Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1314/09.0TVLSB.L1-1
Relator: EURICO REIS
Descritores: OBRIGAÇÃO ALIMENTAR
EX-CÔNJUGE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/18/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDÊNCIA PARCIAL
Sumário: Apesar do ex-cônjuge credor de alimentos não ter direito a exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio, é relevante para a fixação do montante a prestar e para o julgamento da oportunidade da cessação dessa obrigação alimentar, o facto de o beneficiário da prestação ter deixado de trabalhar por insistência do ex-cônjuge devedor.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
1. JFGP intentou contra MLFS os presentes autos de acção declarativa com processo comum e forma ordinária que, sob o n.º 1314/09.0TVLSB, foram tramitados pela …Vara Cível do Tribunal da Comarca de … e nos quais, após a realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida a seguinte sentença:
“…
Pelo exposto, na presente acção declarativa que JFGP, intentou contra MS, o tribunal decide julgar a acção improcedente por não provada e, em consequência, absolver a Ré do pedido.
Custas pelo A.
Registe e notifique.” (sic - fls 279).
Inconformado com essa decisão, o Autor JFGP recorreu da mesma pedindo que seja ”… substituída a douta sentença, com todas as legais consequências, nomeadamente, dando cabal provimento ao pedido do A. no sentido de ver revogada a obrigação do pagamento da referida pensão de alimentos à R” (sic - fls 303), formulando, para tanto, as seguintes conclusões não referenciadas por letras ou números, como bem podiam ter sido:
“Salvo o devido respeito, carece de total fundamento, quer de facto, quer de direito, a douta sentença proferida pelo Mm.º Juiz “a quo”.
Na verdade, a sentença não fez boa e correcta aplicação da matéria dada como provada, razão pela qual é merecedora de reparo e censura.
Com efeito, tendo sido dado como provado, que:
a) a R. foi casada com o A., em segundas núpcias de ambos, menos de 13 anos;
b) o filho, então, menor, do casal, aquando do divórcio ficou a exclusiva responsabilidade e encargo do A.;
c) a R. é possuidora de habilitações literárias de nível superior, é detentora de experiência profissional e goza de tempo bastante para se dedicar a uma actividade remunerada;
d) a R possui habitação própria;
e) a R. não demonstrou que não consegue encontrar outro trabalho em lugar da actividade que actualmente exerce, ou complementar daquele trabalho; e
f) já decorreram cerca de 10 anos desde que o divórcio foi decretado;
pese a invocação das doenças por parte da R. e que o Tribunal deu como provadas, é manifesta a contradição com a sua situação de trabalhadora em plena actividade, e não de inválida e, consequentemente, de reformada.
Contradição maior quando se atenta com o “facto não provado”, referente à impossibilidade ou dificuldade que a R. tem em conseguir outro ou melhor trabalho, pelo menos do ponto de vista da sua remuneração.
Assim sendo, ao contrário de quanto foi decidido, nesta sede, o douto Tribunal errou ao valorizar a situação de doença em prejuízo da situação de trabalhadora.
Torna-se por demais evidente que a R. não se encontra num estado de necessidade que exija o apoio financeiro que lhe vem sendo prestado pelo A., nomeadamente, tendo em conta a remuneração que percebe pelas funções profissionais que exerce, em virtude de um contrato de trabalho, e não ficou demonstrado que houvesse da sua parte interesse algum em encontrar outro trabalho ou complementar do que actualmente possui, repete-se.
Assim, a douta decisão tomada está sustentada em fundamentos e questões que não deveriam ter sido considerados, violações essas que tornam a sentença nula, nos termos do previsto nas c) e d), do n.º 1, do art.º 668.º do CPC.” (sic - fls 301 a 303, estendendo-se a peça processual em causa por fls 285 a 304).
A Ré apresentou contra-alegações (fls 342 a 347), nas quais pugna pela confirmação da decisão criticada, insurgindo-se, ao mesmo tempo, contra a atitude de “recusa ao dever de solidariedade e entreajuda” assumida pelo apelante.
Estes são, pois, os contornos da lide que a este Tribunal Superior compete dirimir.
2. Considerando as conclusões das alegações do ora apelante (as quais são aquelas que delimitam o objecto do recurso, impedindo esta Relação de conhecer outras matérias – n.º 3 do art.º 668º do CPC e artºs 671º a 673º, 677º, 678º e 684º, maxime nºs 3 e 4 deste último normativo, e 661º n.º 1, todos do mesmo Código) as questões a dirimir nesta instância de recurso são as seguintes:
- a sentença apelada é ou não nula?
- na sentença apelada operou-se ou não uma correcta subsunção dos factos provados nos normativos legais reguladores da situação sub judice?
E sendo esta a matéria que compete julgar, tal se fará de imediato, por nada obstar a esse conhecimento e por estarem cumpridas as formalidades legalmente prescritas (artºs 700º a 720º do CPC), tendo sido oportunamente colhidos os Vistos dos Ex.mos Desembargadores Adjuntos.
3. Na sentença recorrida foram declarados provados os seguintes factos (fls 272 a 276):
a) - Dos factos assentes.
A) - Autor JFGP e Ré MLFS casaram civilmente, em 31/08/19…, sendo o segundo casamento de ambos.
B) - Do casamento nasceu, em 20/06/…, o filho JSFP, hoje (à data da petição inicial) com 17 anos de idade e estudante do …º ano na Escola Secundária …..
C) - O Autor e a Ré divorciaram-se em 23/05/….
D) - Nos termos do acordo de regulação do poder paternal a Ré não presta alimentos ao menor.
E) - Como a Ré não tinha, à data do divórcio, qualquer actividade remunerada, acordaram que o Autor lhe entregaria mensalmente, a título de alimentos, a quantia de € 500,00, actualizável anualmente.
F) - Mais acordaram, nos termos do mesmo acordo de alimentos, que o Autor entregasse, como entregou, à Ré a quantia de € 25.000,00, a título de complemento de alimentos.
G) - Presentemente a prestação de alimentos mensal que o Autor entrega à Ré, actualizada, ascende a € 573,65.
H) - O 3.º andar esquerdo do prédio sito na Rua …, encontra-se inscrito a favor da Ré, por sucessão hereditária, e da sua falecida mãe.
I) - A Ré tem como habilitações o 2.º ano do "Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa – ISCAL".
b) Da base instrutória
1 - O filho menor do casal ficou a viver com o Autor e a seu exclusivo encargo, designadamente no tocante a despesas com alimentação, educação, saúde, vestuário, transportes, lazer e todas as necessárias ao seu desenvolvimento (1º).
2 - Os encargos com os alimentos do filho do Autor e Ré ficaram a expensas do Autor (2º).
3 - A Ré tem experiência profissional (4º).
4 - A Ré dispõe de tempo para dedicar a actividade remunerada, sendo aliás mais jovem do que o Autor (5º)
5 - É no 3.º andar esquerdo do prédio sito na Rua … que a Ré tem estabelecida a sua morada habitual, aí designadamente permanecendo, dormindo, confeccionando as suas refeições e recebendo o filho menor quando lhe é confiado. (7º)
6 - A Ré está com o filho em fins-de-semana alternados (8º).
7 - Nas férias a Ré está com o filho durante 15 dias (9º).
8 - Sempre que o menor estava com a mãe, era a Ré quem suportava, naturalmente, todas as despesas com alimentação e, sempre que podia ajudava o menor em algumas das necessidades por ele manifestadas (10º).
9 - O não desempenho de actividade remunerada da Ré resultou de um pedido do Autor, conjugado com a mudança do local de trabalho para o Concelho … (11º).
10 - Á data do casamento entre o Autor e a Ré, esta trabalhava numa grande e prestigiada empresa, a "Q" (12º).
11 - A Ré exercia funções administrativas (13º).
12 - O Autor pediu à Ré para deixar o emprego argumentando que não precisava que a Ré trabalhasse pois ganhava o suficiente para suportar todas as despesas do agregado familiar e facultar a todos, um nível de vida elevado (14º).
13 - Para convencer a Ré a deixar o emprego, o Autor argumentava, repetidamente, que era melhor que a Ré se dedicasse, por inteiro, à educação do filho de ambos, entretanto nascido e que, nessa altura, sofria de asma (15º).
14 - O Autor prometeu que iria constituir uma sociedade onde a Ré teria a oportunidade de colaborar e manter contribuições para a Segurança Social com vista a prevenir uma pensão de reforma quando chegasse a idade (16º).
15 - Todos estes motivos e a garantia dada pelo Autor que nada faltaria à Ré e ao seu filho, levou a Ré a por termo ao vínculo laboral na "…." (17º).
16 - A Ré ficou a aguardar que o Autor cumprisse a promessa de constituir a empresa onde a Ré seria integrada o que nunca aconteceu (19º).
17 - A quantia de € 25.000,00, como o Autor bem sabe, foi aplicada em obras realizadas na habitação da mãe da Ré, então em estado de conservação precário, obras fundamentais para que a Ré para aí pudesse organizar, como organizou, a sua estada e onde pudesse receber o filho de ambos (20º).
18 - Em 02/01/…., surgiu uma oportunidade à Ré de ir fazer trabalho de recepcionista para um consultório médico (21º).
19 - A Ré cumpre um horário de trabalho que tem início às 14h 00m até às 19h 00m e das 19h 30m às 22h 00m (22º).
20 - Aufere, por todo esse trabalho, a quantia mensal ilíquida de € 450,00, líquido, aufere o valor mensal de € 400,50. (23.º)
21 - O local de trabalho situa-se na Avenida …, onde funciona a "…– Clínica Médica ….Lda." (24º).
22 - São por conta da Ré as despesas de transporte e a alimentação (jantar) (25º).
23 - A Ré não aufere qualquer subsídio ou apoio de qualquer espécie para custear essas despesas (26º).
24 - Um dos benefícios que a Ré retira dessa situação de emprego reside no facto de passar a ser, de novo, contribuinte da Segurança Social e, por esse motivo, poder vir a beneficiar de uma reforma de velhice (28º)
25 - A Ré nunca esteve ligada à actividade de contabilidade e o País atravessa uma crise económica com a consequente falta de empregos (29º).
26 - A Ré só conseguiu o trabalho actual por influência de uma amiga que pediu aos donos da clínica que aceitassem a Ré ao seu serviço (30º).
27 - O Autor é reformado da "…." (32º).
28 - Foi professor (33º).
29 - O Autor teve em 20… o rendimento global ilíquido de € 99.595,76, em 20.. o rendimento global ilíquido de € 151,220,96 e em 20… o rendimento global ilíquido de € 111.452,50 (34º).
30 - O 3.º andar esquerdo do prédio sito na Rua do …. integra um prédio com 57 anos e quer o prédio quer o andar carecem de obras de conservação e manutenção (35º).
31 - O andar não é fonte de rendimento para a Ré (36º).
32 - Tem sido o Autor que, em alguns períodos, tem impedido o menor de estar com a Ré, mãe, por períodos superiores a 15 dias (37º).
33 - Na pendência do matrimónio a Ré tinha um nível de vida de nível superior que lhe era permitido em função da capacidade económica do Autor (38º).
34 - A Ré passou, pelo menos duas vezes, férias no estrangeiro, com o Autor (40º).
35 - Eram frequentes os passeios pelo território nacional designadamente passando fins-de-semana nas Pousadas de Portugal (41º)
36 - Hoje e nos últimos anos, a Ré praticamente não sai de casa pois não tem dinheiro para as despesas (42º).
37 - A Ré sofre de doenças com as articulações, sofre de fibromialgias e tem de efectuar tratamento duas vezes por ano, sofre de incontinência urinária e de hepatite B (43º).
38 - Tem um princípio de glaucoma e alergia a alguns medicamentos, febre dos fenos, rinite alérgica e sofreu há dois anos um A.I.T. (acidente isquímico temporário) (44º).
39 - A Ré, em Junho último, suportou os seguintes encargos:
- em telefone da rede fixa: € 33,60;
- em água à Epal € 12,47;
- em gás (Lisboa Gás) € 13,86;
- em electricidade (EDP) € 33,36;
- quota do condomínio € 20,00;
- seguro de responsabilidade civil obrigatório (casa) € 62,00;
- transportes (passe da Carris) € 22,60;- saúde (medicamentos e exames) € 133,62;
- dívida a uma amiga para reparação dos esgotos € 250,00;
- Vodafone € 15,00 (45º)
40 - A estes valores há que adicionar as despesas com alimentação, roupa, calçado, médicos, manutenção da casa, produtos de limpeza e outros (46º).
4. Discussão jurídica da causa.
4.1. A sentença apelada é ou não nula?
4.1.1. Analisando o conteúdo dos parágrafos que consubstanciam as conclusões das alegações de recurso do apelante, fácil se torna concluir que é perfeitamente injustificada a invocação de nulidade da sentença recorrida contida no último desses parágrafos.
Especialmente tendo em conta que esse recorrente não peticiona a alteração da matéria de facto declarada provada no processo.
O que se sublinha.
Ora, em boa verdade, o texto da sentença limita-se a dar corpo a uma das possíveis subsunções da factualidade provada nos normativos reguladores da situação sub judice, não sendo o argumentário exposto contraditório com a factualidade dada por provada no processo.
O que acontece é que essa não é a subsunção que o apelante gostaria de ver operada pelo Tribunal e, efectivamente, é esse concreto silogismo judicial que esse recorrente critica e quer ver substituído – ou seja, em boa verdade, essa é a discussão que importa realizar nesta instância de recurso, isto é, apurar qual é a subsunção que corresponde à correcta interpretação das normas legais aplicáveis a este concreto litígio.
Outrossim, o fio de raciocínio do Mmo Juiz a quo está escrito e está suficientemente desenvolvido.
O que significa que existe uma válida e operante fundamentação jurídica do decreto judicial prolado através da decisão que agora se sindica.
4.1.2. Nesta conformidade, sendo totalmente improcedentes as proposições expostas nos terceiro, quarto e sétimo (e último) parágrafos das conclusões das alegações de recurso do apelante, há que declarar inequivocamente que a sentença recorrida não é nula.
O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.
4.2. Na sentença apelada operou-se ou não uma correcta subsunção dos factos provados nos normativos legais reguladores da situação sub judice?
4.2.1. Ao iniciar a análise crítica da decisão que nesta instância de recurso cumpre sindicar, torna-se necessário recordar que, em matéria de interpretação das normas que compõem o Ordenamento Jurídico, valem imperativamente as directivas fornecidas pelo Legislador nos três números do art.º 9º do Código Civil - havendo sempre que recorrer, para aquilatar o que constituem as soluções mais acertadas, aos sábios e perenes valores éticos e sociais consagrados nos artºs 334º e 335º do mesmo Código, que nos remetem, respectivamente, para a boa fé, os bons costumes, os fins económico e social do direito em causa e para o princípio da proporcionalidade aplicado ao caso concreto (e sendo certo que o princípio da proporcionalidade, sintética mas magistralmente definido neste último comando normativo, é o pilar estruturante não apenas do Estado de Direito mas de toda a Civilização, tal como esta é concebida no conjunto de países de que Portugal faz parte e gosta de fazer parte).
Logo no n.º 1 daquele comando legislativo define-se que “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições especiais do tempo em que é aplicada”.
E se é inegável que “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2), menos certo não é que “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n.º 3).
E porque assim é, importa buscar o princípio ético-social (e económico) fundamental subjacente a esta matéria e legitimador da regulação fixada por Lei, bem sabendo que, no que é essencial, esses saudáveis princípios já se encontravam consagrados na redacção inicial do Código de Processo Civil em vigor, que foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44129, de 28 de Dezembro de 1961, razão pela qual as partes, nunca por nunca e mesmo sem que haja necessidade de fazer apelo ao estatuído no art.º 6º do Código Civil, poderiam alguma vez invocar ignorância quanto ao que nessas normas é determinado pelo Legislador.
E assim deve – tem de – ser praticado e cumprido, cumprindo ainda recordar que o princípio da proporcionalidade genericamente definido - por referência aos Valores ou Princípios Éticos que validam as normas legais e os direitos em colisão – nos dois números do art.º 335º do Código Civil, assume, neste caso, uma maior acuidade e relevância por força da previsão/estatuição do art.º 2004º deste mesmo Código.
4.2.2. Aplicando os parâmetros de julgamento supra enunciados ao concreto caso submetido ao julgamento deste Tribunal Superior e estando, reconhecidamente, em causa nestes autos a interpretação a dar ao estatuído nos artºs 2012 e 2013º n.º 1 do Código Civil, nos quais, respectivamente, se pode ler o seguinte:
Art.º 2012º - «Se, depois de fixados os alimentos pelo tribunal ou por acordo dos interessados, as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem, podem os alimentos taxados ser reduzidos ou aumentados, conforme os casos, ou podem outras pessoas serem obrigados a prestá-los»;
Art.º 2013º - "A obrigação de prestar alimentos cessa:
(...)
b) Quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles;
(..)”.
Estas normas estão igualmente citadas na sentença recorrida, na qual, porém, foi olvidada a referência ao disposto no n.º 3 do art.º 2016-A do mesmo Código, no qual o Legislador afirma muito claramente que “O cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio”.
E, face às alegações produzidas pela apelada esse acaba por ser o fio condutor da postura da mesma em Juízo.
O que, face ao comando legislativo agora citado, não é aceitável.
Para fundamentar o seu decreto judicial absolutório, escreveu unicamente o Mmo Juiz a quo o que a seguir se transcreve:
“Quanto àquele primeiro normativo (nota não constante do texto transcrito: o art.º 2012º), temos que a obrigação alimentar está, a todo o tempo, sujeita a variações, podendo ser aumentada ou diminuída. Desde que se alterem as circunstâncias determinantes para fixar os alimentos, desde que as necessidades económicas de quem recebe e as disponibilidades financeiras do que presta se alterem, a lei (citado normativo) permite que o quantitativo da prestação se adapte a todo o momento à evolução desses dois factores.
Pela segunda disposição legal citada, a obrigação alimentar extingue-se, quando aquele que presta os alimentos não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles.
Voltando ao caso dos autos, não está em causa saber se a situação económica do obrigado a alimentos (o Autor) se agravou, ao ponto de admitir a possibilidade de a pensão alimentar cessar ou ser reduzida.
O que se discute é se a situação económica da necessitada (a Ré) melhorou, em termos de não necessitar mais de alimentos, ou ser menor o auxílio pecuniário de que necessita para viver, em ordem à redução da prestação alimentar fixada.
Dos factos provados, não é possível, em meu entender, concluir que a situação económica da Ré melhorou de forma a permitir reduzir o montante dos alimentos fixados por acordo entre A. e Ré.
Com efeito, presentemente a prestação de alimentos mensal que o Autor entrega à Ré, actualizada, ascende a € 573,65 que, somados ao valor recebido pela Ré do seu trabalho, € 400,05, esta fica com uma disponibilidade financeira mensal no total de € 974,15.
Porém, e por causa do seu trabalho, são por conta da Ré as despesas de transporte e a alimentação (jantar), a casa onde vive a Ré, o 3.º andar esquerdo do prédio sito na Rua do Cruzeiro, n.º 21, em Lisboa integra um prédio com 57 anos e quer o prédio quer o andar carecem de obras de conservação e manutenção, tal andar não é fonte de rendimento para a Ré, na pendência do matrimónio a Ré tinha um nível de vida de nível superior que lhe era permitido em função da capacidade económica do Autor, e a Ré passou, pelo menos duas vezes, férias no estrangeiro com o Autor, eram frequentes os passeios pelo território nacional designadamente passando fins-de-semana nas Pousadas de Portugal, hoje e nos últimos anos, a Ré praticamente não sai de casa pois não tem dinheiro para as despesas, a Ré sofre de doenças com as articulações, sofre de fibromialgias e tem de efectuar tratamento duas vezes por ano, sofre de incontinência urinária e de hepatite B., tem um princípio de glaucoma e alergia a alguns medicamentos, febre dos fenos, rinite alérgica e sofreu há dois anos um A.I.T. (acidente isquémico temporário), a Ré, em Junho último, suportou os seguintes encargos, telefone da rede fixa: € 33,60, água à Epal € 12,47, gás (Lisboa Gás) € 13,86, em electricidade (EDP) € 33,36, quota do condomínio € 20,00, seguro de responsabilidade civil obrigatório (casa) € 62,00, transportes (passe da Carris) € 22,60, saúde (medicamentos e exames) € 133,62, dívida a uma amiga para reparação dos esgotos € 250,00, Vodafone € 15,00, que totalizaram € 602,95, sendo que a estes valores há que adicionar as despesas com alimentação, roupa, calçado, médicos, manutenção da casa, produtos de limpeza e outros, para os quais, feitas as contas, a Ré dispõe mensalmente de € 371,20.
Ora, tendo em contra os rendimentos do A. e o modo de vida que tais rendimentos proporcionavam à Ré, quando estava casada com o A., bem como o comportamento deste, que desmotivou a Ré na evolução no mundo do ao trabalho com promessas que não foram cumpridas, afigura-se que o rendimento do trabalho da Ré mais a pensão de alimentos que o A. lhe está a pagar, não lhe permitem continuar a ter o mesmo modo de vida. Se é certo que agora a Ré trabalha, obtendo algum rendimento, também as despesas da Ré aumentaram, mesmo sem continuar a ter os lazeres que tinha. Com efeito ficou provado que a Ré sofre de doenças com as articulações, sofre de fibromialgias e tem de efectuar tratamento duas vezes por ano, sofre de incontinência urinária e de hepatite B. tem um princípio de glaucoma e alergia a alguns medicamentos, febre dos fenos, rinite alérgica e sofreu há dois anos um A.I.T. (acidente isquímico temporário).
A pensão alimentar é de si variável na medida em que possa ser reduzida ou aumentada, consoante as alterações que porventura se verifiquem nas necessidades do alimentando e nos recursos do alimentante. Há portanto que equacionar sempre as necessidades do primeiro e as possibilidades do segundo.
A prestação de alimentos, pertence ao número das dívidas que alguns autores chamam de dívidas de valor, por isso daquelas dívidas que a lei civil manda, quando as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificam, actualizar (art.ºs 551/1 e 2012 do CCiv).
Assim, da interpretação que se faz da factualidade provada, como já se disse, não é possível concluir que a situação económica da Ré melhorou de forma a permitir reduzir o montante dos alimentos fixados por acordo entre A. e Ré, sem uma deterioração considerável do modo de vida da Ré e, sendo assim, por maioria de razão, não é possível determinar a cessação da prestação alimentar que impende sobre o A.” (sic - fls 276 a 279).
Não se questiona a descrição das despesas e da situação de saúde da Ré feita neste trecho da sentença – com uma ressalva: a despesa de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), correspondente ao pagamento de dívida para com uma amiga para reparação dos esgotos, não pode ser considerada uma despesa corrente pois, mesmo num prédio tão relativamente antigo como o habitado pela Ré (Lisboa é uma cidade que existe há mais do que um milénio), obras desse montante não acontecem todos os meses.
Mas pode e tem de ser questionada a perspectiva algo unilateral subjacente a todo esse raciocínio porque desconsiderou totalmente o facto de a Ré ter, entretanto, conseguido empregar-se.
É verdade que o Autor só de si se pode queixar na medida em que não invocou, como bem podia, qualquer facto relativo à sua situação económico-social, nomeadamente, onde vive, quais são os seus gastos quotidianos, consigo e com o filho que tem, como sempre teve, a seu cargo (e que, crê-se, não terá deixado de gerar despesa só porque entretanto atingiu a maioridade) e como gere o seu dia-a-dia, atendendo à sua idade (a Ré nasceu a 13 de Julho de 1953 - certidão de nascimento de fls 8 – e o Autor a 21 de Dezembro de 1949 - certidão de nascimento de fls 86), mais, nem sequer se lembrou de apresentar, e o tempo que a acção esteve pendente em 1ª instância assim o permitia, um articulado superveniente dando conta da profunda diminuição por si sofrida nos seus rendimentos como pensionista da Caixa Geral de Aposentações, o que, realmente, até pode ser considerado um facto mais do que notório (art.º 514º do CPC), mas a circunstância de a Ré passar a dispor de um rendimento próprio é, por si só, uma relevante alteração das circunstâncias.
E um qualquer declaratário normal colocado na posição do real declaratário ou diligente bom pai/mãe de família (artºs 236º e 487º n.º 2 do Código Civil), confrontado com essa factualidade ter-lhe-ia dado a devida relevância.
O que, manifestamente, não aconteceu na sentença que aqui se sindica.
4.2.3. A fixação, por acordo das partes, de uma prestação a título de alimentos a pagar pelo Autor à Ré foi feita em determinadas circunstâncias não totalmente apuradas, nomeadamente porque não foram sequer alegadas pelos ora litigantes.
Em todo o caso, tendo, também por razões que se desconhecem, a guarda do filho do casal sido atribuída ao pai (Autor), pode, sem margem para reparos ou críticas, ser afirmado que tais circunstâncias não são habituais.
Pode facilmente admitir-se que tal terá ficado a dever-se ao facto de a Ré ter deixado o seu emprego por força das insistências e de algumas promessas – afinal objectivamente incumpridas – feitas pelo seu, na altura, marido, porém, por alguma razão os subsídios de desemprego têm um tempo de duração limitado.
Outro dos elementos de facto desconhecidos, é também o valor do salário mensal auferido pela Ré quando trabalhava na “..”, particularmente a remuneração percebida do ano em que terminou essa relação laboral.
O que significa que são parcas as informações disponíveis acerca da situação existente no momento do nascimento da obrigação de alimentos em discussão neste processo (por exemplo, desde quando sofre a Ré das doenças que a afligem?).
O que torna ainda mais relevante este acréscimo de rendimentos da Ré, por diminuto que o mesmo possa ser – e até é.
Repare-se que a pensão prestada tem vindo a ser anualmente actualizada de acordo com a taxa de inflação e tal modificação corresponde a uma razoável e proporcionada adaptação do valor inicialmente fixado às transformações da vida corrente de todos os que interagem no comércio jurídico, incluindo a Ré (e, concomitantemente, o Autor).
Esse novo montante transformou inegavelmente o status quo ante, tornando perfeitamente justificável uma alteração substancial do valor da pensão, para menos, como não podia deixar de ser.
Mas já não a extinção total da obrigação, porque a verdade é que a Ré perdeu muito por ter deixado de trabalhar e isso ficou a dever-se, repete-se, às insistências e a promessas não cumpridas por parte do Autor.
E as perdas ao nível da pensão de reforma serão as mais merecedoras de atenção e cuidado.
E, ponderada a situação económica dos dois litigantes, tanto quanto a mesma é descrita na matéria de facto, entende este Tribunal Superior ser adequado e proporcionado reduzir o valor da pensão mensal a pagar pelo Autor à Ré a € 300,00, mantendo-se as demais condições dessa prestação inicialmente fixadas.
4.2.4. Nesta conformidade, sendo apenas parcialmente procedentes as afirmações contidas nos primeiro, segundo, quinto e sexto parágrafos das conclusões das alegações de recurso do apelante, há que alterar o decreto judicial prolado através da decisão recorrida, decretando-se, em sua substituição, que o valor mensal da pensão devida pelo Autor à Ré fica reduzido a € 300,00 (trezentos euros), mantendo-se as demais condições dessa prestação inicialmente fixadas.
O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.
*
5. Pelo exposto e em conclusão, com os fundamentos enunciados no ponto 4. do presente acórdão, julga-se parcialmente procedente a apelação e:
a) declara-se que a sentença recorrida não é nula, e
b) altera-se o decreto judicial prolado através da decisão ora recorrida e sindicada, e, decreta-se, em sua substituição, que o valor mensal da pensão devida pelo Autor à Ré fica reduzido a € 300,00 (trezentos euros), mantendo-se as demais condições dessa prestação inicialmente fixadas.
Custas por ambas as partes na proporção do respectivo decaimento.
Lisboa, 18/12/2012
______________________________ (Eurico José Marques dos Reis)
(Ana Maria Fernandes Grácio)
(Paulo Jorge Rijo Ferreira)