a R. ali suscita tem a ver com o mérito da causa e consiste em saber se, a partir de 1/2/94, o real empregador da A. é a demandada ou se, devido à relação de grupo, por domínio total, em que esta se encontra com o Banco de Portugal, sem autonomia relativamente a este, é o BP o verdadeiro empregador, devendo por isso ser desconsiderada, na relação laboral com o A., a personalidade jurídica da demandada. Tal alegação consubstancia uma verdadeira excepção peremptória, uma vez que, a proceder, é impeditiva do efeito jurídico dos factos articulados pelo A.. Trata-se, pois de uma das questões que, de acordo com o disposto pelo art. 660º nº 2 do CPC, a sentença devia apreciar.
                  Ora, como se vê de fls. 622/626 (fls. 11 a 15 da sentença) a questão da desconsideração da personalidade jurídica foi analisada, salientando a Srª Juíza que tal análise “não é feita com vista a apurar a legitimidade da R., uma vez que tal excepção já foi conhecida em sede de despacho saneador, mas apenas por forma a determinar se o contrato de trabalho celebrado entre as partes é contrato a prazo ou, pelo contrário, é um contrato sujeito à disciplina dos contratos a termo.” Concluindo dessa análise que “não estando em causa uma questão de responsabilidade, mas apenas de determinação da entidade que assume a qualidade de empregador, o instituto em causa não é aplicável. Logo, o contrato de trabalho que é objecto dos presentes autos foi celebrado com a R. e, consequentemente, não está sujeito à disciplina prevista no art. 5º da LCCT.”
                  A sentença recorrida pode não se ter debruçado sobre todos os argumentos invocados pela R. que, em seu entender, justificavam que se considerasse que o empregador real era o Banco de Portugal e não a Sociedade Gestora do Fundo de Pensões do Banco de Portugal, mas isso não é suficiente para que se considere procedente a nulidade de omissão de pronúncia pois esta só existe quando há omissão total de conhecimento sobre qualquer das questões (pedidos, causas de pedir ou excepções) colocadas, não quando não são apreciados todos os argumentos que as partes hajam invocado. E no caso a questão colocada – se o empregador real do A. era o Banco de Portugal e não a R. e se, por isso e por força do disposto pelo art. 5º da LCCT, o contrato devia ser considerado a termo de seis meses, renovável -  foi apreciada (se bem ou mal, já é outra questão que, em rigor, não cabe no âmbito da nulidade arguida).
                  Pelo exposto, não procede a nulidade invocada.

                  Do alegado erro na interpretação e aplicação do direito
                  Na apelação propriamente dita a apelante atribui à sentença erro na interpretação e aplicação do direito, designadamente em relação ao conceito de legitimidade processual, à questão de definir quem é a verdadeira entidade patronal do A., ao alegado abuso de direito e má fé do A. e ainda  quanto à interpretação e  aplicação dos art. 5º e 13º nº 1 al. c) e nº 3 do regime jurídico anexo ao DL 64-A/89, de 27/2.
                  Relativamente ao alegado erro de direito em relação ao conceito de legitimidade processual, conforme decorre do que atrás se deixou dito, quando apreciámos o agravo, não podemos, de forma alguma, afirmar que a sentença tivesse incorrido em erro.
                  Pelo contrário, a apelante é que persiste em considerar um conceito de legitimidade que não tem um mínimo de acolhimento na lei, após a alteração introduzida no nº 3 do art. 26º do CPC pela reforma do processo civil levada a cabo pelos DL 329-A/95 e DL 180/96, confundindo a legitimidade (mero pressuposto processual) com a legitimidade substantiva, que diz respeito ao fundo da causa.

                  É neste âmbito – apreciação do mérito da causa – que a apelante atribui à sentença erro de interpretação da matéria de facto, por não ter concluído da factualidade provada que a verdadeira entidade patronal do A. após 1/2/94 era o Banco de Portugal e não a R. que, dominada por este (detentor de mais de 91% do seu capital social) carecia de autonomia em relação a ele no que respeita à política de gestão de pessoal.
                  Com efeito, são dados assentes nos autos que a R. é uma sociedade anónima detida em mais de 91% pelo Banco de Portugal, constituída em 15/9/88 com o objecto de gerir o Fundo de Pensões dos empregados do Banco de Portugal. O respectivo administrador delegado depende hierárquica e directamente do Conselho de Administração do Banco de Portugal e é considerado, para todos os efeitos como Director do Banco. A descrição dos postos de trabalho da R. e das funções dos respectivos empregados é feita pelo Departamento de Recursos Humanos do Banco de Portugal, sendo este quem pagava os vencimentos aos empregados ao serviço da R., até porque quase todos eles pertenciam aos respectivos quadros, seja no activo, seja na reforma, como era o caso do A.
                  Estando o Banco de Portugal, como a generalidade dos Bancos portugueses, obrigado ao pagamento das pensões de segurança social ao respectivo pessoal (atento o regime específico, admitido por lei, resultante da respectiva regulamentação colectiva de trabalho), está, no entanto legalmente impedido de gerir os fundos de pensões, restando-lhe atribuir essa gestão a uma sociedade constituída exclusivamente para esse fim ou a uma companhia de seguros autorizada a explorar o ramo vida[5], tendo optado pelo 1º termo da alternativa, ao constituir a ora R., onde detém mais de 91% do respectivo capital e exerce uma posição de domínio total.
                  Isso não significa todavia, ao contrário do que pretende a apelante, que deva ser desconsiderada a autonomia jurídica e a separação patrimonial inerente à pessoa colectiva Sociedade Gestora do Fundo de Pensões do Banco de Portugal, S.A. e que devamos considerar que o empregador real do A. a partir de 1/2/94 foi o Banco de Portugal e não a Sociedade Gestora.
                  Como é referido pela generalidade dos autores que entre nós trataram a questão da desconsideração da personalidade jurídica, tal instituto apenas deve ser utilizado em situações excepcionais e no caso não cremos que estejamos perante uma situação desse tipo.
                  Afirma, por exemplo Pedro Cordeiro[6] que “a desconsideração da personalidade jurídica aparece-nos, portanto, como um dos remédios possíveis para evitar o abuso (que) do instituto sociedade comercial de responsabilidade limitada ou, como já se disse, da pessoa, colectiva em geral…”
                        “Ponto de partida da desconsideração é, portanto, a constatação de que a pessoa colectiva foi abusivamente utilizada pelos seus membros sendo, contudo, controverso os pressupostos a partir dos quais se deverá considerar abusiva certa utilização.
                        Frise-se, no entanto desde já, que, significando a desconsideração uma derrogação do princípio da separação (legalmente consagrado), ela só será admissível a título excepcional e para o caso concreto – salvaguardando-se, assim, a sobrevivência do ente colectivo.”
                  Reafirmando nas conclusões do aludido estudo “a desconsideração tem carácter excepcional, já que derroga o princípio da separação consagrado pelo legislador.
                        Os seus pressupostos são, pois, o abuso objectivo de instituto e o domínio.”
                  Também Luís Brito Correia[7] refere “perante certos tipos de utilização abusiva da personalidade jurídica, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a construir uma solução que começa a ser conhecida em Portugal como desconsideração (ou superação) da personalidade jurídica”. Depois de enumerar exemplificativamente um conjunto de casos onde a questão se coloca acrescenta “Neste género de casos, um elementar sentido de justiça leva a defender a responsabilização directa e ilimitada dos sócios (e algo de semelhante se pode dizer dos membros dos órgãos sociais) por actos formalmente imputáveis à sociedade e apesar do princípio da separação de patrimónios.” E mais adiante «…parece dever admitir-se, embora só excepcionalmente, a responsabilidade dos sócios ou membros dos órgãos sociais perante os credores sociais, outros sócios ou até terceiros quando aqueles tenham um comportamento, ainda que formalmente correcto, que se traduza na utilização da pessoa colectiva para um fim contrário ao direito.
                        Tal responsabilidade pode fundamentar-se no art. 334º do CC, sobre o abuso de direito, entendendo que a generalidade das pessoas têm o direito de constituir pessoas colectivas e de exercer actividades por intermédio delas, mas que esse direito tem “limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”».
                  Particularmente elucidativo é o ensinamento de Jorge Coutinho de Abreu[8] «…são inegáveis (já vimos) os laços de dependência  e interdependência entre as sociedades de um grupo; as dominantes e as directoras podem mesmo exercer (mediatamente) sobre os trabalhadores das dependentes e subordinadas típicos poderes do empregador (de direcção, regulamentar e disciplinar). O direito do trabalho não tem de ter isto em conta? Claro que sim! Essas realidades não podem impor a desconsideração da personalidade jurídica destas últimas, de modo a ver-se como empregador (“real”), com os deveres correspondentes, a sociedade dominante (ou directora)? Podem – mas só excepcionalmente; o princípio é o exposto há pouco sob 1). O véu da personalidade jurídica, mesmo que transparente (como deve ser) existe. Não se pretenda pois levantá-lo sistematicamente, ou mantê-lo permanentemente levantado…»
                  Bernardo Lobo Xavier e Pedro Furtado Martins, em anotação a três decisões (da 1ª instância, da relação e do STJ sobre um caso de cessão da posição contratual laboral no âmbito de grupos económicos[9] escreveram «O problema central no domínio do trabalho desenvolvido no seio de grupos de entidades económicas, consiste na determinação do empregador “real”, isto é, de saber quem deve ser considerado como verdadeiro empregador. Aquele que é formalmente titular da relação jurídica? Todas as sociedades que beneficiam da actividade do trabalhador? Ou o próprio grupo enquanto estrutura unitária à qual é imputada a qualidade de entidade empregadora?
                        Ou, colocando as coisas de outra maneira, relativamente às transferências que envolvem formalmente a extinção do contrato com o primitivo empregador e a celebração de um novo contrato com outra sociedade do grupo,  a principal questão reside em saber se, depois de consumada a “transferência” a relação de trabalho é ainda a mesma. Há aqui que ver se se justifica adoptar uma solução que conduza à desconsideração da personalidade jurídica de cada uma das pessoas empresariais titulares das relações jurídico-laborais, por forma a garantir que o trabalhador não fique prejudicado com o fraccionamento da relação laboral.
                        (…) É indispensável verificar se se encontram reunidos os requisitos que justificam a desconsideração da autonomia e da individualidade próprias das sociedades que integram o grupo ou das relações jurídicas que cada uma delas estabeleceu com o trabalhador.
                        É que não se poderá deixar sem sentido a autonomia jurídica e patrimonial da qual aliás resulta o problema. Em princípio e em regra é essa autonomia jurídica e patrimonial que deve valer.”
                  Ora, no caso, salvo o devido respeito, não vislumbramos o que quer que seja que nos  permita  concluir que o trabalho do A. a partir de 1/2/1994 não tivesse sido desenvolvido em benefício directo da Sociedade Gestora do Fundo de Pensões do Banco de Portugal[10] cujo actividade e objecto social é distinto do do Banco de Portugal. 
                  Por outro lado, sendo consensual que o levantamento da personalidade jurídica apenas deve operar excepcionalmente, em situação de abuso de direito, ou seja, quando o titular do direito  exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social desse direito (art. 334º do CC) também não vislumbramos que o Banco de Portugal tivesse utilizado a referida Sociedade Gestora  para um fim contrário ao direito, enfim que esta Sociedade Gestora tivesse sido abusivamente utilizada pela sociedade dominante (o Banco de Portugal), em termos de justificar o levantamento do véu da personalidade jurídica à ora apelante.
                  Tampouco faz qualquer sentido admitir que a situação em causa - passagem do A., em 1/12/93, de trabalhador activo a reformado do Banco de Portugal e, em 1/2/94 a  trabalhador activo da Sociedade Gestora do Fundo de Pensões do Banco de Portugal – possa de algum modo ser atribuída a abuso de direito por parte do A., pois sempre haveria que demonstrar, pelo menos, que a iniciativa de passagem à situação de reforma e integração posterior na Sociedade Gestora partira do A. e não do Banco de Portugal.
                  Apesar de o pagamento das retribuições ao A. e aos demais trabalhadores ao serviço da Sociedade Gestora ser feito pelo Banco de Portugal, de o vencimento do A. ser anualmente actualizado pelos critérios em vigor para a banca nos termos do ACTV do sector bancário, de a formação profissional ser dada pelo Departamento de Recursos Humanos ou pelo Instituto de Formação Bancária, de o horário praticado ser idêntico ao da banca, isso não basta para considerar que o empregador real do A. era o Banco de Portugal e, como vimos, nada justifica que se desconsidere na relação laboral com o A. a personalidade jurídica da R. e apelante.
                  Não incorreu pois a sentença em erro de interpretação e aplicação da lei relativamente ao art. 1º da LCT, ao não reconhecer o Banco de Portugal como empregador real do A. a partir de 1/2/94.

                  Ora, não reconhecendo o Banco de Portugal como empregador real a partir de 1/2/94, mas antes a ora apelante, e não podendo deixar de concluir, como concluiu a Srª Juíza recorrida, que não há fundamento legal para considerar o contrato de trabalho estabelecido entre o A. e a R. a partir daquela data como contrato a termo, dado que não se verificam os pressupostos do art. 5º da LCCT, mais precisamente a manutenção do trabalhador ao serviço da mesma entidade patronal após o conhecimento por ambas as partes da reforma por velhice, é forçoso concluir que a comunicação referida no ponto 20 da matéria de facto configura um despedimento que, por não precedido de processo disciplinar, não pode deixar de ser considerado ilícito, conferindo ao A. os direitos previstos no art. 13º do mesmo diploma.
                  Assim sendo e assente que o Banco de Portugal e a Sociedade Gestora do Fundo de Pensões são pessoas jurídicas distintas, não tem cabimento, salvo o devido respeito, analisar se houve má fé e abuso de direito por parte do A. ao reclamar aqueles direitos, mormente indemnização por antiguidade e salários intercalares pelo mesmo período que foi considerado para efeitos de pensão invalidez presumível.
                  Não violou, por isso, a sentença o disposto no art. 334º do CC.

                  Por último suscita a apelante a reapreciação da questão de saber até quando são devidas as retribuições intercalares, atenta  a circunstância de o A. ter optado em audiência pela indemnização por antiguidade, em detrimento da reintegração.
                  A questão encontra-se exaustivamente analisada no douto acórdão do STJ para fixação de jurisprudência emitido em 20/11/2003 e publicado na 1ª Série do DR de 9/1/2004[11] cuja orientação não temos qualquer motivo para deixar de adoptar pelo que, remetendo para a fundamentação do mesmo que aqui damos por reproduzida, se não pode deixar de concluir que também nesta questão não assiste razão à apelante.
                  Improcede assim e pelo exposto também a apelação, na totalidade.

                  Decisão
                  Por tudo quanto ficou dito, acorda-se em
- julgar improcedentes as arguidas nulidades, quer do despacho saneador, quer  da sentença;
- negar provimento ao agravo;
- julgar improcedente a apelação, confirmando inteiramente a sentença recorrida.
                  Custas pela agravante e apelante.
                  Lisboa, 16 de Janeiro de 2008


                  Maria João Romba
                  Paula Sá Fernandes
                  José Feteira


[1] Facto provado por documento, art. 659º do C.P.C., fls. 532, 557 a 568.
[2] Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol. II, pag. 153.
[3] RT 90/231 e BMJ´s 242/73; 2137250 e 320/422.
[4] Cfr. CPC Anotado de Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, vol. II, pag. 670.
[5] Cfr. art. 3º do DL 396/86 de 25/11, vigente ao tempo da constituição da ora R., mas já revogado e substituído respectivamente pelos DL nº 415/91 de 25/10, 475/99 de 9/11, com alterações introduzidas pelo DL 292/2001 de 20/11 e pelo DL 251/2003 de 14/10  e DL 12/2006  de 20/1, com alterações introduzidas pelo DL 180/2007 de 9/5.
[6] A desconsideração da personalidade jurídica, in Novas perspectivas do Direito Comercial, Almedina, 1988, pag. 289 e seg, maxime  a fls. 295, 298, 311.
[7] Direito Comercial Sociedades Comerciais, vol. II, AAFDL 1989, pag. 237 e segs., maxime a fls. 244.
[8] Grupos de Sociedades e Direito do Trabalho, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, nºLXVI, pag. 124 e seg., maxime a fls. 137.
[9] In Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XXXVI (IX) pag. 384 e segs, maxime a pag. 407 a 409.
[10] Atente-se, em particular nos factos narrados nos nºs 1 a 12, 15, 16,, 18, 19, 31, 32 e 38.
[11] “No que concerne à questão relativa ao limite temporal dos direitos dos trabalhadores objecto de despedimento ilícito, emergentes do disposto no art. 13º nº 1 al. a) e nº 3 da LCCT, uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos: declarada judicialmente a ilicitude do despedimento, o momento a atender como limite temporal final, para a definição dos direitos conferidos ao trabalhador pelo art. 13º nº 1 al. a) e nº 3 do Regime Jurídico aprovado pelo DL nº 64-A/89, de 27/2, é, não necessariamente a data da sentença da 1ª instância, mas a data da decisão final, sentença ou acórdão, que haja declarado ou confirmado aquela ilicitude.